Universidade Federal do Amazonas Instituto de Ciências Biológicas Depto de Biologia- Lab. de Ecologia Apostilas de Biomas e Ecossistemas da Amazônia 2013 Professor Thierry R. Gasnier [email protected] Conteúdo 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 2 O QUE SÃO BIOMAS? .......................................................................................................................................... 2 O QUE SÃO ECOSSISTEMAS E ECORREGIÕES? .................................................................................................. 8 2. NOÇÕES DE CLIMATOLOGIA .............................................................................................................. 10 POR QUE É QUENTE NOS TRÓPICOS? .............................................................................................................. 10 POR QUE É ÚMIDO NOS TRÓPICOS E OS DESERTOS ESTÃO CONCENTRADOS NAS LATITUDES 30º N E 30º S? .......................................................................................................................................................................... 10 SAZONALIDADE CLIMÁTICA ............................................................................................................................... 11 3. ENTENDENDO O RELEVO .................................................................................................................... 13 MONTANHAS EM MOVIMENTO ........................................................................................................................... 13 O RELEVO NUMA ESCALA LOCAL ...................................................................................................................... 15 A INFLUÊNCIA DO RELEVO SOBRE O CLIMA ...................................................................................................... 16 O RELEVO E A DRENAGEM DE ÁGUA ................................................................................................................. 17 4. HIDROLOGIA: MARES DE ÁGUA DOCE ........................................................................................... 18 OS TIPOS DE ÁGUA ........................................................................................................................................... 18 POR QUE EXISTEM AS CHEIAS E VAZANTES DOS RIOS AMAZÔNICOS .............................................................. 21 CARACTERÍSTICAS DA PAISAGEM AMAZÔNICA PRÓXIMA AOS GRANDES RIOS ................................................. 21 5. DIFERENÇAS ENTRE VEGETAÇÕES ................................................................................................ 23 AS NECESSIDADES VEGETAIS ........................................................................................................................... 23 ESTRATÉGIAS VEGETAIS E SUAS RELAÇÕES COM OS BIOMAS....................................................................... 33 6. ECOSSISTEMAS AMAZÔNICOS DE TERRA FIRME....................................................................... 41 FLORESTA DENSA. ........................................................................................................................................... 41 A FLORESTA DE BAIXIO .................................................................................................................................... 43 A CAMPINARANA E CAMPINA ............................................................................................................................ 44 A SAVANA AMAZÔNICA ..................................................................................................................................... 45 7. ECOSSISTEMAS PERIODICAMENTE INUNDÁVEIS ....................................................................... 47 A VÁRZEA. ......................................................................................................................................................... 47 O IGAPÓ ............................................................................................................................................................ 51 1 1. INTRODUÇÃO O que são biomas? I magine que você liga a televisão e está passando um filme com pessoas andando dentro de uma floresta exuberante como a da figura ao lado. Durante algum tempo você fica incerto se o filme se passa na África, na Amazônia, no México, na Índia ou na Indonésia. Demora um pouco para você descobrir, até que passa algum tipo de animal ou você vê alguma peculiaridade da região. Por que locais tão distantes são tão parecidos? Esta semelhança não se restringe a florestas tropicais, há outros biomas no mundo, vejamos quais são eles e por que são semelhantes. Biomas são áreas que tem dimensões globais com vegetações semelhantes (o mesmo “jeitão”) em continentes diferentes. As classificações dos biomas variam um pouco entre livros, adotamos aqui uma das mais comuns, um pouco modificada: Uma floresta tropical úmica. Mas onde? a) A floresta tropical úmida (FTU) ou floresta ombrófila densa. É um bioma com predomínio de florestas altas e densas, isto é, as copas das árvores maiores formam uma camada fechada chamada dossel, a estratificação é complexa (como se tivesse diferentes “andares” de copas) e a biomassa vegetal é alta. As árvores dominantes são de grande porte (25 a 45 m). Abaixo do dossel há um sub-bosque que contem jovens de árvores de dossel e árvores e arbustos adultos de sub-bosque (como uma “floresta dentro da floresta”). Algumas árvores desenvolvem copas acima do dossel, e são chamadas de emergentes. São florestas muito ricas em espécies de plantas e de animais e situadas nos Trópicos, onde o clima é quente e úmido o ano inteiro (ou com estação seca curta). Além das árvores, outras estratégias vegetais são abundantes, como trepadeiras, lianas, epífitas e ervas. Criptógamos como samambaias e musgos também são abundantes. O “jeitão” da floresta é semelhante comparando continentes diferentes, mas pode variar bastante entre áreas próximas em função dos tipos de solo (argiloso, arenoso ou encharcado próximo de riachos), como veremos no capítulo 6. b) A floresta tropical semidecídua (FTSD). É um bioma semelhante à FTU, mas ocorre em áreas com estação seca um pouco mais longa. As florestas são um pouco mais baixas e mais abertas nas copas com várias espécies de árvores que perdem folhas na época seca. Por serem mais abertas nas copas, tem um subbosque mais iluminado e “cheio”, frequentemente ainda mais rico em palmeiras de dossel e lianas que as FTU (florestas de palmeiras e florestas de cipós). Várias ár2 vores possuem raízes profundas para atingir o lençol freático e resistir melhor à época seca. A maioria das FTSD fica na periferia das FTU ou em áreas úmidas bem drenadas de savanas. c) A floresta subtropical úmida (FSU). Áreas deste bioma ocorrem em clima subtropical e são semelhantes às FTU, podendo ser igualmente exuberantes, mas tendem a ter menor densidade e menor diversidade. A maioria das árvores preserva as suas folhas durante o inverno, diferente das florestas temperadas decíduas, onde o inverno é mais rigoroso. No Brasil, encontramos um gradiente de FTU e FSU do norte ao sul do que restou da Mata Atlântica. d) A savana. É o bioma com vegetação aberta dos trópicos. “Aberta” significa com poucas árvores, com predomínio de gramíneas (principalmente capim) e ciperáceas. A densidade de árvores e arbustos varia muito, desde campos abertos até cerradões, podendo ter florestas de galerias próximas aos riachos. Áreas deste bioma são encontradas em regiões tropicais a subtropicais com uma estação com bastante chuva e uma estação bastante seca de alguns meses. Na época chuvosa o capim cresce e na seca ele pode se tornar inflamável. Portanto, é comum encontrarmos adaptações contra o fogo e a seca. e) O deserto quente e o “semi-árido”: Estes dois Biomas são áreas de baixa precipitação com vegetação escassa (ou ausente) caracterizada por adaptações morfológicas extremas contra a seca e/ou ciclos de vida adaptados a chuvas eventuais. A densidade da vegetação está diretamente relacionada com a quantidade e regularidade da chuva. A caatinga brasileira, situada na Região Nordeste, é uma vegetação que resiste a um clima bastante extremo, mas não tão extremo como o encontrado em verdadeiros desertos. 3 f) A floresta temperada decídua (FTD) São florestas relativamente abertas com árvores de médio porte de clima temperado úmido de verão. Há predomínio de árvores Angiospermas (isto é, que produzem flores) que em sua grande maioria perdem todas as folhas (árvores decíduas) no inverno. Também podemos encontrar pinheiros neste tipo de floresta, especialmente na proximidade da floresta de coníferas. Este bioma, como os demais biomas com inverno frio muito intenso, possui uma dinâmica fortemente sazonal. Isto é, o ciclo de vida das plantas e dos animais é muito influenciado pela época do ano. No inverno alguns organismos hibernam (entram em um estado de dormência), outros migram e outros simplesmente morrem, deixando suas sementes ou ovos para atravessar o inverno. g) A estepe. É o bioma com vegetação aberta de regiões de clima Temperado. É semelhante às savanas, mas com ainda menos arbustos e árvores, que praticamente se restringem à proximidade de riachos. Algumas áreas deste bioma são vastas planícies desprovidas de árvores, como no sudeste da Europa e da Ásia e no centro da América do Norte. Na América do sul, este bioma está representado pelos pampas do sul do Brasil e da Argentina. h) O bosque esclerofilo ou Chaparral. Este bioma possui uma vegetação de um clima “semi-árido temperado”. Normalmente é uma vegetação baixa a arbustiva, mas pode ter árvores. Tem baixa diversidade com predomínio de angiospermas e baixa biomassa, o que é atribuído ao fato da estação úmida ser curta e ocorrer no inverno, que é frio (chega a poucos graus abaixo de zero), de forma que a vegetação sofre com a seca no verão e o frio no inverno. Em outros locais na mesma latitude em que se encontram geralmente há desertos, mas a proximidade do mar atenua esta tendência. Portanto, é uma vegetação com adaptações tanto para economizar água como para resistir ao rigor do inverno. Nos verões secos é comum que haja incêndios em bosques esclerofilos, de forma que encontramos adaptações contra o fogo. 4 i) A Taiga ou florestas de coníferas. Áreas deste bioma ocorrem em locais com invernos mais longos que nas áreas de florestas temperadas decíduas. As árvores são todas ou quase todas Gimnospermas (pinheiros e semelhantes- que não tem flores, mas cones com polinização pelo vento), cujas folhas se mantêm durante o inverno e geralmente tem forma de agulhas. Esta característica é importante, pois as árvores não perdem tempo e energia no rebrotamento das folhas e nem com as flores e frutos, muito diferente das árvores de florestas temperadas decíduas. Desta forma, podem tirar o máximo proveito da curta época quente do ano. j) A tundra. Este bioma é encontrado principalmente próximo aos pólos, mas também no alto de algumas montanhas. Não há árvores, pois o solo permanentemente congelado impede o desenvolvimento de raízes profundas, há apenas ervas, musgos e liquens, e a vegetação fica coberta pela neve a maior parte do ano. No verão há bastante água do derretimento do gelo e até 24 horas de iluminação por dia. Desta forma, há uma produtividade relativamente alta em uma área imensa, o que atrai muitos animais migradores, como renas e aves.. l) O deserto gelado. Áreas extremamente frias onde a vegetação é ausente ou rara localizada nos pólos e no topo das montanhas mais altas. Apesar da ausência de vegetação, há alguma fauna que se sustenta, direta ou indiretamente, de alimentos originários do mar (e.g. focas, ursos polares e pingüins). Os Biomas e o clima. Pelas descrições acima, já fica claro que os diferentes tipos de vegetação são determinados principalmente pelo clima, mesmo em vegetações de locais distantes com composições de espécies muito diferentes. É o resultado de convergência evolutiva após evolução em condições semelhantes por muito tempo. Por exemplo, em regiões áridas as plantas precisam ter reservas de água e defesas contra animais interessados nesta água (e.g. espinhos e látex venenoso). 5 Muitas famílias diferentes de plantas de lugares distantes evoluíram por milhares de anos nestas condições, por isto, não surpreende que o “jeitão” da vegetação seja o mesmo entre continentes distantes. A dependência dos biomas em relação ao clima pode ser observada na comparação dos mapas das distribuições dos biomas e dos climas de nosso planeta (figura da próxima página). São três os fatores climáticos principais que determinam a distribuição dos biomas: temperatura (calor), precipitação, e sazonalidade (ou estacionalidade) climática. (sazonalidade= variações ao longo do ano, que se repetem todos os anos aproximadamente da mesma forma no clima, nos ciclos de vida de animais e plantas, e no cotidiano humano). Sobreposição dos mapas dos Biomas e de climas. A semelhança entre os mapas reflete a estreita relação que existe entre clima e vegetação. 6 O gráfico abaixo mostra quais os biomas esperados em função da temperatura média e da precipitação média de um local. Este gráfico é válido em geral, mas é uma simplificação, pois sabemos que é bem diferente um lugar com 1500 mm de chuva anual com chuva bem distribuída ao longo do ano comparado com um local que tivesse quase toda a chuva concentrada em poucos meses. No primeiro local provavelmente haveria uma floresta exuberante, enquanto no segundo provavelmente haveria uma vegetação rala e adaptada à seca. O mesmo pode se dizer da temperatura. Na tundra, o clima é frio com um verão curto e um inverno longo. No alto de uma grande montanha no equador, o clima é frio, mas sem sazonalidade temperatura. Há diferenças entre estas duas situações frias, como veremos adiante. Portanto, para entendermos os Biomas, teremos que entender o que determina os diferenBiomas esperados em uma região com base na temperatura tes climas da terra e media e na precipitação anual. a sazonalidade climática (capítulo 2). Depois de olhar para cima para estudar o clima, olharemos para baixo para estudar o solo. O relevo e o tipo de solo influem na disponibilidade de água e nutrientes para as plantas. O relevo, porque afeta o clima local e porque determina a drenagem da água (isto é, como ela escorre por dentro do solo). E o tipo de solo, porque solos arenosos têm capacidade muito menor de reter água e nutrientes. Veremos o efeito do relevo sobre o clima e o solo no capítulo 3. O relevo também determina locais onde a água se acumula, formando ecossistemas complexos. A hidrologia é importante para entendermos estes ecossistemas, e será abordada no capítulo 4. Entender o clima e o solo é apenas a metade do caminho para começarmos a entendermos os biomas. Precisamos também entender as plantas, suas diferentes necessidades e as estratégias que elas utilizam para sobreviver. Tanto árvores como musgos precisam de água, luz e nutrientes para completar seus ciclos de vida. Entretanto, árvores são diferentes de musgos. Cada tipo de planta tem sua estratégia para conseguir esta água, luz e nutriente e completar seu ciclo reproduzindo-se. E cada estratégia difere no seu sucesso de acordo com as condições bióticas e abióticas do meio. As diferentes estratégias das plantas serão discutidas no capítulo 5. 7 Biomas: transições graduais por fora e heterogêneos por dentro Os biomas não têm fronteiras definidas, isto é, de um bioma para outro vizinho costuma haver uma mudança gradual. Não podemos esquecer que a categorização em biomas é criação do homem. Ela reflete diferenças reais, mas os limites e o número de categorias são arbitrários. Por isto, vocês encontrarão diferentes classificações de biomas. Incluímos acima a floresta tropical semidecídua, que não costuma ser incluída em outras classificações. O mais importante sobre os biomas não terem fronteiras é ressaltar que cada bioma não é uma entidade independente, completamente diferente dos demais e com lógica própria, como se fosse um país com línguas e leis diferentes dos vizinhos. Cada As transições entre biomas não são como fronteiras. local é parte da biosfera e todas as plantas fazem essencialmente o mesmo. Além disto, ao categorizar os locais em biomas, temos a impressão que são unidades homogêneas, entretanto, temos de ressaltar que há variação dentro deles. Em alguns desertos há chuva eventual e uma flora e uma fauna bastante significativa, incluindo até anfíbios. Em outros, não há chuvas por décadas, e não encontramos praticamente nada. A Amazônia está no Bioma das florestas tropicais úmidas, entretanto, dentro deste bioma temos florestas de terra firme em platôs, florestas de terra firme em baixios, campinaranas, campinas, igapós e diversos tipos de várzeas. Por ser este o bioma em que vivemos, estudaremos os diferentes ecossistemas presentes na Amazônia nos capítulos 6 e 7. O que são ecossistemas e ecorregiões? Os biomas podem ser divididos em ecorregiões para detalhar a heterogeneidade que existe em cada um deles. O termo “Ecossistema” é definido em alguns livros como “o maior sistema de interação, envolvendo organismos viventes e seu meio ambiente”. O termo “maior” é vago, pode significar a Biosfera, qualquer área de um bioma, uma ecorregião, e até mesmo uma pequena poça de água. O que importa ao se evocar o termo ecossistema é que estamos dando ênfase ao funcionamento deles e com a mente aberta para a sua complexidade, não é apenas uma descrição estática e restrita. 8 Por exemplo, quando falamos "ops, pisei em uma poça de água", apenas pensamos nela como um local molhado onde podemos sujar os pés. Quando falamos no ecossistema poça de água, pensamos nos organismos que vivem lá, no fato que ela pode secar matando muitos deles, que tem uma quantidade de oxigênio alta ou baixa, que uns organismos alimentam-se de outros, que há épocas em que encontramos girinos lá, etc. Existem milhares de fenômenos ocorrendo numa poça de água, basta colocar uma gota em um microscópio para perceber isto. Descrever ecologicamente uma poça de água poderia até ser um trabalho para muitos anos, e pessoas diferentes irão destacar aspectos diferentes da ecologia da poça. Entretanto, a maioria das pessoas iria incluir nesta descrição fatores físicos como o tamanho da poça, sua profundidade, se ela seca ou congela parte do ano, o Uma poça de água pode ser vista como um teor de oxigênio, pH, se a água é obstáculo no caminho. Mas, quando falatransparente ou não, e aspectos biomos no "Ecossistema Poça de Água", penlógicos, como as espécies mais abunsamos nos organismos que vivem nela e dantes, quais espécies estão lá o ano nos processos ecológicos. É assim que detodo e quais delas saem da poça (covemos ver todos os ecossistemas. mo os girinos e alguns insetos). Mas, principalmente, não poderíamos deixar de falar nos processos, como o que acontece quando cai o teor de oxigênio, como algumas espécies resistem quando a poça se seca, e as interações que ocorrem entre as espécies (predação, competição, mutualismo), e quais os problemas que estas espécies têm de resolver. Nesta apostila, quando falarmos de ecossistemas amazônicos, não estaremos falando de poças, ou de outros ecossistemas pequenos e médios, embora, na realidade também sejam ecossistemas amazônicos. Estaremos falando de ecossistemas maiores, como a várzea, os igapós, mangues, a floresta densa de terra firme, campinaranas, campinas, savanas e outros. Os limites da várzea estão relacionados com as cheias dos grandes rios de água branca. A diversidade de ambientes na várzea é tão grande que não pode ser representada com uma única fotografia. Os outros ecossistemas podem ser razoavelmente ilustrados usando uma fotografia da vegetação. Usamos nomes de formações vegetais para nomear alguns ecossistemas, porque assim podemos reconhecer estes ecossistemas, mas não podemos esquecer que a descrição do ecossistema vai bem além da descrição da vegetação. 9 2. NOÇÕES DE CLIMATOLOGIA V amos tomar a nossa região como referência. Por que o clima tropical é quente? E por que é úmido? Por que tem pouca sazonalidade térmica? Por que tem sazonalidade de chuvas? Nessa seção abordaremos as causas para os padrões climáticos globais. Entenderemos as tendências climáticas considerando a posição de cada lugar na terra. No capítulo 3, iremos um pouco adiante nas noções de climatologia explicando desvios destas tendências globais devido ao relevo. Por que é quente nos trópicos? Os trópicos recebem uma luz mais concentrada que latitudes mais altas porque a terra é redonda. O sol está tão distante que podemos considerar seus raios Alta latitude paralelos. Um raio que incida sobre o equador ao meio dia terá um ângulo de Baixa latit aproximadamente 900 (varia um pouco ao longo do ano) e vai se espalhar muiEquador to pouco, por isto é concentrado. Claro que nos outros horários o ângulo muda, mas ao longo do dia os trópicos acumulam mais calor. Veremos adiante que, devido à inclinação da terra, a maior incidência solar não está sempre sobre Os rais solares que incidem no equador o equador. Entretanto, considerando o estão concentrados em uma área menor acumulado no ano, é o equador que redevido à esfericidade da terra cebe a maior quantidade de energia. Por que é úmido nos trópicos e os desertos estão concentrados nas latitudes 30º N e 30º S? No início do dia o sol aquece o solo e o solo aquecimento o ar superficial. O ar da superfície mais quente se dilata e tem duas características: tem sua capacidade de carregar água aumentada (como uma esponja) e torna- O ar é como uma esponja que se dilata, absorve água e sobe levando esta água. Após a condensação, esta esponja segue seca para locais distantes> 10 se mais leve do que era, pois tem densidade menor (mesmo estando carregado de água). Portanto, ele sobe e leva a água com ele. A isto chamamos evaporação. À medida que sobe entra em contado com ar mais frio e vai se esfriando. Em certa altura a água que contém se condensa e transforma-se em nuvens e até em chuva. Mas o ar não para de subir até se esfriar tanto que fica novamente pesado e começa a cair. Este fenômeno acontece em escala local, mas também em escala global, de forma que se estabelecem padrões globais de circulação de ar. No equador a água que evaporou se precipita localmente e ar seco é exportado. Este ar seco acaba por determinar regiões áridas e desérticas em outros locais do mundo. Por outro lado, a água que evapora nas regiões vizinhas ao equador tende a ser sugadas para repor o ar exportado. Enquanto o equador é quente e úmido, áreas vizinhas tendem a se tornar secas. A imagem que temos de desertos é que são locais quentes. Alguns realmente são. Isto acontece porque faltam nuvens para proteger o solo da incidência direta do sol. Além disto, independente de nuvens, Circulação das massas de ar na terra o ar seco tem menor inércia térmica. Por isto é mais fácil de ser esfriado e esquentado, causando extremos. Algumas pessoas se surpreendem ao saber que os desertos tendem a ser muito frios à noite. Para piorar, estas condições atrapalham o estabelecimento de vegetação que também tem um efeito forte sobre o microclima. Sazonalidade climática Fenômenos sazonais são aqueles que variam aproximadamente da mesma forma todos os anos, por exemplo, o clima (inverno-verão), os ciclos de vida de animais e plantas (estação reprodutiva, migrações), e até o cotidiano humano (colheitas, festas). Por que a sazonalidade térmica é tão grande em latitudes mais altas? Por que lá neva numa época do ano e na ouTranslação e a sazonalidade climática tra faz sol, enquanto aqui o clima muda pouco ao longo do ano? A resposta é: Devido à inclinação do eixo de rotação da terra (em relação ao plano de translação). Entretanto, uma resposta destas sem explicação ajuda pouco. Esta inclinação acaba determinando que o número de horas varie ao longo do ano fora do Equador. Quanto mais alta a latitude mais forte é este efeito (ver figura abaixo). É importante perceber que quando a incidência solar é maior no hemisfério norte, ela é menor no Hemisfério Sul. Acontece uma situação peculiar nos pólos: um dia ou uma noite podem durar mais que 24 horas (em alguns 11 lugares podem durar meses). Em resumo, a principal causa da grande sazonalidade de temperatura (inverno-outono-verãoprimavera) fora dos trópicos é a variação no numero de horas de incidência solar (aquecimento) contra o número de horas de noite (resfriamento). No esquema ao lado, na situação c (que ocorre em dezembro), temos o verão do hemisfério sul. Notem que o sol incide Perpendicularmente sobre a linha do Trópico de Capricórnio. Nesta época é como se o equador fosse lá. Dizemos que o equador climático varia ao longo do ano. Lembrem que no Equador chove muito. É por isto que esta também tende a ser a época de chuvas sobre este trópico. (Há variações devido a outros fatores geográficos, a maior chuva em São Paulo é em fevereiro, não no final de dezembro). Sobre o Equador seriam esperadas duas épocas de chuva, uma na primavera e uma no outono (quando o Equador Geográfico é também o Incidência solar em momentos dife"Equador Climático"). É assim em alguns rentes do ano locais, como na Nigéria. Entretanto, devido a fatores geográficos como a continentalidade e movimentos de massas de ar, não ocorre exatamente como o esperado (duas estações por ano). O que predomina na Amazônia é uma estação de chuvas e uma relativamente seca. Na parte da Amazônia que está ao sul do Equador esta seca tende a ser aproximadamente/geralmente de agosto a outubro. Ao norte, como em Roraima e no Amapá, a época seca é de Janeiro a Março, pois está no Hemisfério Norte. . 12 3. ENTENDENDO O RELEVO E mbora o chão seja algo concreto, entender a história do chão é algo quase abstrato. A geologia lida com tempos tão longos que desafiam a nossa imaginação. Montanhas em movimento A terra surgiu há cerca de cinco bilhões de anos. A Terra teve uma superfície que era um mar de magma derretido, mas se esfriou formando uma crosta sólida e a água da atmosfera se condensou formando mares. Ainda hoje encontramos parte desta crosta muito antiga, inclusive na Amazônia. A superfície da Terra tem uma aparência estática, entretanto, ela apresenta movimentos. Estes movimentos em conjunto são denominados Deriva Continental. Eles ocorrem porque o interior da Terra é muito ativo, devido à rotação e à força de gravidade do exterior sobre o interior do planeta. Os continentes sólidos estão sobre uma matéria relativamente plástica abaixo deles. O resultado de forças internas sobre massas que não estão apoiadas em algo muito sólido é a movimentação lenta destas massas. É como se os continentes fossem pesados barcos à deriva. Entretanto, isto não significa que estes movimentos sejam suaves, pois toda a crosta é sólida, e o deslocamento de uma parte leva a atrito com outra. E é por isto que temos terremotos e vulcanismo, especialmente em regiões de encontros de placas. Grande parte da formação de montanhas também se deve ao encontro entre placas. Veremos que isto será importante para a formação da Bacia Amazônica adiante. A erosão é o desgaste e transporte da terra pela água, gelo ou vento. É um A “deriva continental” é o movimento de placas fenômeno que conhecemos mais, pois, imensas de crosta terrestre. em condições favoráveis, é visível na escala de tempo de meses ou anos. Imagine o seu efeito numa escala de milhões 13 de anos. Cadeias de montanhas altas podem se transformar em vales. Mares interiores (continentais) imensos podem ser aterrados com sedimentos trazidos por rios. Dá para imaginar? Vamos tomar a América do Sul como exemplo (esquema ao lado). A América do Sul separou-se da África há cerca de 100 milhões de anos. À medida que se deslocava para oeste, a placa do Oceano Pacífico adentrou para baixo da placa da América do Sul. Deste encontro de placas resultou o lento soerguimento dos Andes (Cadeia de Montanhas a Oeste da América do Sul). Inicialmente formou-se um mar interior. (Encontramos conchas do mar em alguns lugares no alto dos Andes). Com o passar do tempo este mar foi sendo assoreado pelos sedimentos trazidos pelos rios, restando apenas rios de água doce. Mas os sedimentos não paravam de chegar, a tal ponto que as bacias hidrográficas que drenavam para oeste foram se preenchendo com mais sedimentos, até que ficaram também assoreadas e a água então começou a drenar para leste. Desta forma formou-se a maior bacia hidrográfica do mundo. Agora os sedimentos desta região são depositados no mar. Esta história é importante para entender a Amazônia. Com base nela podemos dividir a Amazônia em três regiões geológicas principais: 1) Os antigos escudos ao norte (Escudo das Guianas) e ao sul (Escudo Brasileiro); 2) A região a oeste formada pelo Soerguimento dos Andes; 3) Uma região central bastante plana A deriva na América do Sul levou à formaformada principalmente por sedi- ção dos Andes e da Bacia Amazônica mentos de origem Andina: a Bacia Sedimentar Amazônica. Relevo, Topografia, composição do solo e principalmente os tipos de rios estão relacionados com esta origem. Voltaremos a isto nas aulas sobre hidrologia da Amazônia. 14 O relevo numa escala local O que vimos acima ajuda a entender a formação do relevo em uma escala global. Vamos prestar atenção aqui ao detalhe do relevo em escala local. Topografia é a representação de uma porção de um terreno com todos os acidentes e objetos que se achem à sua superfície. Discutiremos a topografia de áreas inundáveis nas aulas sobre hidrologia. Chamamos a atenção para a topografia de Terra Firme (áreas que não estão sujeitas às inundações anuais de grandes rios) da Planície Amazônica para mostrar um exemplo de analise de relevo em escala local e porque ela ajuda a entender diferenças de tipos de solos e de habitats em Florestas de Terra Firme. Vimos que a Planície Amazônica se formou com a deposição de sedimentos fluviais. É importante esclarecer que depois da deposição a planície foi amadurecendo e houve mudanças no nível do mar. Portanto, áreas que antigamente eram inundáveis deixaram de sê-lo, tornando-se terra firme. Esta superfície foi se erodindo muito lentamente. O resultado é uma topografia que pode ser dividida em três partes: 1) o platô, que é uma área que não foi erodida ainda e que é plano; b) a vertente, que é a área que Platô está em um lento processo de erosão; c) o baixio, que é geralPlatô-vertente mente plano também, e é onde Vertente correm os igarapés Baixio Imagine agora um solo argiloso normal, ele tem partículas de O relevo da terra firme em boa parte da Amazônia. vários tamanhos, as pequenas Notar a transformação de solos argilosos em arenose chamam argila e as grandes sos em alguns locais. areia. O que acontece com este solo em cada um destes locais? Nos locais planos, a água da chuva não se desloca lateralmente, apenas para baixo, e é absorvida pelo solo. Nos locais inclinados, parte da água é absorvida, mas parte dela pode escorrer na superfície e até abaixo da superfície. A floresta influi muito neste processo, retardando-o. Se não houvesse uma floresta, a tendência é que a erosão seria rápida, levando o solo das vertentes, tanto a argila como a areia. Dependendo da inclinação da vertente e da posição na vertente, a velocidade e a quantidade de água que escorre pode ser suficiente para mudar o tipo de solo, pois é como se este solo estivesse sendo lentamente “’lavado” ao longo de centenas de anos. Por isto, na vertente, especialmente nas partes mais baixas, freqüentemente temos solos arenosos. No baixio, a água que vem de toda a bacia e a própria água do igarapé que transborda ocasionalmente, lavam o solo constantemente, resultando em um solo predominantemente arenoso. Este solo tem características próprias por estar constantemente encharcado, e por isto nós o denominamos hidromórfico. Este processo explica porque encontramos geralmente solos argilosos ou arenosos dentro da floresta (os intermediários são mais raros). Não é o único processo que determina solos arenosos. Em alguns locais o solo for15 mou-se da decomposição de uma rocha arenosa. Em outros locais, o solo é arenoso porque ali foi um igapó há muito tempo atrás. Estas diferenças de solos determinam diferenças importantes na vegetação, como veremos no capítulo 05. A influência do relevo sobre o clima Vimos no capítulo anterior o que determina o clima global. Entretanto, há fatores locais, como o relevo, que afetam o clima. Já vimos, por exemplo, que pode até nevar nos trópicos. Quanto mais alto nas montanhas, mais baixa é a temperatura porque o ar é mais rarefeito. Ao subirmos uma montanha alta nos trópicos, podemos encontrar em poucos quilômetros uma mudança na vegetação semelhante à que encontramos indo do equador aos pólos. Entretanto, há algumas diferenças importantes, a sazonalidade é menor. Na floresta temperada de montanhas, as árvores não perdem todas as folhas na estação mais fria porque não há estação mais fria. Na “tundra” da montanha, a variação térmica diária é grande, e há plantas adaptadas a guardar o calor do dia para enfrentar o frio da noite, o que não se encontra na tundra polar. Além disto, uma montanha é uma barreira para o deslocamento das massas de ar que carregam a umidade. O ar que vai em direção à montanha é forçado a subir e condensa-se, devido às temperaturas menores, causando chuvas. Após passar as montanhas, o ar de expande novamente e rouba umidade do ambiente. Portanto costumamos encontrar florestas a barlavento, e áreas mais áridas, até desertos, a sotavento, conforme o esquema acima. Em montanhas altas situadas nos trópicos encontramos um gradiente de vegetação semelhante ao que encontramos quando viajamos do equador aos pólos, entretanto a sazonalidade é muito menor e a variação térmica diária é muito maior. Montanhas afetam muito o clima local porque são barreiras para massas de ar 16 O relevo e a drenagem de água Todo mundo sabe onde procurar um igarapé: no local mais baixo. Parte da água das chuvas pode escorrer pela superfície, mas a maior parte da água que chega ao igarapé se desloca dentro da terra, e forma uma camada úmida chamada de lençol freático. Esta camada pode ficar mais profunda ou mais rasa em função de particularidades do relevo, como vemos na figura ao lado. As árvores são mais sensíveis que o capim a longos períodos sem água (mesmo se o capim morrer haverá sementes para germinar na estação chuvosa seguinte). Por isto, elas são indicadoras de solos mais úmidos próximo à superfície. Em locais onde chove o ano todo, o solo está permanentemente úmido. Em locais muito secos, apenas encontraremos florestas próximos a rios. Entretanto, na transição, como na foto ao lado, podemos encontrar floresta nas áreas de encosta em posições que favorecem a retenção da água. A água das chuvas se desloca principalmente dentro do solo até aflorar em igarapés. Os locais com florestas nas vertentes nesta figura indicam solos mais úmidos na superfície em função da topografia e da drenagem da água. 17 4. HIDROLOGIA: MARES DE ÁGUA DOCE M esmo nos continentes, há regiões tão cheias de água que é quase como se fossem mares de água doce. A Amazônia e o Pantanal são áreas que se destacam globalmente em relação a isto. Na nossa região, como vimos acima, o soerguimento dos Andes, em função da deriva continental, acabou por determinar a formação da maior bacia hidrográfica do planeta. Portanto, não falta água doce por aqui, alguns rios são imensos e existe uma grande área inundada anualmente por estes rios. A área sob influência das inundações é de apenas cerca de 5% da área da Amazônia. Entretanto, nestes 5 % encontramos ecossistemas ricos em biodiversidade, é ai onde se concentra a maior parte da população e da economia rural da região. Além disso, é uma das paisagens mais belas do planeta. Novamente, utilizaremos nossa região como modelo para entender aspectos bióticos de ecossistemas de água doce tropicais. Vamos desenvolver o tema das águas amazônicas a partir de três perguntas básicas: 1) Por que existem diferentes tipos de água na Amazônia? 2) Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos? 3) Quais são as principais características da paisagem amazônica próximo aos grandes rios? Os tipos de água Na foto ao lado, vemos o encontro dos rios Negro e Solimões, que passa a ser denominado Amazonas. O contraste é muito marcante. O Rio Negro tem uma água da cor de chá preto forte, e o rio Amazonas é barrento de cor marrom claro a amarelada, devido a um fino sedimento (partículas sólidas inorgânicas) em suspensão. Quando vamos ao encontro das águas percebemos ainda que o Rio Solimões é mais agitado e mais frio. Mas há outras diferenças. O Rio Solimões também é mais rico em nutrientes e tem pH neutro ou levemente ácido. Como conseqüência, sustenta uma fauna (peixes, mosquitos, etc.) mais abundante (discutiremos mais sobre isto na aula sobre os ecossistemas aquáticos). O Rio Negro contrasta por ter um pH bastante ácido (por volta de 4) e poucos nutrientes. A fauna não é tão abundante, mas a biodiversidade também é muito alta. O entorno des- Encontro das "águas pretas" do Rio Negro com as "águas brancas" do Rio Solimões. Um rio de água preta com uma praia arenosa 18 tes rios também diverge muito, como veremos adiante (hidrologia) e em outra aula (os ecossistemas). O Rio Negro é considerado o principal exemplo de rio de "água preta", outros exemplos são o Rio Urubu e outros que tem nascentes em florestas. O Solimões-Amazonas é o principal exemplo de rio de "água branca" ou de "água barrenta", outros exemplos são o Rio Madeira, o Purus e o Juruá. Ainda há um terceiro tipo de rio, o rio de "água clara". Os rios de água clara, como os rios Tapajós, Xingu e Trombetas, geralmente carregam muito pouco sedimento em suspensão, como os rios de água preta, mas não são escuros como eles. Em geral são rios relativamente pobres em nutrientes e com pH ácido, mas não tanto como os rios de água preta. É comum que se desenvolvam algas nestes rios, tornando-os esverdeados. Quant. de ácidos húmicos e Fúlvicos Esta categorização de águas é útil do ponto de vista prático e didático, entretanto, para entender o que acontece é importante reconhecer a existência de gradientes (ver figura). As águas brancas têm sedimentos em suspensão, mas a quantidade de sedimentos varia no tempo e no espaço. Por exemplo, o Rio Branco em Roraima tem uma cor barrenta em uma época do ano e clara em outra, em função da variação na quantidade de sedimentos. Além disto, quando as águas "brancas" do Rio Solimões entram em lagos e reduzem sua velocidade, os sedimentos se depositam e a cor da água muÁgua Preta da. Entretanto, as Água Branca Igarapé em Pres. características quíFigueiredo micas principais muRio Amazonas (Belém) dam pouco, continua Rio Negro Rio Negro sendo uma água rica (Manaus) (Anavilhanas) Rio Amazonas em nutrientes, mes(Santarem) (*Lago de água branca mo que a cor seja de sedimentada- não é água preta) Rio Solimões água preta ou clara. Rio Branco (junho) (setembro) Por isto, dizemos Água Clara Rio Solimões que as águas destes (outubro) Rio Branco lagos são águas Rio Tapajós (fevereiro) (outubro) "brancas sedimentadas", isto é, águas cujas partículas em Quantidade de sedimentos em suspensão suspensão se depositaram. As "águas pretas" se diferenci- A divisão em três tipos de água simplifica diferenças que são am das claras por graduais nas quantidades de sedimentos e de ácidos orgânicos. possuírem grande quantidade de ácidos húmicos e fúlvicos. Entretanto, a quantidade destes ácidos também varia no tempo e no espaço. Águas pretas e claras podem possuir um pouco sedimento. Águas Brancas podem ter muito ou pouco ácidos húmicos e fúlvicos, mas isto só pode ser visto quando coletamos uma amostra desta água e deixamos que fique parada para sedimentar as partículas em suspensão. Já entendemos que a quantidade de sedimentos e de ácidos orgânicos varia, falta entender por quê. Quanto aos sedimentos, temos que lembrar que a Planície Amazônica formou-se da deposição de sedimentos fluviais e lacustrinos (desde uma época geologicamente recente denominada Terciário até os dias de hoje). Aqueles rios cujas nascentes estão nos Andes, ou nas bases dos Andes, recebem sedimen19 tos dos Andes e têm margens formadas por sedimentos geologicamente muito recentes (principalmente do Quaternário, inclusive de anos recentes). Estas margens são barrancos que estão constantemente caindo, liberando barro na água em alguns pontos que se deposita novamente em outros. Portanto, são rios muito dinâmicos. Moradores ribeirinhos freqüentemente perdem seus terrenos neste processo. Em resumo, os rios de água branca são barrentos porque carregam sedimentos resultantes principalmente dos processos erosivos intensivos dos Andes. As margens dos rios de água branca geralmente é formada por barrancos na época que a água está mais baixa. A cor escura da água preta é causada por substâncias orgânicas derivadas da decomposição incompleta de folhas na floresta. Estas substâncias chegam aos igarapés ou não. Se o solo for argiloso existe uma demora na drenagem da água suficiente para dar tempo para as bactérias fazerem a decomposição mais completa. Além disto, é necessário que haja uma quantidade grande de folhas em decomposição para que uma quantidade significativa de ácidos orgânicos chegue aos igarapés. Portanto, em bacias de drenagem sobre solo argiloso ou em regiões com vegetação aberta, os igarapés tendem a ter uma água mais do tipo "clara" que do tipo "preta". Se o solo for arenoso, a drenagem é rápida e o pH do solo é menos favorável para a ação de bactérias, de forma que a água chega aos igarapés ainda cheia de ácidos orgânicos da decomposição incompleta. Também nos baixios e em áreas pantanosas, onde o solo é encharcado, a decomposição Na terra firme, encontramos igarapés com águas mais ricas tende a ser incompleta, em ácidos orgânicos em locais com solos arenosos, pois a com liberação de ácidos drenagem é rápida e não há tempo da ação de bactérias para orgânicos para a água, decompor o húmus. devido à falta de oxigênio. 20 Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos Basicamente por duas razões, porque existe forte sazonalidade de chuvas e porque os rios estão sobre uma bacia sedimentar muito plana. O esquema ao lado mostra a variação anual na quantidade de chuva em Manaus (curva com o pico em março) e do nível do Rio Negro em frente a Manaus. Note como o pico da enchente (a outra curva) ocorre apenas em junho. Isto acontece porque 1) a água da chuva é retida no solo e escoa lentamente; 2) drenagem é lenta em uma superfície muito pouco inclinada (de cerca de 1m a cada 100km). Estamos falando da maior bacia hidrográfica do mundo. Embora o Rio Amazonas seja grande, é muita água para sair e ela se acumula. Quanto mais longe Variação na chuva e no nível de da foz, maior é a "fila" que cada gota tem água no Rio Negro em frente a enfrentar. Por isto, em Belém, a diferença Manaus entre o nível dos picos da cheia e da vazante é pequena (cerca de 2 metros em média), em Manaus é de cerca de 8 m e no alto Solimões pode chegar a 15m. Características da paisagem amazônica próxima aos grandes rios Estas características dependem do Rio, de um lado temos os rios de água negra ou clara, que carregam poucos sedimentos, do outro lado temos os Rios de água branca, que levam muitos sedimentos. Vejamos por quê. Neste esquema vemos um rio de água branca em corte (Rio Juruá). Note que existe um sedimento mais velho nas bor- Corte do Rio Juruá das. Este sedimento foi depositado e depois passou por um processo de erosão, especialmente em uma época quando o nível do mar estava mais baixo, formando um vale. Isto ocorreu tanto em rios de água clara e negra quanto em rios de água branca. Depois, o nível do mar voltou a subir. Nos rios de água branca um novo sedimento foi depositado. Como resultado, os rios de água negra ou clara praticamente não tem várzea, isto é, uma área grande de terra alagável. Nas áreas de rios de água negra ou clara, temos basicamente uma margem com florestas ou formas mais abertas de vegetação. As florestas inundáveis e são chamadas de Igapós. Ilhas, como as Ilhas Anavilhanas do Rio Negro são pouco co21 muns. (Aparentemente estas foram formadas a partir da deposição de sedimentos do Rio Branco.) Há poucos lagos e não existe uma ampla várzea como nos Rios de água branca. Quando a água baixa, geralmente ficam expostas longas praias de areia branca. Em rios de água branca a várzea pode ser imensa. Há locais no Rio Amazonas em que ela chega a ter 100 km de largura. Nos locais onde os rios não são muito grandes e as várzeas são estreitas, geralmente temos apenas o canal do rio (com muitos meandros), a floresta inundável, e lagos de ferradura Meandros no rio Purus (ou de meandro sacado). Nos locais com várzeas amplas temos um ambiente mais complexo. Nestas várzeas encontramos florestas de várzea alta, florestas de várzea baixa, restingas, lagos temporários, lagos permanentes, furos, Rio Principal, paranás e também alguns lagos de meando abandonado. Na figura ao lado podemos entender como se formam os meandros e um pouco da dinâmica destes rios. Note que no lado de den- Principais elementos da drenagem da várzea Amatro das curvas dos rios há zônica: 1- igarapé; 2- furo; 3 Paraná; 4 Regos em deposição de sedimentos, regos temporários; 5- Lago permanente; 6 Lago de no lado oposto ocorre meandro abandonado "sacado"; 7- Lago de barraerosão. Isto faz com que gem em antiga ria fluvial. as curvas fiquem cada vez mais abertas, e uma curva pode tocar a outra. Quando isto acontece, o rio muda de curso e o meandro fica abandonado, formando um lago. Note que rios como este são muito dinâmicos, há muito tempo que passa um rio drenando água por ai (entre as duas áreas de terra firme mostradas), mas a posição do rio muda constantemente. Em fotos de satélite podemos ver as "cicatrizes" dos leitos antigos. 22 5. DIFERENÇAS ENTRE VEGETAÇÕES O principal elemento da paisagem que nos leva a categorizar um bioma é a vegetação. Podemos até identificar uma savana africana em uma foto pela presença de um elefante, mas foram as características semelhantes da vegetação do cerrado e da savana africana que levaram os biólogos e geógrafos a colocálas em uma mesma categoria de bioma. Portanto, além dos fatores físicos discutidos acima, temos que entender as necessidades vegetais e como os fatores físicos e as interações com espécies afetam as plantas para compreender melhor as características e as dinâmicas dos diferentes biomas. Praticamente todas as plantas fazem fotossíntese (falaremos da exceção depois). Para isto, elas precisam de água, luz, calor e nutrientes (e algo mais que veremos logo). Mas há diferentes formas de se obter isto, desde uma erva anual até uma árvore centenária. Há diferentes tipos de plantas em cada bioma. Não nos referimos aqui às espécies, mas agrupamentos maiores que vamos chamar de estratégias vegetais. A divisão destas estratégias é um pouco arbitrária, como a de biomas, que discutimos na seção 1; aqui também as fronteiras entre categorias não são absolutas, mas servem para discutirmos diferenças reais. Cada estratégia vegetal é diferente no conjunto de adaptações para a sua sobrevivência (água, luz, calor, nutrientes e oxigênio para as raízes), para uma reprodução eficiente (mistura genética) e para o estabelecimento da geração seguinte (fixação-sustentação, colonização e defesa). Vejamos primeiro as necessidades vegetais para depois compararmos as estratégias vegetais mais comuns em cada bioma. As necessidades vegetais Água As plantas terrestres originaram-se de algas que viviam em ambiente aquático. Raízes de algas (quando existem) servem apenas para fixação; o próprio meio aquático dá sustentação, possibilita as trocas de nutrientes, de oxigênio e de gás carbônico, e possibilita a troca de gametas da reprodução sexuada. Por isto, a conquista do ambiente terrestre ao longo da evolução envolveu grandes mudanças morfológicas e fisiológicas. Entretanto, a fisiologia celular não mudou tanto assim. Sem um fornecimento constante de água, as células de um tecido vegetal morrem (mesmo no caso extremo de uma semente em dormência há uma necessidade mínima de água que é fornecida metabolicamente). Ao contrário dos animais, as plantas não podem se deslocar para resolver uma necessidade momentânea de água. 23 Por isto, a água é a principal necessidade vegetal e há uma forte relação entre a quantidade e regularidade da disponibilidade de água no solo e o tipo de vegetação. Onde há chuvas abundantes no ano todo normalmente haverá florestas. As árvores são os organismos vegetais mais dependentes de água, mas onde esta não falta este tipo de planta predomina por vencer a competição pela luz. Se a chuva for mais ou menos regular e pouco abundante, a vegetação tende a ser mais aberta, mas poderemos encontrar florestas em locais onde a topografia determina maior quantidade e regularidade de água no solo, como próximo a riachos (floresta de galeria). Onde há uma quantidade de água muito pequena na maior parte do ano, mesmo que haja uma época chuvosa, teremos uma região de semi-árido ou deserto. É interessante notar que o efeito da temperatura baixa sobre plantas é menos direto (pelo seu efeito em diminuir das reações químicas do metabolismo vegetal como um todo) do que indireto. O frio limita a capacidade das plantas em absorver água, seja pelo congelamento do solo ou pela redução do metabolismo das raízes. Calor Como vimos, a temperatura tem principalmente um efeito indireto sobre os vegetais devido à restrição de água. Entretanto, há um efeito mais direto do frio. As geadas são reduções rápidas na temperatura do ar que não costumam ser suficientemente duradouras e intensas para determinar uma falta da água para a planta, entretanto pode matá-la por outra razão. O problema é a formação de cristais de gelo que rompem as células das plantas, o conteúdo celular vasa e oxida, deixando-a “queimada”. Plantas que suportam o inverno gelado com folhas verdes como os pinheiros possuem substâncias anti-congelamento dentro das células. Este é um problema principalmente na agricultura em certas regiões. Em locais com invernos rigorosos, são escolhidas espécies adaptada ao frio ou o cultivo é feito nas épocas apropriadas. O problema são as áreas com geadas eventuais. Ai, o cultivo destas plantas é uma questão de risco. A geada também afeta as plantas selvagens, há mudança de composição de espécies ao sul e ao norte da região das geadas eventuais. Além da falta de água, há outros importantes efeitos indiretos do calor, aqueles relacionados com interações com animais e outros organismos. Os animais são fortemente influenciados pela redução na temperatura. Desta forma, um inverno rigoroso pode restringir os herbívoros e as doenças. Também relações mutualísticas como a polinização e a dispersão devem ser mais restritas em ambientes mais frios, seja um frio sazonal (e. g. tundra ártica) ou não (e. g. tundra alpina tropical). Luz As plantas são autótrofas. Este termo significa que são capazes de “alimentar a si mesmas”, isto é, fixam gás carbônico do ar em moléculas de glicose que servirão tanto para construção como para o funcionamento do organismo vegetal. É uma fixação de matéria e de energia. Para isto, a planta precisa da água que retira do solo, do gás carbônico do ar e energia luminosa. 24 Ao conquistar o ambiente terrestre, as plantas tiveram de desenvolver filtros contra o excesso de luz e adaptações fisiológicas para evitar o superaquecimento. Entretanto, estes problemas foram superados. O problema mais comum de luz nos ambientes naturais é a sua falta, que ocorre principalmente devido à presença de outras plantas. Houve três caminhos evolutivos em resposta a isto: a) crescimento para cima em direção à luz ou b) adaptação a um ciclo de vida inteiro sob baixa incidência solar; c) alelopatia. O primeiro caminho resultou numa pressão para árvores mais altas e trepadeiras que crescem apoiadas nas árvores. O segundo, na vegetação de subbosque. Estas estratégias vegetais serão discutidas depois. No caso da alelopatia, uma planta produz substâncias que inibem o crescimento de outras. Esta estratégia ocorre com muitas ervas, capins, pinheiros, eucaliptos, e bambus. Aparentemente é uma estratégia que funciona apenas em situações de baixa diversidade, na qual há clones ou plantas muito próximas geneticamente lado a lado. No caso de florestas tropicais, certamente é mais vantajoso gastar energia na produção de frutos. A influência de uma planta sobre outra na busca por luz geralmente é chamada de competição. Entretanto, por definição, na competição os dois organismos envolvidos são prejudicados para existência do outro. Podemos dizer que isto ocorre no caso da alelopatia, pois uma planta gasta energia para produzir a toxina inibitória e a outra é prejudicada por ser inibida. Competição também pode ocorrer durante a sucessão vegetal, em que uma planta pode crescer mais rápido que outra e prejudicá-la com sua sobra. Entretanto, no caso do sombreamento de uma plântula por uma árvore em uma floresta madura, seria mais apropriado chamar esta relação de amensalismo, pois a plântula se prejudica pela sombra da árvore, mas o oposto não acontece. Nutrientes Não basta água, gás carbônico e luz para o funcionamento e desenvolvimento de uma planta. “Macronutrientes” como Nitrogênio, Fósforo e Potássio (N, P, K), “micronutrientes” como Ferro, Zinco, Boro, Cobre e Manganês são necessários para a fisiologia da planta. Cada nutriente tem a sua função, mas, para as finalidades desta apostila, podemos tratá-los genericamente apenas como nutrientes. Se um ou mais destes nutrientes estiver em uma quantidade baixa, dizemos que o solo é pobre em nutrientes. Solos pobres tendem a ter produtividade baixa, isto é, o crescimento vegetal é mais lento do que poderia ser, e a produção de flores e frutos é menor. No caso das plantações, esta é uma grande preocupação, e o homem freqüentemente corrige isto 25 acrescentando nutrientes e/ou alterando o pH do solo, o que pode disponibilizar melhor os nutrientes existentes no solo. Entretanto, no caso das vegetações naturais, o efeito basicamente se restringe a uma produtividade baixa. Uma floresta sobre solo rico difere estruturalmente muito pouco de uma floresta sobre solo pobre. Voltaremos a isto mais longamente adiante quando compararmos os ecossistemas amazônicos Sustentação e fixação Adaptações para a sustentação começaram na evolução das primeiras plantas terrestres, com o aparecimento do caule para elevar a altura das folhas e das raízes, que, além da função de absorção, tem a função de fixar e dar equilíbrio à planta. Especialmente em ambientes que tem o solo menos firme, como em baixios, várzeas e no mangue, algumas árvores e arbustos tem modificações para aumentar a estabilidade, como as raízes tabulares e raízes escoras. Algumas estratégias vegetais dependem de adaptações especiais para se fixar a outras plantas, como ocorre com as trepadeiras, para apoiar-se na planta hospedeira, e as epífitas, que precisam prender-se rapidamente durante a germinação nos troncos, evitando cair com o vento e a chuva. Oxigênio para as raízes O oxigênio está em abundância no ar, de forma que não falta para as folhas. Entretanto, nos locais em que o solo é encharcado, o oxigênio pode faltar para as raízes. Existe oxigênio na água, mas o problema é que em locais encharcados este oxigênio costuma se consumido por organismos do solo, especialmente bactérias. Sem oxigênio nas raízes, elas param de funcionar, e a planta não pode absorver água. Curiosamente, em alguns locais, como na floresta de várzea, é na época das enchentes que as árvores têm falta de água e perdem as suas folhas para economizar água. Entretanto, esta estratégia tem seus limites, e, abaixo de certo nível topográfico a duração da seca fisiológica é longa demais para permitir a existência de árvores. 26 No baixio e no mangue, onde o solo é encharcado, mas o nível da água sempre volta a baixar, são comuns raízes que emergem para fora do solo com aberturas para absorver o ar chamadas de pneumatóforos. Solos compactados podem restringir o crescimento vegetal pela dificuldade física no crescimento de raízes (especialmente na germinação de sementes). Entretanto, a redução na dimensão dos poros restringe também a quantidade de água e de oxigênio para as raízes. Estes fatores em conjunto tendem a ter um forte efeito sobre a vegetação. Isto é um problema especialmente em condições Defesa Plantas terrestres praticamente não se movem. De certa forma elas se movem de uma geração para outras, pois as sementes podem ir parar longe da planta mãe. Há plantas, como a Espada de São Jorge, que pode ir crescendo um rizoma em um sentido, e pode gradualmente ir mudando de posição. Mesmo considerando estas formas de mobilidade, permanece o fato que as plantas não podem fugir dos animais. Então, por que os animais (herbívoros) não comem logo todas as plantas? Esta pergunta parece ingênua, mas não é tão ingênua assim. Muitos animais comem partes da planta “oferecida” por ela, como néctar e frutos, mas isto é vantajoso para plantas (como veremos adiante). Nós comemos alface entre outras plantas, mas isto é o resultado de seleção artificial do homem. Nós tiramos as defesas destas plantas para consumi-las, tanto que precisamos de agrotóxicos para defendê-las. De forma geral, as plantas têm defesas, principalmente químicas, muito fortes, que tornam seu tecido tóxico para a maioria dos animais. Além das defesas químicas, o tecido vegetal é de difícil digestão, pois em cada célula tem uma parede celulósica que exige enzimas especiais para ser quebrada. Há outras defesas como espinhos, a altura das folhas, e animais mutualistas que as defendem, especialmente as formigas. A dispersão/espalhamento das sementes/esporos para longe das plantas-mães e o tempo de dormência (especialmente em espécies anuais) também dificultam a ação dos herbívoros (e de doenças). Se considerarmos os insetos, por exemplo, veremos que na maioria das ordens predominam os predadores e decompositores. As formigas saúvas são importantes destruidoras de plantas, entretanto, elas não comem diretamente as plantas, mas fungos que utilizam as folhas como substrato dentro do formigueiro. Portanto, vemos que o consumo de tecidos vivos de plantas é mais complexo do que parece. 27 O consumo de plantas exige adaptações dos herbívoros, que resulta em aumento da defesa das plantas, que por sua vez exige adaptações mais extremas dos herbívoros. Este processo chama-se co-evolução. Um herbívoro pode co-evoluir com uma ou algumas espécies de plantas, mas não pode co-evoluir com todas. Portanto, cada espécie de planta tem poucos animais capazes de consumi-la. Onde a diversidade das plantas é alta, os herbívoros terão certa dificuldade em encontrar alimento, e isto já é um fator a mais a limitar a herbivoria. Nem sempre a defesa é tão forte. As zebras, gnus e outros animais comem diariamente dezenas de quilos de capim na savana africana. Neste caso, a diversidade do capim é baixa, e não protege as plantas. Entretanto, há dois fatores importantes a limitar os herbívoros: os grandes predadores e a sazonalidade climática. A parte verde do capim tende a morrer todo ano durante a seca, obrigando estes herbívoros a migrar ou morrer de fome, e a vegetação pode se recuperar. A herbivoria é um fator importante dentro das diferentes estratégias vegetais. A defesa pode ter um custo elevado. A planta precisa investir também em crescimento da raiz, do contrário poderá faltar água ou nutrientes, em altura, para poder ter mais folhas, e em folhas, para fixar matéria e energia. Mas se não investir em defesa, poderá não ter mais as folhas, e morrerá. Este balanço de custobenefício depende da situação. Algumas plantas abdicam dos investimentos em defesa para ter um crescimento rápido e reproduzir em pouco tempo. Isto é comum em ambientes com situação favorável passageira, como em clareiras formadas dentro de florestas, ou para plantas de ciclo de vida curto em áreas inundáveis. Dentro da mata, plantas que crescem fora de clareiras normalmente têm sementes grandes, pois necessitarão da energia para a sua defesa e crescimento inicial durante a fase crítica em que são plântulas. Mistura Genética Cada organismo tem uma bagagem genética limitada, com falhas e inflexível. A bagagem genética da população é muito mais ampla e dinâmica. Muitos indivíduos podem morrer devido a uma doença nova, entretanto, se alguns tiverem em sua bagagem genética condições de resistir à doença, então a população sobrevivera. Quanto mais intensa for a troca genética, melhor a capacidade da população para resistir a mudanças ambientais. E não faltam mudanças ambientais quando consideramos tempo evolutivo. Doenças, novos inimigos naturais, novas oportunidades, e até a manutenção do patrimônio exigem mudanças constantes. A bagagem de um individuo basta para uma geração, mas clones deste individuo estariam predestinados à extinção. Portanto, as trocas genéticas são essenciais, e encontraremos adaptações importantes para otimizar as trocas genéticas das plantas. 28 Para termos uma dimensão da importância da mistura genética, considere o custo que uma árvore tem para se perpetuar em uma floresta primária. Nestas florestas, a composição de espécies é praticamente constante. Portanto, em média, uma arvore substitui uma outra arvore a cada geração. Considerando os milhares de sementes que uma arvore produz, a taxa de mortalidade é extremamente elevada. Os vegetais têm uma capacidade de reprodução vegetativa (assexual) bastante elevada. Para muitas plantas, basta plantar um galho e ele começa a brotar. A reprodução vegetativa teria vantagens imensas para uma árvore, que poderia fazer germinar a ponta de sua raiz e sustentar este novo individuo durante o seu desenvolvimento inicial, aumentando muito as suas chances de sobrevivência. Entretanto, nenhuma arvore de floresta, faz isto. Aparentemente, as vantagens da reprodução com troca genética, por mais alto que seja o seu custo, superam as vantagens da reprodução vegetativa. A mistura genética não depende apenas de reprodução sexual, isto é, da união de gametas de indivíduos diferentes. Uma mistura mais efetiva acontece quando indivíduos menos aparentados realizam esta mistura. Uma analogia pode deixar isto claro. Imagine pessoas que trocam receitas de bolo com vizinhos. Esta prática permitirá que cada casa melhore a qualidade de seus bolos gradualmente. Agora imagine que algumas pessoas trocam receitas de bolo pela internet com o mundo inteiro. As trocas com indivíduos distantes têm um potencial muito superior de melhoramento. As plantas não se deslocam depois que germinam, mas suas sementes (ou esporos) e gametas podem ser levados para longe das “plantas pai e mãe”. Nas plantas terrestres primitivas (musgos e samambaias), os gametas dependem de água para a fecundação e o deslocamento do gameta masculino (anterozóide) é muito restrita. Portanto a fecundação sempre ocorre muito próxima das duas plantas que produzem os gametas (masculinos e femininos). A mistura genética eficiente depende de estas duas plantas terem origem de locais distantes. Por isto, estas plantas têm um ciclo de vida dividido em duas partes. Após a fecundação, germinará um esporófito, que é uma planta que produz esporos (a samambaia é o esporófito). Os esporos são secos, podem ser levados para longe com o vento e germinam distante das plantas pai e mãe, formando as plantas que produzirão gametas. Desta forma, aumenta a chance de fecundação entre plantas de parentesco distante, e a mistura genética é melhor. Com o aparecimento dos grãos de pólen nas Gimnospermas, a fecundação deixou de depender de água. Isto foi importante para a conquista mais efetiva do ambiente terrestre. Entretanto, a polinização pelo vento contribui pouco para uma melhora na mistura genética, pois a fecundação tende a ocorrer entre as plantas mais próximas. A mistura genética efetiva ainda depende mais de mecanismos que levem os indivíduos a se afastarem da planta mãe, de forma que os indivíduos próximos estejam pouco próximos geneticamente. Este afastamento das plantas mãe chama-se dis29 persão. A dispersão também pode ser pelo vento (anemocoria), mas aqui começa a aparecer uma interação com animais. Animais que se alimentam de sementes podem perder algumas longe da planta mãe. O prejuízo de comer as sementes pode ser pequeno comparado com as vantagens de levar algumas sementes para bem longe da planta mãe. Posteriormente, evoluíram os frutos com um tecido nutritivo para a atração do animal. Desta forma, o animal deixou de comer (ou de digerir) a semente para realizar a dispersão. A dispersão por animais chama-se zoocoria. Uma grande revolução na história das plantas terrestres foi o aparecimento das flores e a polinização por animais. Para a polinização pelo vento, era necessário muito pólen para uma planta fecundar outra planta que estivesse a alguns metros de distância. Este pólen atraiu consumidores, especialmente besouros. Ao passar de uma planta para a outra, mesmo consumindo parte do pólen, os besouros facilitaram a troca genética com uma eficiência muito maior do que qualquer outro mecanismo anterior de mistura genética. Agora, com um gasto mínimo de pólen, ficou possível a mistura genética de plantas distantes dezenas de metros, e até quilômetros. Da mesma forma que aconteceu com os frutos, as plantas forneceram um alimento alternativo ao pólen para atrair os insetos: o néctar. A polinização mediada por animais foi um sucesso tão grande que mudou todos os ecossistemas tropicais e subtropicais em um tempo geológico muito curto. As Angiospermas praticamente levaram as Gimnospermas à extinção nos trópicos, e se diversificaram muito. Ao mesmo tempo, os insetos polinizadores também se diversificaram imensamente. Os biomas do mundo mudaram completamente. Há cerca de 40 milhões de anos, surgiu um grupo que também teve um sucesso enorme: as gramíneas. Este grupo especializou-se em áreas abertas com estações secas longas demais para árvores. Basicamente, as gramíneas têm um metabolismo que lhes dá maior resistência à seca e crescem seus caules sob o chão (rizoma). Na época seca, suas folhas morrem, mas o rizoma permanece vivo. Estas folhas secas ficam sujeitas a incêndios que podem matar outras ervas, mas o rizoma subterrâneo resiste. O sucesso foi tão grande que elas cobriram savanas e estepes. Curiosamente, a polinização destas plantas é pelo vento, o que parece um retrocesso evolutivo. Entretanto, se lembrarmos que as gramíneas cobrem as superfícies onde ocorrem, veremos que a polinização por insetos seria ineficiente para a mistura genética, pois 30 os insetos passariam pólen de uma planta para a vizinha. O vento pode fazer o mesmo com um gasto menor. No caso das gramíneas, a mistura genética entre indivíduos distantes é garantida pela dispersão. E quem realiza a dispersão das gramíneas de forma muito eficiente são as aves, que possibilitam misturas genéticas de quilômetros. Colonização A dispersão é importante na mistura genética das plantas, especialmente a dispersão de esporos para as plantas primitivas e para as plantas com polinização pelo vento no caso das Gimnospermas e algumas Angiospermas. Entretanto, a dispersão também é importante para defesa e para a colonização. Para a defesa das sementes e plântulas, pois perto da planta mãe é o local menos seguro para uma planta crescer. É ai que os predadores vão procurar alimento. A dispersão é importante para a colonização. A colonização deve ser vista em um sentido amplo. Pássaros podem levar sementes de capim para uma ilha distante. Coqueiros chegam à ilha pela água. Alguns habitats, como ilhas pequenas, praticamente só possuem estas espécies colonizadoras. Entretanto, de certa forma, uma clareira é parecida com uma ilha neste sentido. Os galhos novos de uma árvore grande também são como uma nova ilha para plantas epífitas. 31 Interação entre necessidades vegetais e as estratégias vegetais Didaticamente, separamos as necessidades das plantas acima: água, luz, nutrientes, sustentação, oxigênio para as raízes, defesa, mistura genética e colonização. Entretanto, na realidade todas as necessidades ocorrem ao mesmo tempo. Algumas destas necessidades estão relacionadas entre si. A relação mais óbvia é a de água com nutrientes. A falta de água não compromete apenas o balanço hídrico das plantas, mas restringe a captação dos nutrientes. Água, em excesso no solo também ser um problema por afetar a disponibilidade de oxigênio para as raízes. Todas as plantas têm estas necessidades, entretanto, em algumas situações estas necessidades não são um problema. Se o clima e o solo garantem um suprimento de água o ano todo, então a necessidade de água não é um problema. Entretanto, se há água o ano todo, então teremos uma floresta, e se há floresta, uma semente no solo terá de enfrentar a falta de luz. Se há pouca luz, então seu desenvolvimento será lento, e a chance de um predador de plântulas aparecer é grande, logo, é necessária uma defesa química eficiente, etc. Ou seja, está tudo relacionado. São muitos problemas a serem resolvidos, e a solução de um problema de uma necessidade pode levar a um problema em outra necessidade. Por isto, temos diferentes estratégias vegetais. Entendendo as diferentes estratégias vegetais estaremos a caminho de entender o funcionamento de todos os ecossistemas terrestres. 32 Estratégias Vegetais e Suas Relações com os Biomas. A mesma estratégia vegetal pode ser encontrada em vários biomas. Por exemplo, os cactos são muitos comuns na caatinga, entretanto, também ocorrem em copas de árvores na floresta tropical, pois no alto das árvores incide sol forte e existe um microclima muito seco. Para evitar ser repetitivo, serão abordadas as estratégias já dentro de uma abordagem contextualizada em biomas. A floresta tropical é a melhor referência para começarmos a apresentação das estratégias vegetais, devido à maior diversidade de estratégias que encontramos lá. Estratégias mais comuns na floresta tropical. Árvore do dossel: As “árvores do dossel” são as árvores de florestas tropicais que atingem a maturidade no dossel (o nível das copas das árvores mais altas). Incluímos também nesta categoria espécies emergentes, que ultrapassam o nível da maioria das árvores de dossel, como a Castanheira do Pará. São as rainhas dos vegetais. Água e luz não lhes faltam. Em solos férteis, podem produzir toneladas de frutos Em solos pobres produzem menos, mas são as maiores produtoras da floresta de qualquer forma, pois suas raízes se espalham sobre uma superfície muito grande. Entretanto, têm uma infância terrível. Antes de brotar, recebem uma herança da mãe: uma semente grande e cheia de reservas; e “dinheiro para o táxi”: um fruto suculento que atrairá os dispersores. Mesmo assim, muitas sementes não conseguirão pegar o táxi e serão atacadas antes de germinar por predadores de sementes, ou germinarão abaixo da planta mãe, mas serão consumidas em poucas semanas pelos predadores de plântulas. Longe da planta mãe, a semente germinará mais segura. Entretanto, a mata é escura, apenas cerca de 2% da luz que incide acima da mata chega ao solo. É pouco para fazer fotossíntese. Algumas plântulas crescem lentamente; outras praticamente param de crescer e aguardam a sorte de uma árvore ou um galho grande cair para aumentar a luminosidade e iniciar o crescimento. Se isto não acontecer, morrem na espera, pois sua resistência cai e são comidas. O conjunto de plântulas aguardando maior luminosidade é denominado “banco de plântulas”. As plantas que passaram por esta fase começam a encontrar condições de luminosidade melhores, mas ainda fracas, e o crescimento ainda é difícil. É importante aumentar a altura, pois, quanto mais alto, mais luz haverá. Por isto, as árvores jovens parecem varetas nesta fase, com um caule fino e comprido com folhas nas pontas e sem galhos embaixo. A madeira é leve, pois não há energia suficiente para construir uma madeira dura. A mortalidade ainda é alta nesta fase, pois a árvore jovem tem poucas folhas e é mais vulnerável ao ataque de herbívoros. Finalmente, a árvore começa a se aproximar da copa, a luz começa a aumentar e ela começa a se desenvolver mais. Neste momento, seus galhos terão de disputar com os galhos de outras árvores pela luz. Pode levar bastante tempo até que ela desenvolva uma copa grande. A partir daí, a árvore atinge a maturidade, mas ainda não consegue produzir muitas flores e frutos. Então, elas começam a desenvolver mais rapidamente as suas raízes, cobrindo uma área muito maior, principalmente próximo da superfície do solo, que é onde há mais 33 nutrientes. Seu tronco se alarga, sua copa se desenvolve. Muito poucas de suas irmãs sobreviveram, mas agora ela terá uma vida muito longa, e será a principal fonte de entrada de matéria e energia no seu ecossistema. Seu néctar, frutos e sementes alimentarão herbívoros. Alguns comerão suas folhas, mas suas defesas são fortes, e a maioria das folhas só será consumida pelos decompositores após serem descartadas. Na transição entre a floresta tropical e a savana, temos a floresta tropical semidecídua. Nesta floresta, a estação seca ainda é suficientemente curta para permitir a existência de uma floresta, mas há um estresse hídrico que é sentido especialmente pelas árvores mais altas (emergentes), que podem perder as suas folhas. Quanto maior a duração da seca, mais árvores perdem as folhas. Provavelmente, a mudança estrutural mais forte nestas florestas seja o aumento na quantidade de palmeiras e cipós, como discutiremos adiante. Árvores, arbustos e ervas de sub-bosque. grupo 1- baixa produtividade: Abaixo das copas das árvores de dossel, há árvores cujas copas não alcançam o dossel, e uma diversidade de plantas menores. Para simplificar, incluímos todas numa única categoria, entretanto, há algumas diferenças que precisam ser mencionadas, por isto as dividimos em dois grupos. A maioria destas plantas tem produtividade baixa. Assim como as árvores jovens, seu crescimento é lento devido ao escuro da mata. Diferente das árvores, estas plantas produzem flores e frutos sob baixa incidência de sol. Entretanto, sua produção é bastante limitada. Suas sementes são geralmente de tamanho médio. Grupo 2- produtividade alta (considerando-se o contexto). Algumas plantas de sub-bosque só germinam se há muita luz, normalmente devido à abertura de uma clareira, de um igarapé mais largo, ou de uma estrada. O conjunto de sementes de plantas que está no solo “aguardando” a eventualidade de aumento de luz é denominado “banco de sementes”. Estas plantas têm um desenvolvimento rápido e podem produzir uma quantidade significativa de frutos. Esta estratégia depende muito da sorte da semente cair em um lugar iluminado, pois isto, ao contrário das árvores, as sementes são pequenas, porque assim a planta pode produzir mais sementes e multiplicar suas chances de sucesso. Várias destas plantas são dispersas por morcegos, como as sementes de Embaúba e desta piperácea da foto. Seus frutos costumam ser compridos para facilitar sua localização por ecolocação, e podem ser verdes, como se vê nesta foto em preto e branco. 34 As trepadeiras Como vimos, as árvores têm uma juventude muito difícil. Não é fácil construir um tronco no escuro. A estratégia das trepadeiras é uma alternativa econômica. Apoiando-se nas árvores, elas podem chegar até as copas com um investimento muito menor. Em seguida, começam a crescer sobre a copa de várias árvores, seu tronco se alarga e começam a emitir raízes (cipós). Estes troncos grandes de trepadeiras são chamados lianas. Há muitas trepadeiras pequenas que não chegam até as copas. Algumas, como a Arácea Jibóia, crescem alguns metros e adquirem uma forma semelhante à de uma bromélia. Elas são chamadas hemi-epífitas. As trepadeiras que se desenvolvem sobre as copas das árvores podem crescer muito. Algumas florestas são chamadas de matas de cipó porque a quantidade destas plantas é tão grande que é difícil se deslocar dentro da mata. Estas matas de cipós são mais comuns nas áreas de floresta tropical semidecídua. Aparentemente, a maior abertura de dossel e menor altura das árvores neste tipo de floresta favorecem as trepadeiras. O prejuízo que causam às árvores é muito grande, e a estrutura destas florestas é bem diferente. O dossel torna-se irregular e coberto pelas trepadeiras, pois poucas árvores resistem a esta cobertura. As epífitas A falta de luz no solo da floresta é um problema sério para o desenvolvimento das plantas jovens. Entretanto, nem toda a floresta é escura. As epífitas são plantas que germinam suas sementes nas copas e se desenvolvem lá. Entretanto, a solução deste problema criou vários outros. O primeiro é o de a semente chegar até um galho. Orquídeas produzem milhares de sementes pequenas que são carregadas pelo vento. A grande maioria não cai em galhos e morrerá, mas algumas conseguirão chegar a um galho. É importante que isto ocorra numa época seca, pois sementes molhadas não podem ser levadas pelo vento e ao caírem em galhos podem ser retiradas dele pela chuva. Em seguida, precisam germinar e desenvolver o mais rápido possível uma raiz para se fixar. Um problema sério neste momento e ao longo da vida da orquídea é a falta de água. Embora esteja numa região de muita chuva, o tronco da árvore se resseca com o sol forte durante o dia. A orquídea resolve isto aproveitando a umidade da noite. Sua raiz exposta é capaz de absorver a água do ar e do orvalho, especialmente durante a noite, e esta água fica armaze35 nada em suas grossas folhas. Seu metabolismo é de um tipo especializado que permite uma economia de água. Outro problema é a falta de nutrientes. Nos galhos, normalmente não há um solo. Apenas em forquilhas de grandes árvores e ocasionalmente sobre troncos muito velhos se acumula matéria orgânica que serve como solo para as epífitas (como na foto), e então elas podem se desenvolver muito. Em geral, as orquídeas dependem dos nutrientes que escorrem pelo galho. Suas raízes também são ricas em micorrizas que auxiliam na captação de nutrientes. Embora as orquídeas estejam em um local iluminado, sua produtividade é baixa, devido à falta de água e de nutrientes. O resultado disto é que as orquídeas geralmente são pequenas e produzem poucas flores ao longo do ano. Como produzem poucas flores, estas flores tendem a ser muito vistosas, para facilitar o seu encontro pelos polinizadores. Como poucas plantas estarão produzindo flores, é necessário que a flor tenha duração de vários dias e que o polinizador seja muito específico, para que se desloque diretamente de uma flor de orquídea para outra flor de orquídea da mesma espécie. Portanto, as flores têm estruturas especializadas para evitar polinizadores de menor eficiência. O exemplo da orquídea ilustra bem o que dissemos antes: a solução de um problema pode levar à criação de outros problemas. Entretanto, estes outros problemas têm solução. E por isto a estratégia epífita é tão diferente das outras. As Bromélias das copas são epífitas que encontraram os mesmos problemas das orquídeas. A maioria das suas soluções foi parecida. Uma diferença está na forma de armazenas água. Suas folhas estão dispostas em forma de coroa, formando um reservatório de água. Este reservatório pode secar eventualmente, mas as suas folhas são relativamente resistentes à dessecação. A presença de cactos entre as epífitas pode surpreender algumas pessoas, pois é uma vegetação mais associada a ambientes semi-áridos. Entretanto, eles são comuns nas copas das árvores, pois o microclima lá é seco. Orquídeas, bromélias, cactos e a maioria das epífitas são comensais, isto é, não prejudicam a árvore sobre a qual cresceram. Existem epífitas que são parasitas. Por exemplo, a erva de passarinho consegue penetrar suas raízes dentro do tronco da planta hospedeira e retira água e sais minerais deste tecido. No início de suas vidas, encontram problemas semelhantes aos das orquídeas, entretanto, a sua dispersão é por pássaros que ingerem suas sementes e as depositam ao defecar sobre os troncos. A semente da erva de passarinho tem uma substância que a adere ao tronco, reduzindo sua chance de cair. Após desenvolverem as suas raízes de absorção, terão água, nutrientes e luz, e podem se desenvolver bastante, em alguns casos, a ponto de matar a planta hospedeira. Como absorvem água e nutrientes, ainda têm que fazer fotossíntese, por isto são chamadas de hemiparasitas. Outras epífitas desenvolveram um parasitismo ainda mais extremo. Suas raízes são capazes de absorver a seiva elaborada da planta hospedeira. A seiva elaborada é aquela que vem das folhas trazendo os produtos da fotossíntese para alimentar as raízes e o restante do corpo vegetal. As epífitas que absorvem esta seiva não são verdes porque não precisam fazer fotossíntese e são chamadas de holoparasitas. Algumas holoparasitas crescem sobre a copa, como 36 uma convolvulácea (gênero Cuscuta), chamada popularmente de “fios de ovos” porque sua cor é semelhante à de um doce feito com a gema do ovo. Outras crescem no interior do tronco das árvores hospedeiras, sua presença só é notada quando produzem as suas flores. Palmeiras da floresta As palmeiras são plantas que ocorrem tanto em ambientes abertos como em florestas. Costumam Desenvolver um tronco do tipo estipe, que geralmente não tem crescimento em largura. Entretanto, podem ser bastante altas. Geralmente são sensíveis à falta de água, provavelmente devido às suas folhas muito grandes. Palmeiras como o Buriti são indicadoras de locais com solos hidromórficos e possuem pneumatóforos para resistir ao excesso de umidade. São comuns dentro da floresta, incluindo algumas espécies de sub-bosque e outras de dossel. Muitas espécies de floresta têm caule subterrâneo, como a Inajá e a Attalea. A abundância de espécies com caules subterrâneos possivelmente esteja relacionada ao fato que a disposição de suas folhas enormes acaba por formar um grande funil coletor das folhas das copas das árvores, determinando um acúmulo de nutrientes à sua volta. Outras estratégias vegetais na floresta tropical Há outras estratégias menos comuns na floresta. O Mata-pau ou apuí é uma estratégia que evoluiu apenas em dois gêneros de plantas (Ficus e Clusia), entretanto, é uma estratégia que pode ser considerada importante, pois estas árvores são relativamente abundantes na floresta tropical. A planta nasce como uma epífita, na copa das árvores, onde há bastante luz. Entretanto, diferente das epífitas, sua raiz cresce até atingir o solo. Ao chegar neste estágio, a planta tem a luz das copas e a água e os nutrientes do chão, e começa a desenvolver mais esta raiz, que começa a cobrir o tronco da hospedeira. Sua raiz não tem a capacidade de apertar o tronco da hospedeira, entretanto, ela termina por morrer porque não pode impedir o desenvolvimento natural do seu tronco, comprimindo os vasos que levam seiva. Plantas do jardim de formigas. A quantidade de formigas em uma floresta é muito grande. Aparentemente, a competição entre elas acaba por restringir os bons locais para construção de formigueiros. Algumas formigas resolveram isto levando solo para cima de galhos para construção do seu formigueiro. Entretanto, o excesso de chuvas dificulta a manutenção destes formigueiros. Para evitar que o formigueiro se desfaça com a chuva, elas trazem sementes de determinadas espécies de plantas e as protegem de herbívoros. Assim, elas se desenvolvem nesta terra, e sua raiz retira o excesso de umidade e fornece uma estrutura firme que retêm a terra. Estas plantas apenas são encontradas nestes locais. 37 As Holoparasitas de raízes. Nem todas as holoparasitas são epífitas. A maior flor simples do mundo pertence a uma holoparasita de raízes, Rafflesia arnoldii, da Indonésia, que se desenvolve dentro da raiz de uma trepadeira. Algumas parasitas de raízes sequer entram em contato direto com as suas hospedeiras e produzem flores bem pequenas. Suas raízes são parasitas de fungos de micorrizas, que são mutualistas de árvores. Micorrizas são associações entre fungos e plantas, na qual o fungo recebe alimento da planta e a planta recebe nutrientes do solo que os fungos tem maior capacidade de absorver. Praticamente todas as plantas fazem estas associações, mas as árvores em especial, especialmente se o solo for pobre. As plantas holoparasitas de micorrizas se associam ao fungo, mas ao invés de fornecer alimento, retiram o alimento que o fungo obteve de outra planta. Não é uma estratégia muito comum, entretanto, vale a pena ser citada para verificarmos que existem possibilidades de estratégias vegetais bem diferentes das mais comuns. Estratégias mais comuns na savana. Árvores e arbustos de savana aberta. As savanas geralmente possuem árvores próximas dos cursos de água. Nestes locais, o lenço freático está próximo da superfície, de forma que a disponibilidade de água ao longo do ano todo permite a ocorrência de árvores. Em vertentes de morros também pode haver disponibilidade de água em alguns pontos que permitem a existência de água suficiente. Fora desta situação, a existência de árvores é possível em savanas, mas depende da profundidade do lençol freático, e poucas árvores e arbustos sobrevivem à seca por tempo suficiente para suas raízes chegarem à profundidade necessária. Portanto, não ocorre a formação de um dossel, as árvores e arbustos ficam esparsos. As árvores de savanas são diferentes das árvores de dossel da floresta tropical. Suas raízes são profundas, porque seu fator limitante é água. O mesmo ocorre com os arbustos. Na maioria das savanas, predominam os arbustos, e as árvores são muito baixas. Costumam ter copas baixas, isto é, ramos deste a base. A savana africana um pouco é diferente. Lá há mais árvores altas com copas altas devido à abundância de herbívoros que atacam os ramos mais baixos. Devido à abundância de capim que seca na época sem chuvas, a ocorrência de fogo é relativamente comum neste bioma. Entretanto, é um fogo que passa rapidamente. Por isto, os arbustos costu38 mam ter cortiças grossas ao redor do tronco, que é uma defesa que costuma ser suficiente contra o fogo. O fogo costuma matar gemas apicais, e gemas laterais brotam após o fogo. Este é um dos motivos destes arbustos terem uma aparência contorcida. É comum encontrarmos arbustos com folhas bastante duras. Isto é chamado de escleromorfismo. Esta é uma adaptação para prolongar bastante a vida útil de uma folha, tornando-a mais resistente à herbivoria e ao desgaste mecânico. Na savana, a produtividade dos arbustos costuma ser baixa, especialmente na época seca para as plantas que não atingem o lençol freático, por isto, é difícil produzir folhas novas. Embora estas folhas não sejam tão eficientes como folhas novas trocadas constantemente, esta estratégia é mais efetiva quando é necessária uma a economia de nutrientes. Capim. O capim dificilmente cresce embaixo de árvores porque precisa de bastante luz. Entretanto, na savana, e nos outros biomas abertos, o espaço entre as árvores freqüentemente é amplo. Geralmente possuem um rizoma subterrâneo que resiste à seca e ao fogo, e em alguns lugares, suporta bastante frio. Entretanto, o capim precisa também de uma estação de chuvas para crescer e recuperar suas reservas. Por isto, há pouco capim em regiões semi-áridas, e menos ainda em desertos. O capim e outras gramíneas e ciperáceas costumam ser a estratégia de maior produtividade vegetal na savana e na estepe, sustentando até uma biomassa enorme de herbívoros. Entretanto, não vamos superestimas esta produtividade, é bom lembrar que estes herbívoros migram devido à seca ou ao frio. Ervas anuais. Algumas plantas têm um ciclo de vida curto, devido a uma forte seca sazonal (como nas savanas) ou ao frio sazonal (como nas estepes e nas tundras). Na época favorável elas germinam, crescem, produzem flores e sementes e morrem. As sementes ficam em um banco de sementes aguardando a próxima época favorável. Em alguns desertos o intervalo supera um ano. Após anos, basta uma chuva forte para as plantas germinarem e completarem todo o ciclo em poucas semanas. Na tundra, esta é a vegetação predominante. Vegetação do semi-árido ao deserto. Em locais onde chove pouco o ano todo, como na caatinga, o lençol freático está inatingível em quase toda a área. Em poucos lugares ele pode ser alcançado pelas raízes de árvores. Dependendo da quantidade de chuvas, pode haver uma espécie de mata baixa de arbustos com espinhos e folhas pequenas, passando por locais mais secos, onde encontramos praticamente apenas cactos (ou semelhantes) e pequenas plantas com espinhos e folhas pequenas, e finalmente os desertos mais secos onde não há nenhuma forma de vegetação. Ocasionalmente, encontramos alguns arbustos com folhas maiores e duras (escleromorfismo). As folhas pequenas e alongadas bem próximas ao caule tendem a sobre aquecer menos que folhas largas e grandes, pois tem proporcionalmente maior superfície de perda de calor. Freqüentemente, estas folhas são carnosas, isto é, acumulam 39 reservas de água. A foto ao lado é de uma euforbiácea adaptada a regiões secas. Freqüentemente, elas nem tem estas folhas. Os cactos e semelhantes levaram a estratégia da economia de água ao extremo, pois suas folhas se reduziram a espinhos, e a superfície fotossintética passou a ser o caule. Adicionalmente, este caule possui uma capacidade de acumular muita água. Os espinhos são uma estratégia de defesa contra herbívoros mais comum neste bioma do que nos outros. Provavelmente, o impacto da herbívora neste bioma seja mais alto do que em outros, dada a dificuldade da planta em se recuperar. Vegetação de climas temperados O frio influi na fisiologia das plantas de formas diferentes dependendo da sua intensidade. Se a temperatura não for inferior a zero grau, praticamente o único efeito será uma redução na velocidade das reações químicas. O efeito neste caso é muito pequeno, e a planta volta ao normal quando a temperatura voltar a subir. Nesta situação, provavelmente o efeito maior deste inverno brando seja apenas a redução da atividade de insetos prejudicando a polinização. Se a temperatura chegar a poucos graus abaixo de zero por pouco tempo, poderá haver formação de cristais de gelo que destroem tecidos vegetais (geada). Algumas plantas resistem à geada porque possuem substâncias inibidoras da formação de gelo. Existe uma diferença significativa na composição de espécies de plantas poucos graus acima e abaixo da faixa onde ocorrem geadas. Se a temperatura for inferior a zero por alguns meses, então haverá seca fisiológica, pois a água congelará, e, ainda que haja água no solo, a temperatura será muito baixa para o metabolismo radicular. A maioria das árvores descarta as suas folhas e hibernam, aguardando a primavera para brotar novas folhas e flores. Se a temperatura for inferior a zero por vários meses, então o tempo favorável é mais curto. Possivelmente seja esta a causa das Gimnospermas serem as espécies predominantes nesta situação, pois elas não descartam as suas folhas no inverno, e estão prontas para produzir novamente quando a temperatura voltar a subir. Existem algumas regiões temperadas entre as latitudes 30 e 45 nas quais o verão é a época mais seca (clima mediterrânico). Portanto, a vegetação terá dificuldade em absorver água no inverno por causa do frio e no verão por causa da seca. Neste caso, temos algumas características semelhantes ao semi-árido. É uma vegetação arbustiva baixa e espinhosa. 40 6. ECOSSISTEMAS AMAZÔNICOS DE TERRA FIRME. A divisão de ecossistemas que vamos adotar vai seguir aproximadamente a divisão de tipos de vegetação da Amazônia proposta por Pires e Prance em 1985. Em primeiro lugar vamos dividir os ecossistemas em dois tipos: a) os que são de terra firme, e b) os que são inundáveis periodicamente por rios. Os ecossistemas inundáveis serão tratados no próximo capítulo. Há diferenças de ecossistemas de terra firme relacionadas com a transição do ecossistema de floresta tropical úmida para savana (escala amazônica), e diferenças relacionadas com características locais, como posição topográfica e tipo de solo (escala local). As diferenças relacionadas à escala amazônica já foram abordadas na introdução sobre biomas, temos a florestas tropical úmida, a floresta tropical semidecíduas e a savana (regionalmente denominada cerrado). Nos mapas da distribuição do bioma Floresta Tropical Úmida Amazônica encontramos os ecossistemas: a) Floresta Tropical Úmida de Terra Firme Sobre Solos Argilosos, que denominaremos “Floresta Densa”, b) Floresta Tropical Úmida de Terra Firme Sobre Solos Arenosos, ou Campinarana; c) Floresta Tropical Úmida Sobre Solos Hidromórficos ou Floresta de Baixio; d) Formação Arbustiva sobre Solos Arenosos ou Campina. As abordagens mais superficiais deste bioma normalmente descrevem apenas o primeiro como se estivessem se referindo ao bioma todo. Entretanto, os outros três ecossistemas são bastante diferentes e representam uma área significativa. Estes quatro ecossistemas costumam coexistir lado a lado em proporções que variam entre regiões. Na maior parte da Amazônia predomina o primeiro ecossistema, entretanto, na região de terra firme da bacia do Rio Negro predominam as campinaranas. Floresta Densa. A “Floresta Densa” típica é encontrada em áreas planas com solos argilosos e estação seca inexistente ou curta. A ausência da seca, a drenagem boa (isto é, a água não se acumula prejudicando as raízes), e o solo argiloso, que retêm água e nutrientes, determinam que a estratégia vegetal mais favorecida seja a de árvores altas e sempre verdes. Entretanto, há condições de microclima para muitas outras estratégias, como foi descrito no capítulo 5. O resultado é uma floresta muito exuberante. Muitos livros sugerem que a existência desta floresta exuberante é possível devido à eficiente ciclagem de nutrientes. Estes livros estão invertendo causa e conseqüência: 1) A distribuição de florestas está claramente relacionada com a disponibilidade de água. Isto pode ser visto tanto em escala global (os biomas florestais ocorrem em climas mais úmidos), como em escala regional (em savanas encontramos matas próximo aos riachos). 2) A água é um elemento limitante para a existência de árvores, os nutrientes apenas em casos extremos que nunca ocorrem em solos argilosos bem drenados. Como já vimos, na periferia da floresta tropical úmida há uma floresta semidecíduas. As árvores são obrigadas a perder suas folhas para economizar água. A estrutura de uma floresta sobre solo argiloso rico é, no mínimo, difícil de se distinguir de uma floresta sobre solo argiloso pobre. A produtividade da primeira é certamente maior, as árvores certamente chegam à idade adulta mais cedo e produzem mais frutos, entretanto, o tamanho das árvores adultas é o mesmo. 3) A Flores41 ta Densa está muito longe do mínimo necessário de nutrientes para haver uma floresta. Veremos adiante que a situação na Campinarana e nos Igapós é muito pior, e mesmo assim são também ecossistemas florestais. 4) Quem tem planta em casa sabe que elas morrem sem água, entretanto, muito raramente é necessário se acrescentar nutrientes. É evidente que a causa da floresta ser exuberante é a abundância de água regularmente o ano inteiro. Estes livros estão certos em uma coisa, a ciclagem de nutrientes na Floresta Densa é eficiente. Entretanto, isto é uma conseqüência adicional da disponibilidade regular de água. Em primeiro lugar, ao contrário dos outros biomas, as raízes das Florestas Densas não precisam ser profundas, pois há água próximo da superfície o ano todo. As raízes não precisam ser profundas. Em segundo lugar, dizer que os nutrientes não são vitais para a exuberância da floresta não é o mesmo de dizer que não existe uma pressão seletiva forte para uma busca eficiente dos nutrientes. Os nutrientes efetivamente influem na produtividade da floresta. Quanto mais uma árvore for eficiente para obter nutrientes, mais frutos ela produzirá, e maior a chance dela perpetuar seus genes. Esta eficiência resulta de raízes superficiais que cobrem uma área muito grande e com associações com micorrizas. As raízes são superficiais porque na floresta a concentração de nutrientes é significativamente maior próximo da superfície, onde há uma camada de serapilheira em decomposição. As micorrizas já foram citadas anteriormente, são associações com fungos que permitem uma absorção maior de alguns tipos de nutrientes. As raízes são superficiais, mas normalmente estão dentro do solo, veremos na Campinarana uma situação ainda mais extrema. O elemento central do ecossistema da Floresta Densa é a árvore de dossel. A árvore de dossel dá estrutura para a floresta. Suas copas amplas captam energia e suas raízes a água e o nutriente que alimenta o ecossistema. A maior parte do fluxo de matéria e energia da biomassa produzida por uma árvore vem do consumo dos frutos e sementes e da decomposição de suas folhas mortas e do tronco, quando ela morre. As árvores gastam parte significativa do que fixam de carbono na construção de seus troncos e raízes imensos, e este material deixa de circular no ecossistema até a árvore morrer. Por isto, a floresta primária 42 (original) não é um ecossistema tão produtivo como uma floresta secundária (ou capoeira). (Obs. Cuidado para não confundir produtividade vegetal com importância.) Suas copas amplas fornecem apoio para o crescimento de trepadeiras e epífitas e tornam escuro e úmido o ambiente abaixo dela. Devido à limitação de luz, o subbosque da Floresta Densa é bastante aberto, exceto em áreas de clareiras com vegetação em crescimento. É a floresta com a maior biodiversidade do planeta. As causas para explicar esta biodiversidade são polêmicas. Alguns sustentam que nos trópicos o clima variou menos que próximo aos pólos. Principalmente na época das glaciações, muitas espécies foram extintas com as mudanças climáticas. Embora tenha havido também mudanças climáticas nos trópicos, que teriam ficado mais secos, certamente houve lugares, principalmente próximo a grandes rios, que teriam servido como “refúgios” para as espécies de florestas. Outros autores sugerem que estes refúgios não teriam apenas preservado a diversidade, como também ampliado o número de espécies por propiciar isolamento reprodutivo. Curiosamente, o papel da polinização por animais sobre a diversidade tropical é pouco mencionado. O clima tropical é mais favorável para polinizadores como insetos, morcegos e beija-flores. A polinização por animais permite a existência de espécies com indivíduos dispersos pelo ambiente. Sem ela, plantas como orquídeas não poderiam existir. Como discutimos no capítulo 2, a polinização por animais permitiu a diversificação das Angiospermas. É razoável se esperar que onde a abundância e diversidade de polinizadores sejam maiores haja uma facilitação na diversificação das plantas. A floresta de Baixio No capítulo 3, vimos uma representação topográfica de uma área de terra firme. O baixio normalmente é uma superfície relativamente plana dentro da qual encontramos o igarapé. O solo é arenoso, porque ao longo de muito tempo a água da bacia hidrográfica local lentamente vai retirando a argila contida nele. O lençol freático está próximo da superfície e aflora no igarapé, entretanto, o solo não está completamente encharcado o tempo todo, especialmente nas áreas mais próximas à vertente. Isto significa que nem todas as plantas necessitam de resistência ao solo permanente encharcado. Entretanto, especialmente próximo do igarapé, estas adaptações são necessárias. A planta mais representativa dos igarapés é a palmeira Buriti, com seus abundantes pneumatóforos. O solo arenoso é menos estável que o solo argiloso, por isto, as raízes escora e tabulares são comuns neste ecossistema. O solo arenoso é extremamente pobre em nutrientes. Neste caso, a abundância de nutrientes pode ser um dos fatores para explicar a menor altura desta floresta 43 comparada à Floresta Densa. Entretanto, aparentemente em locais mais encharcados do baixio a altura das árvores é menor. Portanto, novamente a causa poderia estresse hídrico, mas pelo excesso de água. Em boa parte do baixio, as raízes estão acima do solo arenoso, formando um tapete de raízes misturado com o material vegetal em decomposição. Apesar de o solo ser muito pobre em nutrientes, a disponibilidade constante de água permite uma decomposição mais rápida e uma absorção mais constante dos nutrientes. Portanto, é uma situação menos extrema de falta de nutrientes que na Campinarana. Prova disto é o Buriti, que pode produzir uma quantidade grande de frutos anualmente. Apesar da altura e diversidade menor, não se pode dizer que a floresta de baixio seja menos “exuberante” que a Floresta Densa. Devido à alta umidade, a quantidade de epífitas é bastante grande. A Campinarana e Campina Os solos argilosos normalmente mantêm as suas características sob a floresta. Entretanto, em baixios e vertentes, devido ao deslocamento lateral da água, o solo pode se tornar arenoso. É um processo que pode demorar, mas uma vez arenoso, ele tende a se manter desta forma. Em alguns lugares, o solo pode ser arenoso devido à formação deste solo pela decomposição de uma rocha arenosa, ou porque havia é uma área que foi igapó no passado. Por isto, geralmente encontramos solos arenosos ou argilosos, os solos intermediários são mais raros. A Campinarana é a vegetação florestal que ocorre nestes solos arenosos não hidromórficos. Trata-se de uma vegetação excepcional. Na maioria dos locais em que há um solo arenoso, há pouca ou nenhuma vegetação, entretanto, aqui encontramos uma floresta. A altura é variável, entretanto, em muitos locais não é muito menor que a Floresta Densa. Provavelmente, devido à quantidade de nutrientes bem menor, a camada de copas é bem mais aberta, e penetra mais luz. Como penetra mais luz, a mortalidade das plantas jovens é menor. Como na Floresta Densa, as plantas jovens são finas e compridas na busca de luz, entretanto, o número destas plantas no subbosque é bem maior. Acima do solo há uma espessa camada de raízes, pois a quantidade de nutrientes no solo arenoso é mínima, entretanto acima deste solo há nutriente da decomposição das folhas da floresta. 44 Outra vegetação destes solos arenosos é a Campina. Trata-se de uma vegetação arbustiva com solo exposto entre os arbustos. Próximo aos arbustos, devido a um microclima um pouco menos quente, algumas ervas crescem, formando moitas. Muitos arbustos têm folhas escleromórficas, que é uma adaptação para economia de nutrientes, pois leva ao aumento da duração da vida da folha. Não há uma camada de raízes formando um tapete como na Campinarana. São duas vegetações muito diferentes, especialmente considerando-se que estão sobre o mesmo tipo de solo e mesmo clima. O solo arenoso não hidromórfico tem dois problemas, ele tem baixa capacidade de reter água e de reter nutrientes. As áreas de Campina normalmente estão em uma posição topográfica mais alta que as de Campinarana. Entretanto, a Campina pode estar em uma posição topográfica mais baixa se houver uma rocha abaixo dela. Isto mostra que a diferença destas duas vegetações é que a primeira não pode aproveitar água do lençol freático, e a segunda sim. A Campina, portanto, é uma vegetação que depende totalmente da água de chuva que pode absorver durante o curto tempo em que o solo está úmido. Entretanto, não é uma situação tão grave, pois chove quase o ano todo. A altura das árvores da campinarana é menor quanto mais alta for a sua posição topográfica. Isto ocorre porque quanto mais profundo for o lençol freático, maior será a distância da água para a copa, dificultando o transporte da água até as folhas. A Savana Amazônica Já vimos as principais características das savanas no capítulo 1 e 5. Trata-se de uma vegetação tropical aberta onde há predomínio de capim, outras gramíneas mais baixas, ciperáceas e uma quantidade de arbustos variável. Este capim cresce na estação das chuvas e depois seca, podendo causar fogo. Os arbustos têm adaptações contra o fogo como cortiças grossas. Muitos arbustos têm raízes profundas, para resistir à seca. São comuns plantas com folhas escleromorfas, o que indica que economizam nutriente retendo as folhas. O solo costuma ser pobre, especialmente devido ao pH, que torna alguns nutrientes mais difíceis de serem absorvidos. Embora a fertilidade do solo seja comparável à fertilidade de vários solos de Florestas Densa, a situação de nutrientes é mais grave. No cerrado, não existe a camada de matéria em decomposição perto da superfície. Ainda que haja alguma matéria em decomposição na superfície, as raízes precisam ir para o fundo do solo devido à falta de água. 45 Esta vegetação ocorre em função de uma estação seca que tem uma duração muito longa para a existência de uma floresta. Partindo-se de Manaus em direção a Brasília, a duração da época seca aumenta gradualmente, e isto explicaria a transição de uma Floresta Densa para uma Floresta Semi-Descídua e depois uma savana. Entretanto, como explicar a existência de manchas de savana dentro da Amazônia. Para alguns autores, estas manchas são um resquício de épocas mais secas do passado. Entretanto, pode se questionar se o tempo necessário para o retorno à vegetação de Floresta Densa não está longo demais. Uma capoeira pode se transformar em uma floresta muito semelhante a uma floresta primária em uma centena de anos, e a última glaciação já passou há muitos séculos. Provavelmente há fatores que estão contribuindo para a permanência deste tipo de vegetação nos locais onde elas se encontram. Em alguns casos, como no caso da Savana de Roraima, podemos dizer que se trata de uma área externa ao Bioma da Floresta Tropical Úmida. Entretanto, em Alter-doChão, próximo de Santarém no Pará, há algumas manchas de savanas rodeadas por florestas. Estas manchas não parecem estar retrocedendo. O clima ai tem uma estação seca relativamente longa, mas as florestas ao redor mostram que a seca não é suficiente longa para impedir o estabelecimento de árvores. A resposta está no solo. Nesta área, onde há solo arenoso encontramos cerrado, onde há solo argiloso encontramos florestas. Aparentemente, o solo arenoso, por não reter bem a água, tem um efeito semelhante a uma ampliação da época seca, impedindo o retorno da floresta. 46 7. ECOSSISTEMAS PERIODICAMENTE INUNDÁVEIS A várzea. O termo várzea refere-se a um terreno baixo mais ou menos plano que se encontra junto às margens de rios. Na Amazônia, este termo ganha um significado especial, pois, dadas as dimensões dos rios e a altura a que sobem as águas com as enchentes, formam-se imensas áreas de várzea, de até 100 km de largura, com lagos, campos inundáveis, “restingas” e florestas periodicamente inundáveis. Estas regiões planas enormes se formam pela deposição de sedimentos carregados por rios de água branca. Por isto, na Amazônia, "Várzea" é um termo mais utilizado para designar o ecossistema das grandes regiões inundadas por rios de água branca. A região inundável por rios de águas pretas ou claras costuma possuir florestas denominadas “Igapós”, que acabou por servir também de denominação para o ecossistema inundável por estas águas. Como vimos nas aulas de hidrologia, o entorno dos rios de água branca é muito mais complexo do que o entorno de rios de água preta ou clara. Nestes últimos, basicamente temos um rio e suas margens, eventualmente encontramos conjuntos de ilhas, e os lagos são relativamente pouco comuns. Na várzea, os sedimentos trazidos pela água moldam uma planície cheia de lagos de tipos diversos, "paranás", "furos", e ilhas, além do fato que as margens e ilhas estão em um processo dinâmico de queda e reconstrução. Esquema de uma área de várzea. A existência de tantos habitats é resultado da deposição dos sedimentos do rio de água branca. O elemento fundamental para falar do ecossistema "Várzea Amazônica" é o regime de cheias e vazantes dos rios. Todos os processos e interações entre espécies são fortemente influenciados por este fenômeno. Pode se dizer que o ecossistema de várzea é resultante da interação intensa entre um rio de água branca, os lagos e as áreas terrestres inundáveis. Se não houvesse enchentes, não existiria a várzea, ha47 veria apenas ecossistemas aquáticos e ecossistemas terrestres com interação muito menor. Vejamos como se dá esta interação. Com a enchente, as águas do rio invadem lagos, locais com vegetação baixa e até florestas. A correnteza do rio vai variar, e ele receberá maior carga de sedimentos das margens em certas épocas do ano que em outras. Entretanto, comparado às áreas inundáveis, As mudanças no rio em si são muito menores do que nos ecossistemas que ele inunda, pois continua sendo basicamente um canal de água barrenta com certa correnteza. Por outro lado, a fauna do rio muda. Há períodos (curtos) em que a pesca no rio é farta e períodos (longos) em que é mais difícil pescar. Para ilustrar as mudanças na fauna, vamos falar de peixes, mas isto vale também para outros animais. A fauna encontrada nos rios muda ao longo do ano principalmente devido às mudanças dramáticas que ocorrem nas áreas inundadas. Para a maioria das espécies de peixes, os lagos são ambientes muito mais favoráveis do Rio Solimões em um período intermediário que os turvos rios de água branca. entre os picos da cheia e da vazante. Lá existe mais alimento e proteção, e eles não têm de lutar muito contra a correnteza para se deslocar. Entretanto, quando as águas baixam, diminui a quantidade de alimento, os predadores se concentram, e o lago pode até secar, de forma que muitas espécies abandonam os lagos. Outra razão para abandonar os lagos é a dispersão, e o conseqüente aumento da mistura genética, que é algo favorável para cada espécie. Portanto, o rio é apenas uma estrada para a maioria dos peixes da várzea. Os lagos de várzea variam bastante entre si em função da sua posição topográfica e da profundidade. Em alguns casos, toda a água do lago veio do rio, durante a enchente. Em outros, a água do lago vem principalmente de igarapés da terra firme, e há pouca entrada de água do rio apenas no auge da enchente. (aqueles lagos que não recebem nenhuma contribuição de água das enchentes devem ser considerados lagos de terra firme.) Em geral, a entrada de água das enchentes é grande. Há até Lago de várzea com floresta inundada na regiões em que o nível de água sobe cheia. tanto que liga todos os lagos de uma área em um enorme lago que inclui florestas dentro dele. 48 Os sedimentos carregados pelos rios de água branca são ricos em nutrientes minerais. Entretanto, a produtividade de rios de água branca em si é baixa, pois a luz do sol não consegue penetrar na água barrenta, de forma que a fotossíntese é quase nula. Por outro lado, nos lagos os sedimentos vão para o fundo, permitindo a penetração da luz do sol, e os nutrientes ficam na água, de forma que ocorre bastante fotossíntese por algas. Além disto, há muita entrada de nutrientes da decomposição de matéria orgânica das margens, tanto do capim como da floresta. Na várzea há um intenso desenvolvimento de plantas aquáticas, como a Vitória Amazônica, aguapés, e alguns tipos de capim adaptados à enchente. Parte desta flora serve de alimento para alguns animais, como o peixe-boi, e também enriquece o ambiente com matéria orgânica quando se decompõe. A floresta inundável contribui com a decomposição de galhos, folhas e flores e com o importante aporte de frutos. Nas áreas que secam na época da vazante, geralmente desenvolve-se uma vegetação terrestre. O que encontramos depende muito da topografia. As áreas mais baixas que secam ficam sob a água mais tempo, e em alguns lugares encontramos apenas o capim flutuante que morre com a seca. Em áreas mais altas, que ficam poucos meses sob a água, encontramos grandes árvores. Em posições intermediárias encontramos diferentes vegetações mais baixas e abertas que resistem à inundação, ou que brotam na época mais seca e reproduzem-se antes da chegada das águas. As árvores não resistem a longos períodos de inundação porque o solo encharcado perde o oxigênio necessário ao metabolismo das raízes. Paradoxalmente, em solo encharcado as árvores Vegetação crescendo em área de várzea que fisofrem de falta de água, pois cou sob a água . suas raízes estão incapazes de absorvê-la. Muitas árvores da várzea perdem suas folhas durante a enchente. Possivelmente perdem as folhas devido à falta de água (sofrendo com a "seca" fisiológica), ou como forma de economizar água, pois reduzem a superfície de transpiração ("prevenindo-se" contra ela). As enchentes, que são catástrofes em locais onde elas são incomuns, são parte do funcionamento deste ecossistema. Os sedimentos trazidos pela água fertilizam o solo das áreas inundáveis. As águas irrigam o solo, levam sementes, e distribuem matéria orgânica nestas áreas, mas também asfixiam o solo, matam plantas (especialmente as plântulas), e acabam estabelecendo que apenas espécies adaptadas ao fenômeno persistirão ai. A vegetação inundada oferece alimento aos peixes e a outros animais aquáticos, principalmente frutos e inseto que ficaram presos por causa da enchente. Também oferece refúgio, que é especialmente importante para os alevinos (filhotes dos peixes) de muitas espécies. A cheia é uma época de engorda 49 e de procriação. Entretanto, o que era uma oportunidade para os peixes na cheia torna-se um risco na vazante. Na vazante, muitos peixes e outros animais aquáticos ficam presos em lagos temporários e tornam-se alimento para jacarés e ariranhas, predadores da terra firme, como as onças, e para aves, como gaivotas, garças e mergulhões, ou simplesmente morrem pela falta da água, tornando-se alimento para carniceiros, como os urubus e os lagartos teiú. Esta fase também atrai herbívoros terrestres ou semi aquáticos, como veados e capivaras, que se alimentam da vegetação que está brotando. É por isto que as espécies que vivem na várzea têm seus ciclos fortemente relacionados com a variação no nível das águas. Interior de uma mata inundável no período da vazante. Notar o sub-bosque aberto e a quantidade alta de plântulas no chão. Poucas delas sobreviverão aos herbívoros e às enchetes. A produtividade da várzea é muito alta devido à riqueza de nutrientes e à interação entre os ambientes. Se a água não baixasse a vegetação terrestre não sobreviveria, teríamos apenas um lago, cuja produtividade seria menor. Se a água não subisse, teríamos uma mata de terra firme, cuja produtividade é limitada pela baixa fertilidade do solo. A interação entre estes ecossistemas também possibilita aos animais que migrem entre os ambientes para tirar o máximo de proveito de cada um deles. A alta produtividade e a diversidade de habitats podem ser importantes para determinar a alta diversidade de peixes neste ecossistema. Entretanto, a questão da biodiversidade não é tão simples; veremos por que na apostila sobre igapó. Esta descrição de várzea lembra bastante o que encontramos no Pantanal do Mato Grosso, onde há também este regime de cheias e vazantes, e onde predominam áreas abertas. Entretanto, nem todas as áreas de várzea são tão abertas. Em rios de água branca de menor porte, a superfície inundável é menor, a quantidade de lagos é menor e predominam as florestas inundáveis. A área de floresta inundável ainda é muito grande, e acaba funcionando como um lago, com a diferença que não recebe muita luz do sol e tem menor quantidade de plantas aquáticas. A amplitude da cheia também varia ao longo do Rio Amazonas, sendo a máxima no alto Solimões, e diminuindo em direção a Belém. No alto Amazonas há menor predominância de áreas abertas, as áreas inundáveis são basicamente florestas. 50 Outro fenômeno importante que ocorre na Amazônia, especialmente em áreas mais ao sul, como em Rondônia e Mato Grosso, é a ocasional mortandade de peixes devido à friagem. A friagem ocorre entre maio e julho, quando uma frente fria vinda do sul atinge a Amazônia. Os lagos tem uma estratificação térmica, isto é, são mais quentes na superfície do que no fundo. Isto faz com que a água da superfície não se misture com a água do fundo. No fundo do lago há muita matéria em decomposição que é tóxica para a maioria dos peixes. QuanPeixes mortos devido à friagem. do vem uma friagem a superfície esfria e a água do fundo se mistura com a da superfície. O Igapó Igapó é um termo de origem tupi que significa mata inundada. O termo é aplicado por alguns para indicar qualquer floresta inundável por grandes rios na Amazônia. Entretanto, especialmente no que se refere a nutrientes disponíveis no solo, a condição é muito diferente se a mata for inundável por água branca ou por água preta. Por isto, na literatura científica biológica, o termo igapó geralmente se restringe apenas às florestas inundáveis por água preta ou por água clara. Esta é a terminologia que usaremos nesta apostila. Na verdade, não vamos falar apenas do Igapó, mas de todo o ecossistema de água preta, que inclui rios e lagos. Em contraste com o esquema em corte da várzea que mostramos no capítulo anterior, vemos, na figura ao lado, que o ecossistema formado pelo rio e pelo igapó é bem mais simples. Basicamente temos apenas o rio e Corte de um rio de água clara ou preta em dois locais. Aciuma floresta inundável anu- ma a topografia determinou o estabelecimento de uma mata almente em ilhas ou na de igapó e abaixo não. margem de um rio de água preta. Em alguns lugares temos grandes praias que se formam quando a vazante atinge seu nível mínimo. Estas praias são locais de desova de tartarugas e gaivotas. Geralmente o solo ai é muito pobre para possibilitar 51 o desenvolvimento de uma vegetação que consiga aproveitar o período da vazante para completar um ciclo de vida curto. Há lagos, mas em número muito menor do que o que existe na várzea, e a água nos lagos difere pouco da água do rio, de forma que o papel deles como um elemento de diversidade de habitat no ecossistema é muito menor do que nos lagos de várzea. Da mesma forma que na várzea, o fator determinante neste ecossistema é o ciclo de cheias e vazantes. Na cheia os peixes entram na mata onde podem encontrar refúgio e alimento (principalmente insetos e frutos). Muito do que dissemos sobre isto para várzea vale também para o ecossistema rio-igapó, exceto que neste a importância dos lagos é muito menor. Na vazante, o rio volta a ficar restrito ao seu leito. Considerando a diferença de complexidade ambiental entre os ecossistemas inundáveis de águas brancas por um lado, e de claras ou negras por outro, era de se esperar que os primeiros fossem muito mais exuberantes e ricos em espécies, mas não é bem assim. De fato, nos ecossistemas de águas brancas existe uma grande quantidade e diversidade de plantas aqüáticas, quase ausentes nos ecossistemas de águas claras e negras. Entretanto, as florestas inundáveis não são tão diferentes. Algumas florestas de igapó são muito exuberantes. Se tivermos fotografias de interiores de florestas de várzea, de igapó e de terra firme, é fácil distinguir as florestas inundáveis das de terra firme, pois as florestas inundáveis tem sub-bosque muito aberto. Entretanto, poucas pessoas são capazes de dizer com segurança qual delas é de várzea e qual é de igapó. Isto mostra que a riqueza do solo, que é muito baixa no igapó e bastante alta na várzea, tem pouco efeito sobre a estrutura da floresta e a biodiversidade de árvores. O efeito da riqueza do solo é que as matas de várzea são muito mais produtivas que as de igapó. As árvores da várzea crescem muito mais rápido e produzem muito mais frutos. Várias árvores de várzea se descartam de suas folhas com a enchente, de forma a evitar os efeitos da seca fisiológica (ver apostila anterior). Quando volta o período de vazante, suas folhas crescem novamente, pois não faltam nutrientes para isto. As árvores do Igapó demoram muito mais a crescer, produzem menor quantidade de frutos (ou passam maiores intervalos de anos entre produções de frutos), e raramente se descartam de folhas para reduzir a perda de água, pois a reposição de folhas é difícil em solos pobres. Outra diferença está no tamanho de sementes. Embora a luz costume ser o principal fator limitante para plântulas em uma floresta, a falta extrema de nutriente pode tornar-se limitante, e encontramos sementes desproporcionalmente grandes em várias espécies de árvores do igapó, de forma a garantir nutrientes na fase inicial de crescimento. Entretanto, apesar da diferença na riqueza do solo, na produtividade, e no tempo de crescimento necessário para as árvores chegarem à maturidade, o resultado final é praticamente o mesmo: uma floresta exuberante resistente às enchentes. A comparação destas duas matas é importante para entendermos florestas tropicais em geral. Elas mostram que os nutrientes limitam produtividade, mas não a existência de florestas. Mesmo no solo tropical mais pobre haverá florestas, desde que haja água suficiente (e também um tempo suficiente de vazante). 52 Esta diferença de produtividade tem conseqüências sobre os organismos do ecossistema. A principal delas é que há menos matéria disponível no ecossistema para os animais se alimentarem. Como conseqüência, o igapó é muito mais pobre em quantidade de animais (peixes, jacarés, macacos, aves, etc.). A população humana que vive ao seu redor também é escassa. Algumas pessoas chamam os rios de água preta de rios da fome. (É verdade que a abundância de alimentos é muito menor ai, mas este termo é um pouco exagerado.) Questões sobre Biomas e Ecossistemas Amazônicos 1) Por que encontramos vegetações muito semelhantes em locais muito distantes como as florestas tropicais da Amazônia, da Índia e da Indonésia? 2) Faça uma representação gráfica da posição de 9 Biomas em um gráfico de precipitação por temperatura. 3) Explique o significado das frases “Os biomas não têm fronteiras definidas”; e “Os biomas não são unidades homogêneas” 4) Por que o clima na região do Equador é quente e úmido? 5) Por que a maioria dos desertos está concentrada nas latitudes 30º Norte e 30ºS? 6) Por que a época do verão nas regiões temperadas do Hemisfério Norte é a época do inverno no Hemisfério Sul? 7) Explique a formação da Planície Amazônica a partir do soerguimento e erosão dos Andes 8) Como o relevo influi sobre o clima de uma região? 9) Quais os tipos de água dos grandes rios da Amazônia, quais as suas características, e onde se localizam suas nascentes principais? 10) Por que a água de muitos lagos de várzea tem cor preta, mas tem características muito diferente da água de lagos com rios de água preta? 11) Por que existem as cheias e vazantes dos rios Amazônicos? 12) Quais as necessidades básicas das plantas que podem ser limitantes para sua perpetuação. 13) Em que situações a luz é limitante para a vida da planta? 14) Por que uma floresta sobre solo argiloso rico tem produtividade maior que uma floresta sobre solo argiloso pobre, mas a “aparência” das duas é muito semelhante? 15) Em que situações o oxigênio pode ser limitante para plantas, e por que as árvores são mais vulneráveis nestas situações? 16) Por que podemos comer folhas de alface, mas não podemos comer as folhas das plantas da floresta? 17) Por que uma população de clones tem menor resistência a mudanças que uma população normal? 18) Uma mistura genética eficiente não depende apenas de uma reprodução sexuada. Explique por quê. 19) Qual é a estratégia da maioria das Angiospermas para aumentar a eficiência de sua mistura genética? 20) Se a polinização auxiliada por animais foi uma grande vantagem para as Angiospermas, como podemos explicar que as gramíneas e ciperáceas “retornaram” à polinização pelo vento e tiveram um enorme sucesso ecológico. 53 21) Como a dispersão pode aumentar a chance de sobrevivência de uma semente? 22) Explique o que são estratégias vegetais e cite cinco estratégias vegetais comuns em florestas tropicais e explique duas delas. 23) Dizer que a Floresta Densa existe porque a ciclagem de nutrientes é eficiente é confundir causa com conseqüência. Explique. 24) Explique a árvore como o elemento chave em toda a dinâmica de massa e de energia da Floresta Densa. 25) Por que a diversidade de árvores da Floresta FTA é alta? 54