Elis do Nascimento Silva – Ecologia Política Texto: HECHT, Susanna B. A evolução do pensamento agroecológico. In: ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Agropecuária, 2002. p. 21 – 51. ABSTRACT 1) Temática: Agroecologia 2) Problemática: 3) linha de argumentação e resultados alcançados pelo autor. 4) Palavras-Chave: Agroecologia, Agricultura Sustentável, Pensamento Sistêmico. RESUMO Ao analisarmos a história da agricultura, durante a aventura da humanização (Morin), podemos perceber que a ciência e a prática da agroecologia se dão concomitantemente com este período. Tendo início com a Revolução Agrícola, no período Neolítico há mais de 10.000 anos, a agricultura significou uma transição qualitativa de alguns grupos humanos coletores, caçadores e pescadores nômades para a condição de fixação territorial, a partir da familiarização destes com as condições ambientais locais de sobrevivência. O homem passou a se humanizar através de sua relação direta com a terra, que provia suas necessidades energéticas por efeito da acumulação de observações e experimentos do sistema agrícola desenvolvidos gradualmente. Como conseqüências, esta relação simbiótica do homem com a natureza desencadeou um aumento demográfico exponencial na superfície terrestre (pelo aumento da fertilidade vincular-se à satisfação alimentar deste período), o estabelecimento de representações sócio-culturais nas comunidades (como a divisão do trabalho em idade e sexo, e manifestações artísticas) e uma expansão perceptiva do tempo-espaço - pautada em uma comunicação simbólica com o cosmos e a natureza, dadivosos com sua subsistência. Ou seja, o homem reordenava intensionalmente a natureza “Historicamente, o manejo agrícola incluía rica simbologia e sistemas rituais que freqüentemente serviam para controlar as práticas de uso da terra e para codificar os conhecimentos agrários dos povos que não conheciam a escrita. A existência de cultos e rituais agrícolas é documentada em muitas sociedades, incluindo as da Europa Ocidental. Certamente, estes cultos eram focos essenciais da Inquisição Católica.” (p. 22-23). Neste sentido, a agroecologia compreende o desenvolvimento agrícola como um processo co-evolutivo entre o sistema social e o sistema ambiental, que se relacionam de maneira intedependente no ecossistema. Tais procedimentos sócio-culturais e as constantes inovações tecnológicas, aumentavam a capacidade produtiva à medida em que o homem aprimorava os conhecimentos agronômicos desenvolvidos localmente. As constantes descobertas tecnológicas que emergiram com o advento da lógica mercantil estimulavam o processo de colonização dos sistemas agrícolas e culturas locais, pautados no método científico positivista do século XVIII, que submetia a natureza à uma perspectiva mecanicista e atomística. Estava, desta forma, consolidada a subordinação dos conhecimentos nativos pela supervalorização da razão e linguagem científica como único conhecimento válido. “Esta transição epistemológica substituiu uma visão orgânica e viva da natureza por uma abordagem mais mecânica”. (p.25) O autor relaciona três processos históricos como propulsores da desestabilização dos sistemas de conhecimentos agronômicos tradicionais pelas sociedades colonizadoras ocidentais (p.22): 1. – a destruição dos mecanismos populares de codoficação, controle e transmissão das práticas agrícolas; 2. - as modificações dramáticas ocorridas em muitas sociedades indígenas e seus sistemas de produção dos quais sobreviviam, causadas pelo colapso demográfico, escravidão e por processos de colonização de mercado; 3. - a ascensão da ciência positivista. As transformações profundas ocorridas nas formas de produção agropecuária se disseminaram pelo mundo nos anos 50. Nesse período pós-guerra, a tecnologia bélica perdeu sua finalidade, mas encontrou um escoamento para sua produção, transformando tanques de guerra em tratores. A “redescoberta” da agroecologia , assim como o uso contemporâneo deste termo, se deu em meados dos anos 60, como reação às estratégias e conseqüências da “Revolução Verde”: uma iniciativa “solidária” dos países ricos para erradicar o problema da fome e da pobreza, que imperavam nos países de Terceiro Mundo. A campanha norte-americana, “Food for peace”, compartilhava da ótica dos países envolvidos que associavam a pobreza e a fome do Terceiro Mundo à um problema de produção de alimentos. Os impactos das tecnologias introduzidas nas áreas rurais, as mudanças nas formas de cultivo, os efeitos da expansão do mercado, as alterações nas relações sócio-culturais, assim como as transformações nas estruturas de demarcação latifundiária e no acesso a recursos commons, tornaram-se instrumentos de análise de várias disciplinas e constituiram o primerio estudo holístico das estratégias de desenvolvimento rural. *Principais conseqüências da modernização agrícola, fomentada pela Revolução Verde (p.47): Marginalização e estratificação social de grande parte da população rural, sendo empurrados para terras frágeis e marginais; Aumento da desigualdade econômico-social, pela transferência de benefícios dos pequenos produtores rurais aos produtores ricos; Redução da biodiversidade ecossistêmica através da propagação das monoculturas e estreitamento das bases genéticas da agricultura, aumentando o risco dos agroecossistemas devido à vunlneralibilidade a pragas, doenças e variações climáticas; Redução da diversidade de estratégias de subsistência viáveis às famílias rurais, assim como a ocorrência de dependência da produção agrícola; Supressão de formas de acesso à terra e aos recursos naturais comuns; Diminuição dos graus de resiliência e estabilidade dos agroecossistemas atingidos. A agroecologia ressurge, então, como uma abordagem agrícola, sistêmica e interdisciplinar (em reação ao modelo degradante e unidimensional da agricultura convencional), por entender que os sistemas agrícolas correspondem não só a forças ambientais, bióticas e cultivares, mas também refletem estratégias de subsistência humana e condições econômicas interdependentes. Ou seja, há uma inter-relação co-evolutiva entre características endógenas, biológicas e ambientais dos cultivos agrícolas com os fatores exógenos, sociais e econômicos, que geram a estrutura particular dos agroecossistemas ( as unidades de análise da agroecologia). O que é a agroecologia? De acordo com o autor, a agroecologia pode ser entendida como uma abordagem agrícola que prioriza a sustentabilidade ecológica do sistema de produção e, para isso, incorpora cuidados especiais relativos ao ambiente e aos fatores sócio-culturais. Visão Ecológica: Por conceber os cultivos agrícolas como ecossistemas, a agroecologia tem como principal objetivo compreender a forma, a dinâmica e a função das relações ecológicas que se interagem mutuamente. Através de uma estrutura analítica baseada na teoria geral dos sistemas (TGS), a agroecologia realiza tentativas teórico-práticas de compreensão das variáveis que se inter-relacionam na agricultura, visando uma otimização na produção, a redução de impactos sócio-ambientais, uma maior sustentabilidade agrossistêmica e a diminuição do uso de insumos externos. A perspectiva Social: Para compreender um determinado sistema de produção, faz-se necessário uma análise a partir de uma perspectiva holística e sistêmica, já que os agroecossitemas consistem em interações complexas entre processos sociais, biológicos e ambientais externos e internos (p.29). Portanto, podemos inferir que os graus de resiliência e equilíbrio biodinâmico dos agroecossistemas são determinados e devem ser compreendidos pela interdependência entre as características endógenas e exógenas dos mesmos (ver exemplos p. 27-28). Uma questão importante a ressaltar, é a diferença estrutural e funcional entre o sistema ecológico “natural” e o sistema agrícola, relacionadas à intensidade e freqüência das ações antrópico-naturais sobre o ecossistema. “(...) os agroecossistemas são ecossistemas semidomesticados, situando-se numa posição intermediária entre os ecossistemas que apresentam mínimo impacto e aqueles sob máximo controle humano, como as cidades” (p.28). Cada agroecossistema deve ser analisado especificamente, pois apresenta dinâmica e variáveis sócio-culturais próprias, que exigem estratégias de desenvolvimento rural local para sua sustentabilidade e harmônica co-evolução. Desafio da Agroecologia: superar a abordagem reducionista das ciências agrícolas convencionais, que concebem os sistemas agrícolas de forma atomizada através de um enfoque mercadológico de produção. A transdiciplinaridade constitui um grande desafio á pesquisa agroecológica, visto as conseqüências destrutivas das metodologias científicas tradicionais para o meio rural, como danos ecológicos e altos custos sociais. Outro desafio do pensamento agroecológico refere-se à questão normativa, já que possui influência legítima das mais diversas áreas e pensamentos, como a Antropologia, a Economia e a Ecologia (que formam o arcabouço intelectual da agroecologia). Autores que influenciaram o desenvolvimento da Ecologia Agrícola: Klages (19281942); Papadakis (1938); Azzi (1956); Tischler (1965), que definiu e integrou a Ecologia Agrícola nos curricula agronômicos; Chang (1968) e Loucks (1977). Os anos 70 apresentaram uma expansão significativa da literatura agronômica com perspectiva agroecológica, sendo nos anos 80 que o componente social emergiu fortemente, como resultado de pesquisas sobre o desenvolvimento rural e das críticas ao modelo de desenvolvimento agrícola norte-americano. *Abordagens Agronômicas (p.34): metodológicas do pensamento agroecológico nas Ciências 1- Descrição analítica: mensuração e descrição dos sistemas agrícolas, assim como a identificação de suas características particulares. Contribui para a compreensão dos agroecossistemas e sua dinâmica sócio-ambiental; 2- Análise Comparativa: a pesquisa comparativa envolve a comparaçãode uma monocultura ou outro sistema de produção com um agrossistema tradicional mais complexo. Ponto desfavorável: utilização de metodologias científicas tradicionais, que podem negligenciar a heterogeneidade do ecossistema local. 3- Comparações experimentais: simplificação dos sistemas agrícolas tradicionais para um melhor controle das variáveis envolvidas. (CONTROLE e SIMPLIFICAÇÃO??) 4- Sistemas agrícolas normativos: sistemas agrícolas desenvolvidos a partir de um modelos teórico-metodológicos planejados ou imitados (a exemplo, um sistema agrícola indígena pode ser reconstituído). Simulação de seqüências das sucessões ecológicas preexistentes. A associação das ciências agrícolas à Ecologia e movimentos ambientalistas contribuiu fortemente para a consolidação da Agroecologia como disciplina holística de fomento à uma transição paradigmática. Entre as diversas preocupações, áreas, movimentos e linhas de conhecimento que tiveram grande influência na pesquisa-ação da agroecologia, podemos relacionar: *Ambientalismo: forneceu a estrutura filosófica que fundamenta os valores da tecnologia alternativa e dos projetos normativos da agroecologia. A perspectiva neomalthusiana, que relacionava a degradação ambiental e dos recursos naturais aos aumentos populacionais, foi sucedida por novas abordagens da literatura crítica, que propunham a sustentabilidade e a auto- suficiência a partir de modelos alternativos de sociedade. Denúncias aos problemas ambientais concernentes à agricultura mecanizada foram feitas, como a toxidade dos agroquímicos, acentuado uso de insumos não-renováveis, dependência econômica dos países do Terceiro Mundo, etc. Dentre as obras mais visionárias deste período, estão: Silent Spring (Rachel Carson, 1964), Blueprint for Survival (The Ecologist, 1972), Small is Beautiful (Shumacher, 1973). *Ecologia: os estudos ecológicos contribuiram para a expansão do campo analítico dos problemas agrícolas, que foram desenvolvidos mediante uma ampliação dos paradigmas vigentes. *Sistemas Indígenas de Produção: visto a ameça de homogeneização cultural pelos sistemas agrícolas tradicionais, pesquisas etnoagrícolas foram desenvolvidas por equipes multidisciplinares, que descreveram e analisaram as práticas agrícolas dos povos indígenas e camponeses. Estas pesquisas deram ênfase `as dimensões sociais da produção, que sustentavam a lógica e dinâmica dos sistemas agrícolas. “Outro resultado importante de muitos destes trabalhos em sistemas tradicionais de produção é a necessidade de diferentes noções de eficiência e racionalidade, para que se entendam os sistemas indígenas e camponeses”(p.44). Desta maneira, a aproximação com os conhecimentos agrícolas nativos iluminou o desenvolvimento e percepção científica quanto ao manejo integrado e sustentável dos agroecossistemas, revelando sistemas de produção alternativos na Agroecologia. * Estudos do Desenvolvimento Rural: as análises elaboradas sobre o desenvolvimento rural do Terceiro Mundo permitiram o entendimento das importantes estratégias locais de produção para a adaptação e integração com a dinâmica do mercado externo. Foram evidenciadas as conseqüências da (tentativa de) adoção do modelo tecno-agrícola dominante pelas comunidades rurais, como a extrema marginalidade sócio-econômica, a utilização de rucursos não-renováveis e inacessíveis à maioria dos produtores mundiais. As limitações ocasionadas pela produção em “larga escala” e o modelo agrícola de desenvolvimento, incentivado pela Revolução Verde, fizeram com que mais de um bilhão de agricultores locais ficassem em situação de extrema dependência dos recursos e tecnologias externas. Estas pesquisas tiveram importância essencial para a elucidação de questões abordadas de maneira preconceituosa no tocante às limitações dos pequenos produtores (muitas vezes considerado incapacitado e sem conhecimento). “Nunca a tecnologia, em si mesma, foi criticada” (p.50). Expressões da filosofia cíclica e participativa agroecológica (a pesquisa agrícola e desenvolvimento devem começar e finalizar no produtor) : “O agricultor em primeiro e último lugar”, “do agricultor e de volta ao agricultor” ou “revolução agrícola autóctone”. (p.50) Reação `as estações experimentais e comitês de planejamento isolados. Agroecologia: Desenvolvimento ambiental e participativo; ferramenta analítica e abordagem sistêmica normativa da pesquisa-ação agrícola; visão “multidisciplinar”