Olhar e ver - Revista de Medicina Desportiva

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Olhar e ver:
olhar e ver
o electrocardiograma
Prof. Doutor Ovídio Costa, cardiologista(1); Dra Patricia Costa, cardiologista pediátrica(2).
Director do Centro de Medicina Desportiva;
(2)
Centro de Medicina Desportiva e Serviço de Cardiologia Pediátrica do Hospital de S. João. Porto.
(1)
abstract
Pretende-se nesta rubrica proporcionar treino na interpretação do electrocardiograma através da análise sistemática dos intervalos de tempo, amplitudes e morfologia dos principais
componentes (onda P, complexo QRS, segmento ST e onda T). Para esse efeito seleccionamos alguns dos ECGs de atletas e desportista que consideramos típicos. Vamos dar especial
destaque aos padrões “benignos”, variantes do normal ou alterações “minor”, por vezes,
associadas ao treino intenso e prolongado (coração de atleta), bem como aos padrões que
mais frequentemente suscitaram dúvidas de diagnóstico ou cujo significado clínico sugere
fortemente a presença de doença cardíaca potencialmente maligna.
This rubric intent is to provide training in electrocardiogram´s interpretation through the systematic
analysis of time breaks, ranges and morphology of the main components (wave P, complex QRS,
segment ST and wave T). In this way we have selected some of the ECGs of athletes and sportsmen/
sportswomen which we consider typical. We’ll give a special emphasis to the benign patterns, normal variants or minor changes, sometimes associated to the intense and extended training (athlete´s
heart), as well as to the patterns which more frequently have provoked diagnosis doubts or whose
clinical significance severely suggests the presence of cardiac illness, potentially malignant.
palavras-chave
keywords
Electrocardiograma (Electrocardiogram)
ECG nª1: Atleta de Karaté, sexo masculino, 29 anos de idade, assintomático.
Ritmo sinusal, 50 bpm. Eixo QRS vertical . PR prolongado (0.24 s.). Morfologia rSr´em V1.
Interpretação sistemática:
1- Ritmo, 2- Frequência, 3- Eixo
QRS, 4- PR, 5- QRS, 6- ST/T,
7- QT/QTc, 8- Outros
1 - Na tira de ritmo (DII) verificamos que
o ritmo é sinusal e regular.
Ritmo Sinusal
P positiva em DI e DII
P seguida de QRS
Frequência, 60-99 bpm
Cálculo da frequência cardíaca
(para a velocidade normal de 25 mm/s)
300 a dividir pelo numero de quadrados grandes
3 - Eixo QRS vertical (90º)
Eixo perpendicular a DI com aVF positivo (ver figura)
4- Espaço PR aumentado (0,24 s)
Quadrados pequenos (6 vezes 0.04 s = 0.24 s)
(PR normal de 0.12 a 0.20 s)
5- Complexo QRS com morfologia rSr´
em V1 (variante do normal)
6 - Segmento ST e onda T sem alterações
2 - Frequência cardíaca de 50 BPM
7- QT/QTc= 414/376 ms
300/6=50BPM
(normal, QT<= 450 e QTc <=400 ms)
(QTc = QT/raiz quadrada de RR)
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Março 2010 * www.revdesportiva.pt
obrigatoriamente” na CIA (> 90%). De referir, finalmente, que
Trata-se de um electrocardiograma normal. Nas recentes Recom-
ao abrigo do Consensus Statement of the Study Group of Sport
mendations for interpretation of 12-lead electrocardiogram in the
Cardiology de 2005 (2), o espaço PR> 0.21 segundos teria sido “cri-
athlete (1), o desaparecimento do bloqueio do 1º grau (PR prolonga-
tério para ECG positivo” e, como tal, motivo de envio à especiali-
do) e 2º grau, tipo I, com o exercício ou com a hiperventilação con-
dade de cardiologia. A morfologia rsr´ em V1, pelo contrário, só se
firma a natureza funcional (benigna) e exclui qualquer significado
tornaria “critério positivo” se o R ou R´ de V1 tivessem amplitude
patológico. O bloqueio incompleto de ramo direito (rSR´ em V1)
igual ou superior a 5 mm e a onda R> S.
olhar e ver
Comentário final:
também não requer posterior avaliação cardiológica se a história
familiar e pessoal forem negativas e o exame objectivo for normal.
Bibliografia
Nota especial para a auscultação que deverá reconhecer claramen-
1. Domenico Corrado; Antonio Pelliccia; et al. Recommendations for Interpretation of 12-lead
te o desdobramento fixo do 2º som, característico da comunicação
interauricular (CIA), tipo ostium secundum. Embora o bloqueio
incompleto de ramo direito seja uma das variantes mais frequentes
do normal (nos atletas surge em 35 a 50%) aparece também “quase
Electrocardiogram in the Athlete. European Heart Journal. 2010;31(2):243-59.
2. Pelliccia A, Fagard R, Bjornstad HH, Anastassakis A, Arbustini E, Assanelli D,Biffi A, et al.
Recommendations for competitive sports participation in athletes with cardiovascular disease:
a consensus document from the Study Group of Sports Cardiology of the Working Group of
Cardiac Rehabilitation and Exercise Physiology and the Working Group of Myocardial and
Pericardial Diseases of the European Society of Cardiology. Eur Heart J 2005;26: 1422–1445.
Resumo de artigos
Um homem de 36 anos
de idade com vómitos
abundantes
quanto o ECG anormal o pode sugerir. Refere que as causas são:
Graig, A. G. http:cme.medscape.com/viewarticle/711354
sulina, albuterol). A clínica depende do grau de hipocaliémia.
Um homem de raça negra recorre a uma clínica por história de
Abaixo de 3 mmol/L as queixas inespecíficas começam a apa-
vómitos com um mês de evolução, por vezes até 10 episódios
recer e abaixo de 2,5 surge a fraqueza muscular, inicialmente
por dia. Tinha dor epigástrica ligeira, constante, com irradiação
nos membros inferiores e de progressão ascendente. A dimi-
para o quadrante superior direito. Sem diarreia, febre ou quei-
nuição da motilidade gastrointestinal e a rabdomiólise podem
xas torácicas, mas com perda de peso (cerca de 10 kg num mês).
surgir entretanto. As arritmias cardíacas de menor gravidade
Os sinais vitais eram normais. Estava desidratado, com aspecto
(extrasístoles auriculares ou ventriculares) e de maior gravidade
caquético, mucosas secas e dor à palpação do epigastro. Sem
(bloqueio A-V, taquicardia e fibrilhação ventricular) são as mais
alterações pulmonares. Estava consciente e bem orientado. O
preocupantes. O tratamento consiste na reposição do potássio
ECG de repouso revelava prolongamento do intervalo QT (QTc
e tratamento da(s) causa(s) subjacente(s). Este doente tinha
=590 mseg), depressão do segmento ST (thumbprint-like) nas
potássio igual 2.0 mmol/L, foi internado em Cuidados Inten-
derivações II, III, Avf e de V4 a V6. Neste contexto o diagnós-
sivos e estudado para esclarecimento da massa gástrica en-
tico de hipocaliémia (definição: concentração de potássio < 3.5
contrada na TAC. Embora possa ser raro, esta entidade deve
mmol/L) foi sugerido. Na discussão deste caso, o autor refere
ser considerada nos atletas, principalmente nas atletas com
que o ECG normal elimina o diagnóstico de hipocaliémia, en-
perturbações alimentares (anorexia e bulimia).
deficiente ingestão (desordens alimentares, bulimia, por exemplo) ou aumento de excreção de potássio (diuréticos, diarreia)
e o desvio do potássio para o espaço intracelular (alcalose, in-
Revista de Medicina Desportiva in forma * Março 2010
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