O Conselho Geral da Província de Minas Gerais e a Política de

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O CONSELHO GERAL DA PROVÍNCIA DE MINAS GERAIS
E A POLÍTICA DE INSTRUÇÃO PÚBLICA
Zeli Efigênia Santos de Sales
Luciano Mendes de Faria Filho
Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
No Brasil, não resta dúvida de que, mesmo considerando a existência de instituições escolares anteriores ao
início do Século XIX e que a marca da cultura letrada se faz presente desde o momento inicial de nossa história
pós 1500, foi no período pós-independência que o processo de escolarização foi grandemente impulsionado. Não
obstante as discussões que perpassam os acontecimentos marcantes deste período sejam eles: a Constituinte de
1823, a Constituição de 1824, a primeira Lei Geral do Ensino de 1827, o Ato Adicional de 1834 e a primeira Lei
Orgânica da Província de Minas Gerais de 1835 focalizarem a instrução, sobretudo a pública, esse é um período
em que se considera haver uma lacuna no que diz respeito ao ensino, como se nada houvera sido feito neste
sentido. A importância da instrução do povo preocupou, inicialmente, os próprios constituintes de 1823. Nela,
várias eram as proposições acerca do tema, quase todas, no entanto, denunciavam o caráter elitista autoritário dos
constituintes e, porque não, da nação que se queria construir. A idéia era de um “povo inferior”, que precisava
ser educado, portanto, a instrução passa a ser considerada um instrumento capaz de transformar o Brasil em um
país moderno. Através do ideário iluminista de “difusão das luzes”, seria possível igualar-se às nações
consideradas “civilizadas”. Nesta perspectiva, o estudo que temos desenvolvido tem por objetivo investigar a
política de instrução pública estabelecida pelo Conselho Geral da Província de Minas Gerais no período de 1823
a 1835. O Conselho do Governo de Minas foi fundado em 9 de junho de 1825, sendo o primeiro a ser instalado
no Império brasileiro, e deixou de funcionar em 1834, uma vez que após o Ato Adicional de agosto daquele ano,
os Conselhos Gerais das Províncias foram revogados e substituídos pelas Assembléias Legislativas Provinciais.
Cenário de intensos debates referentes a diversos assuntos de interesse da província, o Conselho dedica-se
longamente ao tema aqui tratado, o que pode ser verificado quando analisamos as Atas do Conselho e as
discussões e proposições acerca tanto da instrução primária e secundária, quanto da superior. A intenção é
compreender o Conselho Geral da Província de Minas Gerais e o seu lugar na estruturação do Estado Nacional,
assim como a ação de seus agentes intelectuais na proposição de uma política de instrução pública para a
Província mineira. Nestes debates, a figura do político intelectual Bernardo Pereira de Vasconcelos e os seus
principais interlocutores serão destacadas, visando apreender a fundamentação das principais discussões e
propostas para o ensino. As fontes norteadoras deste estudo serão as Atas do Conselho, o jornal O Universal, os
relatórios dos Presidentes da Província e os relatórios dos Inspetores. A partir da análise das Atas do Conselho
pretendemos perceber de forma mais detalhada o processo de escolarização da sociedade mineira, fazendo um
cruzamento das mesmas com outras fontes importantes. Utilizaremos além dos discursos de agentes
representativos do Conselho Geral, o jornal O Universal (1825 - 1835), principal divulgador do ideário de
instrução para o povo da época, uma vez que, a imprensa foi, uma das principais estratégias utilizadas pelos
intelectuais para difundir os seus discursos civilizatórios e legalistas. Através da procura pela apreensão da
configuração do campo educacional do século XIX, tem se aberto à possibilidade de revelarmos a riqueza dos
discursos e das práticas relacionadas à instrução, que aconteceram principalmente na primeira metade do Império
e que redundaram na busca por um “sistema” de ensino no Brasil. Descortina-se também a probabilidade de se
lançar luz sobre as sombras que pairam sobre este período da história da educação brasileira.
TRABALHO COMPLETO
A pesquisa1 em andamento tem por objetivo analisar a política de instrução pública em
Minas Gerais no período de 1825 a 1835, tomando como “lócus” de investigação o Conselho
1
- Este estudo nasceu a partir do trabalho que realizei como bolsista de iniciação científica dentro do Projeto
Integrado intitulado “Escolarização, culturas e práticas escolares: investigação do campo pedagógico em Minas
Gerais (1820-1950)”. Este amplo projeto coordenado pelos professores doutores Cynthia Greive Veiga e
Luciano Mendes de Faria Filho é realizado pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em História da Educação –
GEPHE, formado por professores, alunos da graduação e da pós-graduação da Faculdade de Educação da
UFMG, com o apoio da Fapemig e do CNPq, que tem por objetivo investigar a configuração do campo
pedagógico em Minas Gerais, no decorrer do século XIX e início do século XX. Atualmente conto com o apoio
da CAPES.
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Geral da Província de Minas Gerais, fundado em 9 de junho de 1825. O período escolhido se
justifica por ser o tempo de duração do Conselho, fundado em 1825 e extinto em 1835, após a
promulgação do Ato Adicional de 1834. Sendo o primeiro a ser instalado no Brasil, este
Conselho tornou-se rapidamente cenário de intensos debates referentes a diversos assuntos de
interesse da província, dentre eles a instrução pública.
No Brasil, não resta dúvida de que, mesmo considerando a existência de instituições
escolares anteriores ao início do Século XIX e que a marca da cultura letrada se faz presente
desde o momento inicial de nossa história pós 1500, foi no período pós-independência que o
processo de escolarização foi grandemente impulsionado. Não obstante as discussões que
perpassam os acontecimentos marcantes deste período (a Constituinte de 1823, a Constituição
de 1824, a primeira Lei Geral do Ensino de 1827, o Ato Adicional de 1834 e a primeira lei
que organizou o ensino na Província de Minas Gerais em 1835) focalizarem assuntos
referentes à instrução, sobretudo a pública, esse é um período em que vários historiadores
consideram haver uma lacuna no que diz respeito à política de instrução deste período.
Desde a proclamação da independência e a fundação do império, iniciou-se uma fase
de debates, projetos, reformas do ensino primário, secundário e superior, visando à
estruturação da educação nacional. As idéias filosóficas, políticas e educacionais advindas da
Europa ocidental, que haviam orientado os brasileiros cultos do século XVIII, exerceriam, no
século XIX, influência ainda maior, caracterizando-se em modelos de orientação.
A importância da instrução do povo preocupou, inicialmente, os próprios constituintes
de 1823. Nela, várias eram as proposições acerca do tema, quase todas, no entanto,
denunciavam o caráter elitista autoritário dos constituintes e, porque não, da nação que se
queria construir. A idéia era de um “povo inferior”, que precisava ser educado, portanto, a
instrução passa a ser considerada um instrumento capaz de transformar o Brasil em um país
moderno.
Após a proclamação da Independência era urgente a construção do Estado Nacional,
assim como a manutenção da ordem. Era imperativo instruir a população, sendo característica
dessa instrução um princípio básico: “civilizar o povo”. A instrução era tida como um recurso
civilizador que fazia parte de um discurso, o qual visava legitimar a nova ordem.
A instrução possibilitaria arregimentar o povo para um projeto de país
independente, criando também as condições para uma participação controlada na
definição dos destinos do país. Na verdade, buscava-se constituir, entre nós as
condições de possibilidade de governabilidade, ou seja, as condições não apenas
para a existência de um Estado independente, mas também, dotar este Estado de
condições de governo. Dentre essas condições, uma das mais fundamentais seria,
sem dúvida, dotar o Estado de mecanismo de atuação sobre a população. Nessa
perspectiva, a instrução como um mecanismo de governo permitiria não apenas
indicar os melhores caminhos a serem trilhados por um povo livre, mas também
evitaria que esse mesmo povo se desviasse do caminho traçado...(FARIA
FILHO, 2000. P.137).
Segundo Veiga (1999), os apelos à organização e expansão da instrução pública no
Brasil, assim como em outros países, desconsiderando as diferenças, convergiram para o
argumento da necessidade de construção da unidade nacional, formações da opinião públicas
e de cidadãos que não poupassem esforços para o desenvolvimento do progresso cultural,
nacional e material do Império. Neste momento, não só a província de Minas Gerais, mas
todo o Império discutia a necessidade de difundir-se o ensino por todo o território. A instrução
pública era tida como parte fundamental na constituição de um Estado nacional Brasileiro e
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de um povo civilizado. Através do ideário iluminista de “difusão das luzes”, seria possível
igualar-se às nações consideradas “civilizadas”.
A promulgação da Constituição em 25 de março de 1824 trouxe avanços, ao organizar
os poderes, definindo atribuições e até mesmo garantindo os direitos individuais. Mas após a
Independência frente à urgência da construção do Estado Nacional, era primordial a
manutenção da ordem. Em decorrência era necessário instruir a população, sendo
característica dessa instrução um princípio básico: “civilizar o povo”. No processo de
consolidação do Estado a Instrução Pública teve importante função, sendo considerada uma
estratégia fundamental defendida pelos governantes do País. Assim sendo, para a constituição
do Estado Imperial a instrução da população passa a ser um alicerce para a instalação da
ordem no país, tendo por objetivo exercer “um papel fundamental, que permitia – ou devia
permitir – que o Império se colocasse ao lado das ‘nações civilizadas’. Instruir todas as
classes era, pois, o ato de difusão das luzes que permitiam romper as trevas que
caracterizavam o passado colonial”. (MATTOS, 1994. P.245).
Em 1827 a lei imperial sobre o ensino estabelece no seu artigo 4º: “As escolas serão de
ensino mútuo nas capitais das Províncias; e o serão também nas cidades, vilas e lugares mais
populosos delas, em que for possível estabelecerem-se”. O método Mútuo previa o ensino de
centenas de alunos ao mesmo tempo, por um único professor. Este contaria com o auxílio de
monitores, escolhidos entre os alunos mais adiantados. Os artigos 2º, 7º, 8º, 9º, 14 e 15 da Lei
Geral do Ensino foram posteriormente ampliados às escolas de Gramática Latina, em 15 de
novembro de 1827, então, ele chama a atenção para que o Conselho considere que o
conhecimento da língua latina só conspirava a fazer conhecer alguns homens de gênio da
antiguidade, cujas obras podiam ser lidas no presente em línguas vivas, em que foram
traduzidas, que o estudo desta língua era verdadeiramente de luxo; e que a principal obrigação
do Governo é ministrar com preferência aos povos os meios da instrução necessária, e que
estes faltavam.
Dentre as obras que consideram o período em estudo e que tratam da instrução no
Brasil, temos o trabalho de Almeida (1989), que tinha como objetivo a divulgação dos
avanços da instrução no Brasil durante o Império. O autor traça um panorama desde 1500 a
1899 sobre o número de escolas e leis de ensino no Brasil. Os trabalhos de Carvalho (1989) e
Andrade (1978), ambos tratam das reformas pombalinas e analisam a obra de Pombal como
uma forma de incluir Portugal e seus domínios no processo de modernização dos países
europeus. Tratam sobre a instrução pública e os estudos secundários no Brasil, enfocando a
expulsão dos jesuítas como uma maneira de se implementar uma nova metodologia de ensino.
Em sua obra Azevedo (1976), transporta o ensino dos tempos coloniais para o âmbito
dos problemas de ensino do século XX, ou seja, lançando a partir do presente um
enquadramento e considerando que a expulsão dos jesuítas redundou em uma orfandade
educacional no Brasil, que só ganhará a paternidade com o movimento dos pioneiros. Cardoso
(1998), em sua dissertação analisa qual o objetivo que levou Pombal a realizar a reforma e
neste sentido procura compreender os reflexos no Brasil, das mudanças pedagógicas
empreendidas em Portugal. Em Minas Gerais Carrato (1968), Romanelli (2000) e Villalta
(1998) produziram trabalhos sobre a instrução do período colonial.
Percebe-se como já dissemos, que há uma lacuna sobre estudos que enfoquem mais
especificamente a política de instrução pública em Minas Gerais no período imperial.
Podemos avaliar que no período que propomos estudar (1825 – 1835), existe um aparato que
nos permite pensar em política de instrução pública, uma vez que temos como “lócus” desta
política o Conselho Geral da Província de Minas Gerais, os sujeitos sociais (membros do
Conselho, professores, alunos, família), estabelecimento de uma legislação específica, a
implantação de métodos de ensino e financiamento para o ensino, a proposição da formação
específica para professor, dentre outros aspectos.
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Algumas questões são levantadas com o intuito de compreender a ação do Conselho
Geral da Província de Minas Gerais quanto à política de instrução pública, analisar a ação dos
diversos agentes sociais implicados na política de instrução pública da Província e apreender
os fundamentos das principais discussões e propostas para o ensino primário, secundário e
superior. Qual era a política de instrução que tencionava implantar a partir do Conselho Geral
da Província de Minas Gerais? Qual a relação desta política com os sujeitos da sociedade, tais
como os professores, os alunos, a família, etc? Qual a importância da presença dos membros
do Conselho Geral da Província, quanto às discussões referentes à política de instrução
pública? Como foram as discussões para a elaboração da primeira lei que organizou o ensino
na Província de Minas Gerais? Qual era a política de instrução pública da Província? A Lei nº
13 de 1835 seria o refinamento das discussões sobre o ensino, que já ocorria regularmente
desde 1825 no Conselho Geral da Província de Minas? Quais eram as discussões quanto ao
ensino secundário superior e em que se fundamentavam? Essas são as indagações que estamos
investigando na pesquisa de mestrado e que até o momento temos alguns dos levantamentos
necessários obtidos através das Atas do Conselho, o jornal Universal e a legislação.
O Conselho Geral da Província e a instrução pública
Em Minas Gerais, verificamos que foi difícil reunir os membros do Conselho. Depois
de várias tentativas, este foi inaugurado em 9 de junho de 1825, quando foi possível a reunião,
já marcada pelo presidente e adiada, pelos impedimentos em que se achavam os conselheiros
efetivos, só foi possível a reunião pela chamada dos suplentes. Instalado, o Conselho começou
imediatamente suas funções, tomando medidas que lhes pareciam ser benéficas à Província.
Em 1828, quando se encontra mais organizado, o Conselho acirra os debates e
intensifica a apresentação de propostas, sobretudo quanto ao assunto da instrução pública.
Apesar de que desde 1825, isso já vinha ocorrendo, mas não de maneira sistemática. Fato que
se destaca quando, analisamos as Atas do Conselho e verificamos as discussões e as
proposições acerca tanto da instrução primária, secundária, quanto do ensino superior.
Cogitou-se do ensino das primeiras letras, então mais objeto de iniciativas privadas do
que públicas, como se vê pela exposição feita em 1827 por Bernardo Pereira de Vasconcelos,
quando havia 33 aulas de primeiras letras e 21 aulas de anatomia, desenho, retórica, lógica e
latim (17 só de latim, uma de cada outra das disciplinas), de iniciativa pública, enquanto
havia, de iniciativa particular, 170 de primeiras letras, 8 de latim e 3 de lógica. Constata-se
que o ensino elementar estava pouco desenvolvido e propõe se a criação de novas escolas
primárias, cursos técnicos e também ensino superior.
Na Ata da sessão do Conselho Geral da Província redigida em 27 de março de 1828 é
aprovada a criação de escolas de primeiras letras em um total de 87 escolas para ambos os
sexos, bem como ordenava a conservação das já existentes. A referida Ata detalha que em
Mariana e nas vilas de São João, Barbacena, Tamanduá, Baependi, Campanha, Sabará e Vila
do Príncipe devia-se adotar o método do ensino mútuo, além do estabelecimento de escolas
para meninas.
O conselheiro Ottoni em 1831 considerava ainda “desgraçado” o estado da instrução
pública na populosa e rica Província de Minas Gerais. Para ele a instrução pública era uma
das bases mais sólidas dos bons costumes, de moralidade, e por conseqüência da boa aptidão,
que tem o povo para a liberdade. Assim se justificando propõe então um Curso de Instrução
Elementar que constaria de três aulas sendo uma Aula de Gramática Brasileira e Língua
Francesa, uma Aula de Aritmética, Álgebra até as equações do 2º grau e Geometria Plana e a
terceira seria a Aula de Geografia e História. O curso teria a duração de três anos, seguindo a
ordem já supracitada e o Estatuto seria organizado pelo Presidente em conselho.
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O conselheiro Bhering defendeu a criação em Mariana de um centro de estudos
preparatórios, unindo cadeiras dispersas por Mariana e Ouro Preto, a fim de que os moços
tivessem o ensino do que era indispensável na escola superior em São Paulo. A justificativa
era de que já estava criada na cidade de Mariana as cadeiras de primeiras letras, gramática
Latina, retórica e em Ouro Preto as cadeiras de filosofia e geometria, faltando apenas uma
cadeira de gramática francesa para complemento dos ditos estudos preparatórios. Afirma-se
que o desejo do Conselho Geral da Província de Minas é o de facilitar à mocidade mineira
todos os meios de instrução, cortando os incômodos que resultariam o isolamento das cadeiras
em diferentes pontos da Província.
Houve a criação de um Liceu de ensino de Ciências Sociais, pois era dispendioso o
ensino em São Paulo. Sugeriu-se academia médico-cirúrgica em São João Del-Rei, como a do
Rio. Foi constante a lembrança de ensino técnico para exploração da riqueza mineral, objeto
de inúmeras considerações e propostas de criação de cadeiras ou de cursos, pois a comissão
de instrução pública considerava que a arte das Minas consistia em muitos conhecimentos
científicos, especialmente na mineralogia, química e mecânica e estavam convencidos de que
o estado estacionário da mineração na Província era devido à falta destas ciências.
A proposição de um colégio para educação dos índios advinha da idéia de que sendo
um dos meios mais profícuos de se promover o aumento de população útil na Província de
Minas Gerais e para isto era necessário cuidar da educação da mocidade indiana por meios
mais diretos e positivos, ou seja, o Conselho Geral da Província de Minas Gerais ponderava
que ao empregarem meios mais eficazes para a civilização dos indígenas, que até aquele
momento achavam ter conseguindo formar uma classe heterogênea e onerosa à sociedade e
através da criação de um colégio poder-se-ia tornar útil e proveitosa.
Após o Ato Adicional, lei de agosto de 1834, as províncias passaram a ser
responsáveis pela organização de seus sistemas de instrução, tanto do ensino primário, como
do ensino secundário. O Ato Adicional à Constituição determinou adições e alterações e
estabeleceu no artigo 10, parágrafo 2º, que caberia às Assembléias Legislativas Provinciais:
“Legislar sobre a instrução pública e estabelecimentos próprios a promove-la não
compreendendo as Faculdades de Medicina, os Cursos Jurídicos, Academias existentes e
outros quaisquer estabelecimentos de instrução que de futuro forem criados por lei geral”.
Em seguida ao Ato Adicional de 1834, medida que descentralizava o ensino deixandoo a cargo das províncias, é sancionada a Lei nº 13 em 28 de março de 1835, a primeira lei que
organiza o ensino na província. E em 22 de abril de 1835 sai o Regulamento nº 3 que
determinava as normas para sua execução.
A lei de nº 13 determinou diferenças de grau do ensino, sendo que as escolas de 2º
grau se localizariam nas cidades e vilas, e as de 1º grau nos arraiais ou povoações em que
pudessem ser freqüentadas pelo menos, por 24 alunos. Criou-se também uma escola especial,
com matérias de aplicação técnica. Fixou normas para a verificação da competência dos
candidatos aos cargos de magistério, exigindo que, depois de certo prazo, o provimento das
cadeiras se fizesse pelos que fossem aprovados no curso da Escola Normal. Restringia as
escolas para as meninas às cidades e vilas, acrescentando, entretanto, ao currículo, mais
disciplinas além das ensinadas aos meninos. Passava-se a exigir prova de habilitação dos
professores particulares para poderem lecionar, determinando também multas para os
responsáveis pelos menores que não freqüentassem as escolas ou não recebessem instrução.
Ficava restrita às pessoas livres a freqüência às escolas públicas, conforme se lê no
artigo 11. Ocorreria multa e até prisão para os professores particulares não habilitados para o
magistério. A lei só considerava furto e roubo como crimes que impedissem o exercício do
magistério. Era precária a estabilidade do professor, assegurada pela lei nº 13, pois que
poderia ser demitido por simples informações de que fosse incapaz para o magistério, ou em
virtude de representações dos Delegados dos 15 Círculos literários em que se dividiu a
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província. Os professores do sexo feminino teriam ordenados correspondentes às escolas do
2º grau, ainda que as lecionasse do 1º grau, enquanto que os professores homens ganhariam
de acordo com o grau das suas escolas.
Fontes e metodologia
Para entender a política de instrução em Minas na primeira metade do século XIX é
necessário compreender qual era a ação do Conselho neste contexto. A pesquisa se insere no
Campo da História da Educação e no decorrer de seu desenvolvimento pretendemos nos
aproximar dos campos da História Política e da História dos Intelectuais.
Quanto à análise dos discursos produzidos será utilizado como referencial teórico o
conceito de Discurso fundador de Eni Puccinelli Orlandi. Segundo Orlandi (1993), discurso
fundador é o que instala as condições de formação de outros discursos, funcionando como
referência. O que o caracteriza como fundador é que ele se apropria do passado,
“cria uma nova tradição, ele re-significa o que veio antes e institui aí uma
memória outra. O sentido anterior é desautorizado. Instala-se outra ‘tradição’ de
sentidos que produz os outros sentidos”. O discurso fundador: “São enunciados
que ecoam e reverberam efeitos de nossa história em nosso dia-a-dia, em nossa
reconstrução cotidiana de nossos laços sociais, em nossa identidade
histórica”.(Orlandi, 1993. P.12).
Ao considerar a produção de discursos em relação à organização de uma política de
instrução pública que vai produzindo outros discursos, tais como a necessidade de
implantação de novos métodos, não mais a família e sim a escola como local ideal de se
educar a criança e a necessidade de formação de professores. Orlandi considera que “...
embora discurso fundador possa corresponder a discursos que produzem rupturas
localizadas e que sua função da atividade discursiva que é em si acontecimento, portanto
capaz do novo, do deslocamento na filiação da memória”. A autora, contudo ressalta que
opta por dar ao nome de discurso fundador àquilo a que em Focault é chamado de
“instauração de discursividade”. Os autores não são apenas autores de suas obras, mas “...
produzem a possibilidade e a regra de formação de outros textos”.
Pretendemos utilizar fontes primárias e secundárias para resgatar as ações
empreendidas logo após a independência brasileira visando a implementação de uma política
de instrução na Província de Minas Gerais. As ações que serão investigadas são as discussões
dos membros do Conselho Geral da Província de Minas Gerais. No Arquivo Público Mineiro
encontram-se as Atas do Conselho Geral da Província, em um total de nove Atas
encadernadas. Além das Atas há pelo menos seis caixas avulsas com documentos referentes
ao Conselho. A partir da análise das Atas do Conselho esperamos apreender quais eram as
propostas para o ensino primário, secundário e superior e em que se fundamentavam, fazendo
um cruzamento das mesmas com outras fontes importantes, sejam elas: legislação, ofícios,
jornais, relatórios dos Presidentes da Província, relatórios dos Inspetores, documentos do
Fundo de Instrução Pública do século XIX e outras que no decorrer da pesquisa se mostrarem
relevantes de serem analisadas para o desenvolvimento da pesquisa.
O jornal Universal (1825 - 1842), grande divulgador do ideário de instrução, que
colocava em circulação notícias e informações sobre a instrução pública na Província de
Minas Gerais e em diversos países do mundo. O jornal será significante para entender o ideal
civilizatório que se pretendia, a importância da instrução, bem como o seu lugar na sociedade.
Nas páginas deste jornal foi publicada em 1825 uma série de artigos sobre o método mútuo,
além de matéria que traz como título a Educação Elementar, o que nos permite também
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pensar a organização das práticas escolares. Outros jornais que circularam no período também
serão consultados.
A legislação será outra fonte importante a ser analisada, ela possibilitará compreender
a organização da instrução, o estabelecimento de escolas, criação de escola normal,
permitindo ainda apreender as especificidades do ser professor naquele momento, os métodos
utilizados. Ajuda-nos a pensar para além da instituição do Conselho, abarcando outros
sujeitos envolvidos no processo de escolarização que buscava se estabelecer na província de
Minas Gerais.
Segundo Faria Filho (1998) quanto às dimensões da lei é preciso estar atento para uma
distinção necessária entre dois momentos fundamentais: o momento da produção e o
momento da realização da lei. Apesar do caráter marcadamente arbitrário dessa distinção,
porquanto poderia entender perfeitamente que a produção da legislação escolar é, já,
realização de outras leis. Para o pesquisador essa distinção se faz necessária por remete-lo a
sujeitos e instituições. A legislação pode ser percebida como “espaço”, objeto e objetivo de
lutas políticas, portanto, ela pode também ser entendida como a forma de organizar a reflexão,
os aspectos abordados e a própria forma de entendimento da legislação como dispositivo de
conformação do campo e das práticas pedagógicas.
Considerações Finais
Os aspectos apontados neste texto partem de dados preliminares decorrentes de uma
pesquisa de mestrado, por isso não podemos e nem devemos fazer conclusões concretas. È
necessário que nos debrucemos para fazer um estudo mais elaborado e, assim, elaborarmos as
possíveis considerações.
Em sua inteireza e completude, o passado nunca será plenamente conhecido e
compreendido; no limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em suas incertezas. Por
mais que o pesquisador tente se aproximar de uma verdade sobre o passado, apostando no
rigor metodológico, permanecem sempre fluidos e fugidios os pedaços de história que se quer
reconstruir, como afirma Lopes & Galvão (2001).
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ORLANDI, Eni P. Discurso Fundador. A formação do País e a construção da identidade
Nacional. Campinas, São Paulo: Pontes, 1993.
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