CIÊNCIA E RELIGIÃO, CONCILIÁVEIS?* BARBOUR, Ian. Quando a ciência encontra a religião: inimigas, estranhas ou parceiras? São Paulo: Cultrix. 2004. 224 p Barbour é uma das maiores autoridades no campo de discussão entre ciência e religião. Atualmente é professor nos Estados Unidos de Física e Religião. O autor é convicto de que a temática, em torno do dilema entre ciência e religião, deve ser amplamente discutido não somente nos meios acadêmicos mas, também entre os leigos que se veem atualmente perdidos perante a grande diversidade religiosa existente, e as dezenas de explicações científicas fornecidas para a explicação sobre a vida, o homem e a sociedade. Para isso, Barbour decidiu explorar este campo produzindo a presente obra que é uma verdadeira coletânea de teorias no assunto, porém, com a utilização de uma linguagem simples e acessível para os mais leigos. O livro é aberto com um rápido panorama histórico de como a ciência tem se relacionado com a religião e vice e versa. Assim, o autor apresenta que, a primeira forma para explicar os fenômenos naturais se deu através do surgimento do mito que, apesar de seu caráter religioso, possuía características em que se explicava a natureza e os fenômenos que ocorriam em torno de determinada comunidade, clã ou civilização, portanto, a linguagem mítica/religiosa foi a primeira forma de manifestação intelectual humana o que a caracteriza como ciência primordial. Porém, com o passar dos séculos, a mente humana tem se preocupado com aspectos terrenos e tendeu a procurar explicações dentro da própria vivência humana, ou seja, houve uma época, o que pode remontar aos pré-socráticos, que a explicação dos fenômenos universais se distanciou da explicação de que tudo é causa de uma(s) divindade(s). Nasceu assim, o paradigma entre as teorias religiosas e as teorias científicas. O discutido paradigma ganhou mais intensidade, sobretudo no mundo ocidental, após a Idade Média, período tal em que a verdade científica era monopolizada 179 , Goiânia, v. 12, n. 1, p. 179-182, jan./jun. 2014. em nome do Deus do Cristianismo. Após este período surgiu o Renascimento onde, mesmo influenciado pelas leis eclesiásticas, a ciência empírica ganhou mais força e novas descobertas, que se afastavam cada vez mais da religião, foram surgindo e consequentemente ganhou grandes proporções. O ideal renascentista chegou ao seu ápice no século das luzes, ou no Iluminismo francês que postulou a total derrota dos dogmas religiosos e alegou a supremacia da verdade científica sob a religião, devotou-se a crença na razão e na potencialidade humana, o que categorizou uma verdadeira rasteira contra os dogmas religiosos. Pode-se dizer que, principalmente após este período, a história do pensamento ocidental ficou dividida entre a verdade científica baseada nas leis empíricas e a verdade teológica baseada nos dogmas, e na crença de que um Deus está por trás de todos os aspectos humanos. O autor comenta a inegável contribuição que a ciência proporcionou a humanidade, aonde muitos antigos paradigmas teológicos vieram por terra e a religião, perante as novas descobertas científicas, foi forçada a rever seus dogmas e antigos conceitos. A própria teoria evolucionista de Charles Darwin, que, de início foi tão mal vista, tornou-se inegável e teve mesmo de ser admitida por várias teologias. Após a explanação do conceito histórico entre as divergências entre ciência e religião, Barbour finalmente entra no cerne de seu trabalho. Os avanços científicos propôs ao homem uma nova forma de vida, uma vida em que se pautava nas verdades científicas, na racionalidade, sendo assim, os meios científicos prometiam direta ou indiretamente a morte do conceito divino e a aniquilação da religião, mas isso não ocorreu. Atualmente temos a continuidade dos avanços científicos, entretanto, o desaparecimento da religião e a consequente queda da fé, predita pelos nossos antepassados não ocorreu, e tudo indica que jamais ocorrerá. Perante esta falsa profecia e a continuidade dos debates em torno da ciência e religião, é que o autor pretende construir uma espécie de ponto de Arquimedes entre estes dois ramos do conhecimento. Bardour questiona de uma forma indireta, se os avanços científicos de fato solucionaram o enigma da vida e se trouxeram conforto para a humanidade que sempre esteve preocupada pelas questões da existência? A resposta é não, e por isso, a religião permanece sólida. A religiosidade, seja qual for ela, demonstra de uma forma empírica a necessidade espiritual de crença subsistente em cada homem. É aquela necessidade de respostas para os maiores questionamentos da humanidade sobre a origem da vida, sobre o motivo e as razões da ordem do universo, entre outras questões, que a ciência está longe de nos fornecer uma resposta. O autor observa que a ciência explicou como o universo funciona, mas não o por quê funciona e nem por que somos seres de consciência, ou seja, embora existam muitas teorias em torno da origem do mundo e da vida, a problemática ainda se mostra como 180 , Goiânia, v. 12, n. 1, p. 179-182, jan./jun. 2014. enigmática. Pois são essas enigmáticas questões, de cunho científico, religioso e filosófico, que a espiritualidade do homem se mantém e fornece caminho para a necessidade de um diálogo, não antagônico , mas sim amistoso, entre ciência e religião, que, segundo Bardour, já vêm ocorrendo. Perante as novas discussões sobre o tema e uma relativa aproximação, em matéria de diálogo, entre ciência e religião, o autor observa que existe ainda muita resistência, mesmo de diálogo, entre ambas as partes. De um lado, existem cientistas que, aparados pelo materialismo, advogam a não existência de uma força superior propulsora do início da existência e, consequentemente, vêem a religião como inimiga e estranha aos avanços científicos, e do lado oposto, existem os religiosos fundamentalistas que pregam uma leitura literal de seus livros sagrados, e vêem nos avanços científicos como sinônimos de ateísmo. Barbour relata que, embora existam muitos grupos do gênero em que se baseia na ortodoxia de suas concepções, os diálogos têm apresentados êxitos, motivados pela falta de unicidade nas concepções científicas bem como, as novas exigências enfrentadas pelas religiões perante as descobertas científicas e a dada continuidade da espiritualidade humana. A própria ciência tem colocado em dúvida as teorias da criação a partir do ex nihilo (do nada), propostas por diversos cientistas da escola materialista. As pesquisas do campo da Física Quântica têm ganhado terreno e demonstrado os chamados indeterminismo do mundo físico que não nega a possibilidade de que uma força, ainda desconhecida, esteja por trás dessas leis das quais pouco conhecemos. Perante a aproximação de diálogo da ciência e religião, Barbour apresenta a chamada Teologia da Natureza como a mais propicia para que as religiões se adéqüem as descobertas científicas. Tal Teologia prevê, por exemplo, a leitura da Bíblia com uma reformulação literário-interpretativa com o contexto científico da época, sem descartar os belos elementos sobre o divino que lá se apresentam. A Teologia da Natureza pode ser uma chave para os avanços de uma grande aproximação da fé com a cientificidade, e não deve encontrar resistências por parte das comunidades religiosas, visto que, o próprio Santo Agostinho, admitia que a Bíblia não deveria ser interpretada literalmente. Porém, mesmo se estabelecendo o diálogo, quem estaria com a razão ou a verdade, a ciência ou a religião? O autor elabora que esta pergunta está longe de ser respondida, vista a qualidade subjetiva do termo verdade e das grandes limitações do próprio ser humano. Talvez, devêssemos concordar com Kant de que nunca conseguiremos apreender o mundo em sim em sua totalidade, nem pelos meios científicos nem pelos meios religiosos, também poderíamos, segundo o autor, investigar como Deus se relaciona com o mundo, utilizando-se mesmo dos próprios pressupostos científicos, mas nunca poderemos compreender sobre a natureza de Deus. 181 , Goiânia, v. 12, n. 1, p. 179-182, jan./jun. 2014. Por fim, o autor conclui que a religião e a ciência não são antagônicas, mas são duas formas de interpretação do Universo, a primeira com uma interpretação mais moralista e que pretende fornecer um sentido de vida com um cunho mais transcendental onde, não se deveriam excluir as interpretações científicas, e a segunda interpreta o universo a partir de um cunho racional e objetivo onde, não se deveriam excluir as interpretações religiosas. Assim, Barbour não assume nem a posição religiosa nem a posição da interpretação científica, mas acredita fielmente no diálogo entre estes dois ramos de conhecimento em prol do conforto para as mentes humanas que ainda clamam por respostas mais concretas para o enigma da vida. * Recebido em: 08.12.2013. Aprovado em: 14.11.2013. Marcel Henrique Rodrigues Centro Universitário Salesiano E-mail: [email protected] 182 , Goiânia, v. 12, n. 1, p. 179-182, jan./jun. 2014.