1 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA FACULDADE DE DIREITO HERMENÊUTICA JURÍDICA PROF. JOSEMAR ARAÚJO – [email protected] FOLHA DE APOIO 03 Hermenêutica Jurídica No mundo do Direito, hermenêutica e interpretação constituem um dos muitos exemplos de relacionamento entre princípios e aplicações. Enquanto que a hermenêutica é teórica e visa a estabelecer princípios, critérios, métodos, orientação, a interpretação é de cunho prático, aplicando os ensinamentos da hermenêutica. Não se confundem, pois, os dois conceitos apesar de ser muito frequente o emprego indiscriminado de um e de outro. A interpretação aproveita os subsídios da hermenêutica. A hermenêutica descobre e fixa os princípios que regem a interpretação. O Princípio "In Claris Cessat Interpretatio" Outrora, vigorava o princípio in claris cessat interpretatio. Pensavam os juristas antigos que um texto bem redigido e claro dispensava a tarefa do intérprete. Havia a ideia errônea de que o papel do intérprete era o de "torcer o significado das normas", para colocá-las de acordo com o interesse do momento. É bem verdade que este princípio ganhou força a partir da Escolástica, uma vez que o seu método de criar distinções e subdistinções impregnou a hermenêutica de sutilezas de raciocínio, até reduzi-la a um complexo de casuísmos. Para restabelecer a certeza do Direito e com isto a segurança, surgiu na hermenêutica, o princípio in claris non fit interpretatio, Concebia-se assim que o trabalho do intérprete era necessário apenas quando as leis fossem obscuras. A Interpretação A palavra interpretação possui amplo alcance, não se limitando à Dogmática Jurídica. Interpretar é o ato de explicar o sentido de alguma coisa; é revelar o significado de certa expressão verbal, artística, entre outras, constituída por um objeto, atitude ou gesto. A interpretação consiste na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito humano lança mão de diversos recursos, analisa os elementos, utiliza-se de conhecimentos da lógica, psicologia e, muitas vezes, de conceitos técnicos, a fim de penetrar no âmago das coisas e identificar a mensagem contida. Como todo objeto cultural, o Direito encerra significados: interpretar o Direito representa revelar o seu sentido e alcance. O trabalho de interpretação do Direito é uma atividade que tem por escopo levar ao espírito o conhecimento pleno das expressões normativas, a fim de aplicá-lo às relações sociais. Interpretar o Direito ' revelar o sentido e o alcance dessas expressões. Fixar o sentido de uma norma jurídica é descobrir a sua finalidade, é pôr a descoberto os valores consagrados pelo legislador, aquilo que teve por mira proteger. Fixar o alcance é demarcar o campo de incidência da norma jurídica, é conhecer sobre que fatos sociais e em que circunstâncias a norma jurídica tem aplicação. Normas Passíveis de Interpretação Toda norma jurídica pode ser objeto de interpretação. Não apenas a lei é interpretável, não apenas o Direito escrito, mas toda forma de experiência jurídica. Assim, a norma costumeira, a jurisprudência, os princípios gerais de Direito devem ser interpretados, para se esclarecer o seu real significado e o alcance de suas determinações. A hermenêutica jurídica não se ocupa apenas das regras jurídicas genéricas. Fornece também princípios e regras aplicáveis na interpretação das sentenças judiciais e negócios jurídicos. A interpretação pode apenas esclarecer, como é próprio da doutrina. A Inconsistência do Princípio Norma Jurídica Paulo Nader destaca que A inconsistência do princípio se revela a partir do conceito de clareza da lei, que é relativo, pois os textos são claros para alguns e oferecem dúvidas para outros. Por outro lado, a conclusão de clareza da lei já implica um trabalho de interpretação. Há situações normativas que exigem maior ou menor esforço do intérprete, para descobrir a mens legis. Às vezes, pelo simples exame gramatical do texto, revelam-se espontaneamente o sentido e o alcance das normas jurídicas. Outras vezes, porém, o aplicador do Direito tem de desenvolver fecundo trabalho de investigação, recorrendo aos diversos subsídios oferecidos pela hermenêutica. Outros autores, ao considerar que cessar é interromper, não continuar, pensam que o princípio não exclui a interpretação, Importância da Hermenêutica A hermenêutica estuda e sistematiza os critérios aplicáveis na interpretação das regras jurídicas. O magistrado não pode julgar um processo sem antes interpretar as normas reguladoras da questão. Além de conhecer os fatos, precisa conhecer o Direito, para revelar o sentido e o alcance das normas aplicáveis. O empresário, na gestão de seus negócios, não pode descurar do conhecimento do Direito. Orientado por seus assessores, descobre, em cada nova lei, a verdadeira mensagem do legislador. Também o cidadão necessita conhecer o Direito, para bem cumprir as suas obrigações e reivindicar os seus direitos. Miguel reale afirma que “a norma jurídica é uma estrutura proposicional porque o seu conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais proposições entre si correlacionadas, sendo certo que o significado pleno de uma regra jurídica só é dado pela integração lógico-complementar das proposições que nela se contêm.” Afirma que uma norma jurídica enuncia um dever ser porque nenhuma regra descreve algo que é, mesmo quando, para facilidade de expressão, empregamos o verbo ser. E exemplifica ao considerar que a Constituição declara que o Brasil é uma República Federativa, mas é evidente que a República não é algo que esteja aí, diante de nós, como uma árvore ou uma placa de bronze: aquela norma enuncia que "o Brasil deve ser organizado e compreendido como uma República Federativa". Esta, por sua vez, só tem sentido enquanto se ordena e se atualiza através de um sistema de disposições que traçam os âmbitos de ação e de competência que devem ser respeitados pelos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Tipos de Normas A primeira distinção que se impõe é entre normas de organização e normas de conduta. São chamadas normas de conduta as regras de direito cujo objetivo imediato é disciplinar o comportamento dos indivíduos, ou as atividades dos grupos e entidades sociais em geral; enquanto que as normas de 2 organização possuem um caráter instrumental, visando à estrutura e funcionamento de órgãos, ou à disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas, a fim de assegurar uma convivência juridicamente ordenada. Cabe destacar que as regras de conduta são propriamente aquelas que têm os indivíduos como seus destinatários. É com referência a essas normas que podemos dizer que, do ponto de vista lógico, elas se estruturam como juízos hipotéticos, segundo o seguinte esquema: Se F é, C deve ser. No concernente a esse tipo de normas jurídicas cabe observar, inicialmente, que elas se estruturam de maneira binada, articulando logicamente dois elementos que podem ser chamados dispositivo (ou preceito) e sanção (ou sanção penal). Então, relativamente a essas regras de conduta, Reale afirma que Podemos, por conseguinte, dizer que, levando-se em conta a correlação essencial desses dois aspectos, toda a regra jurídica de conduta se desdobra em duas normas que se conjugam e se complementam, a saber: Se F é, C deve ser; Se não-C, SP deve ser. Normativismo Concreto Como se vê, há no modelo normativo a previsão de um fato ou de um complexo fático (F), que é a base necessária à formulação da hipótese, da qual resultará uma consequência (C). Se, por outro lado, se enuncia dada consequência, declarando-a obrigatória, é sinal que se pretende atingir um objetivo, realizando-se algo de valioso, ou impedindo a ocorrência de valores negativos. Finalmente, essa correlação entre fato e valor se dá em razão de um enlace deôntico, isto é, em termos lógicos de dever ser, com que se instaura a norma. Desse modo, verifica-se que o momento lógico expresso pela proposição hipotética, ou a forma da regra jurídica, é inseparável de sua base fática e de seus objetivos axiológicos: fato, valor e forma lógica compõem-se, em suma, de maneira complementar, dando-nos, em sua plenitude, a estrutura lógico-fático- axiológica da norma de direito. Quando, pois, dizemos que o Direito se atualiza como fato, valor e norma, é preciso tomar estas palavras significando, respectivamente, os momentos de referência fática, axiológica e lógica que marcam o processus da experiência jurídica, o terceiro momento representando a composição superadora dos outros dois, nele e por ele absorvidos e integrados. Normas Supletivas Administração pública baixa, não raro, normas destinadas a fixar a interpretação que os órgãos subordinados devem dar a leis e regulamentos. É claro que tais "normas interpretativas" vinculam as autoridades administrativas, caso se contenham no âmbito das regras interpretadas, mas não privam os particulares do poderdever de adotar interpretações diversas, à luz do texto legal ou regulamentar em vigor. Da classificação das normas Quanto à Violação (Reale) - Segundo esse critério, podemos dividir as normas jurídicas em quatro classes: plus quam perfectae, perfectae, minus quam perfectae, e finalmente, imperfectae. Normas jurídicas plus quam perfectae são aquelas cuja violação determina duas consequências: 1) a nulidade do ato; 2) a aplicação de uma restrição, ou pena, ao infrator. (Ver art. 1521 VI do CC e 240 do CP.) cujo cumprimento está cercado de dupla garantia. Uma, concernente ao ato, e outra relativa às restrições impostas ao infrator. Normas jurídicas perfectae são aquelas que fulminam de nulidade o ato, mas não implicam qualquer outra sanção de ordem pessoal. Se, por exemplo, um menor contrata, assumindo encargos que afetam o seu patrimônio, aplica-se a regra jurídica que torna nulo ou anulável o ato, mas sem se estabelecer penalidade ou sanção relativamente à pessoa do infrator. É muito frequente acontecer apenas este fato: o Direito contenta-se com o restabelecimento da ordem jurídica, considerando que a volta ao estado anterior já é por si, até certo ponto, uma pena. Normas Jurídicas minus quam perfectae são aquelas que se limitam a aplicar uma pena ou uma consequência restritiva e não querida, mas não privam o ato de sua eficácia. (Ver art. 1523 I do CC.) Normas jurídicas imperfectae, são aquelas que não operam nem uma coisa nem outra, e cuja situação no mundo do Direito é de difícil compreensão para aqueles que não concebem a vida jurídica senão como uma expressão de força ou de coação. Portanto, são regras que quando válidas, não importam em pena ao infrator, nem em alteração daquilo que já se realizou. Essas regras dizem respeito especialmente às chamadas obrigações naturais. Representam elas, de certa forma, um momento de passagem das regras éticas e costumeiras, lato sensu, para o campo do Direito efetivamente garantido. Um tipo, por exemplo, de obrigação natural é o decorrente das dívidas de jogo. Certos juristas invocam outra categoria de regras, que são as supletivas. A bem ver, estas constituem uma espécie de regras dispositivas, pois elas se destinam a suprir o vazio deixado pela livre disposição das partes. Há, porém, outro significado do termo regra supletiva, como se dá quando dizemos que, em havendo lacuna ou omissão da lei, devemos recorrer às normas Quanto à Natureza ou ao Conteúdo daquilo que se ordena Temos, assim, regras preceptivas, proibitivas e permissivas. As preceptivas são as que determinam que se faça alguma coisa, as que estabelecem um status, as que reconhecem ou identificam outras normas como pertencentes ao sistema vigente. Regras proibitivas, como as palavras o exprimem, são as que negam a alguém a prática de certos atos; permissivas as que facultam fazer ou omitir algo. Normas Interpretativas Outras Classificações das Normas Jurídicas Reale considera que são "normas interpretativas" as que são elaboradas pelo trabalho científico dos juristas, isto é, pela doutrina, ou então pelos juízes e tribunais, ou seja, pela jurisprudência, consagrando a mais adequada forma de entendimento a ser dada a uma questão de direito. Também a Primeiramente pode-se estabelecer a classificação das normas jurídicas quanto a seus mais variados âmbitos de validade: Quanto ao Âmbito espacial de validez: gerais e locais. Gerais são as que se aplicam em todo o território nacional. Locais, ás 3 que se destinam apenas à parte do território do Estado. Na primeira hipótese, as normas serão sempre federais, enquanto que na segunda poderão ser federais, estaduais ou municipais. Esta divisão corresponde ao Direito geral e ao particular. tradição romano-germânica, ao qual se filia o Direito brasileiro, a jurisprudência não deve ser considerada como fonte formal do Direito. No sistema do Common Law, adotado pela Inglaterra e Estados Unidos, os precedentes judiciais têm força normativa. Quanto ao Âmbito temporal de validez: de vigência por prazo indeterminado e de vigência por prazo determinado. Quando o tempo de vigência da norma jurídica não é prefixado, esta é de vigência por prazo indeterminado. Ocorre, com menos frequência, o surgimento de regras que vêm com o seu tempo de duração previamente fixado, hipótese em que são denominadas de vigência por prazo determinado. Quanto à qualidade - Sob o aspecto da qualidade, as normas podem ser positivas (ou permissivas) e negativas (ou proibitivas). De acordo com a classificação de García Máynez, positivas são as normas que permitem a ação ou omissão. Negativas, as que proíbem a ação ou omissão. Quanto ao Âmbito material de validez: normas de Direito Público e de Direito Privado. Nas primeiras a relação jurídica é de subordinação, com o Estado impondo o seu imperium, enquanto que nas segundas é de coordenação. Quanto ao Âmbito pessoal de validez: genéricas e individualizadas. A generalidade é uma característica das normas jurídicas e significa que os preceitos se dirigem a todos que se acham na mesma situação jurídica. As normas individualizadas, segundo Eduardo García Máynez, "designam ou facultam a um ou a vários membros da mesma classe, individualmente determinados". Classificação das Normas jurídicas quanto à Hierarquia No primeiro plano alinham-se as normas constitucionais que condicionam a validade de todas as outras normas e têm o poder de revogá-las. Assim, qualquer norma jurídica de categoria diversa, anterior ou posterior à constitucional, não terá validade caso contrarie as disposições desta. Em segundo plano estão as normas ordinárias, que se localizam nas leis, medidas provisórias, leis delegadas. Seguem-se as normas regulamentares, contidas nos decretos, e as individualizadas, denominação e espécie sugeridas por Merkel para a grande variedade dos atos jurídicos: testamentos, sentenças judiciais;• contratos etc. Quanto ao Sistema a que Pertencem - Em relação ao presente critério, as regras jurídicas podem ser: nacionais, estrangeiras e de Direito uniforme. Chamam-se nacionais, as formas que, obrigatórias no âmbito de um Estado, fazem parte do ordenamento jurídico deste. Em face do Direito Internacional Privado, é possível que uma norma jurídica tenha aplicação além do território do Estado que a criou. Quando, em uma relação jurídica existente em um Estado, for aplicável a norma jurídica própria de outro Estado, ter-se-á configurada a norma jurídica estrangeira. Finalmente, quando dois ou mais Estados resolvem, mediante um tratado, adotar internamente uma legislação padrão, tais normas recebem a denominação de Direito uniforme. Quanto à Fonte - As normas podem ser legislativas, consuetudinárias e jurisprudenciais. As normas jurídicas escritas, corporificadas nas leis, medidas provisórias, decretos, denominam-se legislativas. Enquanto que as leis emanam do Poder Legislativo, as duas outras espécies são ditadas pelo Poder Executivo. Consuetudinárias são as normas não escritas, elaboradas espontaneamente pela sociedade. Para que uma prática social se caracterize costumeira, necessita ser reiterada, constante e uniforme, além de achar-se enraizada na consciência popular como regra obrigatória. Reunindo tais elementos, a prática é costume com valor jurídico. A importância do costume varia de acordo com cada sistema jurídico. Chamam-se jurisprudenciais as normas criadas pelos tribunais. No sistema de Quanto à Vontade das Partes- Relativamente a este aspecto, dividem-se em taxativas e dispositivas. As normas jurídicas taxativas ou cogentes, por resguardarem os interesses fundamentais da sociedade, obrigam independentemente da vontade das partes. As dispositivas, que dizem respeito apenas aos interesses dos particulares, admitem a não adoção de seus preceitos, desde que por vontade expressa das partes interessadas. Fontes: NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Saraiva, 2002. PALMER, Richard E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1999. p. 2.