40 anos de luta pela estabilização: Reflexões sobre o papel do Banco Central do Brasil Dionísio Dias Carneiro PUC-Rio e IEPE-CdG Março de 2005 1 Roteiro • Pré-história do Bacen: um híbrido como AM • Conflitos agudos e a acomodação inflacionária • Rompendo com a alta inflação – os desafios de uma politica monetária ativa • Flexibilidade Cambial e Metas de Inflação com dívida alta e moeda reflexa • Novos desafios: o que se deseja ter e como caminhar na direção do aprimoramento institucional 2 Pré-história: O sistema híbrido de A.M. • Característica da Pré-história: combate à inflação nunca foi prioridade antes de 1964. Financiamento do governo e financiamento do hiato externo eram objetivos derivados do modelo de crescimento econômico; outros como a monetização da economia, o controle dos custos de empréstimos, a proteção do mercado brasileiro, e a prevenção de crises bancárias; • Instituições em conflito da AMH: CARED/BB (1920). CAMOB (1932) SUMOC (1945) contra a corrente x Banco do Brasil, financiador do gov. • Agenda de criação de um Banco Central era parte do contexto da solução dos conflitos históricos entre Fazenda e Banco do Brasil, desde Bretton Woods 3 Citação: “...em última análise, a estabilidade monetária resulta de uma política de crédito e fiscal que, ..., cria condições ao pleno desenvolvimento do progresso econômico... Conclui-se, pois que a criação do Banco Central no Brasil está subordinada à fixação de uma inflexível política fiscal, de rigoroso equilíbrio entre a receita e a despesa pública, o que vale dizer, disciplina...” 4 Autor da frase • Tancredo Almeida Neves, diretor da CARED, 1957, na ESG. • (Crédito para Eduardo Fernandes; “Instrumentos de Execução de Política Monetária no Brasil” PUC-Rio, mimeo, 1992) 5 Conflitos I • Falta de prioridade para a inflação ou falta de instituições/instrumentos adequados? • Conflitos entre pressões por maior despesa e controle da inflação => Banco do Brasil vs Fazenda • Conflitos não acabaram com a criação do Bacen em 1965. • Antes: Grupo SUMOC – O. Gouvea de Bulhões vs os Estruturalistas. Depois, resistências em todos os governos subseqüentes à independência do Bacen. A solução prática, mas não institucional, tem sido o respeito à autonomia, por parte do Ministro da Fazenda. 6 Conflitos II – exemplos históricos • 1945/65 Pedro Correia e Castro vs Guilherme da Silveira; Horácio Láfer vs Ricardo Jafet; Eugênio Gudin vs J.Maria Whitaker; Lucas Lopes vs Sebastião Paes de Almeida; • Depois da criação do Bacen: fim do conflito entre Ministério da Fazenda e Bacen em torno da resistência ao financiamento inflacionário do déficit; longa transição entre 1965 e 1995 para a prioridade efetiva para a estabilização. • Conflitos sobreviveram em torno da gestão da divida pública, mas leis de Responsabilidade Fiscal e do Colarinho Branco deram base legal à recomendação de Tancredo em 1957. 7 Algumas Vitórias da SUMOC • Instrução 70/ out 53 - leilões de câmbio • Instrução 113 - jan 1955 – importação sem cobertura cambial – investimentos Metas JK • Instrução 204/mar61 – desvalorização e unificação do mercado cambial • Criação do Bacen com Bulhões no MF– longa transição para uma separação completa: mercado de reservas bancárias, provisão de liquidez diária, serviços do Banco do Brasil ao Tesouro, gestão da dívida, caminho tortuoso para liberalização das contas externas em um país com tradição de repressão cambial 8 Repressão Cambial - highlights • 1945-54 – regime de alocação direta • 1954 – regime da instrução 70 permitiu sobrevida de 29 anos, por alívio fiscal • 1961 – Resolução 204 – unificação do mercado para o câmbio comercial • 1968 – indexação cambial • 1991 – transações ilícitas segregadas – fim da importância do ágio no paralelo • 1999 - regime de flutuação cambial • 2005 - unificação dos mercados financeiro e comercial 9 Gestão do Mercado de Reservas • Origem: 1920 – regime da CARED – redesconto era forma de financiar o Tesouro sem quebrar o BB (lei facultou o redesconto ao próprio BB) e direcionar crédito segundo prioridades • Compulsório (1932). Flexibilização uso (1965) • Operações de Mercado Aberto (preocupação começou como fiscal, vendas primárias; evoluiu para principal instrumento da administração da liquidez); conflitos internalizados para o Bacen diante dos substitutos próximos de reservas bancárias. • Mov reservas pós- 1971 LTN´s + cheque BB; pós 79, SELIC • Sistema fin. segmentado (lei 4728) e inovações • Janeiro de 1980 Conta "Reservas Bancárias" no BACEN, previsibilidade no mercado de reservas; 10 Conseqüências • Na inflação alta, conseguiam evitar-se insuficiências, mas aumentava-se a endogeneidade da moeda; objetivo foi conter fuga para dólares às custas da oferta de substitutos domésticos, mas estes dificultavam a política ativa. • Transição para inflação baixa – URV corrigida igual ao dólar, permitiu substituição monetária • Inflação baixa: maior previsibilidade significou diminuir prob de crise sistêmica, • Sistema de Pagamentos completou a evolução para a maior visibilidade e possibilidade de controle dos riscos • Conclusão: longa evolução para a regulação moderna da liquidez bancária. 11 Os primeiros anos: acomodação com estabilização e crescimento • Sobram evidências de acomodação monetária mesmo no período 1965-73, com baixa inflação e alto crescimento. • Razões: criação do mercado para a dívida pública; benefícios defasados da estabilização; duas recuperações cíclicas internacionais (EUA: dez 69 a nov 70 e nov 73 a Mar 75 – recuperação mais longa do pós guerra); fim da repressão à taxa de câmbio; comércio internacional e expansão do crédito ao setor privado; • Regime híbrido sobreviveu: o “Orçamento Monetário” – programação das operações ativas do BB – era o instrumento para controlar o volume de crédito do BB, que se traduzia automaticamente em aumento da base. 12 Conflitos mais agudos e a acomodação inflacionária: a rota para a inflação crescente • Choques do petróleo 1973 e 1979 e decisões erradas de política monetária; • Crise de liquidez internacional em 1980/82 – tentativas de defesa do nível de atividade • Fim do espaço para a acomodação monetária não resultou da separação completa em 1986, com o fim da Conta Movimento: a superindexação e a rota para a hiperinflação; conseqüências catastróficas dos planos malsucedidos de desindexação 1986-1991 13 Um breve detour: até que ponto houve aprendizado? • a) b) c) d) Razões para más decisões coletivas (J. Diamond, Collapse, 2005): incapacidade para antecipar; incapacidade para reconhecer; dificuldades insuperáveis para decidir atacar o problema ; falta de tecnologia para resolver 14 Aprendizado do Bacen (1) tecnologia – instrumentos, modelos, resultados; (2) arranjos institucionais que facilitam a resolução dos conflitos: decisão coletiva, normas, independência (3) Melhoria da capacidade para reconhecer os problemas (déficits internos e externos, modelo macroeconômico fundamental) (4) Capacidade de antecipar – políticas forward looking, modelos de simulação 15 Rompendo com a alta inflação – os desafios para uma política monetária ativa • 1991/94 recomposição da confiança em meio a uma séria crise política • Experiência com a estabilização pós 1995 vários testes importantes: três eleições presidenciais; ameaça de crise bancária; mudança de regime cambial; choque de oferta de energia; choque de confiança; inflação externa, superaquecimento. • Bacen desempenhou papel importante em todas, e aumentou a capacidade de resistir à acomodação monetária, com desenvolvimentos institucionais notáveis 16 Exemplos desenv. institucionais • Metas monetárias, metas cambiais, metas de inflação, metas nominais – objetivos claros, horizontes factíveis, impedem defesas monetárias expansionistas contra choques neg • Comitê de Política Monetária (Alan Blinder) • Mecanismos para lidar com os efeitos desestabilizadores do fim da inflação elevada sobre o sistema financeiro – PROER e PROES; • Sistema Brasileiro de Pagamentos: redução do risco sistêmico • Fortalecimento da Capacidade de Pesquisa Independente 17 Desenvolvimentos instit. (cont) • Valorização do quadro técnico, melhoria da supervisão bancária e ações preventivas • Relação com outros bancos centrais e com a comunidade de pesquisadores, inserção no BIS, adoção de padrões internacionais • Comunicação com o mercado financeiro, com o público e com as instituições públicas (atividades ilícitas, aprimoramento legal, fiscalização pelo Legislativo, colaboração com Judiciário) 18 Flexibilidade Cambial e Metas de Inflação: exemplos dos novos conflitos • Objetivo geral é dar horizonte para os objetivos da estabilização • Política de metas exige liberdade para fixar juros; câmbio flexível pressupõe que Bacen não tenha metas, tetos ou pisos para a taxa de câmbio; mas a dinâmica do câmbio afeta a inflação • Esta liberdade pode ser limitada por três fatores: dívida pública elevada indexada, incapacidade de emitir dívida externa na própria moeda (pecado original) e divida privada de curta duração, requerendo “garantia pública” 19 Só Dívida Pública Sem Pecado Original Com pecado original Divida Privada Sargent - Wallace Drazen-Helpman Dominância Fiscal 2 Paridade de Juros (UIP) é suficiente para guiar IT, (Ball 1998) 1 Garantias Interação Dinâmica da ER públicas? e da IR depende Conflitos entre dos canais de SR e LR transmissão 3 4 20 Soluções • Fortalecimento da posição externa (diminuição do passivo líquido em moeda estrangeira) aumenta a liberdade para fixar juros. • Flutuação do câmbio pode ser maior se o balanço de pagamentos é mais confiavel • Aumentos de juros podem ser mais moderados se aumenta a confiança na sustentabilidade fiscal da política monetária • Maior estoque de crédito outstanding aumenta a potência da política monetária, menor indexação também • Mas aprendizado no tempo e continuidade do progresso institucional são essenciais 21 O que se deseja de um Banco Central para o futuro? 22 Inflação Baixa • Que contribua para minimizar o risco de desorganização econômica por desordem monetária • É um desafio ter política monetária autônoma em um país com a experiência inflacionária brasileira no século XX • Horizonte das aplicações em moeda local é condicionado pela permanência do objetivo de manter baixa a inflação 23 Intermediação Financeira Saudável (a) capaz de promover um ambiente de política monetária compatível com a existência de uma intermediação financeira eficiente; (b) oferta de crédito adequada; (c) capaz de reter a poupança doméstica para aplicações a longo prazo sob intermediação financeira local, sem repressão; (d) spreads que reflitam uma indústria financeira competitiva; 24 Anomalias e alguns desafios • Nível da taxa de juros básica • Spreads elevados: concorrência e taxação inadequada da intermediação financeira • Sobrevivência da Indexação à Selic • Nova importância dos fundos no mercado de reservas “bancárias” – criação de substitutos e desafios à regulamentação. Política monetária não diz respeito só ao controle da liquidez bancária. 25 Alternativas às metas de inflação • Uma vez estabelecida a clareza do que o Bacen pode fazer, e as virtudes da independência para o uso dos instrumentos, qual a estratégia do futuro? • Problema: exuberância nos mercados de ativos justifica inclusão nos índices de preços? • Metas para o PIB nominal? 26