1 Ideologia e relação com o trabalho: o caso de uma cooperativa

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Ideologia e relação com o trabalho: o caso de uma cooperativa autogestionária.
Lucas R. Azambuja
Graduando em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista
BIRD-FAPERGS, sob orientação de Cinara L. Rosenfield, professora do Departamento de
Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS.
[email protected]
XI Congresso Brasileiro de Sociologia
1 a 5 de setembro de 2003, UNICAMP, Campinas, SP
Sociólogos do Futuro
1
Ideologia e relação com o trabalho: o caso de uma cooperativa autogestionária.
Resumo: A cooperativa autogerida é simultaneamente um projeto político-ideológico e um
empreendimento econômico. A relação do trabalhador com o trabalho, neste contexto, encontra-se
mediada pela ideologia política da economia solidária. Para a compreensão desta mediação é
necessário fazer um elo entre a tríplice função social da ideologia política e as três dimensões que
determinam a relação com o trabalho.
Palavras-chaves: ideologia política, economia solidária, relação com o trabalho, mediações,
autogestão.
Introdução
O presente estudo analisa uma experiência de cooperativismo autogestionário,
marcada pela presença do projeto político-ideológico da economia solidária1, através da
seguinte abordagem: como a ideologia mediará a relação do trabalhador com o trabalho.
Portanto, este estudo não constitui numa análise da ideologia propriamente dita, mas, sim,
buscar compreender a participação da ideologia na relação com o trabalho.
A cooperativa de autogestão, para a economia solidária, não é somente uma forma
de atividade econômica para gerar trabalho e renda aos que nela encontram-se envolvidos.
É, também, o contexto no qual os trabalhadores aderem a um projeto político-ideológico, a
construção do modo de produção solidário. Portanto, o papel da ideologia política não deve
ser entendido como um conjunto de idéias que visa produzir um efeito de ocultação ou
falseamento das práticas e das condições sociais em que os indivíduos se encontram; mas,
sim, como a encarregada “(...) de atribuir sentido à ação e, em primeiro lugar, aos projetos e
aos empreendimentos políticos”2. Assim, a ideologia política da economia solidária atua na
experiência de trabalho autogerido com o objetivo de estabelecer um sentido político para
esta. É na realização deste objetivo que a relação do trabalhador com o trabalho encontra-se
imbricada pela ideologia política.
A relação com o trabalho é determinada a partir de três dimensões: 1) relação com o
projeto coletivo; 2) relação entre pares; 3) relação com a hierarquia. O estabelecimento de
um projeto é resultado de um esforço para coordenar o presente e o futuro numa rede de
1
2
Ver SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.
ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p. 36.
2
significados, ou seja, estabelecer um sentido à ação presente a partir do referencial de um
futuro desejado, de metas a serem conquistadas. Neste esforço, a mediação ideológica se
faz presente, pois “(...) constrói um esquema temporal, onde o passado, o presente e o
futuro se coordenam e proporcionam à ação presente uma plenitude de significado”3. A
relação entre pares desenvolve-se por meio da consolidação de regras e valores que
conferem à ação, às práticas de relacionamento o status de legítima ou ilegítima.
Estabelecer regras e valores é necessário para que ocorra identificação entre indivíduos e a
ação comum. “Com respeito à ação e às suas legítimas finalidades, a ideologia indica
valores e decide a sua hierarquia”4; deste modo, a ideologia política mediará a relação entre
pares. Por último, a “ideologia constrói uma imagem do poder, de sua natureza e das
condições do seu exercício”5. Portanto, a relação com a hierarquia6 é mediada pela
ideologia legitimando ou questionando as configurações de poder.
Em suma, a ideologia política tem como função: 1) gerar um esquema temporal,
essa função mediará a relação com o projeto coletivo; 2) legitimar as ações a partir do
estabelecimento de uma hierarquia de valores e regras, essa função mediará a relação entre
pares; 3) criar uma imagem do poder, da sua natureza e das condições de seu exercício, esta
função mediará a relação com a hierarquia. Neste sentido, estudar-se-á quatro perfis de
trabalhadores definidos pelo engajamento (aceitação da ideologia política da economia
solidária), adesão (aceitação parcial-intrumental da ideologia), recuo (indiferença em
relação à ideologia) e desvio (relação crítica com a ideologia)7. Portanto, para a analise da
maneira pela qual a ideologia política da economia solidária mediará a relação do
trabalhador com o trabalho autogerido, estabelecer-se-á um elo entre a tríplice função
social das ideologias e as três dimensões que determinam a relação com o trabalho.
O presente estudo divide-se em três partes. Na primeira parte – Autogestão:
pressupostos organizacionais, função e objetivo –, a finalidade é mostrar como o projeto
teórico da economia solidária a respeito de um modelo de cooperativa de autogestão,
3
ANSART, 1978, p. 37.
ANSART, 1978, p. 40.
5
ANSART, 1978, p. 43.
6
O conceito de hierarquia na economia solidária será explicitado adiante no texto.
7
A pesquisa empírica que deu origem ao presente artigo, culminou na formulação de uma tipologia da relação
com o trabalho autogerido, que se mostrou fortemente imbricada ao projeto político-ideológico da economia
solidária. Esta tipologia identifica quatro perfis de relação com o trabalho autogerido: engajamento, adesão,
recuo e desvio.
4
3
utiliza-se da tríplice função social da ideologia política na concepção das três dimensões
que determinam a relação com o trabalho. A segunda parte – O caso empírico: a ideologia
e a cooperativa – descreve o surgimento da cooperativa estudada, mostrando que existe
uma influência do projeto político-ideológico da economia solidária. Por último, na parte
três – Ideologia e relação com o trabalho na cooperativa – é exposto, a partir da análise
dos dados empíricos, como a relação com o trabalho autogerido encontra-se mediada pela
ideologia da economia solidária no objeto empírico de análise.
1. Autogestão: pressupostos organizacionais, função e objetivo.
O projeto político-ideológico da economia solidária propõe que os efeitos perversos
da competição capitalista – desigualdades sócio-econômicas – sejam eliminados através da
solidariedade e união entre iguais para produzirem, pouparem, consumirem ou venderem de
forma solidária. Ou seja, em vez da competição entre os agentes econômicos, a
solidariedade. Neste sentido, o modelo de cooperativismo autogestionário da ideologia
política da economia solidária fornece um esquema temporal à experiência dos
trabalhadores inseridos num contexto de trabalho cooperativo, pois as ações presentes dos
indivíduos visando à consolidação de uma forma alternativa para a geração de trabalho e
renda, adquirem significado por meio do estabelecimento de um fim (um futuro), para o
qual os indivíduos orientam-se, a saber, a superação do modo de produção capitalista.
Portanto, nota-se a presença, na proposta teórica de economia solidária, da primeira função
social da ideologia referente à geração de um esquema temporal que atua na dimensão da
relação com o projeto coletivo.
Podemos definir o modelo de autogestão da seguinte forma:
“(...) compreende as organizações produtivas nas quais o poder último de decisão pertence
exclusivamente aos trabalhadores, sendo repartido de modo igual entre todos, sem
influência de suas qualificações ou dos aportes individuais em capital. Além disso, a renda
líquida é igualmente compartilhada, segundo regras instituídas coletivamente” 8.
Nessa definição percebe-se que o modelo de cooperativa autogestionária organizase em torno de dois princípios básicos da economia solidária: igualdade e solidariedade. Ou
8
GAIGER, Luiz I. G. O trabalho ao centro da economia popular solidária. XXIII Encontro Anual da ANPOCS,
Caxambu, 1999. p. 2.
4
seja, a igualdade de poder decisório (garantida através do princípio “um membro = um
voto”) que reitera a associação de iguais fundamenta-se, por sua vez, na propriedade
coletiva, que é garantida através do estabelecimento prévio em assembléia geral das regras
de distribuição dos ganhos da empresa solidária. Portanto, este modelo garantiria em tese
cooperação e democracia na empresa.
Além disso, a realização da autogestão no trabalho requer uma participação
inteligente9 do trabalhador, ou seja, o cooperado, além de realizar a sua tarefa, deve buscar
informar-se sobre a situação da cooperativa. Em outras palavras, a participação inteligente é
um esforço adicional que o trabalhador deve realizar relativo às práticas democráticas de
gestão do empreendimento. Enfim, a participação inteligente remete ao grau de
comprometimento que é exigido do trabalhador em uma estrutura coletiva como a
cooperativa.
Neste sentido, o conceito de participação inteligente revela a presença da segunda
função social da ideologia política, relativa à hierarquização de valores e regras, que atua na
dimensão da relação entre os pares. Participar de forma inteligente corresponde ao conjunto
de atitudes e práticas significativas, que são justificadas através do estabelecimento de
normas e valores. Participar da cooperativa, ou seja, exercer a função de trabalho, buscar
informações sobre a situação da empresa e participar das práticas democráticas de gestão
do empreendimento são, agora, valores e regras que estão presentes mediando a relação
entre pares. É importante observar que, muitas dessas regras e valores, ou seja, o
comportamento que é esperado do cooperado é previsto no regimento interno e no estatuto
da cooperativa.
Porém, a viabilidade econômica da cooperativa autogestionária está ligada a sua
inserção no mercado capitalista. Por isso, muitas empresas de autogestão, frente às
demandas do mercado por maior flexibilidade e rapidez nas tomadas de decisões, criam
níveis hierárquicos cuja estrutura reflete um sistema de delegação de poder, onde o fluxo
deste funciona no sentido de baixo para cima. Dessa forma, decisões de rotina são tomadas
pelos níveis hierárquicos mais altos e, as grandes diretrizes são tomadas em assembléia
geral. Nesta concepção de hierarquia na empresa solidária está imanente a presença da
terceira função social da ideologia política que cria uma imagem do poder, da sua natureza
9
Ver SINGER, 2002, pp.19-20.
5
e das condições de seu exercício. No modelo de cooperativa autogerida da economia
solidária, esta função se expressa na maneira como a hierarquia é estruturada. O poder
daqueles que ocupam cargos superiores é justificado através da vontade do coletivo, pois os
cargos de administração, relativos ao “topo” da hierarquia, são eletivos. E as condições de
exercício do poder da administração são estabelecidas pela assembléia de todos os
membros. Além disso, a igualdade de poder de decisão de todos os trabalhadores da
cooperativa, assegurada pelo princípio “um membro = um voto”, cria uma imagem do
poder como igualitário. Deste modo, a função social da ideologia política referente à
questão do poder atua na dimensão da relação com a hierarquia.
Concluindo, a economia solidária “cola” seu projeto político ao esforço de
construção e desenvolvimento coletivo de um modelo de cooperativa autogestionária, que
visa à geração de trabalho e renda e, principalmente, a adesão a um projeto políticoideológico. Nesta perspectiva, a ideologia política “(...) tem por ideal reconstituir essa
unidade do sentido e da prática, essa plenitude vivida do significado”10. E, dessa maneira, a
relação com o trabalho em um espaço como a cooperativa autogestionária encontra-se
imbricada a um projeto político-ideológico.
2. O caso empírico: a ideologia e a cooperativa.
A pesquisa empírica se desenvolveu em uma cooperativa do ramo da metalurgia
pesada que, surgiu em 2001 a partir da falência de uma antiga empresa. Os trabalhadores, a
maioria ex-funcionários da empresa falida, diante do fechamento da fábrica e do acúmulo
de dívidas trabalhistas e apoiados pelo sindicato, iniciaram um processo de ocupação e
tomada de posse do conjunto da empresa. O Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e outros
atores políticos e institucionais – Governo do Estado (Olívio Dutra-PT) através da SEDAI
(Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais) e a ANTEAG (Associação
Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária) –
tiveram um papel determinante no processo de transição de empresa privada para
cooperativa, como, também, a organização desta sob o modelo de autogestão. Este conjunto
de atores políticos e sociais, em posse de uma orientação ideológica de economia solidária,
atuaram no sentido de convencer os trabalhadores para constituírem a cooperativa e
10
ANSART, 1978, p. 25.
6
fornecer um modelo de cooperativismo autogestionário, nos moldes da economia solidária.
O sucesso dessa iniciativa de convencer os trabalhadores deve-se muito ao alto índice de
sindicalização (cerca de 96%) da antiga empresa:
“... essa fábrica foi, é uma das fábricas mais politizada que tem. É uma fábrica que
mais discutiu dissídio coletivo. O sindicato chamava ela e era umas das primeiras
para discutir. Ela participou de todas mobilizações da categoria (...) Pra nós o
Sindicato de Canoas foi a peça fundamental. De todo processo que aconteceu nós
agradecemos muito o sindicato, as pessoas do sindicato, a direção do sindicato. Então
o sindicato tem que apontar pra isso. Ele tem que ter alternativas de ..., ele tem que
buscar alternativas pros trabalhadores!”. (Administração, 41 anos).
Portanto, o objeto empírico de análise mostra um grau de influência bastante
significativo da ideologia política da economia solidária, através da presença do sindicato,
da ANTEAG e do Governo do Estado. Dessa maneira, a cooperativa foi formada a partir do
modelo proposto pela economia solidária, ou seja, uma cooperativa autogerida, que visa
criar espaços de interação democrática de gestão, distribuição dos ganhos de forma
igualitária e, a inserção diferenciada e competitiva no mercado capitalista. Hoje, esse
modelo de cooperativa é assegurado e desenvolvido, principalmente, por aqueles que antes,
através do sindicato, possuíam um vínculo maior com a proposta da economia solidária.
3. Ideologia e relação com o trabalho na cooperativa.
A relação com o trabalho na cooperativa estudada mostrou-se fortemente imbricada
ao projeto coletivo que, trazia consigo a proposta político-ideológica da economia solidária.
Deste modo, foi possível vislumbrar quatro perfis (ou clusters) diferentes de trabalhadores
definidos pelo engajamento, adesão, recuo e desvio diante do projeto coletivo.
O engajamento é o modelo mais marcado por um projeto coletivo justamente por
ser o estandarte de um programa político-ideológico lançado em direção ao futuro e que faz
da cooperativa autêntica a comprovação empírica de sua viabilidade e de sua consolidação.
A adesão ao projeto, mesmo que instrumental, aposta no sucesso da ação coletiva para
atingir o objetivo de produzir com solidariedade. A adesão baseia-se no ganho obtido com a
participação. O recuo, por sua vez, introduz a noção de inserções individuais no coletivo,
7
que remete a processos individuais marcados por estratégias de sobrevivência ou de
proveito. A opção por inserir-se na cooperativa é a opção pela continuidade do trabalho
exercido até aqui, não realmente como projeto, mas tão somente como alternativa viável de
ter trabalho e garantir inserção social. O desvio em relação ao projeto proposto remete a
uma certa oposição à maneira com a organização se conduz ou é conduzida. Há uma
proposta de transformação deste projeto em direção à eficiência e à produtividade, através
da manutenção de um trabalho coletivo, mas com o enfraquecimento do coletivo de
trabalho.11
O modo pelo qual cada perfil encara a ideologia reflete na maneira de relacionar-se
com o trabalho; dito diferentemente, a tríplice função social da ideologia estará mediando
de diferentes formas as três dimensões que determinam a relação com o trabalho em cada
cluster. Portanto, há um elo que liga a percepção em relação à ideologia política da
economia solidária (“materializada” no projeto coletivo), a maneira como atua tríplice
função e a relação com o projeto coletivo, entre pares e com a hierarquia.
Nesta perspectiva, para entender como a ideologia política está mediando a relação
com o trabalho no caso empírico estudado, é necessário expor de que maneira, em cada
perfil de trabalhadores, atua a tríplice função social da ideologia mediando as três
dimensões que determinam a relação com o trabalho. Com este objetivo se utilizou as
seguintes tabelas:
11
ROSENFIELD, Cinara. “A autogestão e a nova questão social”. Seminário Intermediário da ANPOCS, GT
Trabalho e Sindicalismo. São Paulo, USP, maio de 2003. http://sindicalismo.pessoal.bridge.com.br
8
Tabela 1: Função social da ideologia referente à criação de um esquema temporal
mediando a dimensão da relação com o projeto coletivo
PERFIL
Engajamento
Adesão
Recuo
Desvio
Função Social:
Ação presente:
Ação presente:
Ação presente:
Ação presente:
Esquema temporal
Construir a
Contribuir para que
Trabalhar e não se
Maior organização e
cooperativa dentro
o projeto de
envolver com a
controle da
do modelo de
cooperativa
gestão da empresa
produção.
economia solidária.
autogerida se
ou com o projeto
Futuro:
Futuro:
desenvolva.
coletivo.
Ser uma cooperativa
Realização do
Futuro:
Futuro:
competitiva no
projeto político e
Ser uma alternativa
Recuperação de
mercado capitalista
contribuir para a
permanente de
perdas com a
e um
transformação da
geração de renda e
falência da antiga
empreendimento
realidade social.
trabalho para todos.
empresa.
lucrativo.
Dimensão:
O futuro:
O futuro:
O futuro:
O futuro:
Relação com o
A cooperativa dar
Consolidação do
Insegurança em
Depende das
projeto
certo enquanto
projeto como
relação ao futuro da
melhorias no
modelo político.
exemplo de força do cooperativa.
presente.
Participar da luta
grupo.
O presente:
A cooperativa deve
política maior da
O presente:
Apenas trabalhar.
trazer ganhos
economia solidária.
Investimento no
Não há sentimento
econômicos para
O presente:
projeto.
de posse.
todos.
Construção da
Sentimento de
Indiferença em
O presente:
cooperativa sob o
posse.
relação ao projeto.
Ações para
modelo de
Colocar em prática
submeter o projeto
economia solidária.
a organização
ao aumento da
Viabilização
autogestionária.
produtividade e dos
econômica da
ganhos econômicos,
empresa como
como: maior
prova empírica que
controle da
o projeto político-
produção, aumento
ideológico é uma
do ritmo de trabalho
alternativa viável.
e sistema de cargos
Estar junto de
e salários
outros atores deste
rigidamente
projeto político.
definido.
9
Tabela 2: Função Social da ideologia referente à hierarquia de valores e regras
mediando a dimensão da relação entre pares.
PERFIL
Engajamento
Adesão
Recuo
Desvio
Função Social:
Valores e regras:
Valores e regras:
Valores e regras:
Valores e regras:
Legitimar as ações a Referentes à
Bem-estar do
Desejo de
Meritocracia,
partir do
ideologia política:
coletivo, acreditar e
paternalismo e
comprometimento
estabelecimento de
participação,
exercer o modelo de valorização do saber com o aumento da
uma hierarquia de
democracia,
autogestão.
prático.
produtividade e
valores e regras.
igualdade, etc.
Ações:
Ações:
empenho no
Ações:
Execução e
Manter-se na lógica
trabalho.
Convencer os
operacionalização
do assalariamento e
Ações:
trabalhadores a
da autogestão e da
estratégias de
Controle e
sobrevivência ou
organização para
aderirem à ideologia participação
política,
inteligente, pois traz proveito.
aumento da
conscientização
resultados positivos
produtividade, cada
sobre o modelo de
para todos.
um realizando sua
cooperativa da
tarefa de acordo
economia solidária.
com suas
capacidades para
somar ao coletivo.
Dimensão:
Proselitismo:
Prática e cobrança:
Distanciamento:
Controle e
Relação entre os
Protagonista de um
Todos são iguais,
Resistência à
coordenação:
pares.
projeto político,
cobrar dos colegas o cobrança por
cujo objetivo é a
empenho no
participação, não há desempenhando sua
conversão de todos
trabalho e maior
um sentimento de
função de acordo
à ideologia política.
participação, pois
igualdade (dois
com as suas
Fazer com que haja
agora todos são
grupos na
qualificações,
uma mudança de
donos.
cooperativa: “os da
cobrar de quem faz
comportamento dos
produção” e “os da
“corpo mole”,
pares no sentido de
administração”) e
diferença de
uma adequação ao
incompreensão do
capacidades e
programa político-
trabalho de
igualdade frente ao
ideológico.
administração.
coletivo.
Cada um
10
Tabela 3: Função social da ideologia referente ao poder mediando a dimensão da
relação com a hierarquia.
PERFIL
Engajamento
Adesão
Recuo
Desvio
Função Social:
Imagem:
Imagem:
Imagem:
Imagem:
Imagem, natureza e
Igualitária.
Justa e democrática. Mando.
Hierarquia, controle
condições de
Natureza:
Natureza:
Natureza:
e coordenação.
exercício do poder.
Democrática
De acordo com as
Imposição.
Natureza:
Condições:
habilidades de cada
Condições:
Meritocrática.
Submissão ao
um.
Exercer o papel de
Condições:
coletivo, mas desde
Condições:
“patrão”.
Deve ser exercido
que este esteja de
Deve corresponder à
em nome do
acordo com o
vontade e regras do
progresso
projeto político-
coletivo e
econômico da
ideológico.
respeitando às
empresa e de acordo
posições de cada
com as
um.
competências de
cada um.
Dimensão:
Ocupam cargos de
Direitos e deveres
Reconhecem
Manutenção da
Relação com a
administração na
iguais para todos,
relações de mando,
liberdade e
hierarquia.
sua maioria,
administração
sentimento de
participação, mas
exercício do poder
requer outras
resignação,
controlada.
justificado através
habilidades, na sua
incapacidade de
Transparência na
do coletivo e do
maioria ocupam
compreensão e
administração.
projeto,
cargos eletivos e
desprezo pela parte
Controle e
negação/aceitação
igualdade perante o
administrativa.
otimização da
da hierarquia
coletivo.
produção. Maior
dividida em
verticalidade de
administração e
acordo com as
produção.
funções e
qualificações.
Igualdade porque
todos são sócios.
11
As diferentes formas de relação com o trabalho (expressas nos diferentes perfis de
trabalhadores) são resultados de mediações diferentes da tríplice função social da ideologia
política nas três dimensões que determinam a relação com o trabalho. Neste sentido, cada
cluster assume posicionamentos e funções diferentes dentro da cooperativa. Os
trabalhadores do engajamento concentram seus esforços na tarefa ideológica de gerar um
significado totalizador à experiência de cooperativismo. Por esse motivo, as ações deste
grupo concentram-se mais no eixo da função social referente à criação de um esquema
temporal e a dimensão da relação com o projeto (Tabela 1). É preciso mostrar para todos os
membros da cooperativa qual é o significado da cooperativa, é preciso situar todos “(...)
num tempo significativo e numa intencionalidade coletiva”12.
O grupo da adesão que assume a tarefa de executar o modelo de cooperativa da
economia solidária, dedica-se com mais intensidade às ações no eixo da função social
referente às regras e valores e a dimensão da relação com os pares (Tabela 2). Os
trabalhadores da adesão sentem que tem a ganhar com o modelo e com as relações de
trabalho que dele derivam, por isso eles tentam intensificar a aproximação entre as práticas
de gestão (participação inteligente, assembléia geral, etc.) e o modelo concebido pela
economia solidária. Portanto, a intenção deste grupo não é a criação ou reprodução dos
significados políticos ideológicos e, sim, operacionalizar os significados.
É difícil de identificar nos trabalhadores em posição de recuo em relação ao projeto
uma intensificação em algum eixo função-dimensão. Pois, a atitude deste grupo é de
indiferença em relação ao projeto e, portanto, em relação à ideologia política. Neste caso, a
tríplice função social da ideologia política atua no sentido de estabelecer uma relação
instrumental com o trabalho, ou seja, o coletivo e o trabalho apenas como meios para a
obtenção de interesses individuais. O trabalhador do recuo, em certa medida, opõe-se à
lógica da ideologia política que procura fixar o significado às práticas; é uma oposição que
se faz através da valorização do trabalho como ausente de significado que o transcenda, ou
seja, o recuo nega o sucesso da ideologia política no cumprimento da sua tarefa. Assim,
haverá uma tensão na cooperativa entre o recuo, o engajamento e a adesão. Pois, os
12
ANSART, 1978, p. 38.
12
últimos, cada qual a sua maneira, empreenderam esforços para convencer o primeiro do
significado e importância do modelo de cooperativa autogerida.
Finalizando, no desvio há uma intensificação no eixo da função social referente ao
poder e a dimensão da relação com a hierarquia (Tabela 3). Como este grupo possui uma
proposta de transformação do projeto de cooperativa da economia solidária em direção à
eficiência e à produtividade, é necessário estabelecer uma nova configuração do poder, ou
seja, uma nova imagem, natureza e condições de exercício do poder na cooperativa que,
possibilite simultaneamente o acesso aos cargos de administração 13 e a execução das
mudanças que, o grupo do desvio pretende operar no sentido de inverter a lógica do projeto
ideológico: o modelo de cooperativa autogestionária da economia solidária deve ser um
meio de inserção pura e simples no mercado capitalista e, para a economia solidária, a
inserção no mercado constitui um meio de obtenção dos fins desejados, a saber, a
construção de um modo de produção solidário. Enfim, a maneira como a tríplice função
social da ideologia política atua na relação com o trabalho no grupo do desvio, faz com que
estes trabalhadores não percebam uma incompatibilidade entre a autogestão e o aumento da
produtividade através de um maior controle e hierarquização da gestão do trabalho.
Bibliografia
ANSART, Pierre. Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
GAIGER, Luiz I. G. O trabalho ao centro da economia popular solidária. XXIII
Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu, 1999. www.ecosol.org.br/textos/anpocs.doc
ROSENFIELD, Cinara L. A autogestão e a nova questão social. Seminário Intermediário
da ANPOCS, GT Trabalho e Sindicalismo. São Paulo, USP, maio de 2003.
http://sindicalismo.pessoal.bridge.com.br
SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2002.
SINGER, P. e SOUZA, A. R. de (org.). A Economia Solidária no Brasil: a autogestão
como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.
13
Cabe lembrar que, os cargos de administração na cooperativa estudada historicamente tem sido ocupados
por trabalhadores pertencentes ao engajamento ou à adesão.
13
14
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