Turma e Ano: Flex A (2014) Matéria / Aula: Processo Civil / Aula 1 Professor: Edward Carlyle Conteúdo: Jurisdição: 1. Noções Gerais; 2. Conceito; 3. Características; 4. Princípios (1ª parte). Bibliografia: Autores Modernos: Fredie Didier Jr. Curso de Direito Processual Civil - vol. 1, 2, 3, 4 e 5 (mais utilizado em concursos) Daniel Amorim Assumpção Neves Manual de Direito Processual Civil - volume único. Autores Clássicos: Alexandre Câmara Cândido Dinamarco Humberto Theodoro Jr. - Jurisdição - 1. Noções Gerais: No Brasil, a jurisdição é o ponto central da teoria geral do processo (Itália ação / Alemanha - processo). O titular da jurisdição é o Estado. O poder do Estado é uno e indivisível, manifestando-se através de diferentes funções: Poder Função Administrativa (Executiva) - voltada para a realização do bem comum. Interesse primário (interesses do Estado = Sociedade) Interesse secundário (interesses do Estado # Sociedade) Função Legislativa - criação de normas gerais e abstratas. Função Jurisdicional - aplicação da lei no caso concreto; atuar a vontade concreta da lei (Chiovenda). A jurisdição é somente uma função estatal? 1. Doutrina e Jurisprudência dominantes (Alexandre Câmara, Humberto Theodoro, TJ/RJ, TJ/SP, STJ) - Jurisdição é uma função do Estado. Obs: A partir da 9ª edição, Fredie Didier passou a adotar a 1ª corrente dominante: jurisdição como função estatal. 2. Fredie Didier antes da 9ª edição / Entendimento original do livro clássico Teoria Geral do Processo - Ada Pellegrini e Dinamarco Jurisdição é uma função, poder e atividade, mas tal entendimento já está ultrapassado. 1.1 Trilogia estrutural do Processo Civil: O processo civil moderno é baseado em três institutos fundamentais: jurisdição, ação e processo. O Estado é inerte, necessitando ser provocado para exercer a jurisdição. O interessado, através do exercício do direito de ação, provoca o Estado a prestar a jurisdição, que utiliza-se do processo como instrumento para tornar pública a sua decisão. Parte da doutrina, Luiz Guilherme Marinoni e Cândido Dinamarco, defende que a trilogia do processo civil é baseada em uma concepção ultrapassada, pois o processo não pode mais ser visualizado apenas do ponto de vista do autor. Sendo assim, teríamos o direito de defesa do réu em paridade ao direito de ação do autor, constituindo um quarto instituto. Jurisdição Autor = Exercício do Processo direito de ação Réu = Exercício do direito de defesa Em contraposição, há quem sustente que o direito de ação pode ser visualizado tanto do ponto de vista do autor quanto do réu, caso em que será denominado como direito de defesa. Portanto, o direito de ação abrangeria tanto o direito de ação exercido pelo autor quanto o direito de defesa exercido pelo réu. É preciso tomar cuidado com uma interpretação mais ampla no sentido de que se o réu possui direito de ação ele poderá propor uma demanda em face do autor em qualquer situação, já que esta é admitida pelo ordenamento jurídico somente em situações expressamente previstas em lei. Portanto, o réu não poderá exercer direito de ação livremente contra o autor, restringindo-se a situações específicas, tais como a reconvenção, pedidos contrapostos, ações dúplices. 2. Conceito de Jurisdição: O conceito de jurisdição nunca foi unânime, existindo 4 teorias sobre o tema. O CPC adota a terminologia de uma teoria e a orientação de outra. Teorias Clássicas: 1) Teoria Unitária do Ordenamento Jurídico - Carnelutti (Procuradoria da República gosta muito desta teoria) O direito material não é suficiente para assegurar um direito, apenas criando uma expectativa de direito. Somente o processo é capaz de assegurar o direito material. A sentença proferida no processo cria o direito subjetivo, pois somente a partir desta a parte poderá se utilizar de todo o sistema processual para coagir o réu ao cumprimento da obrigação. Portanto, o processo seria mais importante que o direito material, já que o direito subjetivo seria criado pela sentença. O sistema é baseado nos interesses dos indivíduos, que são infinitos, mas os bens sobre os quais recaem tais interesses são finitos. Quando há um conflito de interesses sobre o mesmo bem, surge a denominada pretensão, que consiste na exigência de subordinação de um interesse alheio ao interesse próprio. Se a outra parte abrir mão de seu interesse, não há conflito. Por outro lado, quando há resistência, surge a denominada lide, que nada mais é do que o conflito de interesses caracterizados por uma pretensão resistida (processo de conhecimento) ou não satisfeita (processo de execução). A jurisdição tem como finalidade solucionar a lide (conflito de interesses). Portanto, segundo Carnelutti, jurisdição é a busca da justa composição da lide. Procuradoria da República - O que seria o arco de Carnelutti? O direito material gera mera expectativa de direito, como se fosse um arco. O todo só se completa através do processo com a prolação de sentença, que enseja a criação do direito subjetivo. 2) Teoria Dualista do Ordenamento Jurídico - Chiovenda (dominante) o ordenamento jurídico é formado por dois planos: material e processual. Segundo Chiovenda, jurisdição é a função atribuída ao Estado de substituir a vontade dos particulares ou de outros órgãos públicos para atuar a lei ao caso concreto, declarando-a (processo de conhecimento) ou tornando-a efetiva (execução). Atualmente, esta orientação é a mais adotada no Brasil, principalmente quanto à concepção de substituição Humberto Theodoro, Araken de Assis, Alexandre Câmara. Violação 1º plano - Direito Material 2º plano - Direito Processual Cria direito subjetivo Processo - correção da violação (sentença) Teorias Modernas: 3) Marinoni - Proteção Constitucional (importante em provas federais) Modernamente, o autor sustenta que a jurisdição consiste na atuação da vontade concreta da lei voltada para a realização e proteção dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição. Não existe jurisdição se esta não for voltada sempre à proteção dos direitos fundamentais. 4) Fredie Didier Jr. (teoria mais moderna, porém isolada) A jurisdição é uma função atribuída a um terceiro imparcial (heteronomia) voltado para a realização do direito de modo imperativo e criativo (criação de direito), reconhecendo, efetivando e protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível. O mais inovador nesta teoria é a ideia de que os juízes e tribunais criam direito (atividade criativa), ou seja, ao moldarem a lei para aplicá-la no caso concreto, estariam criando uma norma para o caso concreto. Tal entendimento é muito discutido, pois a doutrina majoritária defende tratar-se apenas de uma adaptação da lei ao caso concreto, e não criação de direito. 3. Características da Jurisdição: Inércia ou Princípio da Demanda (art.2º do CPC) - A jurisdição é inerte. Em regra, o Estado precisa ser provocado para exercer a jurisdição, o que se dá através do exercício do direito de ação do interessado. Exceções: Jurisdição ex officio: 1) Abertura de Inventário 2) Exibição de testamento 3) Arrecadação de bens de herança jacente 4) Arrecadação de bens de ausente 5) Execução de ofício de sentença (878 da CLT) Em decorrência do princípio da demanda, o Estado delimita a atuação do juiz ao pedido formulado pela parte. Ex: Pedido = 50.000,00 80.000,00 = Sentença ultra petita (além do pedido) Bicicleta no valor de 50.000,00 = Sentença extra petita (fora do pedido) 30.000,00 - duas possibilidades a) Sentença citra ou infra petita - juiz deixa de examinar um dos pedidos. Recursos cabíveis: Embargos de Declaração (omissão), Apelação (error in procedendo - erro no procedimento). Ex: Pedido de Despejo + Indenização - juiz analisa apenas o pedido de despejo sentença citra ou infra petita. Recursos: Embargos de declaração (omissão) e Apelação (anulação da sentença e retorno dos autos ao 1º grau para prosseguimento). Em sede de apelação, normalmente, o tribunal dá provimento à apelação, anula a sentença e devolve o processo ao 1º grau para prosseguimento. Porém, no TJ/SP, há acórdãos defendendo que o tribunal poderá determinar o retorno dos autos ao 1º grau para que o juiz complemente a sentença (# anular) quanto ao pedido não apreciado (indenização). Nestes casos, em relação ao pedido já analisado (despejo), nada poderá ser feito. Há ainda acórdãos defendendo a possibilidade de aplicação da teoria da causa madura (art. 515, §3º CPC), casos em que o tribunal poderia decidir pela 1º vez o pedido não apreciado no 1º grau (indenização). b) Sentença de procedência parcial do pedido: Ex: Despejo + Indenização todos os pedidos são examinados, mas um deles é julgado improcedente. Recurso = Apelação (error in judicando - erro no julgamento) recursos para os tribunais superiores: embargos infringentes, REsp, RExt. Substitutividade o Estado substitui a vontade das partes na solução dos conflitos. Natureza Declaratória (Teoria de Chiovenda - majoritária): Se adotarmos a Teoria de Chiovenda, a sentença possui natureza declaratória, pois o Estado declara um direito preexistente (já existe no direito material), ou seja, apenas declara a vontade da lei. Porém, se adotarmos a Teoria de Carnelutti, segundo a qual a sentença cria direito subjetivo, a natureza será constitutiva. Marinoni e Fredie Didier não abordam o tema. Características controversas: Coisa julgada 1) A coisa julgada é característica da jurisdição. 2) Majoritária A coisa julgada não é característica da jurisdição, pois há casos em que não há formação de coisa julgada - Exs: jurisdição voluntária e processo cautelar (salvo art. 810 CPC - reconhecimento de prescrição e decadência no âmbito da cautelar faz coisa julgada). Lide 1) A lide é característica da jurisdição 2) A lide não é indispensável para a caracterização da jurisdição, mas tão somente a pretensão. Exs - jurisdição sem lide: reconhecimento da procedência do pedido; anulação de casamento - concordância entre marido e mulher. 4. Princípios da Jurisdição: Inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF) nenhuma lesão ou ameaça de lesão poderá ser afastada do controle jurisdicional. Obs: A exigência de esgotamento das instâncias administrativas para recorrer ao Judiciário está ultrapassada, salvo nos casos expressamente previstos, como é o caso da justiça desportiva (art. 217, §1º da CF). Investidura só pode exercer a jurisdição quem está investido da função jurisdicional - aprovação em concurso público de provas e títulos para juiz, nomeação e posse. Prova Magistratura - E se o candidato aprovado em concurso público de provas e títulos para juiz, mas ainda não nomeado nem empossado, proferir sentença? Neste caso, ele não está investido de jurisdição, sendo a sentença inexistente (art. 132 CPC - Princípio da Identidade Física do Juiz). O mesmo ocorre em relação à sentença proferida por juiz aposentado, caracterizando um ato inexistente. Juiz de férias pode sentenciar? STF decidiu que pode, pois é muito comum os juízes levarem os processos para trabalharem em casa. Territorialidade ou Aderência ao Território juiz pode exercer a jurisdição dentro dos limites estabelecidos pela lei - competência. Exceções: 1) Art. 107 CPC - imóvel situado em duas ou mais comarcas, o juízo competente para a totalidade será aquele prevento. 2) Art. 230 CPC - Possibilidade do oficial de justiça a citar e intimar em comarcas contíguas. Indelegabilidade - a função jurisdicional é indelegável. Exceções: 1) Cartas de Ordem - determinações proferidas pelo tribunal para que o juiz de 1º grau cumpra determinada ordem, normalmente ligada à oitiva de testemunhas, realização de perícias, juntada de documentos. Cumprido o ato, o juiz de 1º grau devolve os autos ao tribunal. Obs: Cartas Precatórias e Rogatórias - atos de cooperação jurisdicional (# delegação). 2) STF delega atos de execução (atos decisórios não!) dos seus julgados (art. 102, I, "m" da CF), normalmente ao juiz federal de 1º grau.