ESTIMATIVA DE CAMPOS DE VENTO A PARTIR DE IMAGENS DO CANAL DO VAPOR D’ÁGUA DO SATÉLITE METEOSAT Meiry Sayuri Sakamoto1 Henri Laurent2 1 FUNCEME – Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos Av. Bezerra de Menezes, 1900 Fortaleza CE CEP 60325-002 Brasil 2 ORSTOM – Institut Français de Recherche Scientifique pour le Dévelopment em Cooperation 911, Avenue Agropolis B.P. 5045 34032 Montpellier cedex 1, France Abstract In this study, water vapor (WV) channel images from the METEOSAT satellite are used to estimate wind vectors in the high troposphere. The technique was developed from a model designed by EUMETSAT/LMD originally to be used with infrared images. In the adaptation process, special attention was given to the tracers selection procedure considering different target and search windows sizes, as well as the use of brightness temperature gradients. Also, numerical models results were used in order to determine wind vectors levels as opposed to climate profiles. The use of water vapor imagery to estimate wind vectors fields showed very good results. Using this channel, more wind vectors could be retained, because, in this case, water vapor structures can be used as tracers. Use of different target and search windows sizes affected both, the quantity and the quality of wind vectors, and the adoption of the brightness temperature gradient procedure produced more vectors and a better definition of the meteorological systems. Satellite wind vectors level definition was also improved using numerical models profiles. The results show the great potential of WV wind vectors fields as an alternative data source in tropical areas. 1.Introdução O estado da atmosfera assim como o seu prognóstico são fundamentalmente dependentes do conhecimento do campo de massa e do fluxo atmosférico. Este último pode ser determinado a partir de observações feitas por radiossondagens e, mesmo, complementado com campos de vento derivados de imagens obtidas por satélites geoestacionários, uma importante fonte de informações para as regiões tropicais, que são basicamente oceânicas, e onde as estações de radiossondagem são escassas. Os canais infravermelho (IR) e visível (VIS) podem ser utilizados para derivar campos de vento. Contudo, uma restrição a estes canais reside na necessidade da presença de nuvens para serem utilizadas como traçadores (tracers). E, como conseqüência, os campos derivados sempre apresentam áreas sem informações. Os dados do canal do vapor d’água (WV) não apresentam esta restrição, produzindo campos mais uniformes. Esta possibilidade foi estudada por Kastner et al. (1980) e Eigenwilling e Fischer (1982). Endlich e Wolf (1980), por sua vez, mostraram que técnicas automáticas de rastreio no canal do vapor d’água podem ser utilizadas com sucesso também em áreas com nuvens e sistemas meteorológicos ativos. Hayden e Stewart (1987) fizeram o primeiro esforço para se obter resultados quantitativos com técnicas manuais de rastreio, usando seqüências animadas de imagens do canal do vapor d’água. Mais recentemente, Laurent (1993) realizou análises comparativas entre o modelo operacional da ESOC (European Space Operation Center), que utiliza imagens IR, e outro modelo, que faz uso de imagens WV, também instalado no mesmo ambiente computacional. Em seu trabalho, Laurent concluiu que os campos WV são comparáveis aos resultantes do modelo IR operacional, e são potencialmente úteis na alta troposfera. Neste trabalho apresenta-se o desenvolvimento de uma técnica para estimativa de vento via satélite, a partir de imagens WV do satélite METEOSAT. A técnica é uma adaptação do modelo desenvolvido pela EUMETSAT/LMD, e aplicado à Região Nordeste do Brasil por Sakamoto et al. (1996). O estudo apresenta as adaptações realizadas e os resultados decorrentes de cada etapa. 2.Dados e Metodologia É utilizada uma seqüência de imagens do canal do vapor d’água do satélite METEOSAT 5, centrado em 6,5 µm, em intervalos de 30 minutos, sobre a região equatorial. Estas imagens estão em resolução espacial plena, o que corresponde a uma grade de 5 x 5 km no ponto subsatélite. Os resultados são comparados com saídas de modelo numérico do ECMWF (European Medium Range Weather Forecasting), as quais também são utilizadas na etapa de definição do nível (altura) dos vetores estimados em um dos casos analisados. O modelo de estimativa de vento na sua versão IR utiliza quatro imagens para definir os campos de vento num dado instante (t): três imagens no canal infravermelho (em t-30 min.; t e t+30min.) e uma no canal do vapor d’água (no tempo t), para realizar a correção da semi-transparência de nuvens, que prejudica a definição do nível de altura do vetor estimado. Esta etapa foi eliminada na técnica WV, de modo que neste caso são utilizadas somente três imagens do canal do vapor d’água (em t-30 min.; t e t+30min.), em resolução espacial plena, para definir os campos dos vetores no instante (t), mantendo-se as etapas de: seleção de tracers, definição de vetores, controle de qualidade e definição do nível (altura) dos vetores. O procedimento da definição de vetores é o mesmo utilizado no modelo IR. O cálculo é completamente automático e faz uso de um esquema de correlação cruzada, onde padrões similares são determinados numa seqüência de três imagens WV. Os vetores são definidos pela mínima distância euclidiana. Para realizar esta etapa, duas áreas são definidas, a janela alvo e a janela de busca, cujos tamanhos mantêm uma relação que será discutida a seguir. Para selecionar padrões similares, a janela alvo é movida numa espiral dentro da janela de busca. Uma vez que o melhor deslocamento é obtido, o coeficiente de correlação é calculado entre cada par de imagens (t-30 minutos/t; e t/t+30 minutos). Todas as estruturas detectadas são consideradas e não há distinção entre nuvens e estruturas de WV. A seleção de traçadores feita pelo modelo considera uma técnica de janelamento, onde numa pequena janela, chamada janela alvo (no tempo t), busca-se dentro de outra janela localizada nas imagens dos tempos (t-30 minutos) ou (t+30 minutos), um padrão similar ao aquele escolhido originalmente como alvo. O modelo original IR utilizado pela EUMETSAT considera uma janela alvo com 32 x 32 pixels e, para a janela de busca, 96 x 96 pixels. Neste trabalho, realizaram-se alguns testes considerando-se janelas de diferentes tamanhos. Contudo, os alvos assim selecionados nem sempre são traçadores ótimos, e algumas alternativas têm sido testadas para contornar este problema. Assim, a metodologia adotada considera também o cálculo do gradiente bi-dimensional, de modo que a posição do máximo gradiente é considerada como o centro de uma nova janela alvo, que é submetida aos mesmos procedimentos descritos anteriormente para a busca do melhor deslocamento (Figura 1). Esta forma de redefinir os traçadores é uma variação daquela utilizada por Velden et al. (1997). t+30 min. 96 32 t 32 96 Figura 1 – Janela alvo (32x32 pixels, em t) e de busca (96x96 pixels, em t+30min.), em linhas contínuas e em linhas tracejadas, respectivamente, utilizadas para o reposicionamento devido ao máximo gradiente. O nível do vetor é definido fazendo-se uma comparação entre a temperatura de brilho do tracer e um perfil de pressão/temperatura. Este perfil pode ser resultado de modelos numéricos de previsão de tempo, de dados climatológicos ou, ainda, de radiossondagens. Neste trabalho foram considerados dois perfis, um mais simples correspondendo a um perfil climatológico para a atmosfera tropical e outro obtido pelo modelo numérico do ECMWF. A temperatura de brilho associada a cada vetor foi comparada ao perfil vertical mais próximo. O primeiro controle aplicado se baseia no coeficiente de correlação discutido acima. Após esta seleção, os vetores passam por um teste de consistência temporal chamado de teste de simetria, tal qual utilizado nos procedimentos com imagens IR (Sakamoto, 1996). Vetores com velocidades muito pequenas são também rejeitados e, neste caso, considera-se um limiar de 3 m/s. Os campos obtidos são interpolados por meio do método de Barnes (Barnes, 1964) e comparados aos resultados dos modelos numéricos de previsão de tempo. 3.Resultados Os resultados mostrados relacionam-se a um estudo de caso sobre o Atlântico Equatorial e costa da África, em 1996. Na Figura 2, é apresentada a imagem WV central (tempo t) utilizada, e também os resultados obtidos considerando-se diferentes tamanhos de janelas alvo e de busca. (a) (c) (b) (d) Figura 2 – (a) Imagem central do canal do vapor d’água em cores falsas (azul para áreas mais frias, e vermelho para áreas mais quentes); (b) Campo de vetores de altos níveis derivados, utilizando-se uma janela alvo de 32x32 pixels e uma janela de busca de 96x96 pixels; (c) idem a (b), porém para 16 x 48 pixels; (d) idem a (b), porém para 12 x 48 pixels. Todos os campos de vento mostrados para este caso foram obtidos utilizando-se as saídas do modelo do ECMWF para a conversão linear entre pressão e temperatura de brilho, dentro do procedimento de definição do nível do vetor vento. Foram testados diferentes tamanhos de janelas de correlação. Para a janela menor (janela alvo), testaram-se os tamanhos de 12, 16 e 32 pixels (o que significa aproximadamente, 60, 80 e 160 km), que foram utilizados em conjunto com janelas de busca de tamanhos: 48, 48 e 96 pixels (aproximadamente 240, 240 e 480 km), respectivamente. A diferença entre os tamanhos das janelas alvo e de busca define o espaço ou área para buscar o melhor deslocamento. Como considerou-se um intervalo de 30 minutos entre imagens, esta diferença foi mantida em aproximadamente duas vezes o tamanho da janela alvo. Isto permite o cálculo de ventos com uma velocidade máxima próxima de 89,0 m/s. Os três campos de vetores apresentados nas Figuras 2b, c e d, mostram as mesmas características gerais. Contudo, o grau de detalhamento varia conforme os tamanhos de janela escolhidos, sendo maior quando os tamanhos são menores, 16/48 e 12/48, o que também se reflete na quantidade de vetores retidos em cada processamento. Para o caso da Figura 2d (12/48 pixels), um total de 988 vetores foram obtidos, para o caso (16/48 pixels), 687 vetores e para o caso (32/96 pixels), somente 238 vetores. Quanto maior a quantidade de vetores determinados, maior é o detalhamento obtido, porém uma maior quantidade de vetores falsos também é retida. No caso (12/48 pixels), um total de 2214 vetores foram originalmente calculados, e 1226 foram rejeitados durante os procedimentos de controle de qualidade. Isto significa que 55% dos vetores calculados foram rejeitados. No caso (16/48 pixels), quase 47% foram rejeitados, e para o caso (32/96 pixels), somente 24% dos vetores calculados foram considerados falsos. Os resultados apresentados anteriormente mostraram vetores posicionados numa grade quase regular, como pode ser facilmente visto na Figura 2b. Isto ocorre porque a posição do vetor foi relacionada a uma grade regular nas coordenadas da imagem. Contudo, como já comentado, isto pode não corresponder a uma posição ótima. A Figura 3a mostra os resultados obtidos por meio da adoção do cálculo dos gradientes das temperaturas de brilho. No caso, os gradientes são calculados para a imagem central (tempo t), e a posição do máximo gradiente é utilizada como o centro de uma nova janela alvo. (a) (b) (c) Figura 3 – (a) Idem à Figura 2c, porém utilizando-se gradientes; (b) Campos de vento interpolados pelo método de Barnes. Vetores originalmente gerados com uso de gradientes; (c) Resultados do modelo numérico do ECMWF para 340 hPa. Ventos em m/s. Comparativamente à Figura 2c, este novo campo de vento apresenta mais vetores do que o exemplo anterior. A própria porcentagem de vetores rejeitados é menor (38%) e também os sistemas parecem estar melhor definidos. Contudo, a diferença mais significativa é que neste novo caso, considerando-se o mesmo controle de qualidade, os vetores claramente falsos, que ainda persistiam na Figura 2c, foram eliminados. Nota-se por exemplo que o vetor de 35 m/s, localizado aproximadamente em 10°N e 22,5°W, na Figura 2c, não aparece mais na Figura 3b. A Figura 3c mostra um campo interpolado resultado dos procedimentos da metodologia de Barnes. A grade adotada é uniforme em latitude e longitude e é igual a 1 grau, ou seja, aproximadamente 111 km. Todos os campos de vento mostrados são para altos níveis, isto é, os vetores estão a um nível de pressão menor do que 400 hPa. A comparação mostra que o campo de vetores derivados das imagens WV concordam, em sua maioria, com os resultados do modelo numérico. As grandes diferenças estão na área localizada entre 5°N a 6°S e 5°W a 10°E. Esta é uma região onde poucos vetores foram estimados, o que afeta a interpolação dos mesmos. Contudo, é difícil dizer exatamente quais dos campos seria o mais correto, o resultante do modelo numérico, ou o das imagens WV, pois se as imagens WV permitem a detecção de fluxos relacionados a sistemas menores, por exemplo aquele localizado em 3°N 7°E (visto na Figura 2a), por outro lado as dificuldades com a definição do nível dos vetores podem ter prejudicado as comparações feitas. 4.Considerações Finais A escassez de dados de ar superior nas regiões tropicais, notadamente ocupadas por oceanos, tem incentivado a utilização dos satélites como uma fonte extra de informações, para a derivação de parâmetros meteorológicos. Este estudo, uma variação da técnica comumente utilizada com imagens do canal infravermelho, utiliza-se da vantagem do canal do vapor d’água, por permitir o rastreamento de estruturas de vapor d’água para a obtenção de campos de vento mais uniformes. As análises realizadas, com diferentes combinações de tamanhos das janelas alvo e de busca, mostraram a forte dependência dos resultados da seleção dos traçadores e sua influência na amostragem dos vetores de vento derivados. Da mesma forma, a introdução do uso do máximo gradiente da temperatura de brilho nas imagens WV, na redefinição desses traçadores, melhorou a representatividade dos campos em relação aos sistemas meteorológicos observados. O estudo foi realizado também com outros conjuntos de imagens e os resultados obtidos são bastante encorajadores, pois a uniformidade dos campos de vento aponta para o uso potencial dos vetores derivados das imagens do vapor d’água como uma importante fonte complementar de dados, principalmente para a região tropical. 5.Referências Bibliográficas Barnes, S.L., 1964: A Technique for Maximizing Details in Numerical Weather Map Analysis. J. Appl. Meteor., 3, 396-409. Eigenwilling N. and H. Fischer, 1982: Determination of Midtropospheric Wind Vectors by Tracking Pure Water Vapor Structures in Meteosat Water Vapor Image Sequences. Bull. Amer. Meteor. Soc., 63, 44-58. Endlich, R.M. and D.E. Wolf, 1981: Automatic Cloud Tracking Applied to GOES and METEOSAT Observations. J. Appl. Meteor., 20, 309-319. Hayden, C.M. and T.R. Stewart, 1987: An Update on Cloud and Water Vapor Tracers for Providing Wind Estimates. Extended Abstracts, Sixty Symp. On Meteorological Observation and Instrumentation, New Orleans, LA, Amer. Meteor. Soc.; 70-75. Kastner, M.; H. Fischer and H.J. Bolle, 1980: Wind Determination from Nimbus 5 Observation in the 6.3 µm Water Vapor Band. J. Appl. Meteor., 19, 409-418. Laurent, H., 1993: Wind Extraction from Meteosat Water Vapor Channel Image Data. J. Appl. Meteor., 32(6), 1124-1133. Sakamoto, M.; J. Sakuragi; L.A.T. Machado, 1996: Comparação Entre o Vento Estimado Via-Satélite e as Radiosondagens. Anais do IX Congresso Brasileiro de Meteorologia, Campos do Jordão SP, vol 2, 1472-1476 Schmetz, J.; W.P.Menzel; C.Velden; X. Wu; L. van der Berg; S. Nieman; C. Hayden; K. Holmlund and C.Geijo, 1995: Monthly Mean Large-Scale Analyses of Upper-Tropospheric Humidity and Wind Field Divergence Derived from Three Geostationary Satellites. Bull. Amer. Meteor. Soc., 76(9), 1578-1584. Velden, C.S.; C.M. Hayden; S.J. Nieman; W.P. Menzel; S. Wanzong and J.S. Goerss, 1997 : UpperTropospheric Winds Derived from Geostationary Satellite Water Vapor Observations. Bull. Americ. Meteor. Soc., 78(2), 173-195. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq/RHAE, pelo recurso financeiro, e ao Laboratório de Hidrologia da ORSTOM e à FUNCEME, pelo apoio recebido.