Só a luta faz valer: Por uma ação política afirmativa do movimento da Economia Solidária. Paulo Marques e Analine Specht “A Economia Solidária busca reverter à lógica capitalista que promove crescente exploração do trabalho e dos recursos naturais, gerando desigualdade social, cultural, econômica, territorial, degradação ambiental e prejuízos à saúde dos seres vivos. Ela afirma a emergência de um novo ator social composto de trabalhadores associados e consumidores conscientes e solidários, portadores de possibilidades de superação das contradições próprias do capitalismo, caracterizando­se, portanto, como um processo revolucionário”. (trecho do documento final da I Conferência Nacional de Economia Solidária, junho de 2006. Entre fevereiro e abril de 1997, o MST realizou a grande marcha dos 100 mil à Brasília, na data que lembrava o primeiro ano do Massacre de Eldorado do Carajás. Na ocasião os trabalhadores e trabalhadoras sem terra ocuparam Brasília para demonstrar que a luta pela Reforma Agrária fazia parte de uma luta maior, por um outro modelo de desenvolvimento para o país. Foi uma mobilização histórica que bem mais do que afirmar a força do movimento contribuiu muito para mudar a visão que muitos setores da sociedade tinham em relação ao MST e sua luta. Passada mais de uma década dessa demonstração de força, na qual, o MST se consolidava como o maior movimento social do Brasil nos anos 90 (Gohn, 2006, p.3025), é possível afirmar que diferente daquele período, hoje temos um contexto de recuo político do neoliberalismo (derrotas eleitorais em quase todo o continente) e a partir da crise do capitalismo, uma defensiva no campo ideológico. Se essa realidade pôs na lata do lixo as cartilhas liberais convertidas em bíblias sagradas durante toda a década de 1990, por outro lado, isso não significou que o neoliberalismo tenha sido derrotado. Os neoliberais mantêm o poder econômico, e no caso brasileiro, o poder político, na medida em que permanecem incorporados ao governo que os derrotou em 2002. O poder que detêm no controle da política macro­ econômica é o elemento mais concreto dessa realidade contraditória do governo Lula. É nesse contexto que buscamos analisar o papel dos movimentos sociais, em particular os novos movimentos como a Economia Solidária. A chamada Economia Solidária, que preferimos denominar pelo que realmente é, ou seja, a ECONOMIA DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS, pode ser considerada um movimento em construção. O Fórum Brasileiro de Economia Solidária ­FBES, espaço organizativo­político do movimento, recém completou cinco anos de existência. È um avanço importante na dimensão política das práticas de Economia Solidária, na medida em que busca organizar e mobilizar os segmentos que dela participam. A criação do FBES no âmbito do Fórum Social Mundial o caracteriza e vincula ao movimento anti­globalização, como prática e proposta anti­sistema. È, portanto, um movimento com um enorme potencial, com as condições de constituir­se, assim como o MST , numa nova força social capaz de apresentar um projeto político­econômico que põe em xeque o sistema capitalista. Essa afirmação é baseada em dois elementos, o primeiro a emergência, na última década, de milhares de Empreendimentos Econômicos Solidários por todo o país, e segundo, a construção de espaços de articulação e organização política desse segmento, os Fóruns e redes em todos os Estados da federação, criando uma capilaridade em diversas regiões envolvendo diferentes setores econômicos, rural e urbano. Entretanto, a consolidação de um movimento com esse caráter não é um processo espontâneo, mas que necessita, sobretudo, de uma organização com capacidade de ação política e estratégia de mobilização de sua base social. O que acreditamos passa por uma articulação com outros movimentos já consolidados como o MST, MTD, MMM, Meio ambiente, movimento negro, juventude etc... Isto porque a plataforma da Economia Solidária tem como sujeitos estes outros movimentos setoriais, ou seja, fazem economia solidária os cooperados dos assentamentos do MST; os núcleos de produção do MTD; os grupos produtivos de mulheres organizados pela MMM, os jovens do setor da cultura e das tecnologias livres (software Livres) entre outros. Por isso a construção do movimento da economia solidária não é um processo corporativo ou setorial, mas sim intersetorial e econômico­ social, cujo principal elemento é a produção e organização autogestionária. Nesse sentido, é que está na hora do Movimento da Economia Solidária construir ações políticas afirmativas, de mobilização de sua base social, dando visibilidade para uma prática concreta e viável para milhares de trabalhadores que já praticam essa economia autogestionária, colocando a produção autogestionária dos trabalhadores/produtores no centro de um projeto realmente emancipatório e anti­ capitalista. Portanto, o que se apresenta como desafio é a capacidade do movimento social de apresentar e mobilizar suas bases em torno de um projeto que aponte para um enfrentamento real com o sistema. Se no auge do neoliberalismo na segunda metade da década de 1990, o MST mobilizou centenas de milhares de trabalhadores e trabalhadoras para enfrentar o modelo que acabou com mais de 3 milhões de empregos (Mattoso, 2000), na atual conjuntura de crise profunda do sistema, não estaria na hora dos movimentos sociais apresentarem um projeto próprio alternativo ao capitalismo? E que projeto seria esse? Políticas Keynesianas para salvar o capitalismo? Ou seria possível um projeto estratégico baseado na economia dos trabalhadores e trabalhadoras, popularmente conhecida como Economia Solidária? Certamente uma proposta como esta encontraria diversos inimigos, o que requer capacidade para o enfrentamento, cuja premissa é a organização e a conscientização como bem nos ensina a experiência do MST, uma organização da base social, conscientização política dos protagonistas e unidade de ação do movimento popular em torno de um projeto político estratégico. É nesse sentido que identificamos que essa é a hora do movimento da Economia Solidária avançar no processo de mobilização social e organização de sua base, a partir de ações de caráter político, mobilizando os/as trabalhadores/as que já compõem a produção e o trabalho autogestionário no Brasil. Já superamos o processo de negação e do discurso de superação e rompimento do capitalismo, não bastam apenas palavras de ordem abstratas sem nenhum vínculo lastro com a realidade do mundo do trabalho hoje. O momento atual coloca, para os movimentos sociais o desafio da ação propositiva, da audácia em apresentar uma plataforma realmente revolucionária com alternativas concretas e viáveis para a imensa classe­que­vive do trabalho e não está organizada. Entre essas ações é possível e urgente construir uma Conferência Nacional dos Movimentos Sociais que tenha como pauta específica a ECONOMIA DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS, (Economia Solidária) como projeto político alternativo dos movimentos sociais para as bases de um novo modelo de desenvolvimento econômico. Entendemos que é imprescindível a inversão da pauta econômica através da radicalização das propostas do movimento popular para iniciarmos não apenas a superação do neoliberalismo, mas, sobretudo, a transição para um novo modelo econômico e social. Isto requer a consolidação e fortalecimento da proposta da Economia Solidária nos diferentes espaços, seja no âmbito das instituições da sociedade (Universidades, Entidades, sindicatos), seja na institucionalidade (SENAES no governo Lula). Somente com força política é possível a disputa pelos fundos públicos e investimentos do Estado na ECONOMIA DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS e não mais nas grandes empresas capitalistas. Nesse sentido, é fundamental que o Movimento reforce e amplie as conquistas realizadas até aqui. Dentre elas destacamos o espaço institucional no governo Lula com a Secretaria Nacional da Economia Solidária, que foi uma das proposições da plataforma de luta do Fórum Brasileiro, o que diferencia este processo e esta secretaria de todas as demais estruturas do governo. A SENAES na figura do professor Paul Singer representa a política pública mais ostensiva em direção a constituição de um projeto de desenvolvimento de caráter anticapitalista, a partir do fomento a iniciativas econômicas e políticas capazes de realmente transformar as relações sociais numa perspectiva emancipatória. O avanço do movimento da ES perpassa, também, o fortalecimento da SENAES como espaço de contra­hegemonia no seio do governo Lula. As ações realizadas pela SENAES, com todos seus limites e obstáculos, é uma demonstração nítida das possibilidades que o Estado brasileiro tem de priorizar uma economia dos trabalhadores e trabalhadoras ao invés da economia dos capitalistas, voltada para a especulação e drenagem de recursos públicos para interesses privados. Outra vantagem da SENAES e do movimento de ES é contar com a importante contribuição intelectual e militante do professor Singer, que, conforme sua trajetória de vida e de luta representa a força viva da esquerda revolucionária e propositiva. O Movimento da Economia Solidária conta, portanto, com elementos significativos para avançar em um processo de mobilização de sua base social no sentido de articular os demais movimentos do campo popular para exigir medidas imediatas para o fortalecimento da Economia Solidária como a criação de um Pronades, (Programa Nacional de Desenvolvimento da Economia Solidária) com recursos do BNDES; criação de um sistema de finanças populares com a multiplicação de bancos comunitários; Programa de Compras Públicas dos produtos e serviços dos empreendimentos econômicos solidários e da Agricultura Familiar; Criação de milhares de empreendimentos Econômicos Solidários pelos/as beneficiários do Programa Bolsa Família. Essa ação política afirmativa da Economia Solidária como projeto estratégico do conjunto dos movimentos sociais do Brasil tem um potencial, não só de uma proposta de superação da crise dentro dos marcos do modelo capitalista de produção, mas uma alternativa de criar as bases de uma nova economia, voltada para os interesses e necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras, resgatando o que Celso Furtado chamou de “fins substantivos da economia” Por fim acreditamos que os movimentos sociais, construídos ao longo de décadas de luta, podem garantir uma intervenção política com protagonismo dos trabalhadores e trabalhadoras, como já demonstraram em outros períodos recentes, nesse momento histórico que mostra todas as debilidades, fragilidades e inconsistências do capitalismo. Basta levar a diante o que diz uma das músicas do MST: “Só a luta faz valer”. Referências: GOHN, Maria da Glória. Teoria dos Movimentos Sociais. Paradigmas Clássicos e Contemporâneos. São Paulo, Loyola, 2007. MATOSO, Jorge. O Brasil desempregado. São Paulo, Perseu Abramo, 2000.