Ideologia e relação com o trabalho: o caso de uma cooperativa autogestionária. Lucas R. Azambuja Graduando em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista BIRD-FAPERGS, sob orientação de Cinara L. Rosenfield, professora do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. [email protected] XI Congresso Brasileiro de Sociologia 1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP Sociólogos do Futuro 1 Ideologia e relação com o trabalho: o caso de uma cooperativa autogestionária. Resumo: A cooperativa autogerida é simultaneamente um projeto político-ideológico e um empreendimento econômico. A relação do trabalhador com o trabalho, neste contexto, encontra-se mediada pela ideologia política da economia solidária. Para a compreensão desta mediação é necessário fazer um elo entre a tríplice função social da ideologia política e as três dimensões que determinam a relação com o trabalho. Palavras-chaves: ideologia política, economia solidária, relação com o trabalho, mediações, autogestão. Introdução O presente estudo analisa uma experiência de cooperativismo autogestionário, marcada pela presença do projeto político-ideológico da economia solidária1, através da seguinte abordagem: como a ideologia mediará a relação do trabalhador com o trabalho. Portanto, este estudo não constitui numa análise da ideologia propriamente dita, mas, sim, buscar compreender a participação da ideologia na relação com o trabalho. A cooperativa de autogestão, para a economia solidária, não é somente uma forma de atividade econômica para gerar trabalho e renda aos que nela encontram-se envolvidos. É, também, o contexto no qual os trabalhadores aderem a um projeto político-ideológico, a construção do modo de produção solidário. Portanto, o papel da ideologia política não deve ser entendido como um conjunto de idéias que visa produzir um efeito de ocultação ou falseamento das práticas e das condições sociais em que os indivíduos se encontram; mas, sim, como a encarregada “(...) de atribuir sentido à ação e, em primeiro lugar, aos projetos e aos empreendimentos políticos”2. Assim, a ideologia política da economia solidária atua na experiência de trabalho autogerido com o objetivo de estabelecer um sentido político para esta. É na realização deste objetivo que a relação do trabalhador com o trabalho encontra-se imbricada pela ideologia política. A relação com o trabalho é determinada a partir de três dimensões: 1) relação com o projeto coletivo; 2) relação entre pares; 3) relação com a hierarquia. O estabelecimento de um projeto é resultado de um esforço para coordenar o presente e o futuro numa rede de 1 2 Ver SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p. 36. 2 significados, ou seja, estabelecer um sentido à ação presente a partir do referencial de um futuro desejado, de metas a serem conquistadas. Neste esforço, a mediação ideológica se faz presente, pois “(...) constrói um esquema temporal, onde o passado, o presente e o futuro se coordenam e proporcionam à ação presente uma plenitude de significado”3. A relação entre pares desenvolve-se por meio da consolidação de regras e valores que conferem à ação, às práticas de relacionamento o status de legítima ou ilegítima. Estabelecer regras e valores é necessário para que ocorra identificação entre indivíduos e a ação comum. “Com respeito à ação e às suas legítimas finalidades, a ideologia indica valores e decide a sua hierarquia”4; deste modo, a ideologia política mediará a relação entre pares. Por último, a “ideologia constrói uma imagem do poder, de sua natureza e das condições do seu exercício”5. Portanto, a relação com a hierarquia6 é mediada pela ideologia legitimando ou questionando as configurações de poder. Em suma, a ideologia política tem como função: 1) gerar um esquema temporal, essa função mediará a relação com o projeto coletivo; 2) legitimar as ações a partir do estabelecimento de uma hierarquia de valores e regras, essa função mediará a relação entre pares; 3) criar uma imagem do poder, da sua natureza e das condições de seu exercício, esta função mediará a relação com a hierarquia. Neste sentido, estudar-se-á quatro perfis de trabalhadores definidos pelo engajamento (aceitação da ideologia política da economia solidária), adesão (aceitação parcial-intrumental da ideologia), recuo (indiferença em relação à ideologia) e desvio (relação crítica com a ideologia)7. Portanto, para a analise da maneira pela qual a ideologia política da economia solidária mediará a relação do trabalhador com o trabalho autogerido, estabelecer-se-á um elo entre a tríplice função social das ideologias e as três dimensões que determinam a relação com o trabalho. O presente estudo divide-se em três partes. Na primeira parte – Autogestão: pressupostos organizacionais, função e objetivo –, a finalidade é mostrar como o projeto teórico da economia solidária a respeito de um modelo de cooperativa de autogestão, 3 ANSART, 1978, p. 37. ANSART, 1978, p. 40. 5 ANSART, 1978, p. 43. 6 O conceito de hierarquia na economia solidária será explicitado adiante no texto. 7 A pesquisa empírica que deu origem ao presente artigo, culminou na formulação de uma tipologia da relação com o trabalho autogerido, que se mostrou fortemente imbricada ao projeto político-ideológico da economia solidária. Esta tipologia identifica quatro perfis de relação com o trabalho autogerido: engajamento, adesão, recuo e desvio. 4 3 utiliza-se da tríplice função social da ideologia política na concepção das três dimensões que determinam a relação com o trabalho. A segunda parte – O caso empírico: a ideologia e a cooperativa – descreve o surgimento da cooperativa estudada, mostrando que existe uma influência do projeto político-ideológico da economia solidária. Por último, na parte três – Ideologia e relação com o trabalho na cooperativa – é exposto, a partir da análise dos dados empíricos, como a relação com o trabalho autogerido encontra-se mediada pela ideologia da economia solidária no objeto empírico de análise. 1. Autogestão: pressupostos organizacionais, função e objetivo. O projeto político-ideológico da economia solidária propõe que os efeitos perversos da competição capitalista – desigualdades sócio-econômicas – sejam eliminados através da solidariedade e união entre iguais para produzirem, pouparem, consumirem ou venderem de forma solidária. Ou seja, em vez da competição entre os agentes econômicos, a solidariedade. Neste sentido, o modelo de cooperativismo autogestionário da ideologia política da economia solidária fornece um esquema temporal à experiência dos trabalhadores inseridos num contexto de trabalho cooperativo, pois as ações presentes dos indivíduos visando à consolidação de uma forma alternativa para a geração de trabalho e renda, adquirem significado por meio do estabelecimento de um fim (um futuro), para o qual os indivíduos orientam-se, a saber, a superação do modo de produção capitalista. Portanto, nota-se a presença, na proposta teórica de economia solidária, da primeira função social da ideologia referente à geração de um esquema temporal que atua na dimensão da relação com o projeto coletivo. Podemos definir o modelo de autogestão da seguinte forma: “(...) compreende as organizações produtivas nas quais o poder último de decisão pertence exclusivamente aos trabalhadores, sendo repartido de modo igual entre todos, sem influência de suas qualificações ou dos aportes individuais em capital. Além disso, a renda líquida é igualmente compartilhada, segundo regras instituídas coletivamente” 8. Nessa definição percebe-se que o modelo de cooperativa autogestionária organizase em torno de dois princípios básicos da economia solidária: igualdade e solidariedade. Ou 8 GAIGER, Luiz I. G. O trabalho ao centro da economia popular solidária. XXIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1999. p. 2. 4 seja, a igualdade de poder decisório (garantida através do princípio “um membro = um voto”) que reitera a associação de iguais fundamenta-se, por sua vez, na propriedade coletiva, que é garantida através do estabelecimento prévio em assembléia geral das regras de distribuição dos ganhos da empresa solidária. Portanto, este modelo garantiria em tese cooperação e democracia na empresa. Além disso, a realização da autogestão no trabalho requer uma participação inteligente9 do trabalhador, ou seja, o cooperado, além de realizar a sua tarefa, deve buscar informar-se sobre a situação da cooperativa. Em outras palavras, a participação inteligente é um esforço adicional que o trabalhador deve realizar relativo às práticas democráticas de gestão do empreendimento. Enfim, a participação inteligente remete ao grau de comprometimento que é exigido do trabalhador em uma estrutura coletiva como a cooperativa. Neste sentido, o conceito de participação inteligente revela a presença da segunda função social da ideologia política, relativa à hierarquização de valores e regras, que atua na dimensão da relação entre os pares. Participar de forma inteligente corresponde ao conjunto de atitudes e práticas significativas, que são justificadas através do estabelecimento de normas e valores. Participar da cooperativa, ou seja, exercer a função de trabalho, buscar informações sobre a situação da empresa e participar das práticas democráticas de gestão do empreendimento são, agora, valores e regras que estão presentes mediando a relação entre pares. É importante observar que, muitas dessas regras e valores, ou seja, o comportamento que é esperado do cooperado é previsto no regimento interno e no estatuto da cooperativa. Porém, a viabilidade econômica da cooperativa autogestionária está ligada a sua inserção no mercado capitalista. Por isso, muitas empresas de autogestão, frente às demandas do mercado por maior flexibilidade e rapidez nas tomadas de decisões, criam níveis hierárquicos cuja estrutura reflete um sistema de delegação de poder, onde o fluxo deste funciona no sentido de baixo para cima. Dessa forma, decisões de rotina são tomadas pelos níveis hierárquicos mais altos e, as grandes diretrizes são tomadas em assembléia geral. Nesta concepção de hierarquia na empresa solidária está imanente a presença da terceira função social da ideologia política que cria uma imagem do poder, da sua natureza 9 Ver SINGER, 2002, pp.19-20. 5 e das condições de seu exercício. No modelo de cooperativa autogerida da economia solidária, esta função se expressa na maneira como a hierarquia é estruturada. O poder daqueles que ocupam cargos superiores é justificado através da vontade do coletivo, pois os cargos de administração, relativos ao “topo” da hierarquia, são eletivos. E as condições de exercício do poder da administração são estabelecidas pela assembléia de todos os membros. Além disso, a igualdade de poder de decisão de todos os trabalhadores da cooperativa, assegurada pelo princípio “um membro = um voto”, cria uma imagem do poder como igualitário. Deste modo, a função social da ideologia política referente à questão do poder atua na dimensão da relação com a hierarquia. Concluindo, a economia solidária “cola” seu projeto político ao esforço de construção e desenvolvimento coletivo de um modelo de cooperativa autogestionária, que visa à geração de trabalho e renda e, principalmente, a adesão a um projeto políticoideológico. Nesta perspectiva, a ideologia política “(...) tem por ideal reconstituir essa unidade do sentido e da prática, essa plenitude vivida do significado”10. E, dessa maneira, a relação com o trabalho em um espaço como a cooperativa autogestionária encontra-se imbricada a um projeto político-ideológico. 2. O caso empírico: a ideologia e a cooperativa. A pesquisa empírica se desenvolveu em uma cooperativa do ramo da metalurgia pesada que, surgiu em 2001 a partir da falência de uma antiga empresa. Os trabalhadores, a maioria ex-funcionários da empresa falida, diante do fechamento da fábrica e do acúmulo de dívidas trabalhistas e apoiados pelo sindicato, iniciaram um processo de ocupação e tomada de posse do conjunto da empresa. O Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e outros atores políticos e institucionais – Governo do Estado (Olívio Dutra-PT) através da SEDAI (Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais) e a ANTEAG (Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária) – tiveram um papel determinante no processo de transição de empresa privada para cooperativa, como, também, a organização desta sob o modelo de autogestão. Este conjunto de atores políticos e sociais, em posse de uma orientação ideológica de economia solidária, atuaram no sentido de convencer os trabalhadores para constituírem a cooperativa e 10 ANSART, 1978, p. 25. 6 fornecer um modelo de cooperativismo autogestionário, nos moldes da economia solidária. O sucesso dessa iniciativa de convencer os trabalhadores deve-se muito ao alto índice de sindicalização (cerca de 96%) da antiga empresa: “... essa fábrica foi, é uma das fábricas mais politizada que tem. É uma fábrica que mais discutiu dissídio coletivo. O sindicato chamava ela e era umas das primeiras para discutir. Ela participou de todas mobilizações da categoria (...) Pra nós o Sindicato de Canoas foi a peça fundamental. De todo processo que aconteceu nós agradecemos muito o sindicato, as pessoas do sindicato, a direção do sindicato. Então o sindicato tem que apontar pra isso. Ele tem que ter alternativas de ..., ele tem que buscar alternativas pros trabalhadores!”. (Administração, 41 anos). Portanto, o objeto empírico de análise mostra um grau de influência bastante significativo da ideologia política da economia solidária, através da presença do sindicato, da ANTEAG e do Governo do Estado. Dessa maneira, a cooperativa foi formada a partir do modelo proposto pela economia solidária, ou seja, uma cooperativa autogerida, que visa criar espaços de interação democrática de gestão, distribuição dos ganhos de forma igualitária e, a inserção diferenciada e competitiva no mercado capitalista. Hoje, esse modelo de cooperativa é assegurado e desenvolvido, principalmente, por aqueles que antes, através do sindicato, possuíam um vínculo maior com a proposta da economia solidária. 3. Ideologia e relação com o trabalho na cooperativa. A relação com o trabalho na cooperativa estudada mostrou-se fortemente imbricada ao projeto coletivo que, trazia consigo a proposta político-ideológica da economia solidária. Deste modo, foi possível vislumbrar quatro perfis (ou clusters) diferentes de trabalhadores definidos pelo engajamento, adesão, recuo e desvio diante do projeto coletivo. O engajamento é o modelo mais marcado por um projeto coletivo justamente por ser o estandarte de um programa político-ideológico lançado em direção ao futuro e que faz da cooperativa autêntica a comprovação empírica de sua viabilidade e de sua consolidação. A adesão ao projeto, mesmo que instrumental, aposta no sucesso da ação coletiva para atingir o objetivo de produzir com solidariedade. A adesão baseia-se no ganho obtido com a participação. O recuo, por sua vez, introduz a noção de inserções individuais no coletivo, 7 que remete a processos individuais marcados por estratégias de sobrevivência ou de proveito. A opção por inserir-se na cooperativa é a opção pela continuidade do trabalho exercido até aqui, não realmente como projeto, mas tão somente como alternativa viável de ter trabalho e garantir inserção social. O desvio em relação ao projeto proposto remete a uma certa oposição à maneira com a organização se conduz ou é conduzida. Há uma proposta de transformação deste projeto em direção à eficiência e à produtividade, através da manutenção de um trabalho coletivo, mas com o enfraquecimento do coletivo de trabalho.11 O modo pelo qual cada perfil encara a ideologia reflete na maneira de relacionar-se com o trabalho; dito diferentemente, a tríplice função social da ideologia estará mediando de diferentes formas as três dimensões que determinam a relação com o trabalho em cada cluster. Portanto, há um elo que liga a percepção em relação à ideologia política da economia solidária (“materializada” no projeto coletivo), a maneira como atua tríplice função e a relação com o projeto coletivo, entre pares e com a hierarquia. Nesta perspectiva, para entender como a ideologia política está mediando a relação com o trabalho no caso empírico estudado, é necessário expor de que maneira, em cada perfil de trabalhadores, atua a tríplice função social da ideologia mediando as três dimensões que determinam a relação com o trabalho. Com este objetivo se utilizou as seguintes tabelas: 11 ROSENFIELD, Cinara. “A autogestão e a nova questão social”. Seminário Intermediário da ANPOCS, GT Trabalho e Sindicalismo. São Paulo, USP, maio de 2003. http://sindicalismo.pessoal.bridge.com.br 8 Tabela 1: Função social da ideologia referente à criação de um esquema temporal mediando a dimensão da relação com o projeto coletivo PERFIL Engajamento Adesão Recuo Desvio Função Social: Ação presente: Ação presente: Ação presente: Ação presente: Esquema temporal Construir a Contribuir para que Trabalhar e não se Maior organização e cooperativa dentro o projeto de envolver com a controle da do modelo de cooperativa gestão da empresa produção. economia solidária. autogerida se ou com o projeto Futuro: Futuro: desenvolva. coletivo. Ser uma cooperativa Realização do Futuro: Futuro: competitiva no projeto político e Ser uma alternativa Recuperação de mercado capitalista contribuir para a permanente de perdas com a e um transformação da geração de renda e falência da antiga empreendimento realidade social. trabalho para todos. empresa. lucrativo. Dimensão: O futuro: O futuro: O futuro: O futuro: Relação com o A cooperativa dar Consolidação do Insegurança em Depende das projeto certo enquanto projeto como relação ao futuro da melhorias no modelo político. exemplo de força do cooperativa. presente. Participar da luta grupo. O presente: A cooperativa deve política maior da O presente: Apenas trabalhar. trazer ganhos economia solidária. Investimento no Não há sentimento econômicos para O presente: projeto. de posse. todos. Construção da Sentimento de Indiferença em O presente: cooperativa sob o posse. relação ao projeto. Ações para modelo de Colocar em prática submeter o projeto economia solidária. a organização ao aumento da Viabilização autogestionária. produtividade e dos econômica da ganhos econômicos, empresa como como: maior prova empírica que controle da o projeto político- produção, aumento ideológico é uma do ritmo de trabalho alternativa viável. e sistema de cargos Estar junto de e salários outros atores deste rigidamente projeto político. definido. 9 Tabela 2: Função Social da ideologia referente à hierarquia de valores e regras mediando a dimensão da relação entre pares. PERFIL Engajamento Adesão Recuo Desvio Função Social: Valores e regras: Valores e regras: Valores e regras: Valores e regras: Legitimar as ações a Referentes à Bem-estar do Desejo de Meritocracia, partir do ideologia política: coletivo, acreditar e paternalismo e comprometimento estabelecimento de participação, exercer o modelo de valorização do saber com o aumento da uma hierarquia de democracia, autogestão. prático. produtividade e valores e regras. igualdade, etc. Ações: Ações: empenho no Ações: Execução e Manter-se na lógica trabalho. Convencer os operacionalização do assalariamento e Ações: trabalhadores a da autogestão e da estratégias de Controle e sobrevivência ou organização para aderirem à ideologia participação política, inteligente, pois traz proveito. aumento da conscientização resultados positivos produtividade, cada sobre o modelo de para todos. um realizando sua cooperativa da tarefa de acordo economia solidária. com suas capacidades para somar ao coletivo. Dimensão: Proselitismo: Prática e cobrança: Distanciamento: Controle e Relação entre os Protagonista de um Todos são iguais, Resistência à coordenação: pares. projeto político, cobrar dos colegas o cobrança por cujo objetivo é a empenho no participação, não há desempenhando sua conversão de todos trabalho e maior um sentimento de função de acordo à ideologia política. participação, pois igualdade (dois com as suas Fazer com que haja agora todos são grupos na qualificações, uma mudança de donos. cooperativa: “os da cobrar de quem faz comportamento dos produção” e “os da “corpo mole”, pares no sentido de administração”) e diferença de uma adequação ao incompreensão do capacidades e programa político- trabalho de igualdade frente ao ideológico. administração. coletivo. Cada um 10 Tabela 3: Função social da ideologia referente ao poder mediando a dimensão da relação com a hierarquia. PERFIL Engajamento Adesão Recuo Desvio Função Social: Imagem: Imagem: Imagem: Imagem: Imagem, natureza e Igualitária. Justa e democrática. Mando. Hierarquia, controle condições de Natureza: Natureza: Natureza: e coordenação. exercício do poder. Democrática De acordo com as Imposição. Natureza: Condições: habilidades de cada Condições: Meritocrática. Submissão ao um. Exercer o papel de Condições: coletivo, mas desde Condições: “patrão”. Deve ser exercido que este esteja de Deve corresponder à em nome do acordo com o vontade e regras do progresso projeto político- coletivo e econômico da ideológico. respeitando às empresa e de acordo posições de cada com as um. competências de cada um. Dimensão: Ocupam cargos de Direitos e deveres Reconhecem Manutenção da Relação com a administração na iguais para todos, relações de mando, liberdade e hierarquia. sua maioria, administração sentimento de participação, mas exercício do poder requer outras resignação, controlada. justificado através habilidades, na sua incapacidade de Transparência na do coletivo e do maioria ocupam compreensão e administração. projeto, cargos eletivos e desprezo pela parte Controle e negação/aceitação igualdade perante o administrativa. otimização da da hierarquia coletivo. produção. Maior dividida em verticalidade de administração e acordo com as produção. funções e qualificações. Igualdade porque todos são sócios. 11 As diferentes formas de relação com o trabalho (expressas nos diferentes perfis de trabalhadores) são resultados de mediações diferentes da tríplice função social da ideologia política nas três dimensões que determinam a relação com o trabalho. Neste sentido, cada cluster assume posicionamentos e funções diferentes dentro da cooperativa. Os trabalhadores do engajamento concentram seus esforços na tarefa ideológica de gerar um significado totalizador à experiência de cooperativismo. Por esse motivo, as ações deste grupo concentram-se mais no eixo da função social referente à criação de um esquema temporal e a dimensão da relação com o projeto (Tabela 1). É preciso mostrar para todos os membros da cooperativa qual é o significado da cooperativa, é preciso situar todos “(...) num tempo significativo e numa intencionalidade coletiva”12. O grupo da adesão que assume a tarefa de executar o modelo de cooperativa da economia solidária, dedica-se com mais intensidade às ações no eixo da função social referente às regras e valores e a dimensão da relação com os pares (Tabela 2). Os trabalhadores da adesão sentem que tem a ganhar com o modelo e com as relações de trabalho que dele derivam, por isso eles tentam intensificar a aproximação entre as práticas de gestão (participação inteligente, assembléia geral, etc.) e o modelo concebido pela economia solidária. Portanto, a intenção deste grupo não é a criação ou reprodução dos significados políticos ideológicos e, sim, operacionalizar os significados. É difícil de identificar nos trabalhadores em posição de recuo em relação ao projeto uma intensificação em algum eixo função-dimensão. Pois, a atitude deste grupo é de indiferença em relação ao projeto e, portanto, em relação à ideologia política. Neste caso, a tríplice função social da ideologia política atua no sentido de estabelecer uma relação instrumental com o trabalho, ou seja, o coletivo e o trabalho apenas como meios para a obtenção de interesses individuais. O trabalhador do recuo, em certa medida, opõe-se à lógica da ideologia política que procura fixar o significado às práticas; é uma oposição que se faz através da valorização do trabalho como ausente de significado que o transcenda, ou seja, o recuo nega o sucesso da ideologia política no cumprimento da sua tarefa. Assim, haverá uma tensão na cooperativa entre o recuo, o engajamento e a adesão. Pois, os 12 ANSART, 1978, p. 38. 12 últimos, cada qual a sua maneira, empreenderam esforços para convencer o primeiro do significado e importância do modelo de cooperativa autogerida. Finalizando, no desvio há uma intensificação no eixo da função social referente ao poder e a dimensão da relação com a hierarquia (Tabela 3). Como este grupo possui uma proposta de transformação do projeto de cooperativa da economia solidária em direção à eficiência e à produtividade, é necessário estabelecer uma nova configuração do poder, ou seja, uma nova imagem, natureza e condições de exercício do poder na cooperativa que, possibilite simultaneamente o acesso aos cargos de administração 13 e a execução das mudanças que, o grupo do desvio pretende operar no sentido de inverter a lógica do projeto ideológico: o modelo de cooperativa autogestionária da economia solidária deve ser um meio de inserção pura e simples no mercado capitalista e, para a economia solidária, a inserção no mercado constitui um meio de obtenção dos fins desejados, a saber, a construção de um modo de produção solidário. Enfim, a maneira como a tríplice função social da ideologia política atua na relação com o trabalho no grupo do desvio, faz com que estes trabalhadores não percebam uma incompatibilidade entre a autogestão e o aumento da produtividade através de um maior controle e hierarquização da gestão do trabalho. Bibliografia ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. GAIGER, Luiz I. G. O trabalho ao centro da economia popular solidária. XXIII Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1999. www.ecosol.org.br/textos/anpocs.doc ROSENFIELD, Cinara L. A autogestão e a nova questão social. Seminário Intermediário da ANPOCS, GT Trabalho e Sindicalismo. São Paulo, USP, maio de 2003. http://sindicalismo.pessoal.bridge.com.br SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002. SINGER, P. e SOUZA, A. R. de (org.). A Economia Solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000. 13 Cabe lembrar que, os cargos de administração na cooperativa estudada historicamente tem sido ocupados por trabalhadores pertencentes ao engajamento ou à adesão. 13 14