Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Debate: políticas activas ou regras e ineficácia da política monetária. Clássicos, Monetaristas, Novos Clássicos e Autores dos Ciclos Reais - Capacidade do mercado no equilíbrio: os desequilíbrios são eliminados pelas forças do mercado - O modelo de concorrência perfeita continua uma boa base de trabalho Keynesianos, Neo-keynesianos, Pós Keynesianos e Novos Keynesianos - O mercado devido às suas imperfeições, informação e não flexibilidade de preços, não garante a eliminação dos desequilíbrios que surjam - A melhor forma de representar a economia capitalista é através do mercado de concorrência imperfeita O debate saiu da apresentação geral de modelos e radicou-se (i) em mercados particulares, como o do trabalho ou do crédito, (ii) em ajustamentos de desequilíbrios e os seus custos e benefícios, (iii) no tipo de informação relevante para os comportamentos individuais, (iv) na escolha do(s) agente(s) representativo(s), (v) na aceitação implícita da lei de Say e (vi) no estudo da origem de flutuações para além da de origem monetária. Douglas Fisher: "macroeconomics is at best a chaotic and undisciplined topic area" (190) - 45 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ O debate não está imunizado às ideias políticas dos seus intervenientes: por detrás das posições teóricas escondem-se preferências políticas: o que mais complica .... O Keynesianismo surge como ataque à ordem clássica onde os desequilíbrios, visíveis e de consequências sociais nefastas, eram negados, porque fenómenos passageiros, de transição para o pleno emprego. Corpo teórico que foi um ataque directo às ideias e à forma de conceber a política económica. O emprego era criado pela actividade de investimento e este dependia da taxa de juro de longo prazo. As autoridades poderiam assim influenciar o valor da taxa de juro de curto prazo que por sua vez poderia afectar a de longo prazo. Afectar, porque não era seguro que tal acontecesse: a taxa de juro de longo prazo é um fenómeno que comporta uma forte dose de elementos psicológicos. Eras será um valor que os agentes entendam que é um valor normal e o aceitem como tal. Mas para além desta forma de intervir, pela taxa de juro, também a actuação da a. econ. poderia levar a um bom clima, de confiança e estabilidade da procura global, através de medidas que afectassem essa mesma procura na economia. Mas logo aqui surge o desenvolvimento de uma posição de ineficácia da p.m: - sendo a taxa de juro um fenómeno psicológico, ela pode situar-se a valores que serão impossíveis de baixar. Temos a armadilha da liquidez ! Mas a própria procura de fundos para investimento pode não estar dependente das variações da taxa de juro corrente. Basta para tal que os empresários associem às suas de- - 46 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ cisões de investimento um elevado prémio de risco. E a curva IS aproxima-se da vertical. Nestas condições nada haverá a esperar de tentativas para alterara a taxa de juro. Na Figura em baixo representamos esta situação. IS-LM r IS IS LM LM Figura ? Apresentação "clássica" da ineficácia da política monetária Ype Rendimento Não devemos esquecer que se esta posição se tornou importante para alguns autores, Keynes declarava que não tinha conhecimento que alguma vez tivesse acontecido. Mas esta posição acabou por fundamentar a ineficácia da política monetária, para alguns autores keynesianos. Donde o surgimento da escola keynesiana orçamentalista. A política para ser eficaz deve ser desenvolvida através da influência do orçamento sobre a procura agregada. Sendo o maior problema o do desemprego, acabamos por falar em políticas expansionistas. Políticas afinal de défice orçamental. Mas se o Estado gasta mais do que recebe não haverá aqui um fenómeno de crowding out ? O facto de para Keynes e os keynesianos os preços e os salários não serem flexíveis e portanto não se ajustarem a desequilíbrios leva a que os ajustamentos a procuras excedentárias é feito por via das quantidades. Donde os efeitos da procura global excedentária não levarem a uma subida dos salários, mas - 47 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ antes ao aumento do emprego, assim como também não arrastam uma subida do nível geral de preços, mas antes do volume da produção. As teses monetaristas acabaram por ser postas na ribalta com a inflação crescente da segunda metade dos anos sessenta. E se as suas teses acabaram por parecer uma outra forma de modelo IS-LM, do que afinal um modelo diferente, o que não deixa de ser verdade é que sobre um conjunto variado de questões estes autores se afastam dos keynesianos. Embora por vezes a comparação ao ser feita entre posições extremas tenhamos tendência a valorizar o que os separa e não o que os aproxima. * A função procura de moeda é uma função estável de algumas variáveis (LM) * A oferta de moeda, a quantidade de moeda em circulação, é uma variável de determinação exógena - posição idêntica à de Keynes e alguns keynesianos e contrária à de outros, onde se notabilizou o "horizontalista" Basil Moore. * A inflação será sempre um fenómeno de natureza monetária - a curva de Phillips com expectativas também conduz ao mesmo * O valor do stock monetário continua a ser um bom indicador da p.m. a taxa de juro e as expectativas inflacionistas que incorporam retiram-lhe qualquer valor como indicador * É tecnicamente possível controlar a quantidade de moeda em circulação - no que se baseiam na estabilidade do multiplicador monetário, mas essa estabilidade não elimina a causalidade invertida. - 48 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ O modelo de St. Louis admitiu uma influência positiva da política orçamental no curto prazo mas que seria eliminada no longo prazo. O abandono da política orçamental é assim também justificado como uma forma de influenciar permanentemente a economia. A questão da intervenção também envolve o estatuto dos desfasamentos que caracterizam as diferentes políticas. Suponhamos que os desfasamentos que caracterizam a política monetária são longos e instáveis, embora a avaliação dos seus efeitos totais possa não merecer qualquer dúvida, esta política dificilmente pode ser aplicada porque não sabemos ler os seus efeitos, e se mesmo assim a aplicarmos podemos estar a provocar flutuação indesejáveis no emprego. Alan Walters, o polémico conselheiro da Sra. Teacher, apresentou em 1965 alguns exemplos elucidativos. Tomemos duas funções procura de moeda com os seguintes desfasamentos, não sujeitos a alterações: M2 t = 0.7$Y t + 0.2 $ Y t−1 + 0.1 $ Y t−2 M2 t = 0.2$Y t + 0.6 $ Y t−1 + 0.2 $ Y t−2 Tomando a oferta de moeda como exógena, que acontecerá em consequência de uma variação da oferta de moeda de uma unidade ? Nos gráficos representámos a evolução do rendimento subsequente a esta variação da oferta de moeda. - 49 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Rendimento 3,5 2,5 1,5 0,5 Figura ?: Evolução estável do rendimento quando varia a oferta de moeda. -0,5 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Períodos Rendimento 5000000 0 1 3 5 7 9 11 13 15 -5000000 Figura ?: Evolução instável do rendimento quando varia a oferta de moeda. -10000000 Períodos Como podemos ver a instabilidade é a consequência daquele segundo comportamento. Tomemos ainda as duas seguintes funções procura de moeda: M2 t = 0.1 $ Y t + 0.3 $ Y t−1 + 0.6 $ Y t−2 M2 t = 0.1$Y t + 0.8 $ Y t−1 + 0.1 $ Y t−2 No quadro em baixo representámos a evolução do rendimento para 12 períodos de acordo com cada um daqueles comportamentos. - 50 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Quadro ?: Evolução do rendimento para diferentes valores de desfasamentos. Períodos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 (M1) 1,429 1,02 0,933 1,016 1,005 0,996 1 1 0,999 1 1 (M2) 5 -10 30 -75 200 -520 1.365 -3.570 9.350 -24.475 64.080 (M3) (M4) 10 10 -20 -70 10 560 -5 -1.605 10 4.260 -20 -11.170 55 29.255 -140 -76.590 370 200.520 -965 -500.000 2.530 1.000.00 De notar que a solução de equilíbrio é a mesma em qualquer dos casos, Yt=1. O que acontece é que o "caminho" para tal valor pode ser ou não convergente. E nestes casos descobrimos que de facto a economia pode caminhar para o valor de equilíbrio, ou então nunca mais lá chegar. Como em cada momento não sabemos o que passa, ou seja, não sabemos ler o valor da flutuação, então não devemos insistir numa política activa que visasse corrigir esse valor, porque essa actuação poderia ainda aumentar mais as flutuações a que se encontra sujeita a economia. Se ensaiarmos quaisquer modificações ao longo do percurso ali apresentado podemos verificar que não conseguimos anular a instabilidade, seja tomando medidas de acordo com os valores correntes ou desfasados. O mesmo problema pode ser visto com a utilização da taxa de juro. Suponhamos que o a procura de créditos obedece a uma das seguintes funções, em termos da taxa de juro: Dc 1 = 5000 − 700 $ r t − 200 $ r t−1 − 100 $ r t−2 Dc 1 = 5000 − 200 $ r t − 300 $ r t−1 − 500 $ r t−2 - 51 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Para uma taxa de juro estável de 10%, a procura de crédito seria de 4900. Admitamos agora que as autoridades monetárias pretende reduzir a procura de crédito de 100 unidades. No quadro em baixo apontamos os acréscimos da taxa de juro que teriam de ser feitos para que em cada período a procura de crédito fosse de 4800. No primeiro caso a autoridade monetária aumenta a taxa de juro de mais 14 pontos, passando a ser de 24%, mas a partir do segundo a taxa ficaria situada nos 20% sem que praticamente mais alguma alteração tivesse de ser feita. E no segundo caso ? Quadro ?: Evolução da taxa de juro para manter o crédito constante. Períodos 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 ∆r(Dc1) 0,14 0,1 0,09 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 ∆r(Dc2) 0,5 -0,25 -0,38 1,7 -1,1 -2,1 6,4 -3,85 -9,73 24,72 -12,26 Logo de início a taxa passaria para 60%, para depois passar a ter valores negativos, o crédito seria subsidiado. E continuaria, ora a aumentar, ora a diminuir criando uma situação de grande instabilidade para um objectivo tão simples e elementar, como a redução em 100 unidade dos crédito a ser concedido. Não é necessário avançarmos mais para termos uma ideia do que Friedman nos quis dizer, no que foi complementado por Walters, a estrutura de desfasamentos, mesmo quando não é estocástica, pode gerar fortes flutuações económicas quando as autoridade pretendem elaborar uma política de fine-tunning. - 52 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ DESFASAMENTOS 1. Desfasamento interno: reflecte a velocidade de sensibilização e de reacção do decisor político. Em princípio mede o momento desde que um dado instrumento deve ser alterado até à altura em que ele foi de facto alterado. É normal dividir: 1.1. desfasamento de reconhecimento, de natureza psicológica, que mede o tempo entre o momento em que é de facto necessário intervir e o momento em que os responsáveis da política tomam consciência dessa intervenção; 1.2. desfasamento administrativo, que decorre desde que as autoridades têm consciência que devem actuar até ao momento em que as variáveis instrumentos são alteradas Atendendo a que uma política actua a partir das variáveis instrumentos até às variáveis objectivos, passando antes por um conjunto de variáveis que designamos por variáveis intermédias. Tomemos um política de redução da liquidez na economia para atingir um menor crescimento dos preços. A política de refinanciamento destina-se a actuar através das condições de oferta de crédito, pelo que será esta uma variável intermédia da política importante a considerar. Desta forma podemos falar em, 2. desfasamento intermédio, que neste caso mediria o tempo desde as variações das variáveis instrumentos até às alterações a verificar nas variáveis intermédias. E finalmente teremos os 3. desfasamentos externos, que vão medir o tempo que decorre das alterações nas variáveis intermédias e as alterações desejadas nas variáveis objectivos da política. - 53 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Podemos fazer a seguinte representação elucidativa: Intervenção admitida como necessária Desfas. de reconhecimento Tomada de consciência da intervenção Desfas. Administrativo Intervenção efectiva Desfas. Intermédio ...Acção sobre as variáveis intermédias Desfas. Externo ...Acção sobre as variáveis objectivo. Como conhecer estes desfasamentos ? i) determinar com objectividade as datas precisas das medidas do lado esquerdo do quadro acima; ii) a sua determinação com a utilização de algum modelo previamente estimado e a medida média daqueles desfasamentos ii) (a) o modelo a construir determinaria a minha visão da realidade. Modelos de curto prazo opõem-se a modelos de longo prazo ii) (b) modelos que valorizam uns objectivos e algumas posições teóricas dificilmente responderão sobre políticas inspiradas noutras políticas ii) (c) A própria metodologia econométrica influencia os resultados obtidos. Desfasamentos e instabilidade dos instrumentos. As sucessivas manipulações dos instrumentos em fase dos desfasamentos da sua acção sobre os objectivos pode levar a situações de instabilidade no uso - 54 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ desses mesmos instrumentos. A vontade de corrigir os efeitos de variações passadas leva a variações cada vez mais elevadas dos instrumentos. A instabilidade não depende de desfasamentos longos. Partamos do seguinte modelo: Dy t = Dl t + b 0 $ Dx t + b 1 $ Dx t−1 e impúnhamos o valor de equilíbrio à variável objectivo, por simples manipulação, obtemos: b 0 = e  + Dx t + b 1 $ Dx t−1 0 o que implica: b Dx t = −e  − b 1 $ Dx t−1 , 0 sempre que b1 b 0 for superior à unidade, o que acontece quando β0 for estritamen- te inferior a ½ uma vez que aqueles coeficientes somam o elemento unitário, estamos perante uma situação de instabilidade de utilização dos coeficientes. Neste caso a política pode passar da estabilização do objectivo para a estabilização do instrumento. E assim estabiliza-se o instrumento comprometendo-se a realização do objectivo. Por esta razão é importante que na utilização de instrumentos se utilizem instrumentos cuja estabilidade não possa ser posta em causa pela sua própria utilização na política. E desta forma quase seríamos levados a dizer que uma política de estabilização óptima sobre um dado objectivo não aquela que leva a minimizar o desvio-padrão do objectivo final, mas aquela que minimiza este desvio mantendo dentro de dados valores o desvio-padrão do próprio instrumento. - 55 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ A incerteza na formulação e na condução da política económica. De uma forma geral podemos expressar a formulação de um problema de política económica da seguinte maneira: Maximização de uma função de preferência dos decisores Max W[Y,X] tendo em conta o modelo da economia Y = C.X + E e ainda as condições limites YM<=Y<=Ym e XM<=X<=Xm A incerteza no programa de política pode intervir através: a) da própria função de preferência dos decisores políticos. O apego a certas variáveis objectivo não é independente dos valores que são atingidos por outras variáveis, e só quando estes últimos são atingidos ou conhecidos é que aquela função é modificada ou precisada na sua forma. A própria evolução da política, e do que vai acontecendo na economia pode levar a modificar ao longo de um programa de política aquela função, fazendo como se ela fosse afinal desconhecida. b) mesmo que a parte do modelo da economia seja conhecida, há todas uma série de variáveis, importantes para a economia, "E", que podem não ser conhecidas de imediato, ou cujo conhecimento é sempre desfasado, o que implica que se actue com valores esperados e corrigidos, pelo que a incerteza afecta o próprio conhecimento do estado da economia c) finalmente podem ser os multiplicadores dos instrumentos da política que pode ser incertos, a sua natureza será sempre estocástica, mas essa natureza - 56 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ pode levar a que os instrumentos sejam mais ou menos variáveis face à sua média. Incerteza e risco. Falámos em incerteza probabilizável. Mas sabemos que nem sempre é essa o caso. Knight insistia no verdadeiramente incerto por não poder ser probabilizável. Estas duas formas coexistem embora seja da natureza dos economistas procurar dominar essa incerteza e assim ensaiar a sua probabilização. Por vezes a incerteza resulta de um efeito de informação. No início de Dezembro de 1996 ouvi a declaração que em Janeiro as contas regionais de 1992 deveriam ser finalmente publicadas ... Por essa razão o emprego e a inflação são hoje as duas variáveis que se conhecem com menor desfasamento em todo o mundo mais desenvolvido. Mas a incerteza pode ser motivada por instabilidade da economia e por isso os resultados que esperamos de certas medidas serão sempre incertos. A redução dos desfasamento de informação permite-nos saber se a incerteza resulta ou não dessa instabilidade de comportamentos. Duas regras são fundamentais para a utilização de instrumentos em condições de incerteza: - um instrumento deve ser tanto menos utilizado quanto mais elevada a incerteza quanto ao comportamento da economia - incerteza leva ao conservadorismo - um instrumento deve ser tanto menos alterado quanto mais os seus efeitos são incertos Já vimos atrás uma forma de actuação da primeira e da segunda regra: a existência de regras automáticas. Mas estas regras devem ser afinal tanto monetárias como orçamentais como de qualquer outra natureza. - 57 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ A regra da diversificação dos instrumentos em condições de incerteza das políticas está sujeita ao mesmo tipo de exigências que a diversidade das aplicações de carteira em termos de relacionamento das diferentes eficácias dos instrumentos. A diversidade em condições de certeza era o resultado: - de uma repartição dos esforços da política, o que a torna mais justa - de uma maior eficácia por uma utilização menos intensiva de cada instrumento Em condições de incerteza estas regras não deixam de fazer sentido, apenas haverá agora que ter em conta todos os efeitos das diferentes políticas e o seu grau de incerteza individual, para que o aparecimento de uma dada situação não seja suficiente para eliminar todos os esforços empreendidos. A diversificação deve ser também a resposta a custos de ajustamentos na utilização dos instrumentos. As expectativas racionais e as suas consequências sobre a política económica. A introdução da capacidade de os agentes formularem as suas antecipações de uma forma racional levou a alterar algumas das ideias sobre a própria política económica, sobretudo quando se baseia no ludibriar agentes, por exemplo através de taxas de inflação mais elevadas que as esperadas. Na forma mais radical leva a acreditar que as políticas discricionárias estão destinadas ao fracasso. - 58 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Se na sua forma mais radical podemos não aceitar as suas posições, não podemos ignorar o que acabaram por trazer em termos de formação das expectativas doas agentes face a certas alterações da política. Moldaram bastante a forma de fazer política levando a que dois efeitos passassem a ser considerados com mais importância: - efeito anúncio, aceitando a formação racional das expectativas, a autoridade através desse efeito condiciona já a actuação dos agentes e da economia gerando comportamentos coerentes com dados objectivos - efeito de credibilidade, de difícil medida e sabendo-se mais facilmente o que não é do que aquilo que é, mas importante no sentido de convencer os agentes do empenho das autoridades em atingir certos objectivos de política. Indicadores e Objectivos Intermédios Através da presença de indicadores da política, a autoridade de política pretende ler os efeitos das variações das variáveis instrumentos e conhecer em antecipação o que se irá passar nas variáveis finais da política executada. Com a presença de variáveis indicadores as autoridades pretendem poder corrigir acções de instrumentos que pode, ou não ter os efeitos desejados, ou ter os efeitos desejados mas numa intensidade não desejada, ou podem sugerir desfasamentos que à partida não eram tidos em conta. Mas algumas das variáveis que escolhemos para desempenhar este papel, sofrem não apenas a influência das alterações políticas, mas também dos comportamentos dos agentes económicos a leitura dos seus valores apenas em função dos primeiros determinantes é complicada. Tudo se passaria com simplicidade se conseguíssemos decompor aquela variável em duas componentes, a exógena e a endógena, como também se costuma dizer. - 59 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Admitamos que utilizo o crédito bancário e procure ler na sua evolução as medidas de política, de reservas, por exemplo. Se por qualquer motivo as antecipações da evolução da procura de bens piorasse, a curva da procura de crédito deslocava-se e eu poderia estar a ler o deslocamento como um dos resultados da política de reservas, o que era manifestamente incorrecto. Mas um problema de natureza diferente ainda se coloca. Normalmente numa qualquer política acabam por ser vários os instrumentos que são utilizados. Por vezes uns em acréscimos e outros em decréscimos. Por essa razão alguns autores sugeriram que se utilizasse um agregado desses indicadores como variável indicador da política. Se representarmos por ( ¹M ¹x ) a eficácia marginal i da variável xi sobre o objectivo monetário M, então a seguinte ponderação traduzirá o que pretendemos: k ) $ xi I PM = S ( ¹M i=1 ¹x i Por isso se diz que a questão de um indicador é um problema de agregação que dependerá afinal da variável intermédia escolhida (M) e dos multiplicadores obtidos. Resulta da fórmula acima que a escolha do indicador depende da variável intermédia escolhida, uma outra variável levaria a um outro indicador e que um outro modelo da economia levaria a outros valores dos multiplicadores e assim também do indicador retido. Estes dois pontos ilustram a dificuldade de construir um bom indicador de uma política. O conjunto das variáveis intermédias pode ser decomposto em variáveis "objectivos operacionais" e objectivos intermédios. Aquelas primeiras representam variáveis muito próximas dos instrumentos mas que já não são controladas pelos responsáveis de política económica. Uma das dificuldades associadas à leitura da política através destas últimas variáveis corresponde ao facto de as auto- - 60 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ ridades não apontarem quaisquer valores previstos para estas variáveis. Ao mesmo tempo em condições de incerteza a política pode ser agravada pela presença de leituras baseadas em variáveis intermédias que amplificam assim os erros de avaliação. Exemplifiquemos a escolha de variáveis instrumentos com base num modelo simples de uma economia. Suponhamos as seguintes funções de comportamento: C = 0, 8 $ Y d + 100 I = 130 − 80 $ r 1,8 0,1$R 1 k = 0,8$R+0,2 $ (1 − 0,02 ) M s = k $ BM M d = 0, 028 $ (Y 1,1 $ r −0,2 ) e ainda que Yd=Y-t.Y, Y=C+I+G, G=250, t=0,15, BM=38, R=0,02 e que Md=Ms. Reservámos para simbolizar a taxa de reservas a variável R. O valor de k, o multiplicador da base monetária, vão dado por um primeiro factor, que mais não é que o vulgar multiplicador mecânico aplicado à base monetária, e um segundo que procura ter em conta as variações de reservas imobilizadas ou libertadas quando varia a taxa de reservas bancárias. Em tudo o resto estamos perante um modelo tipicamente IS-LM. Os valores de equilíbrio naquela economia vêm dados por: C=1119,2 I=129,6 r=0.0506 k=25/6 Y=1498,8 G=250 Saldo Orçamental (s_o)=-25,2 - 61 - e Ms=158,3. Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Suponhamos que a incerteza na economia afecta as despesas reais. Admitamos por isso que o consumo global se pode deslocar para mais ou menos 100 unidades no eix o das ordenadas. Vejamos o que daí resultará em termos da nossa economia. A Quadro ?: Resultados de uma certa instabilidade no sector real da economia BM t s_o Y r 38 0,15 20,8 1.805,2 14,08% B 38 0,15 -72 1.187,4 1,4% Como resultado dessa "indeterminação" real o rendimento pode ter uma variação de 152 para 100 e a taxa de juro pode tomar valores entre 1,4% e 14,08%. O leque é suficientemente vasto. Imagine-se que a taxa de juro era fixada ao nível de 14% tendo em vista um rendimento de 1805,2 unidades, mas que a situação da procura global teria sido a que fez cair essa mesma procura. O novo rendimento teria agora o valor de 1180 unidades e o saldo orçamental de -73, passando a base monetária a ter o valor de 23,8. Parece-nos lógico aceitar que em tais contextos não devemos reter como objectivo operacional a taxa de juro, e que antes devemos seleccionar variáveis como a base monetária ou mesmo o valor das reservas bancárias. Suponha-se agora que estamos perante condições de instabilidade no que respeita ao sector monetário da economia. A elasticidade juro da procura de moeda que retivemos foi de 0,2. Mas suponha-se agora que ela pode variar entre 0,5 e 0,1. Para estas duas situações limites teríamos os seguintes valores de - 62 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ equilíbrio constantes do Quadro. Quadro ?: Resultados de uma certa instabilidade no sector monetário da economia. Y s_o r A 1.472 -29,1 29,2% B 1.499 -25 0,2% Numa situação deste tipo, em que a incerteza a nível monetário leva os agentes a aumentarem ou reduzirem a sua preferência pela liquidez, talvez a melhor atitude das autoridades monetárias seja fixarem a taxa de juro tendo sobretudo em atenção os resultados que desejam atingir em termos de emprego, e permitir que as variações da base monetária se ajuste aos diferentes comportamentos de preferência pela liquidez. Uma variação do comportamento das reservas bancárias que levassem os bancos a oscilarem entre o equivalente a uma taxa de 6% e de 0,5%, não tendo grandes repercussões sobre o rendimento ou o saldo do orçamento, de 1468 para 1499 e de -29,7 para -25, levaria no entanto a taxa de juro a oscilar entre os 31,7% e os 2,56%. Estas alterações são suficientemente grandes para justificar que a autoridade monetária actue em vista da sua estabilização. Um aspecto que o nosso modelo não tem em conta é o dos movimentos de capitais com o exterior. Os movimento erráticos de capitais devem levar a que nenhuma autoridade monetária tente estabilizar a economia elegendo como objectivo operacional o volume de crédito à economia. A escolha dos objectivos intermédios e a existência de grandezas naturais. A política monetária e financeira deve ser sensível à existência de grandezas que possam reflectir situações de equilíbrio de longo prazo. Não são - 63 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ muitas as grandezas que possam reflectir valores de equilíbrio de longo prazo, mas ainda vamos tendo: - a taxa de desemprego natural - a taxa de juro natural -a taxa de câmbio natural. Nenhum delas tem alguma coisa de natural para de tal ser chamada. A Primeira foi desenvolvida a partir dos trabalhos de Milton Friedman sobre a curva de Phillips. A segunda foi desenvolvida por Wicksell como base para a explicação dos ciclos na economia e corresponde à taxa de remuneração de longo prazo do capital. É uma taxa de juro real. A taxa de câmbio natural nasceu com Jerome Stein e procura representar a taxa de câmbio para a qual a balança de pagamentos estaria em equilíbrio de longo prazo. Menos conhecida que as outras duas e muito menos importante na história das "grandezas naturais". A questão da presença destas grandezas, sobretudo das duas primeiras, poderá até ser filosófica, se estas grandezas existem então porquê a política de curto prazo ? Ou são inúteis ou então apenas terão como função aproximar a economia daquelas variáveis, e apenas essa é função. Indicadores e objectivos intermédios da política monetária A presença de variáveis objectivos intermédios da política monetária foi defendida porque se supõe que os seus valores possam reflectir os valores que acabarão por ser tomados pelos objectivos finais. Dets forma a presença destas variáveis são um elemento importante na avaliação e na condução das políticas. - 64 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Se os valores previstos para os objectivos finais, com base nos valores destas variáveis objectivos intermédios, se afastam dos desejados, então haverá que alterar os valores dos instrumentos. Esta posição foi contestada com base no princípio que a relação entre objectivos intermédios e finais pode ser incerta, ou conter fortes elementos de incerteza, pelo que a leitura daquelas poderá conduzir a erros na condução da política. E em termos gerais, actuar desta forma é introduzir voluntariamente um elemento de incerteza na política económica, o que nunca será desejável. Na análise que se segue vamos limitar as nossas reflexões sobre algumas variáveis indicadores: - a massa monetária - a taxa de juro, ou o diferencial de taxas - os débitos na economia, ou o crédito bancário - os preços das matérias - a taxa de câmbio - o rendimento nominal. A massa monetária é o indicador escolhido pelos autores monetaristas. Na velha tradição quantitativista a evolução da quantidade de meios de pagamento determinará a evolução dos preços. Dois problemas graves surgem com este indicador. Em primeiro lugar não temos uma medida clara e indiscutível de "massa monetária". Temos pelo contrário várias medidas. Qual delas escolher ? Se bem que tenhamos critérios objectivos no qual basear uma escolha, também é verdade que a aplicação desses critérios tem levado diferentes economistas a diferentes escolhas. Mesmo que a solução seja a construção de índices complexos (de Divisia), teremos sempre de dizer que activos entram na nossa definição e quais são excluídos. Em segundo lugar ficamos ainda com um problema de indefinição entre o que é o resultado da política e o que resulta do com- 65 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ portamento dos agentes, famílias, empresas e bancos, sobretudo. Ou seja, como separar o "exógeno" do "endógeno" ? Um aumento da preferência pela liquidez pode levar a supor que estamos perante um política monetária expansionista quando afinal até podemos estar perante uma política com efeitos contrários. Numa economia pequena e aberta, em que o banco central não consegue anular os efeitos de variações não desejadas das divisas, este indicador ainda surge com maiores problemas de leitura sobre a política monetária. No que respeita à taxa de juro devemos chamar a atenção para o papel que desempenharam no pensamento keynesiano. Mas não devemos esquecer que se tratava de um papel em economias fechadas, ou de fortes restrições aos movimentos de capitais. Também não devemos ignorar que se tratava de economias onde as taxas de inflação eram reduzidas. Que alguns economistas tenha esquecido ou ignorado o contexto em que esse pensamento foi desenvolvido não deve desvalorizar aqueles primeiros autores. Alguns problemas se colocam às taxas de juro como indicadores. Em primeiro lugar as taxas de mercado incluem um prémio de risco que não sabemos avaliar. Numa grande economia, como a norte-americana, do ponto de vista interno, podemos reter como taxa de juro a taxa dos títulos da dívida pública. Mas numa economia pequena, essa taxa envolve um prémio de risco internacional que procura cobrir os riscos associados a possíveis desvalorizações da moeda nacional, e assim a possíveis diferenciais da taxa de inflação. Mas numa pequena economia a taxa de juro não é uma variável que possa ser escolhida pela autoridade monetária nacional, é antes um valor exógeno a essa economia. Pelo que não faz sentido escolher essa variável como indicador da política monetária nacional. - 66 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Mas mesmo numa grande economia nunca saberemos separar com rigor o que é a componente real dessa taxa e a componente de inflação esperada pelos agentes. Já lá vai o tempo em que uma taxa de juro que subia podia ser indicativo de uma política restritiva. Perante uma política expansionista os agentes podem antecipar uma elevação da taxa de inflação e por essa via provocar uma subida da taxa de juro. A taxa de juro não é de facto hoje utilizada como uma variável indicador. Alguns economistas propuseram a utilização do diferencial das taxas de juro, isto é a diferença entre uma taxa longa e uma taxa curta. Alguns estudos acabaram por provar uma certa relação entre a actividade económica real e este diferencial. Mas esta boa relação não é suficiente para o diferencial seja tomado como um bom indicador. Resta-nos a sua própria determinação. Ou seja, que relações apresenta o diferencial com a política monetária, ou melhor, com os instrumento da política monetária ? E aqui o conjunto de variáveis endógenas, ou seja, o conjunto de variáveis que estão fora do controlo da autoridade monetária é grande. Se a forma de influenciar as taxas de curto prazo é razoavelmente conhecida, já o mesmo não acontece com as de longo prazo, onde as antecipações de rentabilidade do capital terão um forte papel a desempenhar. A certa altura foi constatado que os débitos totais numa economia poderiam ter uma relação bastante estável com o nível de rendimento. Esta tese era agradável aos economistas que defendiam um papel acrescido para os intermediários financeiros nos canais de transmissão monetária e que portanto se afastavam das medidas convencionais M1 e M2 e do seu papel nesses canais. No entanto a confiança num indicador deste tipo depressa foi abalada. A relação estável entre o total dos débitos não financeiros e a despesa global deixou de se verificar. Essa alteração ficou a dever-se a um comportamento diferente da dívi- 67 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ da pública que instabilizou a relação. Em suma aquela variável depressa deixou de poder ser considerada como indicador na economia nort-americana. Mas se o nível dos débitos não pode servir como indicador o nível do crédito bancário pode talvez ser utilizado com mais eficácia. Alguns economistas sempre defenderam um canal de transmissão monetária por via dos créditos bancários às empresas e famílias. É interessante verificar que também esta variável, enquanto indicador, foi abalada pela inovação financeira e pelas novas práticas de gestão bancária. A relação entre os meios de pagamento imediatos, ou não, criados pelos bancos e a sua actividade de crédito não só se tornou muito instável como inexistente nalguns casos. Assim, também não podemos confiar na utilização da variável "crédito bancário" como indicador da política monetária. No caso norte-americano, com uma organização de mercados bolsistas de mercadorias, foi apresentada a possibilidade de utilizar um índice de preços das matérias primas como um indicador da política monetária. Ao interesse inicial sucedeu-se o cepticismo uma vez que não foi possível encontrar uma relação de longo prazo entre este índice e os preços internos ou a despesa global. Por outro lado é difícil, mesmo para a economia norte-americana imaginar como poderá a sua política monetária ter uma influência mais ou menos directa sobre aqueles preços. Mas se a sua utilização em termos internos não é em geral aceite como um indicador, o mesmo não podemos dizer ao nível internacional onde estes preços podem representar um papel de indicador das políticas monetárias dos principais países industrializados. E algumas vezes tem sido apresentada a estabilização destes preços como um objectivo operacional na condução das políticas monetárias internacionais, o que realça o papel que afinal estes preços desempenham em termos do comportamento da economia. A taxa de câmbio numa economia aberta representa o valor relativo da moeda dessa economia atribuído pelos que fazem uso dessa moeda. Desta for- 68 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ ma teríamos um mercado muito preciso e bastante activo, o mercado cambial, a fazer aquela avaliação. Seria portanto um bom indicador da política monetária. E de facto parece-nos que em geral assim se passa. Mas isso não significa que não devamos estar atentos a todos os períodos de fortes movimentos especulativos neste mercado cambial e que portanto arrastam a taxa de câmbio para uma evolução que pouco significa em termos de leitura de política monetária. As próprias flutuação as que as cotações estão sujeitas levam a que esta variável a ser utilizada o seja com muito cuidado. Até porque não podemos esquecer o problema da separação das variações que poderão ser motivadas por distúrbios noutras economias que não a nossa. Em economias em que a cotação de uma moeda esteja ligada como objectivo à cotação de uma outra moeda, a taxa de câmbio transforma-se ela própria num objectivo operacional. O rendimento nominal surge como alternativa à utilização de outros indicadores, como a massa monetária e a taxa de juro. Em princípio com este indicador alguns dos problemas de endogeneidade que afectam aquelas variáveis estariam assim resolvidos. Se bem que existam economistas que insistem com persistência nesta medida, ela enferma de algumas dificuldades. A primeira é que a sua utilização é feita no pressuposto de um crescimento real regular da economia. Se o crescimento real for irregular a leitura em termos de rendimento nominal poderá ter efeitos contraproducentes a respeito dos preços. A segunda é que o conhecimento do rendimento nominal é em geral uma das últimas variáveis a serem conhecidas nos nossos sistemas estatísticos nacionais. Para finalizar estas observações sobre os indicadores devemos referir que as autoridades monetárias não se fixam em geral num único indicador de política monetária e elegem em geral várias variáveis que cumprem afinal parte do papel atribuído a um bom indicador. - 69 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Política Orçamental Funções económicas do Orçamento A primeira sistematização da actuação orçamental partiu de Richard Musgrave que a apresentou como sendo o resultado dos seus famosos "departamentos"1. São estes: o de afectação, o de estabilização e o de redistribuição. Se esta classificação nos pode orientar na percepção do que representam os diferentes actos orçamentais, não há dúvida que cada acto, ou operação, em si, não pode ser subdividido em três maneiras de ser encarado ou apenas atribuindo a um daqueles departamentos. Isto significa que se do ponto de vista da análise económica a classificação tem bastante interesse, do ponto de vista de aplicação de uma política ela se revela bastante limitativa. Musgrave imaginou um Estado ("imaginary state") onde existissem aquelas funções que caberiam a departamentos próprios. No caso do primeiro, de afectação de recursos, ele destinava-se a "securing necessary adjustments in the allocation of resources by the market" (p.6). Neste departamento também seriam tidas em conta as situações de divergência de custos e benefícios sociais e privados, "Since the market permits a price to be charged for only a part of the services rendered, the development may be unprofitable from the private, but profitable from the public, point of view. Similarly, private operations may involve social costs that are not reflected in private cost calculations and, hence, are not accounted for by the market." (p.7). Seria precisamente este departamento que seria responsável pela produção de bens colectivos. Tendo como função a escolha entre usos alternativos dos recursos o balanço deste departaO que é exposto no Capítulo primeiro do seu livro, The Theory of Public Finance, New York, McGraw-Hill, 1959. Ver também do mesmo autor, "The Three Branches Revisited", Atlantic Economic Journal, 17(1), March, 1989, pp. 1-7. 1 - 70 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ mento estará sempre em equilíbrio, os recursos retirados ao seu uso privado são iguais aos que tem uma utilização pública. O departamento de redistribuição era considerado por Musgrave como o que possuía as funções clássicas de uma política orçamental. As operações deste departamento levam-no a actuar tendo em conta um estado ideal de distribuição de rendimentos. Caem neste departamento a imposição de salários mínimos, controles de preços de alguns bens, as medidas de segurança social e ainda as de um serviço de saúde pública. Como nos diz Musgrave, "The difficult is to decide what the proper state of districution should be. This decision evidently canot be made by a market process, since the nature of exchange presupposes title to the things that are to be exchanged. A political process of decision making is needed, and before this can function, there must be some distribution of weights in the political process. There must be a distribution of weights in the political process. There must be a distribution of rights to vote" (p.19). O departamento de estabilização tinha como objectivo manter um elevado nível de utilização de recursos e um valor estável para a moeda. Caem aqui as funções que a macroeconomia keynesiana divulgou e levou a que quase todos os governos as aceitassem. O orçamento deste departamento raramente estará em equilíbrio. Ele deverá actuar sobre a procura global, ou aumentando-a ou reduzindo-a. Apenas se os impostos e as transferências necessárias a esta intervenção forem nulos, o seu orçamento estará em equilíbrio. Musgrave preocupa-se no Capítulo segundo do seu livro no estudo da interdependência e da consolidação dos diferentes orçamentos dos departamentos. O economista francês Guillaume2 procurou apresentar um modelo em que cada departamento acabava por maximizar uma função objectivo 2 Prix Fictifs et Calcul Économique Public, CNRS, Paris, 1973. - 71 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ própria aos seus fins e que comunicaria com os outros departamentos através de "preços fictícios" determinados em cada programa de maximização. A apresentação de Musgrave permite-nos um olhar classificativo e caracterizador das actuações orçamentais dos governos. Mas não tenhamos dúvidas que a sua aplicação à organização da política orçamental acarretaria tais custos de comunicação e ineficiências daí resultantes que impedem que constituam uma norma dessa organização. - 72 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Canais de transmissão da política orçamental O economista Bent Hansen3 apresentou os canais através de efeitos que seleccionou para um grupo de países que estudou. O efeito rendimento consiste nas consequências sobre o nível de rendimento e dos preços de uma economia das despesas e das receitas orçamentais. O pensamento keynesiano valoriza este efeito que surge invariavelmente através de um processo de "multiplicador". Os impostos e as transferências provocam efeitos de substituição entre a detenção de diferentes bens e entre a oferta de bens a realizar. Também provocam efeitos de substituição, no que respeita à oferta de trabalho, entre trabalho e lazer. Um dos efeitos de substituição que acaba por ser bastante valorizado corresponde à substituição que se verifica entre activos monetário-financeiros. A política orçamental leva os governos a políticas activas de emissão de diferentes títulos de curto e longo prazo com os consequentes efeitos sobre a estrutura das taxas de juro e da riqueza dos agentes. Estratégias orçamentais 1. Equilíbrio orçamental 2. Saldos cíclicos 3. Saldos e finanças funcionais 4. Instabilidade dos saldos e da dívida A regra clássica orçamental do equilíbrio entre as despesas e as receitas há muito que foi contestada do ponto de vista da estabilização e da afectação de recursos. Mas essa contestação não eliminou a ideia por parte de economistas politicamente mais conservadores. La Politique Budgétaire dans Sept Pays, Paris, OCDE, 1968. 3 - 73 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Alguns autores da escola de Estocolmo influenciaram a política orçamental sueca nos anos trinta. A ideia mestra destes autores é que a atitude das autoridades não deve ser pro-cíclica, aumentando as despesas quando a economia cresce a taxas superiores às normais, mas antes que as autoridades devem comportar-se por referência aos ciclos da economia. Desta forma seriam gerados excedentes correntes nas fases de expansão que poderiam financiar os encargos de capital, sejam despesas de capital real ou financeiro. A ideia de orçamentos cíclicos foi mais uma "ideia" do que uma prática, mas não deixa de ser interessante conhecer essa ideia até pelo que se afasta das finanças funcionais introduzidas pela escola keynesiana. Uma outra prática orçamental foi seguida na Alemanha onde em meados da década de cinquenta os saldos orçamentais eram positivos, e respondiam a um desejo de política de acumular excedentes para mais tarde os vir a aplicar. E de facto, no final da década eles forma aplicados em equipamento militar. As finanças funcionais fizeram a sua aparição com os autores keynesianos norte-americanos. O seu grande expoente foi Abba Lerner4. As leis das finanças funcionais eram outras tantas negações do que o autor designava por "sound finance" e a que já fizemos referência. O orçamento deve ser elaborado em termos tais de despesas e de receitas que na economia a oferta global seja igual à despesa global ao nível de pleno-emprego. A restrição orçamental do Tesouro deve levar a escolher entre o financiamento, do saldo negativo do orçamento, por criação monetária (créditos a descoberto) e por emissão de dívida, atendendo ao nível de investimento e das taxas de juro desejáveis para a economia e para o nível de prelo emprego. As relações com o Banco Central na for"Functional Finance and the Federal Debt", Social Research, 10, February, 1943, pp. 38-51, reproduzido em M. G. Mueller (ed.), Readings in Macroeconomics, 2nd ed., London, A Holt International Edition, pp. 353-60. Sobre Lerner veja-se, Francis Bator, "Functional Finance", Harvard John F. Kennedy School of Government Discussion Paper, 153D, June 1986. 4 - 74 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ ma de obtenção de mais crédito ou reembolso de créditos do passado devem depender do nível de despesa da economia, do nível de subemprego e do nível desejado da taxa de juro para obter um investimento compatível com o pleno emprego. A ausência de qualquer ligação entre a política orçamental e o nível geral de preços, que apenas era considerada no ponto de pleno-emprego, acabou por ditar um certo descrédito das finanças funcionais. Também a não flexibilidade demonstrada pelos instrumentos desta política, despesas, receitas e dívida pública acabaram por reduzir a sua importância do ponto de vista da estabilização. Ao nível europeu defrontamo-nos hoje com um conjunto de regras para restabelecer a estabilidade daqueles instrumentos. A sua utilização no passado levou a processos de destabilização que arrastavam as economias para níveis cada vez mais elevados de despesas e de dívida pública. Níveis do Orçamento e Finanças Funcionais Não deixou de ter influência sobre o papel da política orçamental a demonstração do conhecido Teorema de Haavelmo. Este teorema foi desenvolvido na sua aplicação ao sector real da economia. Suponha-se a componente IS de uma economia em que impúnhamos a igualdade das despesas e das receitas orçamentais. Y =C+I+G C = c 0 $ (Y − T) + C A G=T - 75 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Simplificando estas três equações chegamos à seguinte equação: (1 − c 0 ) $ Y = (1 − c 0 ) $ G + C A + I e finalmente a: C +I A Y = G + 1−c 0 que traduzia o referido teorema: se o nível do orçamento aumenta, mesmo que estejamos em condições de equilíbrio orçamental, o rendimento global por esse montante. A política orçamental não é neutra mesmo quando a regra clássica dos orçamentos equilibrados é respeitada. Tomemos agora uma economia com uma representação mais completa, incluindo as componentes IS e LM. Comecemos pela representação das funções de comportamento dessa economia: C = 0, 8 $ Y d + 100 I = 500 − 100 $ r 1,8 k= 0, 1 $ R 1 $ (1 − ) R $ 0, 8 + 0, 2 0, 02 M d = 0, 1988 $ Y 1,1 $ r −0,2 As restantes equações são as seguintes: Yd=Y-t.Y Y+Imp = C+I+G+X Ms=k.BM Md=Ms. As variáveis exógenas teriam os seguintes valores: X = 100 e Imp=100. Os seguintes valores das variáveis instrumentos nesta economia conduziriam a - 76 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ uma situação de pleno emprego: t=0,15; G=680,6; R=0,02 e BM=768. Sendo o pleno emprego definido para o nível de rendimento 3999,9. Para esta combinação de valores que ilustra o que era pretendido com a ideia das finanças funcionais, e que não é mais que uma entre múltiplas possíveis, a taxa de juro seria de 0,06 e o saldo orçamental seria de -80,6. Esta situação caracteriza a nossa economia, mas não nos interessa por agora do ponto de vista da aplicação do teorema de Haavelmo. Suponhamos assim que a economia se encontra numa situação de subemprego, e em que a exigência feita em termos de política orçamental é a de um saldo nulo (G=t.Y). Admita-se que G=528,157 e BM=609,8. Neste caso temos os seguintes valores para a economia: Y=3521; I=498,6; r=0,094 e M=2540,8. Se as despesas orçamentais aumentarem 100 unidades, o nível de impostos passa para 0,17358, a taxa de juro para 0,1095 e o rendimento para 3618,8. Como constatamos o rendimento não aumentou as 100 unidades, mas menos que essas unidades. É que o referido teorema apenas contava com a parte IS da economia. Assim não tinha em conta que o aumento do rendimento perante uma oferta de moeda inalterada levaria a subir a taxa de juro de equilíbrio o que reduziria o nível de investimento e assim o nível de rendimento de equilíbrio consequente ao aumento das despesas orçamentais. A diferença que resultaria entre estes dois valores seria ditada pela elasticidade da procura de moeda à taxa de juro e pela elasticidade juro do investimento. Mas aquela resultado acima não implica o abandono da política orçamental e da ideia do teorema de Haavelmo. O que aconteceu foi que a inclusão do sector LM nos deve levar a admitir que o acréscimo das despesas orçamentais deve ser acompanhado pelo aumento da oferta de moeda para que aqueles efeitos negativos não se façam sentir. Mas cuidado, não estamos aqui a dizer que esta política orçamental deve ser acompanhado por uma política monetária - 77 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ destinada a manter a taxa de juro. Senão vejamos. Os novos valores vêm agora: t=0,17347; BM=629,1; e Y=3621; continuando r=0,1095. Como vemos os impostos não têm de ser tão elevados como nos dizia a primeira simulação que foi feita e a taxa de juro manteve-se ao nível anterior, mas superior ao da situação de partida. A taxa de juro era de 9,4% e passou para 10,95%. Manter a taxa de juro àquele primeiro nível equivaleria a fazer acompanhar a política orçamental de acréscimo equilibrado das despesas com uma política monetária expansionista. Sabemos que é mais fácil procurar manter fixo o valor da taxa de juro e endogeneizar a base monetária, ou seja, as variações da base são as que estão de acordo com aquele valor da taxa de juro, do que fixar uma valor da base monetária que arreste a economia para um valor da taxa de juro compatível com um dado crescimento do produto. Nesta última operação praticamente abstraímos dos efeitos que a incerteza pode acarretar e naturalmente que partimos da hipótese que conhecemos o modelo da nossa economia. Estaríamos assim no mundo do fine tunning. Vimos também como uma política de subida do nível das despesas orçamentais ainda que em equilíbrio com as receitas e de manutenção de valores da taxa de juro se torna numa política monetária expansionista. Indicadores e objectivos intermédios Os indicadores da política orçamental servem-nos para lermos o papel desta política no passado e quais os efeitos que essa política exercerá. Como em todos os tipos de políticas podemos recorrer a variáveis que traduzem quase que directamente essa política, ou a variáveis que encontrando-se afastadas destas variáveis instrumentos informam dos efeitos que a política exerce sobre a economia em geral. Neste último caso, como temos de relacionar os efeitos sobre a - 78 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ economia com apenas os instrumentos da política orçamental, estas variáveis indicadores pressupõem um conhecimento de um modelo da economia. Vejamos alguns indicadores de natureza orçamental. - saldo orçamental efectivo - saldo orçamental de pleno emprego - saldo orçamental ponderado. O saldo orçamental é a variável mais utilizada para avaliar se uma política orçamental é expansionista ou não. Logo à partida constatamos que esta medida não tem em conta o nível do Orçamento e o nível relativamente ao rendimento de uma economia. Também nada nos diz da estrutura do Orçamento e naturalmente que nos interessa saber se estamos perante despesas e receitas correntes ou de capital. Concerteza que não é o mesmo supor um saldo negativo motivado por elevadas despesas correntes, ou em alternativa por elevadas despesas de capital. Também haverá que distinguir entre saldo desejado e saldo efectivo. Voltemos àquela situação de subemprego acima já descrita. Nessa situação, G=528,157; t=0,15 e BM=609,8. Pelo que tínhamos: Y=3521; I=498,6; r=0,094; M=2540,8 e o saldo orçamental era nulo. Admitamos que pretendemos uma política expansionista para reduzir o nível de desemprego na economia. Aumentamos as despesas orçamentais para 625 unidades mantendo todas as outras variáveis aos seus níveis. A economia passaria para um nível de rendimento de 3818,2, o saldo orçamental passaria a ser negativo de 52,3 unidades e a taxa de juro subiria de 9,4% para 14,7%. Ninguém deixaria de classificar esta medida como uma medida orçamental expansionista. O nível de rendimento esperado aproximava-se do nível de pleno emprego da economia (4000 unidades). - 79 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Só que este exercício foi feito na suposição "que os valores das restantes variáveis se não alteravam". Quadro ?: Efeitos sobre o saldo orçamental de alterações nas despesas autónomas (importações e exportações) (a) X=160 Y=3999,9 G=625 S_O=-25 r=18,9% S_BC=60 (b) Imp=160 Y=3634,5 G=625 S_O=-79,8 r=11,2% S_BC=-60 Consideremos dois casos subsequentes a estas decisões de política e que vão alterar a nossa hipótese de uma balança comercial nula: (a) as nossas exportações aumentam para 160 unidades e (b) as nossas importações passam de 100 unidades para 160 unidades. No quadro seguinte resumimos os resultados destas alterações de variáveis exógenas sobre os valores de equilíbrio da economia. Como consequência da mesma política orçamental podemos ter a economia a atingir o seu nível de pleno emprego, com um saldo orçamental inferior, em mais de metade ao esperado, ainda que para uma taxa de juro elevada (19%). Ou então, podemos ter a economia a ficar a um nível de rendimento inferior ao desejado para a política orçamental executada (3634,5 contra 3818,2) e a vermos o défice orçamental passar da previsão de 52,3 para 79,8, o que corresponde a um aumento de praticamente 53%. Através deste exemplo podemos ver como acaba por ser difícil "ler" o que pretendiam os responsáveis da política orçamental com tal política. Se ficarmos pela leitura em termos dos resultados obtidos com a execução orçamental dificilmente podemos retirar alguma opinião correcta sobre aquelas pretensões. - 80 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ A ideia de avaliar a política orçamental através do saldo de pleno emprego surge com o reconhecimento que era objectivo das autoridades económicas a aplicação de medidas destinadas a atingir o pleno emprego. Sendo assim, o governo deveria fixar o nível das despesas do orçamento e da taxa de impostos de tal forma que o pleno emprego fosse atingido. Utilizando o exemplo do modelo da economia acima apresentado, e supondo que a política orçamental vai ser desenvolvida apenas através das despesas, acabaríamos por ter o saldo orçamental a ser definido pela diferença entre as receitas, dadas pelo produto de 15% sobre 4000, ou seja 600, e as despesas efectivas. Nos casos apresentados acima em que as despesas passavam a ser do montante de 625 unidades, o défice vinha dado por 25 unidades. Este valor apenas coincidiria com o do défice efectivo para valores do rendimento em pleno emprego, em todas as outras situações o défice efectivo é superior ao de pleno emprego. Como podemos constatar conferindo os valores obtidos acima. Em vez de definirmos o saldo por referência à situação de pleno emprego podemos defini-lo por referência a uma situação de elevado nível de emprego. Mas a conclusão principal não deixa de ser a mesma: esta medida do saldo tende a reduzir a importância dos desequilíbrios orçamentais. Podemos mesmo ter situações em que os défices se acumulam, período após período, mas em que o saldo de pleno emprego pode ser positivo. A utilização de saldos ponderados como indicadores da política orçamental procura traduzir a ideia, ausente em todas as medidas que vimos até agora, que as despesas orçamentais somam-se à procura global na economia enquanto que as receitas se reduzem na proporção da propensão a consumir. Assim deveríamos ter a partir do saldo efectivo: - 81 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ SP=c.T(Y)-G. Esta medida procura ter em conta os efeitos da política orçamental sobre a formação da procura global na economia. Alguns refinamentos desta medida podem levar à apresentação de um saldo ponderado de pleno emprego, em que as despesas e receitas são definidas relativamente a essa situação de pleno emprego. E também à apresentação de um saldo ponderado ao nível das diferentes despesas e receitas orçamentais tendo em conta os respectivos multiplicadores de rendimento associados a essas rubricas: K H S &P = S m R $ Ri − S mD $ Dj i=1 i j=1 j onde representámos as receitas por "R". Esta última medida pressupõe o conhecimento de um modelo da economia. O que dissemos atrás para a medida do saldo efectivo acaba também por se aplicar para estas últimas medidas. Em conclusão, a obtenção de uma variável indicador da política apresenta dificuldades. Estas dificuldades apenas podem ser reduzidas com estudos mais detalhados e mais pormenorizados sobre a própria política, a evolução dos comportamentos da economia e a evolução das variáveis exógenas, evolução efectiva e esperada. Flexibilidade da política orçamental É hoje reconhecido que a flexibilidade em que os autores mais intervencionistas acreditavam não passa de um mito. No que respeita às despesas constatou-se que é fácil subir as despesas para aumentar a procura global (ou suster - 82 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ a sua queda), mas que não é fácil diminuí-las quando o nível da procura global deve ser reduzido. Quanto às receitas, uma vez aumentado o sue nível dificilmente os governo aceitam passar a dispor de menos fundos para financiar as suas despesas. Os ciclos políticos eleitorais também contribuíram para uma tendência para a rigidez na determinação do nível de despesas e receitas. No nosso país os diferentes períodos eleitorais das eleições autárquicas, "europeias", legislativas e do Presidente da República, agravaram ainda mais as influências normais dos ciclos políticos eleitorais. No caso das despesas encontramos em muitas economias uma tendência de longo prazo para o crescimento destas relativamente ao produto da economia5. Naturalmente que esta rigidez no que toca às despesas e receitas acarreta défices orçamentais sistemáticos, o que por sua vez leva ao aumento da dívida pública. Enquanto as economias registavam taxas de crescimento do produto real inferiores à taxa de juro real, a importância da dívida, em termos do produto diminuía. A partir do momento em que aquela relação se inverteu a rácio da dívida tornou-se explosiva exigindo que os governos façam esforços para diminuir o valor da dívida pública para que não venha a acontecer. Desfasamentos da política orçamental quando comparada com a monetária O economista Wiles6 apresentou um quadro comparativo para os Estados Unidos: 5 Sendo DR as despesas reais e YR o PIB real teremos uma expressão do tipo ln DR = a + b $ ln YR (c/b > 1) M. Willes, "Lags in Monetary and Fiscal Policy", Federal Reserve Bank of Philadelphia Review, March, 1968. Os valores em baixo referem-se a meses. 6 - 83 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Desfasamentos da Política Monetária Política Orçamental Desf. de reconhecimento 3 3 Desf. Administrativo 0 1-15 Desf. Externo 1-20 1-3 Desf. Total 4-23 5-21 Se bem que para os próprios E.U. aquela estrutura deve estar alterada, não deixa de ser interessante a sua leitura, até porque confirma as ideias que temos acerca dos diferentes desfasamentos. A abertura das economias, nomeadamente em pequenas economias, deve ter alterado a duração do desfasamento externo da política monetária. A reacção de mercados mais desenvolvidos às medidas desta política devem ter conduzido a essa alteração. Também os desfasamentos administrativos quanto à política orçamental se reduziram. De uma forma ou doutra os governos foram adaptando as suas leis e regulamentos dos Parlamentos de forma a poder tornar mais eficaz as suas intervenções através dos orçamentos. Em Portugal as autorizações legislativas aos governos são uma forma de reduzir substancialmente esse desfasamento. Em suma, talvez os desfasamentos totais de uma e outra forma de política acabem afinal por ter valores muito próximos. Política Orçamental e Estabilização As despesas através da sua evolução eram supostas desempenhar uma função de estabilização do rendimento na economia. As próprias receitas, ao dependerem directamente da evolução do produto acabam por ter uma função - 84 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ de redução da amplitude de flutuações do produto. Quando o rendimento aumenta também aumenta a punção realizada no rendimento disponível a favor dos governos. Esta última variável traduz-se nas diferenças de valores dos multiplicadores de rendimento com e sem impostos sobre o rendimento. No primeiro caso temos K1 e no segundo K2: 1 K 1 = 1−c 1 . K 2 = 1−c$(1−t) Algumas situações podem surgir em que esta função tradicional pode ser contestada, tendo em conta a dinamização da análise, as condições de oferta e a possibilidade de surgirem efeitos de evicção (crowding out). Comecemos pela primeira hipótese. Smyth7 demonstrou com um modelo tipo acelerador, à Samuelson, que em certas condições poderíamos ter o efeito de estabilização ligado aos impostos sobre o rendimento a gerar uma situação de instabilidade relativamente à situação sem esse estabilizador automático. As seguintes equações de comportamento e de definição caracterizam um modelo de uma economia: C t = c 1 $ (Y t−1 − T t−1 ) + c 2 $ (Y t−2 − T t−2 ) I t = u $ (Y t−1 − Y t−2 ) Yt = Ct + It + At onde c1 e c2 são positivos e somam um valor inferior à unidade, e ν é também positivo. Os impostos são representados por "T" e a componente autónoma das despesas por "A". Vamos supor duas possibilidades, S_E e C_E, na primeira consideramos que os impostos são exógenos e na segunda que são endógenos (T=t.Y), pelo que no caso de 7 D. Smyth, "Can Automatic Stabilization Be Destabilizing ?", Public Finance, 3-4, 1963. - 85 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ C_E estamos perante um modelo de estabilizador automático. A evolução do rendimento virá dada para o primeiro e o segundo caso por: Y t = (c 1 + u) $ Y t−1 − (u − c 2 ) $ Y t−2 − c 1 $ T t−1 − c 2 $ T t−2 + A t e Y t = (c 1 + u − t $ c 1 ) $ Y t−1 − (u − c 2 + t $ c 2 ) $ Y t−2 + A t Tomemos duas hipóteses de diferentes valores dos parâmetros, (a) e (b). (a) c1 c2 ν t Quadro ?: Parâmetros de funções de comportamento para duas situações numa economia 0,2 0,6 1,5 0,3 (b) 0,8 0,1 1,5 0,4 Supondo dados valores iniciais e apenas retendo como primeiro valor da série o oitavo valor calculado, chegamos aos seguintes gráficos para a evolução do rendimento, nos casos (a) e (b) e para a situação de ausência (S_E) e presença (C_E) de estabilização automática. 15 S_E Rendimento C_E 10 5 0 1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 -5 Períodos -10 (A) - 86 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ S_E Rendimento C_E 10000 5000 0 1 -5000 4 7 10 13 16 19 22 25 28 31 34 37 40 43 Períodos -10000 -15000 (B) É interessante verificar que no primeiro caso a estabilização automática torna a evolução do rendimento mais instável relativamente à outra situação enquanto que no segundo caso se passa exactamente o contrário. Como conclusão haverá que chamar a atenção para o facto de a presença de um estabilizador automático, em situação de dinâmica da economia, poder conduzir a economia a uma situação de instabilidade, tudo depende afinal dos valores dos parâmetros que caracterizam o modelo da economia. Uma outra causa de instabilidade foi demonstrada por Lundberg8. Num sistema fiscal fortemente progressivo o fenómeno da inflação poder levar a criar instabilidade e não a estabilidade que em princípio resultaria da presença desses impostos sobre o rendimento. Vejamos como podemos ver, de uma forma simples, a dinâmica da instabilidade a desenvolver-se na economia. Suponhamos uma relação do tipo "mark-up" dos salários sobre os preços. Admitamos que a taxa de imposição média dos salários é diferente (inferior) à taxa marginal e que "k" representa a o factor multiplicativo da taxa de variação dos preços sobre a taxa de variação dos salários. Perante uma variação autónoma dos preços (pA) os salários irão aumentar e provocarão um dado aumento final dos preços. Os 8 E. Lundberg, Business Cycles and Economic Policy, Allen & Unwin, 1957, pp. 241-3. - 87 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ trabalhadores entretanto vão exigir um crescimento dos salários que compensem os seus rendimentos líquidos da inflação verificada. A seguinte igualdade deve pois corresponder à situação de equilíbrio: (1−t m )$DW (1−t a )$W = p A + k $ DW W Que através de simplificações nos leva a: DW W = pA $ onde ao valor de 1 1−t m 1−t a −k 1 1−t m 1−t a −k chamamos multiplicador de Lundberg (mL). Suponhamos que os seguintes valores representam uma economia, parecida com a nossa: k=0,75; ta=0,25; e tm=0,40. Então o valor do multiplicados dos salários sobre uma variação autónoma da inflação tem o valor 20. Facilmente constatamos que uma tal atitude, racional do ponto de vista do comportamento dos sindicatos, em face de uma estrutura fiscal, para rendimentos do trabalho, fortemente progressiva, conduz a uma forte instabilidade na economia, devido aos efeitos sobre a própria inflação. Lundberg chamou a atenção que uma forma de combater este comportamento da economia era o de fazer subir os escalões do imposto sobre esses rendimentos corrigindo-os da inflação. Desta forma deixaria de existir uma reacção dos sindicatos que fosse motivada pela estrutura fiscal e seria eliminada aquela instabilidade. Passemos finalmente aos efeitos de evicção. Para além da análise baseada no modelo IS-LM chamemos a atenção para o famoso Teorema de Ricardo. O economista Barro foi o responsável pelo reavivar de interesse neste teorema que pretende concluir que uma vez que os agentes são racionais é indiferente à eco- - 88 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ nomia a forma como os governos financiam as suas despesas, se através de impostos ou de dívida pública. Assim a criação de défices que seriam compensados através da dívida pública passa a ter os mesmos efeitos que um orçamento equilibrado. A função do orçamento na estabilização económica deixa pois de fazer sentido de acordo com o teorema de Ricardo. E como se processa essa tal ineficácia de uma política de défices ? Os agentes económicos racionais que são não se deixarão eludir perante um orçamento que não lhes exige uma compensação imediata das despesas acrescidas mas lhes vai exigir essa compensação num futuro. O que não pagam em termos de impostos terão de o pagar posteriormente para liquidar a dívida entretanto feita. O que significa que o decréscimo da procura global gerado, ou pelo financiamento por impostos ou por dívida é o mesmo. Esta posição radical não tem sido corroborada. Seja por estudos em termos de aprofundar e considerar algumas outras hipóteses de comportamento racional dos agentes, seja por estudos de natureza empírica o teorema de Ricardo não parece ser uma característica das nossas economia. Mas outros argumentos existem, como dissemos que acabam por conduzir à existência de um efeito evicção na economia. Se supusermos que a procura de moeda é inelástica à taxa de juro então a curva LM será vertical. i Figura ?: Ineficácia da política orçamental Procura de moeda inelástica com oferta de moeda constante e política orçamental expansionista LM IS(1) IS(0) Y Como podemos ver o resultado de uma política de acréscimo das despesas orçamentais, ou do défice, consistiria apenas na subida da taxa de juro mantendo-se o rendimento ao nível anterior. - 89 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Admitamos agora que a procura de moeda é elástica mas que um acréscimo das despesas orçamentais provoca um efeito de descrédito nas políticas do governo levando a um aumento da preferência pela liquidez, o que faz deslocar a curva LM para a esquerda, e a uma antecipação da queda da rentabilidade do capital, o que faz deslocar a curva IS para a esquerda. i Figura ?: Ineficácia da política orçamental Procura de moeda elástica com política orçamental a afectar a credibilidade da política orçamental expansionista LM(1) LM(0) i0 i1 IS(0) IS(1) Y1 Y0 Y Como resultado daqueles deslocamentos das curvas IS e LM o nível de rendimento diminui e o nível da taxa de juro reduz-se. Este último resultado para a taxa de juro não é forçosamente necessário, o deslocamento das curvas IS e LM poderiam levar a manter a anterior a taxa de juro. Mas o rendimento cai em qualquer caso. Admitamos ainda um último caso em que a pressão exercida pelo acréscimo das despesas do governo arrasta a curva IS para a direita, mas ao provocar uma subida de preços, como resultado de uma oferta inelástica, leva a curva LM a deslocar-se para a esquerda, como se tratasse de uma redução da oferta de moeda. Paralelamente altera-se o consumo das famílias como resultado da subida de preços e da taxa de juro pelo que a posição final da curva IS é afinal à esquerda da curva inicial. O rendimento real viria reduzido e a taxa de juro superior à que se registava antes da política orçamental de acréscimo das - 90 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ despesas. i Figura ?: Ineficácia da política orçamental A subida de preços equivale a uma redução da oferta de moeda e o consumo reage à subida da taxa de juro. LM(1) i1 0 LM(0) IS(0) i IS(1) Y1 Y0 Y Acabámos assim de ver como para além do Teorema de Ricardo a política orçamental pode ser contestada no quadro de uma análise estática em termos de representação tipo IS-LM. São diversas as hipóteses em que acabamos por ter uma redução do rendimento em vez do desejado acréscimo. No entanto devemos alertar para o carácter muito vezes especial de certas das hipóteses que nos levam àqueles resultados. - 91 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ [acompanhamento de Ronald McKinnon, The Rules of the Game, International Money and Exchange Rates, The MIT Press, 1996, pp. 23-90] Primeira caracterização do SMI: não existe um banco central a emitir uma moeda internacional, e no entanto temos meios de pagamento; meios de facilitar e expressar as operações de crédito; meios de liquidação de dívidas; e ainda de reserva de valores. Robert Mundell como forma de compreendermos o SMI propôs a definição de sistema monetário e de ordem monetária: Sistema monetário, conjunto de entidades cuja coerência de actuação é dada por certas regras comuns de actuação Ordem monetária, quadro de instituições no qual se define o sistema monetário. Por vezes designado simplesmente por "regras do jogo", conjunto mínimo de regras a respeitar e que envolvem compromissos relativamente a práticas alternativas e em geral mais interessantes do ponto de vista particular. O sistema monetário é o modo de actuar da ordem monetária. McKinnon vai analisar as diferentes ordens monetárias: (1) Padrão-ouro Internacional, 1879-1913; (2) Acordo de Bretton-Woods, espírito do tratado; (3) Padrão Dólar fixo, 1950-1970; (4) Padrão Dólar flexível, 1973-1984; (5) Acordos de intervenção do Plaza-Louvre, 1985-1995; (6) Sistema Monetário Europeu, o espírito do tratado; (7) Sistema Monetário Europeu, grande área do Marco. - 92 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Caracterização por regras visando: (a) objectivos de taxas de câmbio; (b) reservas oficiais; (c) compromissos de convertibilidade; (d) ajustamentos nas políticas monetárias internas; (e) a escolha de objectivos para a evolução dos preços; etc. A simetria dos Tratados (Bretton Woods e SME) pode dar origem na prática a comportamentos e responsabilidades assimétricas, que formalmente até se podem opor ao espírito daqueles. Padrão-ouro Internacional. Adesão ao sistema fez-se de forma unilateral e não existe nenhum conjunto aceite de regras que formassem um qualquer tratado. A data de 1879 reconhece a sua existência internacional e não meramente nacional (-Inglaterra, por exemplo). Os países da Europa Ocidental (EO) e os Estados Unidos mantiveram as suas paridades relativamente ao ouro por um período de 35 anos. Em Agosto de 1914 desaparece do dia para a noite: inconvertibilidade em ouro e nas outras moedas, declaradas pelos governos. Resumo de regras para todos os países: 1. Fixação de um preço oficial de cunhagem em ouro e liberdade de conversão entre moeda e ouro. 2. Liberdade de exportação do ouro por parte dos residentes sem o estabelecimento de restrições para a balança de transacções ou de capital. 3. Garantir a convertibilidade das notas com as reservas de ouro e condicionar o crescimento de longo prazo dos depósitos à existência de reservas de ouro a serem possuídas. 4. Em crise de liquidez perante uma fuga de ouro levar o banco emissor a emprestar livremente a taxas mais elevadas. 5. A suspensão da convertibilidade deve levar o mais cedo possível ao seu restabelecimento ainda que à custa da deflação da economia nacional. 6. O nível geral de preços deve ser estabelecido de acordo com a oferta e a procura mundial de ouro. - 93 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ A presença dos "pontos de ouro" no que se refere a duas moedas ambas convertíveis em ouro deve levar a que a taxa de câmbio se situe nesse intervalo. Temos autores que sugeriram que os custos das viagens eram bastantes instáveis e que devíamos ter em conta o tempo do transporte assim como as diferentes taxas de juro que vigoravam numa e noutra economia. Isto significa que apesar dos golden points normalmente calculados serem inúmeras vezes ultrapassados não temos a demonstração do não funcionamento do padrão ouro. Mas não podemos esquecer que muitos governos apenas "convertiam" as suas moedas se o entendessem, não existia obrigatoriedade e que foram muitas as vezes em que faziam variar o preço de cunhagem em ouro. Assim como os bancos emissores exerciam pressão para a não exportação de ouro, mesmo com ganhos consideráveis. O país que menos vezes utilizou esse estratagema foi o Reino Unido. Mas talvez o fizesse porque possuía mais reservas que os outros e afinal a sua moeda era a mais utilizada internacionalmente, pelo que os custos de alterações seriam sempre mais elevados. A queda no peço dos transportes também obrigou os países a esses expedientes para manter o padrão-ouro em vigor. Keynes acreditava numa margem de confiança e aceitação de 2% para as taxas de câmbio, em regime de padrão-ouro. Também se encontraram períodos em que os movimentos de ouro se faziam em sentido contrário ao determinado pelas taxas de câmbio e preços do ouro. A regra da restauração era um regra de credibilidade no longo prazo. As suspensões inglesas e norte-americanas, no século XIX levaram a restabelecer a convertibilidade à antiga paridade. A convertibilidade e a sua confiança em termos de longo prazo reduzia de forma importante os custos de manutenção do sistema no curto prazo. Podemos dizer que as expectativas quanto ao valor da moeda eram do tipo regressivo. O prémio de risco de obrigações era assim também nulo, assim as taxas de juro podiam variar no curto prazo sem que tais va- - 94 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ riações fossem comunicadas às taxa de longo prazo. Este fenómeno permitiu um grande desenvolvimento da circulação de capitais de curto prazo mais importante que o movimento de ouro. E esse movimento contribuiu para a estabilidade das taxas de câmbio. Quando Winston Churchill regressa ao padrão-ouro em 1925 à paridade ouro tradicional Keynes critica-o fortemente. Keynes não aceitaria afinal o reconhecimento de uma tradição tão bem estabelecida ? O papel de prestamista em última instância era defendido para o banco central (Bagehot, Lombard Street (1873)). Os bancos centrais actuavam emprestando aos bancos comerciais em caso de crise para manter a estabilidade do sistema bancário. A prática de reservas mais elevadas que as legais era mais uma característica dos bancos do continente. O banco de Inglaterra utilizava com mais frequência do que estes a manipulação da taxa de desconto. O banco central procurava emprestar aos bancos comerciais quando se registavam saídas consideráveis de ouro e outros activos expressos em moedas convertíveis, o que levava a estabilizar a oferta de moeda interna e não a deixar actuar os mecanismos "teóricos" de recondução ao equilíbrio pela inflação ou deflação interna. Esta forma de actuar, por si não é conducente à eliminação do padrão-ouro. Mas se os desequilíbrios forem fundamentais, ou estruturais, essa actuação destina-se a encobrir uma situação de facto que apenas será agravada e isso afectará a credibilidade da ordem monetária. O padrão-ouro foi de facto um sistema gerido e não um sistema natural imposto por regras para além da gestão das ofertas nacionais de moedas. Na hipótese de uma estabilidade da oferta de ouro o nível geral de preços poderia ser estável no longo prazo. O rápido crescimento das necessidades de ouro monetário foi se certa forma compensado com a substituição das notas - 95 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ por depósitos, que cresceu sempre. No entanto esse crescimento de depósitos acabou por ser responsável por uma certa instabilidade de preços no curto e médio prazo, ao fazer crescer a oferta de moeda de uma forma que passava um pouco à margem das regras da convertibilidade. Mas o que era um facto é que nenhum país surgia com os seus preços a servirem de ancora nominal do conjunto. Podemos ver nisto uma grande vantagem do padrão-ouro, cada país poderia inflacionar a sua economia, mas, por mais importante que ele fosse, não conseguiria fazer passar essa inflação para o conjunto. Perante moedas convertíveis em ouro tivemos uma tendência para a formação de preços internacionais. Não admira a tendência dos economistas para leis como a do preço único. É que afinal não andávamos longe dessa realidade. Não podemos esquecer que de 1879 a 1914 as taxas de juro reais entre países industrializados e produtores de matérias-primas eram praticamente as mesmas. Bretton Woods: o espírito do Tratado Objectivos das negociações de 1943 a 1945: criação de uma nova ordem monetária, (a) não sujeita à tirania do ouro; e (b) não limitando a liberdade dos governos nacionais na escolha das suas políticas. A Libra valoriza-se em 15% relativamente ao dólar de 1924 a 1925. Antecipando o retorno da Libra à paridade do pré-guerra. A valorização da Libra tem efeitos nefasto sobre a economia inglesa agravando a depressão que caracterizou os anos vinte. A Libra é finalmente desvalorizada em 1931 (Setembro) e suspende qualquer relação com o ouro. A desvalorização da Libra levou a aumentar a pressão da convertibilidade sobre as restantes moedas ligadas ao ouro. Os Estados Unidos desvalorizam em 1933 e a França três anos mais tarde. A - 96 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ defesa da actividade económica interna acabou por ser feita através do aumento do proteccionismo. As regras aplicadas aos diferentes países podem ser resumidas: 1. Fixação de um câmbio em termos de ouro ou de moeda ligada ao ouro e desmonetizar o ouro nas transacções privadas. 2. Manter a taxa de câmbio no limite de 1% do seu valor de referência e ajustar o seu valor no longo prazo com o acordo do FMI. 3. Convertibilidade cambial ao nível da conta de transacções. 4. Uso nas transacções de qualquer uma das moedas do sistema. 5. Os défices de pagamentos serão compensados pelas reservas cambiais e créditos do FMI e a esterilização das intervenções cambiais deve ser feita para evitar os seus efeitos sobre a política monetária interna 6. Cada governo deverá prosseguir a sua política de preços e de emprego. Depois da crise dos trinta a ideia que sobressai é a de Keynes que defende a liberdade de políticas internas, sem peias de normas internacionais, e por isso com suficiente flexibilidade das taxas de câmbio. Mas que houvesse a prevenção da guerra de desvalorização que caracterizou o início dos trinta, ou seja que as relações cambiais fossem ao mesmo tempo suficientemente estáveis para prevenir tais acontecimentos. Assim nasce a ideia de flexibilidade controlada, ou de câmbios fixos, mas ajustáveis. A ideia de Keynes ainda previa a existência de controlos cambiais ao nível das operações de capital de uma forma organizada, colectiva. nenhum país sozinho poderia ter a pretensão de exercer um controlo isolado sobre esses movimentos, mas em conjunto os países podiam entender-se. A negação deste princípio, que contrariava a liberdade de actuação dos bancos comerciais americanos nos pagamentos internacionais, levou a que a acção concertada sobre a conta de capital não ficasse estabelecida, mas em contrapartida apenas era reconhecida a liberdade de convertibilidade a nível da conta de transacções. A ideia con- - 97 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ tinuou a ser de manter os mercados de capitais nacionais segmentados o que correspondia a um forte retrocesso face ao verificado nas décadas anteriores. Se a taxa de câmbio se revelasse irrealista levando a economia a registar um desequilíbrio fundamental o FMI podia aceitar a decisão de uma nova taxa de câmbio para esta moeda. A expressão desequilíbrio fundamental destina-se a classificar uma situação de onde se exclui a desvalorização competitiva. O Padrão Dólar "fixo" Por volta do início dos anos 50 o Acordo de Bretton Woods havia evoluído para um padrão baseado no Dólar. As desvalorizações foram muito reduzidas e em pequeno número. As regras do jogo conduziram a duas situações idênticas à ordem anterior: - a taxas de câmbio praticamente fixas; e - a um preço comum internacional para os bens transaccionáveis. As regras aplicadas aos diferentes países podem ser resumidas: Outros países para além dos Estados Unidos 1. Fixação de um câmbio em termos do Dólar e manter a taxa de câmbio no limite de 1% do seu valor de referência 2. Convertibilidade cambial ao nível da conta de transacções iniciando de forma irreversível a liberalização dos movimentos de capitais. 3. Uso do Dólar como moeda de intervenção e representando os activos em reservas oficiais. 4. A taxa de crescimento da oferta de moeda de longo prazo fica subordinada ao regime de câmbio fixo e à taxa de inflação prevalecente nos Estados Unidos. 5. A perda das reservas externas deve ser compensada internamente pela compra de activos nacionais para restabelecer a liquidez bancária. 6. Os desequilíbrios da conta corrente deve ser compensados por a uma política orçamental que adeque a poupança privada e o investimento. Estados Unidos 7. Comportamento passivo quanto às trocas internacionais, para além da prática da liberdade comercial não deve seguir uma política de escolha do valor da taxa de - 98 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ câmbio e deve esterilizar os efeitos das políticas monetárias exteriores nas consequências sobre o crescimento da oferta de moeda interna. 8. Manter a liberdade de entrada nos seus mercados de capitais de governos e agentes privados estrangeiros. 9. Manter uma posição como credor líquido do resto do mundo e limitar os seus défices orçamentais. 10. Controlar os preços dos seus produtos transaccionáveis por uma política monetária independente. Esta assimetria relativamente ao Dólar levava a que as regras para os Estados Unidos fossem diferentes das regras para todos os outros. Sabemos pela de Walras que numa economia com N mercados se N-1 estiverem em equilíbrio o Nésimo também estará. Se fizermos a analogia com o "preço" taxa de câmbio, no caso do Padrão Ouro o Nésimo era o ouro. A simetria era possível. Com Bretton Woods deixou de haver essa referência ao Ouro. Aquela moeda passou a ser o Dólar. Se os Estados Unidos actuassem de forma a fornecer uma âncora nominal dos preços estável e a actuar passivamente no que respeita à oferta mundial da sua moeda as regras do jogo podiam ser respeitadas. O que significava que este país não tinha uma política independente de taxa de câmbio. A decisão de Richard Nixon de desvalorizar em 1971 violou um princípio não escrito. Como se todos os outros tivessem a obrigação de valorizar as suas moedas por decisão Norte-americana. As reservas deixaram de ter uma influência sobre a política monetária nacional como acontecia no Padrão Ouro. Uma vez que o regime de emissão era agora o da inconvertibilidade. As reservas monetárias deixaram de ter qualquer ligação com o nível geral de preços. Os preços dos bens Norte-americanos transaccionáveis forneciam a âncora nominal dos preços e a procura de moeda daqui resultante em cada um dos países determinaria ao oferta de Dólares por parte dos Estados Unidos. Bastaria assim aos Estados Unidos controlarem o seu nível de preços e .. deixarem actuar. Aliás, o valor da sua moeda em Dólares - 99 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ ($35 a Onça de Ouro Fino), seria internamente controlado, e afinal não pela oferta mundial de Dólares. Neste último ponto estamos a esquecer deliberadamente o fenómeno da circulação mundial desses Dólares e a substituição perfeita que representava a moeda de um qualquer país pela moeda de outro. Tudo estava bem se a procura de moeda de Dólares fosse estável. Mas essa procura não pode ser entendida como impondo uma hipótese ceteris paribus que tudo o que se passa no resto do mundo não se altera, sobretudo nas economias que passavam a ter um peso crescente no comércio e nas finanças mundiais. Resumindo: a oferta de moeda dos EU determinava o seu nível de preços, de acordo com a evolução do seu produto, estes preços impunham-se como preços internacionais que determinavam em seguida a a oferta de cada uma das moedas nacionais. Na Europa, no seguimento do Plano Marshall, e no Japão, no seguimento do Plano Dodge, assistimos ao estabelecimento do Dólar como unidade de conta e meio de pagamento, o que leva estas economias a realizarem uma política de câmbios fixos no curto e no longo prazo. Esta atitude é reforçada com a crescente liberalização da conta de capital. O receio de antecipações de desvalorização, com as consequentes saídas de capitais, leva os países a procurar garantir o valor em Dólar das suas moedas nacionais. Nas regras de jogo desta ordem não encontramos qualquer referência ao ouro. E no entanto, mais tarde ele vai estar no centro das atenções. Mas os haveres denominados em ouro aumentavam constantemente fazendo perigar o stock norte-americano de ouro, sobretudo através de atitudes especulativas. A política dos EU tornou-se por vezes mais restritiva devido ao receio daquelas perdas e foram introduzidas medidas que limitavam as saídas de capitais. As autoridades norte-americanas tornavam-se esquizofrénicas. - 100 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ Os países mais industrializados acabaram por fazer variar no mesmo sentido a oferta de moeda e as reservas oficiais e em sentido contrário a taxa de desconto, mantendo fixa a taxa de câmbio. A acumulação de reservas oficiais, política procurada activamente pelos diferentes países (não-EU), não tinha agora as consequências que tinha no Padrão Ouro, uma vez que agora se limitavam a haveres denominados em Dólares. No caso do ouro essa retenção trazia para a economia mundial a deflação. Os bancos centrais estavam assim menos dependentes de crises de liquidez bancária. Aliás, para manterem a taxa de câmbio os governos tinham de executar políticas que neutralizassem as saídas ou entradas de capitais. O toque final desta ordem surge em 1971 com a taxa sobre importações de 10%, devido à tão falada sobre valorização do Dólar. Em Dezembro foram fixadas novas taxas de câmbio. No início de 1973 as taxas não podiam continuar a ser mantidas, e as moedas dos principais países industrializados começaram a flutuar. Em 1973-4, o designado "conselho dos vinte" procurou soluções para uma nova ordem monetária. Mas procurou essa ordem no espírito das regras do velho Bretton Woods. A regra das taxas fixas no curto prazo e flexíveis no longo prazo não podia ser mantida em face da (relativa) abertura dos mercados de capitais. Os movimentos especulativos antecipariam essas alterações de "mais tarde" para o presente. Por outro lado existia a dificuldade de actuar, e de reconhecer, com a lei de Walras: uma das cotações, na ausência de metal como reserva, não deveria ser independente, mas determinada por todas as outras (Mundell's redundancy problem). Havia duas saídas para este problema: (a) negociações entre todos para a determinação dos N valores; e (b) o anterior sistema em que o Dólar era a Nésima moeda, sem necessidade de se preocupar com a - 101 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ determinação do seu valor. Enquanto (a) era impossível de aplicar, (b) era a ordem que se acabava de abandonar. Padrão Dólar Flexível Mas apesar da queda da ordem anterior a moeda internacional continuou a ser o Dólar. Esta moeda continuou a ser a principal moeda nos pagamentos internacionais, fossem eles interbancários ou entre empresas, e como unidade de conta das operações reais e financeiras. E isto apesar de passar a ter um valor não constante. Existem de facto economias pela utilização de uma única moeda num conjunto de várias moedas. O espaço das possíveis relações de troca reduz-se substancialmente com a prática de um única moeda como veículo das transacções. As regras aplicadas aos diferentes países podem ser resumidas: Outros países para além dos Estados Unidos 1. Redução das flutuações do valor da taxa de câmbio sem qualquer intento de manter uma dada taxa no longo prazo. 2. Convertibilidade cambial ao nível da conta de transacções continuando de forma irreversível a liberalização dos movimentos de capitais. 3. Uso do Dólar como moeda de intervenção, com excepção de certos movimentos internos à Europa e ter as reservas oficiais representadas sobretudo em haveres denominados em Dólares. 4. A taxa de crescimento da oferta de moeda de longo prazo fica subordinada às intervenções cambiais desejadas. 5. Permitir que a taxa de crescimento de longo prazo dos preços e da oferta de moeda seja independente da que se verifica nos EU e permitir a correspondente determinação da taxa de câmbio face ao Dólar. Estados Unidos 6. Comportamento passivo quanto às trocas internacionais, para além da prática da liberdade comercial não deve seguir uma política de escolha do valor da taxa de câmbio e deve esterilizar os efeitos das políticas monetárias exteriores nas consequências sobre o crescimento da oferta de moeda interna. 7. Manter a liberdade de entrada nos seus mercados de capitais de governos e agentes privados estrangeiros. - 102 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ 8. Executar uma política monetária independente da taxa de câmbio e da taxa de crescimento da oferta de moeda nos outros países industrializados. Este conjunto de regras não deve fazer esquecer a importância das intervenções das autoridades monetárias nos mercados cambiais no período posterior a Março de 1973. O que leva McKinnon a afirmar que as autoridades seguiram políticas muito semelhantes nesta nova ordem e na que lhe antecedeu. Devido á não esterilização dos movimentos de capitais a oferta de moeda mundial tornou-se bastante instável. Aumentando quando o Dólar se torna fraco e diminuindo quando se torna forte. O que era o resultado de procurar manter limitadas as flutuações de cada uma das diferentes moedas. Os ciclos tornam--se neste período mais pronunciados e mais sincronizados. Como impedir que tal acontecesse ? A regra 6 poderia ser alterada levando os EU a manterem a estabilidade da sua taxa de câmbio. E assim à sua desvalorização seguia-se a redução da sua oferta de moeda e não o crescimento da massa monetária mundial. Acordos de intervenção do Plaza-Louvre, 1985-1995 A valorização espantoso do Dólar face ao Marco de 1981-4 levou a que os países europeus, para susterem aquela subida do Dólar, executassem medidas de política monetária restritiva. Apenas como consequência desta evolução as autoridades norte-americanas deixaram de ser indiferentes à evolução do Dólar. As regras aplicadas aos diferentes países podem ser resumidas: Alemanha, Japão e Estados Unidos 1. Estabelecer taxas objectivo para as cotações daquelas moedas com margens de ! 12%, sem que as taxas acordadas sejam divulgadas. - 103 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ 2. Aquelas taxas dependem de indicadores que traduzam a situação de longo prazo daquelas economias e devem ser adaptadas a eles. 3. As intervenções devem ser concertadas, mas não frequentes, e deixar clara a natureza de concertação. 4. Manter a liberdade de conversão cambial e dispor de reservas de denominação simétrica em dada uma daquelas economias. 5. Esterilizar as intervenções nos mercados cambiais mantendo as taxas de juro de curto prazo inalteradas. 6. Fixar um objectivo de inflação nula ou próxima disso. 7. Permitir que os erros provocados na política de inflação sejam cumulativos e não tenham de ser anulados no período seguinte Outros países 8. Suportar, ou pelo menos não contrariar as políticas concertadas do G3. Este conjunto de regras deverá em princípio corresponder à nova ordem mundial que integra espaços regionais. Duas razões para crer que assim se trata. O abandono da atitude passiva norte-americana quanto à sua taxa de câmbio e a atitude dos outros governos de procurarem intervenções sincronizadas com a dos EU. Esta nova ordem permitiu uma simetria de comportamentos maior, o que se traduziu em ciclos menos sincronizados entre as principais economias. As duas reuniões base: do Plaza Hotel em Nova York em 22 de Setembro; e do Louvre em Fevereiro de 1987. Esta última corresponde à ideia de criar zonas objectivo para as taxas de câmbio. Embora a nova ordem pareça mais no sentido de colaboração contra movimentos indesejados do que propriamente corresponder a essa ideia de fixação de objectivos centrais. Sistema Monetário Europeu, o espírito do tratado Os problemas com a ordem monetária existente e o projecto de integração mais profunda levaram à ordem monetária regional destinada a servir alguns países europeus. - 104 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ As regras aplicadas aos diferentes países podem ser resumidas: Todos os países participantes 1. Fixação de uma taxa de câmbio central em termos da moeda de conta ECU 2. Manutenção da estabilidade do valor da moeda, aplicada a todas as moedas, numa margem de 2.25% ou 6%. 3. A possível saída por parte de uma moeda daqueles limites deve levar os bancos de moedas estáveis a emprestar fundos ao que defende a sua moeda 4. Se for necessário, e com entendimento colectivo, ajustar o valor central de uma moeda. 5. As políticas macro-económicas devem levar as economias à convergência nominal com estabilidade das taxas de câmbio 6. Manter a livre convertibilidade das moedas ao nível da conta de transacções e passar à livre convertibilidade na conta de capital 7. O substancial das reservas devera estar em moedas europeias e desenvolver o FECOM na sua função de instituição possuidora de reservas ao nível global dos países envolvidos. 8. Os créditos entre bancos centrais não devem levar a acumular débitos e créditos, devendo para isso usar-se o FECOM 9. Nenhuma moeda do grupo deverá ser considerada como uma moeda de reserva, nem a sua política funcionar como âncora do grupo. As regras de 1. a 5. mantêm-se no que se tornou a grande área do Marco. E que apresentava as seguintes regras adicionais: 6. Evitar o uso das facilidades do FECOM. 7. A intervenção intra-marginal vai fazer-se em termos da taxa de câmbio do Marco e envolve sobretudo essa moeda e não o Dólar 8. As reservas oficiais dos bancos (que não o alemão) formam-se em haveres denominados em Dólares e em Marcos 9. Ajustar a política de crescimento da oferta de moeda e de taxas de juro ao respeito das diferentes paridades 10. A política da oferta de moeda deve ser feita tendo como objectivo a convergência para a taxa de inflação alemã. 11. Liberalização progressiva, mas total, dos movimentos de capitais. Para a Alemanha 12. Permanece passiva no mercado de câmbios quanto às outras moedas europeias. 13. Manter o mercado de capitais alemão aberto aos governos e agentes privados europeus. 14. Esterilizar intervenções cambiais alemãs ou europeias nos seus efeitos sobre a base monetária alemã. - 105 - Apontamentos de Política Monetária e Financeira, 1998/99 João Sousa Andrade _____________________________________________________________________ 15. Os preços alemães devem estar ancorados numa política monetária alemã independente. À simetria inicial sucedeu uma ordem assimétrica. Se a ordem de Bretton Woods do Dólar sobreviveu tantos anos, foi porque a taxa de inflação das diferentes economias se aproximava o suficiente para que até fossem confundidas. No pós início dos setenta as taxas de inflação dos EU, Alemanha e Japão começam a divergir. Nenhuma ordem baseada em câmbios fixos se poderia manter. A nova ordem europeia, até à existência de uma moeda única, procura repetir o ideal de Bretton Woods, de câmbios fixos no curto prazo e ajustáveis no longo prazo, mas para isso introduziu um novo elemento a convergência das taxas de inflação para os valores registados na Alemanha. - 106 -