Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro Mitos que Permeiam os Elementos Químicos – Novos Hábitos ou Costumes Invertidos? Esteban Lopez Moreno1,* 1 Professor Associado da Fundação CECIERJ, Diretoria de Extensão. Email: [email protected] Palavras Chave: mitologia, elementos químicos, Narciso, Freud, Jung, positivismo. Introdução Carl G. Jung (1875-1961) escreveu, em seus comentários sobre um texto clássico da alquimia chinesa1, que “Zeus não governa mais o Olimpo, mas o plexo solar e produz espécimes curiosos que visitam o consultório médico; também perturba os miolos dos políticos e jornalistas, que desencadeiam pelo mundo verdadeiras epidemias psíquicas.” Os mitos também ganharam outra abordagem entre os cientistas, notadamente com as nomeações dos novos elementos químicos descobertos a partir do século XVIII. Este trabalho propõe-se a explorar a história e alguns aspectos da utilização dos mitos pela cultura cientifica contemporânea. Resultados e Discussão Em 1789, Martin Heinrich Klaproth (1743-1817) isolou uma nova substância metálica e denominou-a de “klaprothio”, em uma homenagem pessoal. Pouco depois, seguindo outra tendência que ele mesmo inaugurara (com o elemento telúrio, i.e. Tellus), Klaproth optou chamá-lo de urânio, em honra ao mito do deus greco-romano que personificava os céus, e ao planeta Urano, recém descoberto na época2. Apesar de Klaproth não ter batizado o óxido que descobrira com o seu nome, a busca de auto-promoção pela descobertas dos elementos mostrou-se especialmente importante após o século XIX. Nesta época, a idéia de progresso através do conhecimento das chamadas ciências positivas invadiu a mente da Europa e passou a fundamentar a ciência apenas em dados observáveis empiricamente, separando-a, assim, da influência metafísica. Todos os aspectos históricos estranhos à corrente principal da ciência foram vistos como erros ou, na melhor das hipóteses, equívocos que não mereciam muita atenção. O novo paradigma da química, em detrimento à alquimia e as chamadas ciências marginais, deixara pouco espaço para as imagens mitológicas3. Em seu lugar, os nomes dos elementos químicos passaram a privilegiar propriedades intrínsecas e, com maior frequência, homenagens à cientistas ou localizações (países, cidades e laboratórios) relacionadas direta ou indiretamente ao pesquisador ou ao grupo de cientistas que recebeu o mérito pela descoberta. Esta tendência encontrou seu auge durante a guerra fria, na década de 70, com a disputa entre os EUA e antiga União Soviética pela primazia em batizar o elemento 104 como Rutherfórdio ou Kurchatóvio, respectivamente. A perspectiva estreita de auto-promoção, tão marcante nas atribuições pós-modernas é, ao menos em parte substancial, resultado do condicionamento de valores competitivos e estranhos à universalidade. Esta perspectiva é relacionada pela psicanálise através de um de seus dois mitos balizares, o mito de Narciso (o outro é o Édipo). Abordado por Sigmund Freud (1856 -1939) em 1914, o narcisismo é carcterizado como um fenômeno importante de estruturação do ego durante a fase de pré-identidade, correspondente ao desenvolvimento da discriminação entre o eu (indivíduo) e o outro (sociedade). Na sociedade contemporânea, este processo é dificultado por um narcisismo negativo levado pela exacerbação do princípio do prazer ou até numa fixação na pré-identidade. Estas tendências garantem posteridade em diferentes instâncias na ciência e sociedade atual, notadamente pela estrutura educacional, viciada em conteúdos que privilegiam a herança positivista de uma compreensão racional e mecânica, abrindo pouca margem para disciplinas de caráter mais abrangentes e insitigantes, como história, filosofia, artes e mitologia. Conclusões Não se pretendeu evocar uma apologia irracional à mitologia, mas tão somente constatar, por meio das nomeações dos elementos químicos, que enquanto os mitos foram utilizados para alcançar valores impessoais e atemporais, atualmente podem estar inadvertidamente associados a uma tendência individualista da cultura científica, que pode se relacionar ao mito de Narciso. Referências e Notas 1 2 Jung, C. G.; O Segredo da Flor de Ouro. Petrópolis Ed. Vozes 1999. Weeks, E. M., Leicester, H.M.; Discovery of the Elements. 7th Ed., JCE, 1968. 2º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – 28 a 30 de outubro de 2009 Scientiarum Historia II – Encontro Luso-Brasileiro de História das Ciências – UFRJ / HCTE & Universidade de Aveiro 3 Filgueiras, C. A. L.; A História da Ciência e o Objeto de seu Estudo: Confrontos entre a Ciência Periférica, a Ciência Central e a Ciência Marginal. Química Nova, São Paulo, v. 24, p. 709-712, 2001. 2º Congresso de História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia – 28 a 30 de outubro de 2009