A CONTRACULTURA REPRESENTADA PELO ROCK NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NA ADOLESCÊNCIA Diogo José Siqueira - Universidade Federal da Fronteira Sul1 Introdução Desde o início dos tempos a transmissão do conhecimento se dá através da reunião de um grupo de jovens ou pessoas menos conhecedoras de uma determinada área de conhecimento para tomarem algumas lições tirada do conhecimento de alguém mais experiente. Na Grécia Antiga foi fundada a primeira instituição de ensino, sob os cuidados de Platão, em 387 a.C., onde se discutiam temas como filosofia, matemática, elementos morais e metafísicos, justiça e sobre as virtudes. (SILVA, 2007, p. 2 – 3). A educação pode ser definida como um fenômeno social, por sua origem, seus objetivos e funções, e por estar relacionada ao contexto político, econômico, científico e cultural de uma sociedade historicamente determinada. Se considerar-se que a sociedade tem interesse em educar sua população de modo a ter suas necessidades atendidas pode-se deduzir que, apesar de a educação ser um processo constante na história de todas as sociedades, ela se mostra vinculada ao projeto de homem e de sociedade que se deseja ver através do processo educativo, sendo, então, diferente para cada local e período de tempo que se observe. (SCHAFRANSKI, 2005). A institucionalização da escola, semelhante ao que conhecemos hoje, se deu a partir do séc. XVI, como uma exigência da burguesia, quando surgiram conceitos mais específicos sobre a infância e a família. Este foi um período de separação entre a criança e o adulto, tornando as escolas ambientes segregados (dividido por séries e faixas etárias, quando não por gênero), onde se poderia proteger as crianças das más influências do mundo. O contexto da escola, inicialmente, era justamente este: separar as crianças do mundo dos adultos e preserválas de um mundo considerado perverso e hostil. (ARANHA, 1996). 1 [email protected] Ao longo do tempo a escola passou por diversas transformações, reestruturando seus métodos de ensino, de organização na estrutura física da instituição como um todo, das salas de aula e até mesmo da forma como cada aula, de cada disciplina, seria trabalhada com os alunos. Muitos estudos foram feitos, principalmente nas últimas décadas, definindo tendências e metodologias, adotadas por diversas instituições. A mais amplamente utilizada e predominante até os dias atuais é a escola tradicional. A Escola Tradicional surgiu após a revolução industrial (séc. XVIII), enfatizando a educação técnica, preparando a população para o trabalho. As classes tinham cerca de 30 alunos e as aulas eram ministradas por um único professor nas primeiras séries, quando se trabalhava a alfabetização e conhecimentos sobre ética, política, geografia, história e ciências básicas, e posteriormente, quando trabalhando disciplinas mais científicas ou técnicas, um grupo de professores, individualmente, abrangendo cada um uma disciplina específica, conforme sua área de formação. (DINIZ e AMARAL, 2009). Não existe uma preocupação com o espaço físico da sala de aula dentro de instituições tradicionais. Geralmente são ambientes vazios e padronizados, compostos apenas por carteiras alinhadas paralelamente, lousa e cortinas. Os alunos sentam-se distanciados uns dos outros, geralmente sem permissão para interagirem entre si. Crianças e jovens acabam por sentir-se pouco estimulados a aprender neste espaço, uma vez que não há atrativos neste ambiente monótono. Em algumas instituições utiliza-se um retroprojetor, projetor digital ou televisor, para transmissão de imagens e textos, o que facilita o processo de aprendizagem, mas uma parte considerável do corpo docente das instituições não realiza um trabalho tão proveitoso quanto poderia, mesmo com estes recursos disponíveis. Uma possível adaptação seria a utilização de salas-ambiente. As escolas, porém, não são favoráveis à circulação de alunos nos corredores da instituição em horário de aula, além de argumentar altos custos para a implantação de salas-ambiente, ou salas temáticas. Estas salas funcionam bem e são interessantes para a complementação do aprendizado quando implementadas corretamente. Elas oferecem mais recursos e estímulos aos alunos. Numa salaambiente de Ciências, por exemplo, pode haver maquetes, quadros, tabelas, microscópios, terrários, livros paradidáticos, DVD com filmes e documentários temáticos, revistas entre outros recursos. Os alunos podem dispor-se de forma a facilitar o trabalho em equipe, como em círculos, ou ilhas, e não em fileiras, como em uma sala tradicional. Porém, além dos problemas físicos, estruturais e a falta de recursos didáticos, há um problema ainda mais grave: a falta de preparo, de especializações, qualificação e incentivo ao corpo docente das escolas, geralmente mal remunerados e mal preparados para assumir a posição de “educadores”. Nas palavras do educador Moran, da Universidade Estadual de São Paulo (2011), São poucos os educadores e gestores proativos, inovadores, que gostam de aprender e que conseguem pôr em prática o que aprendem. Temos muitos profissionais que preferem repetir modelos, obedecer, seguir padrões, que demoram para avançar. São mais os que adotam uma postura dependente do que os autônomos, criativos, proativos. Sem pessoas autônomas é mito difícil ter uma escola diferente, mais próxima dos alunos que já nasceram com a Internet e o celular. (MORAN, 2011, n.p.) Percebe-se que na atualidade, apesar de terem superado muitas das imposições e atitudes repressoras e violentas utilizadas no passado, que se utilizavam inclusive de punições físicas, muitas escolas ainda seguem, em muitos aspectos, os costumes da escola tradicional, não tendo assim um bom rendimento em relação ao aprendizado e à aprovação do ambiente escolar por parte dos alunos. O presente trabalho foi feito com o objetivo de descrever de que forma o Rock pode ser um agente de contracultura e como sua influência pode atuar no processo de ensino-aprendizagem na adolescência. Metodologia Partindo da problemática “Como o Rock, enquanto forma de contracultura, pode ser usado no processo de ensino-aprendizagem na adolescência?”, realizou-se uma pesquisa bibliográfica qualitativa, através de consultas a artigos científicos, periódicos e sites de educadores e pesquisadores da música e da educação para encontrarmos referências sobre a interação entre música, contracultura, educação e rock. Os dados históricos e a característica social dos movimentos culturais e contraculturais observados foram analisados com a atenção voltada principalmente para seu conteúdo psicossocial e o desenvolvimento do indivíduo como membro ativo da sociedade, estabelecendo uma relação dinâmica entre sua ação em meio à sociedade, seu posicionamento enquanto indivíduo e o mundo como um todo, sendo indissociável este elo de ligação entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito, algo que não pode ser interpretado por fórmulas exatas. (ASSIS, 2012, p.14). Conforme sugere Assis, em seu livro “Metodologia do Trabalho Científico” (2012) a interpretação dos resultados foi feita através de uma observação direta do contexto onde se apresenta o indivíduo – o jovem em idade escolar – e da utilização da música como ferramenta didática, pedagógica e cultural, e como suas interações diretas com o indivíduo produzem modificações na forma como este interpreta aquilo que observa e vivencia e interage com o meio social e cultural onde vive, contrapondo aquilo que lhe parecer injusto ou insatisfatório, utilizando-se desta ferramenta para melhor expressar suas ideias, pensamentos e sentimentos para outros indivíduos com quem tenha a possibilidade de interagir – não apenas com aqueles com quem tem contato, levando em consideração que, numa sociedade globalizada, como a atual, um indivíduo habitante de uma região remota do globo, tendo condições tecnológicas para isso, pode comunicar-se com outro indivíduo a quem nunca viu, de uma cidade distante ou outro lugar também remoto, e vice-versa. Mais especificamente, dentro das observações no campo da cultura, foram priorizadas as relações sociais de um gênero musical específico, o Rock n’ Roll, estruturando a análise em seu âmbito histórico social, já que os primeiros movimentos de contracultura surgiram na mesma época em que iniciaram-se as primeiras apresentações de grupos musicais atuantes neste gênero, utilizando-se de temas como crítica social, diferenças raciais e outros, no intuito de quebrar os paradigmas sociais vigentes nas décadas de 1940-50, mantendo-se ativo até hoje, principalmente entre grupos de jovens de diversas faixas etárias. Para definição do objeto de estudo – o rock e sua influência na educação – baseamonos em observações feitas nos últimos anos, quando bandas de rock passaram a incentivar ações de caridade, em projetos como o Live 8 (LIVE 8, 2005), quando mais de 150 artistas e bandas apresentaram-se nos países membros do G-8, com a ideia principal pressionar os líderes mundiais para perdoar a dívida externa das nações mais pobres do mundo, além de aumentar as relações, melhorar a ajuda, negociar regras de comércio mais justas que respeitem os interesses das nações africanas e celebrar o 20º aniversário da campanha Live Aid, durante a cúpula com os representantes dos países-sede das apresentações, de ecologia, como o projeto Muda Rock (MUDA ROCK, 2011) autointitulado como movimento “ecorockalismo”, que incentiva a atuação dos -jovens em projetos ecológicos e sociais, com inúmeras bandas e artistas brasileiros apoiando o projeto, que conta com a participação de inúmeros jovens, entre outros, além da atuação individual de artistas e bandas de rock em eventos deste tipo, mobilizando seus fãs a agirem de maneira semelhante. A formação acadêmica, especialização e atuação profissional, todas na área da educação, serviram como delimitadores do tema, guiando os pensamentos e direcionando as pesquisas para esta área, uma vez que a música é parte da grade curricular de algumas instituições, já foi uma disciplina obrigatória durante alguns períodos da história (como na Ditadura Militar brasileira) e é utilizada como forma de terapia psicossocial (musicoterapia). Os fatos históricos, tanto da escola quanto da contracultura e do Rock N’ Roll foram citados como fomento à reflexão e compreensão do contexto em que se encontram em sua origem até o momento em que se unem, para atuarem juntos, em conformidade ou não. As considerações finais, por fim, tratam de uma livre interpretação dos fatos aqui expostos, unindo informações adquiridas durante a pesquisa, com comentários totalmente livres de opiniões pessoais, imparciais e dentro dos objetivos do trabalho, sem estabelecer críticas a sistemas ou a outras formas de cultura, tampouco outros gêneros musicais, uma vez que o pesquisador acredita que a arte, como um todo, pode originar excelentes resultados, dependendo unicamente da intenção daquele que a promove. Rock e Escola: Evolução Histórica A Escola Tradicional vê o homem a partir de um ponto de vista capitalista, como sendo parte de um contexto que não faz parte dele e do qual ele precisa assimilar o conhecimento durante seu período de educação escolar e de sua vida. Para as instituições que seguem esta linha de raciocínio a compreensão e domínio do mundo constituem a assimilação dos saberes que retornarão bens à sociedade capitalista, e serão utilizados como instrumentos, para que os portadores destes conhecimentos possam instruir outros indivíduos e/ou tornar-se profissionais eficientes, conforme as exigências do capitalismo. (DINIZ e AMARAL, 2009). Muitas pessoas, entretanto, não têm aptidão para instruir outros indivíduos, ou para prestar serviços técnicos. Sendo assim, surge um interesse alheio aos interesses capitalistas. Como forma de combate às imposições das escolas tradicionais, surgiram movimentos que traziam ideias divergentes e inovações na forma de aquisição do conhecimento. Sendo a escola o principal meio de disseminação cultural, nenhum outro ambiente seria tão propício para a divulgação destes novos movimentos, que vinham combater as formas tecnicistas e tradicionalistas de ensino-aprendizagem, a formação de indivíduos que poderiam somente atender às exigências de uma sociedade com interesses capitalistas. A este movimento que se opõe aos valores e costumes vigentes em uma sociedade chamamos contracultura. Pereira, em seu livro “O que é Contracultura” (1992), define a contracultura nos pontos de vista histórico e social: De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente e que, embora muito próximo de nós, já faz parte do passado”. [...] “De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, ‘rompe com as regras do jogo’ em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social. (Pereira, 1992, p. 20). O ápice histórico da contracultura foi a década de 1960, com a propagação de ideias inovadoras, de mobilização e contestação social, transformações nos conceitos de consciência, valores e comportamento, a busca por novos espaços e diferentes canais de comunicação entre os indivíduos. Desde os anos 1950 os jovens passaram a buscar uma formação intelectual mais aprofundada que antes e contestavam o consumismo e o otimismo pós guerra vigente em boa parte dos países do ocidente, principalmente nos Estados Unidos. Na década seguinte, o surgimento do movimento Hippie trouxe inovações no campo dos conceitos de liberdade e felicidade. É neste período de vinte anos que surge o rock. Derivado do Blues, Rhythm & Blues e Country, o Rock também contou com a influência do Jazz, do Rockabilly, da música gospel e até mesmo da música clássica. Justamente em um período em que a juventude desejava mudanças, nomes como Jackie Brenston and The Delta Cats, The Kings Of Rhythm, Bill Halley And His Comets e alguns anos mais tarde Bob Dylan, The Doors, e Elvis Presley, com seu charme e movimentos ousados, se tornaram símbolos entre os círculos sociais jovens da época. Rapidamente o novo estilo tomou conta da América do Norte e embarcou até o velho continente, dominando as rádios de Londres. Chuck Berry, Bo Diddley, Fats Domino, Little Richard, Jerry Lee Lewis e Gene Vincent vieram logo em seguida, fazendo com que o Rock fosse rapidamente difundido. Os anos de ouro do rock iniciaram-se nos pubs ingleses, mais especificamente quando quatro jovens de Liverpool – os Beatles – surgiram com influências da Surf Music, Rhythm and Blues e Soul Music, com músicas dançantes e originalidade em suas letras e conceitos musicais. No mesmo período surgem os Rolling Stones, Pink Floyd, Animals, Yardbirds, Kinks, The Who e The Pretty Things, seguindo a mesma linha de raciocínio, cada uma com características únicas e totalmente revolucionárias para a época, como por exemplo o som psicodélico, com o intenso uso de distorções e outros efeitos nas guitarras e sintetizadores, além do abuso dos riffs melódicos e longos, principalmente no Rock Progressivo. Em suas letras as músicas traziam temas sociais, conflitos pessoais, questionamentos sobre a existência, sentimentos, festas, temas sobre as guerras e um considerável romantismo. Com a influência Hippie, o uso de drogas alucinógenas e a liberdade sexual foram incorporadas como temas das músicas, ganhando cada vez mais espaço entre os jovens, que aproveitavam este momento para negar os costumes tradicionais e limitadores vigentes à época, deixando as regras de bons costumes sociais. No dia 15 de Agosto de 1969, em Bethel, EUA, cidade a 1h30 de distância da famosa Woodstock, aconteceu o maior festival de Rock da história: Woodstock – 3 dias de paz e música. O evento foi um marco para o movimento hippie e contou com a presença de músicos como Santana, Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, Janis Joplin com a The Kozmic Blues Band, The Who, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Blood, Sweat & Tears, Johnny Winter e seu irmão, Edgar Winter e Jimi Hendrix. (WOODSTOCK STORY, 1969). Segundo Lilia Teles (2009), quatro amigos transformaram uma fazenda na região destas pequenas cidades do estado de Nova York em um encontro para celebração da juventude e do Rock N’ Roll. O festival mudou para sempre a música, a moda e a cultura mundial. Aproximadamente quinhentos mil jovens engarrafaram as estradas, acamparam, enfrentaram chuva, lama, falta de comida e alguns, inclusive, nunca mais saíram da região, habitando ainda hoje, quarenta e quatro anos depois, principalmente Woodstock, que ficou com a fama de cidade hippie. No Brasil, estes movimentos ligados à contracultura e à rebeldia jovem chegaram nas décadas de 1960 – 1970, com a Tropicália – grupo que contava com artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Tom Zé e deu nome ao movimento – e sua inspiração variada, mas principalmente das melodias de Hendrix e Joplin. Os padrões sociais eram deixados de lado em vários aspectos, sendo desafiados nas letras e melodias inovadoras para a música popular brasileira, nas roupas e estilos com influencias Hippies e até mesmo no cinema, com temas ligados aos problemas socioeconômicos do país. A Ditadura Militar deixou claro aos jovens que eles não teriam qualquer tipo de liberdade que pudesse colocar em risco a dominação exercida pelo alto comando que governou o país na década de 1960 e anos seguintes. Quando os grupos de jovens existentes na época foram desmanchados pelos militares, muitos jovens partiram para a luta armada, muitos permaneceram estagnados, num ócio consumista (seja lá do que for) e outros, resistindo à opressão, partiram para as artes, enriquecendo as colunas em jornais e revistas da época. O Pasquim e a coluna Underground foram pontos de referência e um local de consolo, crítica e divulgação de informações entre os jovens brasileiros no final da década de 1960. Júnior (2009) diz que o “não” à família burguesa e à contenção sexual, ao serviço militar, ao trabalho e à acumulação, à religião institucionalizada e aos seus dogmas, ao conhecimento “legítimo” ministrado nas escolas, entre outros, aludia com clareza a um outro “não”. “Isto é, ao processo civilizador que caracteriza a modernidade ocidental, sobretudo desde a revolução científica do século XVII, o Iluminismo e, é claro, o capitalismo industrial. (JUNIOR, 2009, n.p.) Cada dia de opressão, cada ato do governo contra a população, contra o jovem e seus pensamentos, suas vontades, eram mais motivos para a revolta, para desafiar as imposições das leis e das regras autoritárias capitalistas e familiares. A subjetividade começava a se tornar mais constante, as músicas, poesias e textos traziam em suas entrelinhas os gritos de rebeldia, a condenação dos opressores e a busca pelo “ser” que existia dentro de cada indivíduo. Com as influências culturais chegadas da América do Norte e Europa, os jovens chegaram a um extremo: idealizaram um festival brasileiro, uma união entre diversos grupos, seguindo os lemas hippies, e partiram como puderam – andando, de carro, ônibus, de carona – até a praia de Arembepe, na Bahia. Muitos não chegaram. A opressão aos longos cabelos, roupas naturais e discursos de liberdade era intensa. Mesmo assim muitos conseguiram chegar ao ponto de encontro estabelecido para pregar o direito de não tomar banho, de fazer sexo livremente e consumir maconha à vontade – na visão dos opressores. Mas a ideia central não era essa. (JUNIOR, 2009, n.p.). A censura era constante e abrangia tudo o que lhe fosse possível, restringindo as composições, prendendo os envolvidos em movimentos denominados “anarquistas”, grupos estudantis, entre outros, até poucos anos depois do final do regime militar, no final da década de 1980. Mas a juventude resistiu. O músico Raul Seixas e os músicos do grupo Mutantes tornaram-se grandes referências com suas composições excêntricas, com influências diversas, letras controversas, subversivas, cheias de apologias e “nãos” ao governo e aos costumes tradicionais, e abriram caminho para novas bandas. Grupos como Capital Inicial e Legião Urbana (que tiveram sua mais conhecida formação originada na separação dos grupos Aborto Elétrico e Dado e o Reino Animal), Titãs, Paralamas do Sucesso, Engenheiros do Hawaii surgiram nos anos finais da Ditadura Militar, na década de 1980, abordando temas ligados à juventude, sentimentos, sexo, drogas e problemas de cunho pessoal. (SANTOS, 2013). No mesmo período, na Europa e Estados Unidos, surgiam novos gêneros, como o Punk Rock e o Heavy Metal. Os anos 1990 trouxeram o Hard Rock e o Grunge. Bandas como U2, Pearl Jam, Nirvana, Foo Fighters, Red Hot Chili Peppers, Dream Theater, Coldplay, Blink-182 e Green Day dominavam todas as listas de grandes sucessos. Seus principais fãs, pode-se imaginar, eram jovens de todas as classes sociais, dos principais cenários culturais do mundo. (DANTAS, 2013). Muitas outras bandas surgiram neste meio tempo, cada uma com características peculiares, mesclando elementos de influências de várias bandas de estima de seus integrantes. Novos gêneros surgiram, e cada vez mais temas foram abrangidos em suas letras irreverentes, com seus estilos inovadores. Durante todo o processo de criação, divulgação e consolidação do Rock e suas mais variadas derivações, a juventude se fez presente e representou a maioria dos fãs dos novos ídolos que surgiam ao longo das décadas. Rock e Contracultura no Processo de Ensino-Aprendizagem Desde os tempos mais remotos a humanidade, interagindo com o ambiente onde se encontrava, concebeu e confeccionou instrumentos variados, criou e exercitou diferentes cânticos e desenvolveu com a linguagem musical uma relação cada vez mais estreita, rica de múltiplos valores. A música é parte integrante da cultura e da formação humana. Utilizada como meio de expressão e comunicação, constitui-se como meio da apreciação da música e do ato de fazer música. É importante destacar o caráter lúdico que a música possui, por suas relações entre o som e o silêncio, as diferentes composições rítmicas, a criação e o trabalho com ruídos, que podem ser concebidos como componentes musicais e, ainda, que a concepção musical é autônoma. A criança desenvolve a capacidade de expressar-se de modo integrado, realizando movimentos corporais enquanto ouve ou canta uma música. (CHIQUETO E ARALDI, 2008). Ainda no mesmo texto, Chiqueto e Araldi dizem que o desenvolvimento musical se dá pela exploração, pela pesquisa e criação, e pela utilização de variados recursos, conforme as experiências, maturidade, cultura, interesses do aluno e motivações internas e externas, o que comprova ser incoerente a ideia que: Para a grande maioria das pessoas, incluindo os educadores e educadoras (especializados ou não), a música era (e é) entendida como “algo pronto”, cabendo a nós a tarefa máxima de interpretá-la. Ensinar música, a partir dessa óptica, significa ensinar a reproduzir e interpretar músicas, desconsiderando a possibilidade de experimentar, improvisar, inventar como ferramenta pedagógica de fundamental importância no processo de construção do conhecimento musical (BRITO apud CHIQUETO E ARALDI, 2008, n.p.) Havendo condições favoráveis, qualquer pessoa pode aprender a fazer música, o que lhe garante o direito de ter livre acesso à cultura musical e às músicas produzidas em qualquer tempo da história, de forma ampla e democrática. Segundo Silva (2011), a música também pode ser vista como forma de terapia, mesmo nas instituições de ensino. Em um trabalho feito como educadora de música em uma escola pública do Rio de Janeiro ela atendeu alunos de classes de progressão – classes de alunos com idade superior a nove anos e ainda não são alfabetizados e que apresentam rendimento escolar muito inferior ao de outros alunos com a mesma faixa etária, por conta de fatores emocionais, sociais, familiares ou físicos. Conforme a pesquisadora descreve em sua obra, estes alunos “apesentavam dificuldades no aprendizado e nas relações sociais, (...) agressividade com as outras crianças, (...) dificuldade em manter boas relações na escola, (...) se dispersavam facilmente, (...) tinham dificuldade em ouvir e imensa necessidade de falar”. Era claramente necessário um enfoque além da educação com estes alunos, devido aos seus distúrbios do comportamento, o que exigia um foco de prevenção e promoção da saúde, iniciando-se, neste ponto, a ação da pesquisadora como musicoterapeuta, conforme sua qualificação profissional. (SILVA, 2011, p. 121). Conforme as condições sociais e culturais de cada indivíduo estes podem expor-se a situações que coloquem em risco sua integridade física, psíquica e emocional. O papel do educador, em um enfoque social, entra na educação social e prevenção deste tipo de experiência negativa, podendo-se utilizar a música como facilitadora deste processo. Sendo a música uma forma de promover uma integração entre os jovens, de disseminação de ideias e ideais, de desenvolvimento psicomotor e uma oportunidade de expressão, onde o jovem pode falar sobre a sua realidade, seus gostos e suas características pessoais, além de ouvir o que seus demais colegas têm a dizer, nas mesmas condições, é de grande relevância a sua presença nesta faixa etária tão importante para a construção do pensamento sociopolítico e cultural. Considerações Finais A musicalidade é um componente inerente ao ser humano, faz parte dos processos de desenvolvimento da criança e do adolescente, serve como meio de comunicação, de expressão, pode ser utilizado durante ritos de passagem, rituais religiosos e eventos culturais em seu mais amplo significado dentro das tradições dos povos em todo o mundo, desde os mais remotos dias em que a humanidade estabeleceu-se como “sociedade” e o indivíduo como membro ativo deste contexto social. O Rock apresenta-se, portanto, como agente da contracultura propagando as mensagens, estilos e concepções criados pelos movimentos de contracultura e, sendo o estilo musical mais difundido entre os jovens, atua diretamente no processo de ensinoaprendizagem, pois incentiva o questionamento dos métodos tradicionais da escola e da sociedade, além de um posicionamento como cidadão ativo e participante, e não apenas como membro passivo da sociedade. As noções de musicalidade auxiliam nos processos cognitivos, desenvolvimento sensório-motor, e ainda trabalham características da personalidade, facilitando o contato entre os indivíduos, atuando como instrumento facilitador para driblar a inibição, representar classes sociais, étnicas, religiosas, estilos, etc. O Rock, enquanto gênero musical, desde seu início, permite que a juventude posicione-se em meio à sociedade com voz ativa, opondo-se às regras tradicionais, limitadores, que apresentavam interesses puramente econômicos em sua formação escolar e não lhe permitiam realizar aquilo que fosse de seu interesse, tolhendo suas ações. Também permitiu que o jovem pudesse criar, por si só, um canal de transmissão de suas mensagens de cunho pessoal, falando sobre seus pensamentos, desejos, aptidões, e realizando as críticas sociais que lhe parecessem cabíveis. Conferiu-lhe também uma forma de se expressar, de mostrar seu valor, agregar valores e aumentar seu círculo de convivência, uma vez que pela afinidade musical muitos grupos se formam para formalizar o diálogo entre seus membros utilizando-se uma mesma linguagem, mesmo que as linhas de pensamento possam, por vezes, serem divergentes e até antagônicas em alguns casos. Nas escolas, em geral, as noções de musicalidade auxiliam na agregação de conceitos, no treino da fala, da escrita, da interpretação textual, e ainda permitem o acesso a diferentes tipos e níveis de cultura, de modo democrático e livre, aos alunos que, por vezes, não teriam possibilidade de conhecer informações sobre culturas diferentes daquela onde ele se encontra inserido, ou mesmo de levar a outras regiões esta cultura que lhe é própria, globalizando as tradições de seu povo. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de A. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 1996. ASSIS, Maria Cristina de. 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