Cursinho Triu – História / Aula 15: Revolução Francesa e período napoleônico O conjunto de eventos de ordem política e social ocorridos na França entre 1789 e 1799 é apontado por muitos historiadores como marco inicial do que chamamos de história contemporânea. Mas para que entendamos a Revolução Francesa, é necessário analisar o cenário em que ela se deu. A estrutura social da França até esse período era estamental e pode ser caracterizada a partir do esquema dos três Estados: o Primeiro Estado, formado pelo clero – dividido em alto clero (membros da nobreza e famílias ricas) e baixo clero (camadas mais populares); o Segundo Estado, composto pela nobreza; e Terceiro Estado, composto pelos diversos setores da burguesia camponesa e trabalhadores urbanos e responsável pela sustentação econômica de todo o país através do pagamento de altos impostos. Além disso, a organização social de moldes feudais excluía tais pessoas da vida política, isentando-os de qualquer participação por não terem nascidos nobres. A insatisfação do Terceiro Estado, sobretudo dos burgueses que faziam parte dele, davase principalmente por estarem custeando um aparelho burocrático e administrativo às custas de pesados impostos sem, ao menos, terem direito à participação política ou qualquer reconhecimento de cidadania, ou seja, eram colocados alheios a todo o sistema de elaborar e executar leis. Aliado a esse quadro desfavorável foram somadas as despesas com guerras contraídas pela França (sobretudo com a Guerra dos Sete Anos e a Guerra de Independência dos EUA) e uma crise no setor agrícola pelas condições climáticas desfavoráveis. Tal conjuntura levou os dois ministros das finanças francesas, Turgot e Necker, a proporem a abdicação dos privilégios da nobreza e do clero com o objetivo de combater a crise que assolava o Estado – medida que foi fortemente contestada por esses setores que se recusaram a abrir mão de seus privilégios. Diante desse impasse, em 1788, após muito hesitar, Luís XVI convocou os Estados Gerais em uma Assembleia com o objetivo de se chegar a uma solução e um acordo que resolvesse os problemas econômicos em voga – partindo do pressuposto de que os três Estados mandariam representantes, o que viabilizaria e legitimaria o processo. Entretanto, quando se lançou a proposta de se contar os votos por cabeça (em substituição do velho modelo de votação por Estados), o Primeiro e Segundo Estados se opuseram ferrenhamente. A partir dessa negativa, os deputados representantes do Terceiro Estado se reuniram em uma nova Assembleia Nacional Constituinte, ou seja, proclamaram-se formalmente enquanto delegados de toda a nação. Nesse momento eles já eram apoiados por cerca de 153 representantes do Primeiro Estado – principalmente membros do baixo clero que partilhavam de uma situação social e econômica desfavorável. Em junho o rei resolveu se manifestar em relação à situação política instaurada naquele momento e não reconheceu a Assembleia Nacional como órgão político legítimo, voltando a assumir a votação por Estados como estrutura viável para a resolução da crise. A intimidação feita pelo monarca só acirrou as tensões e a resistência dos membros da Assembleia Nacional. Somado a isso o rei ainda mandara cercar Versalhes em uma tentativa de intimidar e manter o controle sob os “reformistas”. Em 9 de julho de 1789 a Assembleia se proclama Constituinte, iniciando o processo de limitar os poderes absolutos de Luís XVI, alterando política, jurídica e simbolicamente a imagem do rei. A nobreza reagiu imediatamente a tal medida, fazendo pressões para que o rei reorganizasse seu aparato burocrático-administrativo em prol dos pilares do Antigo Regime. Entretanto, em 14 de julho a Bastilha foi tomada e a Revolução começava, acabando com os vestígios do Antigo Regime francês. Diante dessa violenta reação o rei foi forçado a reconhecer a Assembleia Nacional e foram tomadas medidas para garantir os ideais pensados pelos revolucionários: foi aprovada a abolição de todos os privilégios feudais – logo, os camponeses não estavam mais submetidos aos nobres por obrigações tributárias advindas dos tempos medievais; e foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tais medidas estabeleciam a igualdade civil, jurídica e política, assim como as diferenças sociais, a partir desse momento, eram justificadas pela propriedade e não mais pelo nascimento. Além dessas medidas, a Constituição, promulgada em 1791, estabeleceu uma reforma administrativa e judiciária (descentralizando os poderes e reorganizando o território em departamentos, ou seja, houve uma padronização legislativa); subordinou a Igreja ao Estado (através do processo de laicização); limitou os poderes reais estabelecendo uma Monarquia Constitucional [rei + Assembleia + voto direto e censitário + permanência da escravidão nas colônias]. A Assembleia Nacional Constituinte, dessa forma, acabou com o absolutismo e instituiu a sociedade liberal burguesa, fundando o direito à cidadania na propriedade. As conquistas iniciais da revolução foram acompanhadas com muito temor pelas monarquias vizinhas à França, que se aliavam a Luís XVI para conspirar contra o governo revolucionário. Em 1791 o rei francês tenta fugir para a Bélgica (com o apoio da Áustria). A família real é presa durante a fuga e o povo passa a exigir medidas mais radicais contra a nobreza e o clero. Em abril de 1792 a Assembleia declara guerra à Áustria, apoiada pela corte, como uma possibilidade de retorno do monarca ao poder. Austríacos e prussianos aliam-se e invadem a França, mas são derrotados pela participação das massas populares, chamadas de sans-culottes por não usarem, como os nobres, os calções curtos com meias. É importante lembrar que a Assembleia, nesse momento, era composta por diferentes grupos políticos: jacobinos – pequena e média burguesia e proletariado urbano que assumem posições mais radicais em benefício das classes oprimidas e sentam-se à esquerda; girondinos que se sentavam à direita – representantes da alta burguesia, defendem posições moderadas objetivando preservar seu poder econômico; e a Planície (ou pântano), composta pela maior parte dos deputados, que ocupa a parte do centro, geralmente conservadores, que se sentava ao meio. A guerra contra a Áustria resulta em mais manifestações e levantes populares em Paris em agosto e setembro de 1792. O povo invade a Assembleia, onde a família real está refugiada, e exige o extermínio da realeza. Pela grande pressão popular, a República é proclamada em 22 de setembro do mesmo ano pela Assembleia Nacional, que muda de nome para Convenção. Institui-se um Conselho Executivo como governo, formado por pequenos burgueses, mas depende das decisões da Convenção para implantar uma política definida. O rei Luís XVI é julgado e condenado e, no ano seguinte, é decapitado na guilhotina. Províncias francesas sublevam-se contra o governo central girondino e exércitos estrangeiros invadem a França. A liderança do processo revolucionário passa às mãos da pequena burguesia do partido jacobino e dos sans-culottes (“república jacobina”). A situação de emergência garante o apoio da maioria da Convenção às medidas radicais propostas pelos jacobinos, tais quais o calendário republicano – com o objetivo de valorizar o movimento e dessacralizar o “novo” mundo francês, eliminando qualquer conteúdo cristão. O período de 1793 e 1794 é conhecido como o período do Terror, no qual os jacobinos, com o apoio dos sans-culottes, se organizam para defender a Revolução. Além das ameaças internas (das demais monarquias que temiam a revolução), revoltas internas, como a Revolta de Vendeia em 1793, justificavam a postura radical visando deter movimentos contrarrevolucionários. São criados, no mesmo ano, o Tribunal Revolucionário e os Comitês de Salvação Pública e de Segurança Nacional, centralizados na figura de Robespierre. Houve o loteamento das terras de nobres, tabelação de preços e radicalização dos Direitos do Homem e do Cidadão, através do voto universal, do direito à insurreição, da abolição da escravidão e do ensino público gratuito. O período do “terror”, caracterizado por um despotismo da liberdade, guilhotinou milhares de pessoas, dentre as quais muitos líderes jacobinos, como Danton. Este período teve múltiplas funções: auxiliar o governo na preservação do objeto revolucionário; satisfez desejos de vingança de setores radicais; demonstrar o ideal revolucionário jacobino (ou de Robespierre?). A partir de tais medidas nada populares, o líder jacobino perdeu apoio tanto de seus aliados mais moderados quanto dos membros da Planície e, em 1794, teve sua prisão decretada. No período conhecido como Termidor (meados de julho), ele é guilhotinado e é votada uma nova Constituição, de caráter democrático, que estende às camadas populares os direitos políticos. Os girondinos, que desde o início do Período do Terror haviam se omitido para salvar as próprias cabeças, reaparecem para instalar a alta burguesia no poder. A Convenção passa a ser comandada pelo Pântano, grupo formado por ricos burgueses que querem ampliar sua atuação política, que institui um governo de cinco diretores eleitos pelo Legislativo – o Diretório – também conhecido como “reação termidoriana”. Os deputados se organizam em duas câmaras: o Conselho dos Anciãos e o Conselho dos 500. A execução de Robespierre, em 1794, representa o fim da supremacia jacobina. A Convenção proclama uma nova Constituição, em 1795, que consolida as aspirações da burguesia. Ela centra-se, como diz Boissy d’Anglas, relator do projeto, em “garantir a propriedade do rico, a existência do pobre, o usufruto do homem industrioso e a segurança de todos”. O poder é organizado sob a forma de uma República colegiada de notáveis, tendo o Diretório como órgão executivo. No período do Diretório (1795-1799) o país mergulha numa séria crise econômica e social, além das ameaças externas. A burguesia entrega o poder a Napoleão Bonaparte, com o objetivo de manter os seus privilégios políticos. Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão França, 26 de agosto de 1789. Os representantes do povo francês, reunidos em Assembleia Nacional, tendo em vista que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos Governos, resolveram declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, sempre presente em todos os membros do corpo social, lhes lembre permanentemente seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo, podendo ser a qualquer momento comparados com a finalidade de toda a instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reivindicações dos cidadãos, doravante fundadas em princípios simples e incontestáveis, se dirijam sempre à conservação da Constituição e à felicidade geral. Em razão disto, a Assembleia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão: Art.1º. Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum. Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. Art. 3º. O princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente. Art. 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo. Assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei. Art. 5º. A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene. Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir. Todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos. Art. 7º. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se culpado de resistência. Art. 8º. A lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada. Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei. Art. 11º. A livre comunicação das ideias e das opiniões é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo cidadão pode, portanto, falar, escrever, imprimir livremente, respondendo, todavia, pelos abusos desta liberdade nos termos previstos na lei. Art. 12º. A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública. Esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada. Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades. Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração. Art. 15º. A sociedade tem o direito de pedir contas a todo agente público pela sua administração. Art. 16.º A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição. Art. 17.º Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.