Documentos ISSN 0102-0110 Dezembro, 2006 166 CONSERVAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE BÚFALOS NO BRASIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA ISSN 0102 0110 Dezembro, 2006 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Documentos 166 CONSERVAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE BÚFALOS NO BRASIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA Maria do Socorro Maués Albuquerque Andréa Alves do Egito Samuel Rezende Paiva José Ribamar Felipe Marques Silvia Teresa Ribeiro Castro Maria Rosa Costa Arthur da Silva Mariante Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Brasília, DF 2006 Exemplares desta edição podem ser adquiridos na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Serviço de Atendimento ao Cidadão Parque Estação Biológica, Av. W/5 Norte (Final) – Brasília, DF CEP 70770-900 – Caixa Postal 02372 PABX: (61) 448-4600 Fax: (61) 340-3624 http://www.cenargen.embrapa.br e.mail:[email protected] Comitê de Publicações Presidente: Sergio Mauro Folle Secretário-Executivo: Maria da Graça Simões Pires Negrão Membros: Arthur da Silva Mariante Maria de Fátima Batista Maurício Machain Franco Regina Maria Dechechi Carneiro Sueli Correa Marques de Mello Vera Tavares de Campos Carneiro Supervisor editorial: Maria da Graça S. P. Negrão Normalização Bibliográfica: (ver quem fez a normalização) Editoração eletrônica: Maria da Graça S. P. Negrão Andressa Vargas Ermel 1ª edição 1ª impressão (2007): Todos os direitos reservados. A reprodução não-autorizada desta publicação, no todo o em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei nº 9.610) C 755 Conservação e caracterização de búfalos no Brasil: uma revisão da literatura. / Maria do Socorro Maués Albuquerque ... [et al.]. – Brasília, DF: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2006. 23 p. – (Documentos / Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, ISSN 0102-0110 ; 166) 1. Bubalus bubalis. 2. Búfalo. 3. Recurso genético. 4. Conservação. 5. Caracterização. I. Albuquerque, Maria do Socorro Maués. II. Série. 636.293 – CDD 21 AUTORES Maria do Socorro Maués Albuquerque, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia-Brasília-DF Andréa Alves do Egito, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia-Brasília-DF Samuel Rezende Paiva, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia-Brasília-DF José Ribamar Felipe Marques, Embrapa Amazônia Oriental, Belém-PA Silvia Teresa Ribeiro Castro, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia-Brasília-DF Maria Rosa Costa, Embrapa Amazônia Oriental, Belém-PA Arthur da Silva Mariante, Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia-Brasília-DF Sumário Introdução ............................................................................................................................. 8 Classificação zoológica ....................................................................................................... 9 Introdução da espécie e grupos genéticos no Brasil ...................................................... 9 Conservação e caracterização genética de Bubalinos .................................................. 11 Conclusão ........................................................................................................................... 15 Referências ......................................................................................................................... 15 Anexos ................................................................................................................................. 21 CONSERVAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE BÚFALOS NO BRASIL: UMA REVISÃO DA LITERATURA Maria do Socorro Maués Albuquerque Andréa Alves do Egito Samuel Rezende Paiva José Ribamar Felipe Marques Silvia Teresa Ribeiro Castro Maria Rosa Costa Arthur da Silva Mariante Resumo Esse trabalho constitui-se em uma revisão de literatura sobre a conservação e caracterização genética de búfalos no Brasil. Os principais tópicos abordados foram: classificação, raças criadas no Brasil, a importância da conservação dos búfalos como recursos genéticos, a caracterização genética e a utilização de dados moleculares como estratégia alternativa no monitoramento de rebanhos. Entre os mais recentes resultados mostraram-se relevantes os que revelaram polimorfismos dos locos MHC DRB nas diferentes raças criadas no Brasil, evidenciando uma redução da heterosigozidade nas raças Murrah e Jafarabadi. Foi observado também, que os quatro alelos encontrados na raça Carabao (búfalo de pântano) foram detectados em pelo menos uma das populações de búfalos de rio. Uma análise na região D-loop em búfalos do Brasil e da Itália detectou 36 haplótipos mitocondriais, com 128 sítios polimórficos amostrados, enquanto uma outra revelou 34 haplótipos e 53 mutações ou SNPs, evidenciando a ocorrência de compartilhamento de eventos de introgressão de genes. A análise dos componentes principais, a partir da frequência alélica de treze locos microssatélites comprovou que os grupos Baio e Carabao, que fazem parte do programa de conservação de recursos genéticos da Embrapa, podem ser considerados grupos genéticos distintos e fonte alternativa de variantes genéticas. Constatou-se, por fim, que o conjunto dos microssatélites utilizados proporcionou um painel com poder de exclusão de paternidade combinada (PEC) de 99,42% e 99,98%, quando se considerou, respectivamente, apenas um ou os dois progenitores conhecidos. Estes resultados demonstram a potencialidade dos marcadores moleculares na busca de alternativas para a conservação dos recursos genéticos. Palavras-chave; Bubalus bubalis, conservação de recursos genéticos, marcadores moleculares, recursos genéticos animais Conservation and Characterization of Brazilian buffaloes: a literature review Abstract This paper is a literature review on the conservation and genetic characterization of buffaloes in Brazil. The main topics are: classification, breeds raised in Brazil, importance of their conservation, genetic characterization and utilization of molecular data as a strategy on the monitoring of the herds. Among the most recent results we can mention the polymorphisms of the MHC DRB loci on the different buffalo breeds raised in Brazil, showing a reduction in the heterosigozity on the Murrah and Jaffarabadi breeds. It has been observed that the four alleles found in the Carabao breed (swamp buffalo) have been detected in at least one of the river buffalo populations. One analysis on the D-loop region in buffaloes from Brazil and Italy has detected 36 mitochondrial haplotypes, with 128 sampled polymorphic sites, while a second analysis has detected 34 haplotypes and 53 mutations or SNPs, showing the occurrence of shared gene introgression events. The analysis of the main components, from the allelic frequency of the 13 microsatellites has shown that the Baio and Carabao groups (both on the genetic resources conservation program from Embrapa), can be considered as genetic distinct groups and an alternative resource for genes. It was concluded that the set of microsatellites utilized has produced a panel that made possible the exclusion of combined paternity (PEC) of 99.42% and 99.98%, when, respectively, only one or the two known parents were considered. These results show the potential of molecular markers on the search for alternatives on the conservation of animal genetic resources. Key words animal genetic resources, Bubalus bubalis, conservation of genetic resources, molecular markers Introdução A população mundial de búfalos está em torno de 170 milhões de cabeças sendo que a maior concentração encontra-se no continente asiático, mais precisamente na Índia, China e Paquistão. A Índia possui a maior porção, com um rebanho de aproximadamente 93.480.000, seguida do Paquistão com 23.370.000 e da China com 22.800.000 (Figuras 1). Na América do Sul, destaca-se o Brasil com uma população superior a 3 milhões de animais, chegando a ser maior que o de toda Europa e ocupando a décima primeira posição mundial (PERERA et al., 2005) citado por Vale & Ribeiro, (2005) V enez uela V ietnan S ri L anka R omênia Tailândia F ilipinas P aquis tão Iraque Myanma Nepal Malás ia Índia L aos B utão S ul da Á s ia B anglades h C hina C amboja Iran C uba E gito C olombia C az aquis tão Indonés ia S udoes te da Á s ia Trinidad‐ Tobago P erú Itália B ulgária Centro e Oeste C entro e O es teda Ásia,da Á Norte s iada África e Europa A z erbaijão B ras il A méric a L atina e C aribe A rgentina Figura 1. Distribuição mundial de búfalos por paises e regiões Fonte:Perera et al.(2005) A presente revisão aborda aspectos da classificação, introdução e raças existentes no Brasil, grupos de búfalos em extinção, além da conservação e caracterização dos mesmos. Com base na reduzida literatura produzida no Brasil foram sintetizados alguns tópicos sobre a caracterização genética das raças bubalinas que contrasta com uma vasta literatura internacional. No Brasil, a grande maioria dos trabalhos com essa espécie refere-se a investigações de parâmetros produtivos e reprodutivos como subsídios para os programas de melhoramento genético das raças, constituindo-se em aporte teórico para algumas discussões, enquanto os trabalhos envolvendo a caracterização usando técnicas moleculares, nesta espécie, são mais escassos. Merece destaque os relevantes trabalhos cujo foco é a conservação de recursos genéticos, desenvolvidos pela Embrapa Amazônia Oriental em parceria com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Marques et al., 2003). No âmbito regional, o diagnóstico da situação atual da bubalinocultura mineira (Garcia et al., 2005) e a identificação de criatórios de búfalos em algumas regiões do Rio de Janeiro e Espírito Santo, (Madella-Oliveira et al., 2005), representam uma valiosa contribuição a bubalinocultura local. Do mesmo modo, nos inúmeros trabalhos visando a caracterização fenotípica a partir da análise de características produtivas e reprodutivas dos bubalinos, nas diferentes regiões do País desde a década de 70 até os dias de hoje, Nascimento & Guimarães (1971), Marques (1991), Ohashi (1996), Vale (1999), Ramos (2003), Cassiano et al. (2003), Tonhati et al. (2004), Snel-Oliveira (2004), Vale & Ribeiro (2005) e Baruselli et al. (2006) são mostrados resultados em diferentes linhas de pesquisa da bubalinocultura brasileira. Por fim, apresenta-se uma abordagem sobre a caracterização genética, enfatizando o uso de marcadores moleculares no Brasil e no mundo. Vale frisar que não é objetivo deste texto comparar metodologias em diversos países e contextos, o que certamente resultaria em grandes diferenças quanto a qualquer aspecto abordado. Espera-se, no entanto, permitir que o leitor capture e dimensione o estado da arte da conservação e caracterização de búfalos no Brasil, a dimensão com que o assunto vem se apresentando no mundo nos últimos anos, bem como os diversos fatores que interferiram no desenvolvimento do tema em questão. Classificação zoológica Os búfalos pertencem à ordem Artiodactyla, subordem Ruminantia, família Bovidae, subfamília Bovinae. A subfamília Bovinae compreende seis gêneros: Bos, boi doméstico; Bison, bisão americano e bisão europeu (extinto); Bibos, gaur; Syncerus - Syncerus caffer caffer; Anga e Bubalus, que deu origem à espécie Bubalus bubalis – búfalos domésticos. Dentro dessa divisão distinguem-se os bovinos, os bubalinos (Búfalo asiático) e os syncerinos, denominados erroneamente de búfalos africanos (Mason,1996). Os sincerinos são animais selvagens que ainda existem em grandes manadas nas pradarias africanas, pertencem à espécie Syncerus caffer, subdividida em duas subespécies, S. caffer caffer e S. caffer nanus (Marques, 2000). A domesticação dos búfalos, Bubalus bubalis, tem sua origem no continente asiático, mais precisamente no sul da China e norte da Índia e deles descendem todos os búfalos domésticos existentes hoje no mundo (Cockrill, 1994). A espécie Bubalus bubalis, conhecida como búfalo d’água (water buffalo), foi descrita com três subespécies: Bubalus bubalis, variedade bubalis, é o búfalo doméstico ou indiano com cariótipo 2n=50 cromossomos, denominado búfalo de rio (river buffalo); engloba os rebanhos da Índia, Paquistão, China, Turquia e de vários países da América e da Europa, inclusive, os italianos que foram introduzidos no Brasil. Bubalus bubalis, variedade Kerebau ou búfalo de pântano, (swamp buffalo) é o búfalo encontrado na Malásia, Indonésia, Filipinas, Ceilão e Tailândia, apresentando o cariótipo 2n=48 cromossomos e Bubalus bubalis variedade fulvus, de porte menor que os demais, é o búfalo que vive em estado selvagem no nordeste da Índia (Marques et al., 2003) Introdução da espécie e grupos genéticos no Brasil No Brasil o ingresso dos bubalinos ocorreu na Ilha de Marajó-Pará e data do período de 1895, quando foram introduzidos 50 animais da raça Mediterrâneo vindos da Itália, além de um pequeno lote da Guiana Francesa. Outra importação da Itália foi feita no período de 1902 a 1906. Em 1907, foram introduzidos em Alagoas animais de pelagem baia, provavelmente, vindos da Índia. Nos anos seguintes, foram realizadas outras importações por criadores da Ilha de Marajó, do Baixo Amazonas e de outros estados do Brasil. Em 1962, foi realizada oficialmente a última importação de búfalos da Índia para os Estados de São Paulo e Paraná, quando foi registrada a introdução de um lote de 20 búfalos das raças Murrah e Jafarabadi. Em 1989, foi feita oficialmente a importação de animais da raça Mediterrâneo, da Itália para os Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia, da mesma forma que sêmen de reprodutores Murrah e Mediterrâneo, foram importados pela Embrapa, da Itália e da Bulgária (Vale 1999; Marques et al., 2003). Pela história da formação do rebanho bubalino no Brasil, observa-se que proporcionalmente, poucos animais deram origem ao efetivo populacional existente hoje no rebanho nacional, fato que explica os elevados índices de consangüinidade encontrados por Albuquerque (2005) quando estudou a variabilidade genética em cinco grupos genéticos de búfalos, utilizando marcadores moleculares. Apesar de serem catalogadas e conhecidas no mundo mais de uma dezena de raças bubalinas, no Brasil apenas quatros são reconhecidas oficialmente pela Associação Brasileira de Criadores de Búfalos-ABCB: as raças Murrah, Jafarabadi e Mediterrâneo, denominadas búfalos de rio e a Carabao, pertencente ao grupo de búfalos de pântano. A raça Carabao, tem sua origem no continente asiático mais precisamente na Indonésia, Filipinas e Sri Lanka. São animais de porte menor e a de maior rusticidade, quando comparadas as demais, tendo aptidão para a produção de carne e trabalho de tração. Segundo Marques et al. (2003) o rebanho em conservação no BAGAM é um dos únicos puros do País. No entanto, devido ao reduzido número do rebanho fundador e aos cruzamentos a que foram submetidos no passado, esse material genético encontra-se ameaçado de extinção. Sua pelagem é rosilha, com dois semicírculos de pêlos mais claros na região do pescoço, denominados “coleiras”. Apresenta um cariótipo com 48 cromossomos diferindo das demais raças que apresentam 50 cromossomos. O fato de o híbrido de Carabao com as demais raças apresentar um cariótipo com 49 cromossomos confere à descendência baixas taxas de fertilidade. Dentre os búfalos de rio, a raça Murrah, originária do norte da Índia, é a raça mais difundida por sua aptidão leiteira, principalmente, nos sistemas intensivos de criação. Possui pelagem preta e uniforme e seu nome significa caracol-espiral devido ao formato de seus chifres. Segundo Marques et al. (2003) em decorrência das poucas importações, o rebanho fundador no Brasil apresenta-se com uma base genética estreita, muitas vezes ampliada pela introdução de genes da raça Mediterrâneo, fato que pode ser necessário, já que o conjunto gênico Murrah, quando fechado, resulta em problemas congênitos. A raça Jafarabadi, originária do oeste da Índia, mais precisamente da Floresta do Gir na península de Kathiavar, caracteriza-se pela forma peculiar da cabeça com chifres longos e caídos. São animais de grande porte, pelagem preta e bem definida, de aptidão mista (carne e leite), citados como os bubalinos mais pesados. Apresenta duas variedades bem distintas: a Gir e a Palitana. A variedade Gir, de porte menor, possui cabeça, ossatura e membros mais leves, chifres mais longos e mais finos, dirigidos para baixo das orelhas. A variedade Palitana, de porte maior, porém, com chifres menores, apresenta crescimento mais rápido e bolsa gordurosa sobre os olhos fazendo com que eles pareçam mais fechados. A raça Mediterrâneo conhecida como búfalo preto ou italiano, descende de animais importados, em diversas épocas, da Itália para a Ilha de Marajó e, mais tarde, para diversos estados do País. Embora considerada de dupla aptidão, na Itália é criada com a finalidade única de produzir leite para fabricação de queijo tipo “muzzarella”. De acordo com Oliveira (1995), essa raça sofreu cruzamentos absorventes das demais raças existentes, fortalecendo a idéia de que, à exceção dos animais importados, os bubalinos criados no Brasil são do tipo mediterrâneo. São animais de tripla aptidão, pois, além de fornecer carne e leite, são incomparáveis no trabalho de tração. Além dessas, existe ainda no Brasil, um pequeno grupamento denominado Tipo Baio cujas características são apresentadas a seguir: Os animais do Tipo Baio apresentam algumas semelhanças com o búfalo nativo da região nordeste da Índia descrito como Bubalus bubalis, variedade fulvus sem haver, no entanto, nenhuma comprovação científica disso. A coloração baia ou pardacenta faz jus à denominação “Tipo Baio” pela qual é conhecido. Quanto a sua entrada no Brasil, alguns autores creditam sua origem a um rebanho importado pela antiga Usina Leão, em Alagoas. No momento, estão agrupados como subespécie Bubalus bubalis fulvus, mas a grande semelhança com animais da raça Murrah faz supor que podem pertencer ao mesmo grupo genético, ou seja, Bubalus bubalis bubalis. Corroboram essa hipótese as informações do presidente da Associação Brasileira de Criadores de Búfalos de que, na Índia, esses animais são considerados uma variedade da raça Murrah com a qual têm muita semelhança fenotípica (formato do corpo, chifre, perfil da cabeça), diferindo apenas na coloração da pelagem. Conservação e caracterização genética de Bubalinos O programa de conservação de recursos genéticos animais no Brasil, de responsabilidade da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, teve início em 1981 com a finalidade de conservar raças de animais domésticos ameaçadas de extinção. Esse programa inclui a identificação de populações ameaçadas, a caracterização morfológica, morfométrica e molecular, assim como a avaliação do potencial produtivo e reprodutivo das mesmas. Os principais métodos de conservação dos recursos genéticos animais são a manutenção de populações em sistemas de manejo adequados (conservação in situ), criopreservação de sêmen e embriões (conservação ex situ) e manutenção de bancos de DNA (Mariante et al.,1999). Entre as diferentes espécies conservadas no Brasil, temos a bubalina, com dois grupamentos ameaçados de extinção: a raça Carabao e o grupo genético denominado Baio. Núcleos de conservação formados por esses dois rebanhos vêm sendo mantidos pela Embrapa Amazônia Oriental, no Banco de Germoplasma Animal da AmazôniaBAGAM, na Ilha de Marajó, no Pará. Segundo Marques et al., (2003) o rebanho Carabao conta com um efetivo populacional de 123 animais dos quais 63 são fêmeas e o Baio apresenta situação similar com 113 animais sendo 67 fêmeas. Uma das demandas da conservação de recursos genéticos é o aumento do volume de informações sobre as populações que estão sendo conservadas, o que reforça a necessidade de fazer a caracterização genética das mesmas. Em genética, tanto do ponto de vista do melhoramento como da conservação, o principal objetivo é estudar, determinar e medir a variação existente, entre e dentro dos indivíduos de uma população (Aranguren-Méndez et al., 2005). Para tanto, os avanços da biologia molecular aliados às novas ferramentas estatísticas, propiciam a análise de variações em regiões codificantes e não codificantes do DNA, favorecendo com isso a obtenção de parâmetros que possibilitem a caracterização genética, como: variabilidade entre e dentro das raças/populações, distâncias genéticas entre elas e diversidade da espécie. Segundo MacHugh et al. (1994) os marcadores moleculares do tipo microssatélites, além de possibilitar estudos de domesticação e migração de animais, são muito úteis para guiar programas de conservação de raças ameaçadas de extinção. Embora ainda sejam poucas as referências envolvendo marcadores bioquímicos e moleculares para os bubalinos do Brasil, alguns trabalhos são considerados relevantes. Lara (1998) utilizando marcadores protéicos estudou três raças de búfalos e alguns mestiços da região do Vale do Ribeira- SP e observou que o loco da albumina mostrou-se muito informativo, sugerindo que o alelo AlbA seja provavelmente um marcador racial, já que não ocorreu em animais de padrão Murrah. Os animais se agruparam em dois clusters principais, um deles incluindo todas as populações Murrah e o outro as populações de padrão Jafarabadi e Mediterrâneo. Del Lama y Zago (1996) utilizaram os locos k-caseína e ß-lactoglobulina para comparar espécies diferentes: bubalinos da raça Murrah com zebuínos das raças Gir e Nelore. Depois da amplificação do DNA e da digestão pelas enzimas de restrição, Hind III e Hph I, foram identificadas, nos dois locos, as variantes A e B. Os fragmentos de DNA de bovinos e bubalinos apresentaram tamanhos similares. Com base nos resultados, foi observada variação genética somente nas raças bovinas, não tendo sido encontrado nenhum polimorfismo nos bubalinos. Utilizando marcadores bioquímicos e moleculares (RFLP), Iorio et al. (2004), analisaram parâmetros de diversidade genética em duas populações de búfalos de regiões distintas do sul da Itália e não verificaram diferenças genéticas significativas entre elas. No Brasil, Sena et al. (2003) estudaram polimorfismos dos locos MHC DRB (Bubu-DRB) e DRA (Bubu-DRA) em quatro diferentes raças de búfalos: Carabao Murrah e Jafarabadi do Brasil e Mediterrâneo da Itália. Oito diferentes alelos para o loco Bubu-DRB foram encontrados em bubalinos do Brasil. As freqüências alélicas diferiram entre as raças, mostrando redução na heterozigosidade para as raças Murrah e Jafarabadi. Foi observado também, que os quatro alelos encontrados na raça Carabao (búfalo de pântano) foram detectados em pelo menos uma das populações de búfalos de rio. Em um ensaio preliminar, Albuquerque et al. (2000), com 33 marcadores RAPD analisaram a divergência genética dos grupos, Baio, Carabao, Mediterrâneo e Murrah onde foi observado que o Carabao agrupou-se separadamente dos demais, sugerindo que esta pode ser realmente considerada uma subespécie diferente. Um trabalho complementar foi realizado com 98 marcadores RAPD e com a inclusão da raça Jafarabadi (ALBUQUERQUE et al., 2006a). Nesse estudo, ao serem confrontados os grupos Baio e Carabao (rebanhos de conservação) entre si e com os demais, os resultados para a divergência entre os pares, foram os seguintes: Baio e Carabao (26,5%), Baio e Mediterrâneo (30,9%), Baio e Murrah (20,4%) e Baio e Jafarabadi (19,8%), Carabao e Mediterrâneo (40,2%), Carabao e Murrah (26,0%), Carabao e Jafarabadi (27,3%). Embora todos os valores sinalizem uma divergência genética alta (P=0,000001), os índices mais elevados ocorreram quando cada um dos grupos foi confrontado com o grupo Carabao, evidenciando mais uma vez, o fato deste pertencer a subespécie distinta. Esta mesma técnica (RAPD) foi utilizada por Appa Rao et al. (1996), para estudar a distância genética entre a espécie Bubalus bubalis e outras três espécies da família Bovidae (Bos indicus, Ovis aries e Capra hircus). Na tentativa de detectar marcadores genéticos espécie-específicos, Saifi et al. (2004) avaliaram a identidade genética entre as raças Murrah e Bhadawari e concluíram que para os locos analisados no referido estudo, tanto o índice de identidade genética, calculado com base na freqüência das bandas, quanto o MAPD (Mean Average Percentage Difference) baseado em bandas não-comuns, indicaram um nível de identidade genética moderado entre as duas raças. Partindo-se da premissa que os marcadores moleculares, podem oferecer uma discriminação de alta resolução entre populações relacionadas dentro de uma mesma espécie (Barker, 1994), o que evidencia que, utilizando primers heterólogos, tais marcadores podem ser compartilhados por diferentes espécies animais como: bovina, bubalina, ovina, caprina e suína (Moore et al., 1991; Hetzel, 1993), um grande número de locos de microssatélites, caracterizados em bovinos vem sendo utilizados em diversos trabalhos com búfalos em todo o mundo (Barendse et al., 1994; Kappes et al., 1997). Com a finalidade de estudar a aplicação de alguns desses marcadores Hanotte et al. (1998) investigou cinco espécies de bovídeos domésticos da Ásia, incluindo a bubalina usando oito locos microssatélites recomendados para estudos de genética em bovinos. Entre os locos analisados, apenas o BM2113 mostrou-se polimórfico para todas as espécies estudadas. Nos búfalos, três deles não amplificaram (SPS115, ETH003, BM1824), dois não apresentaram ou apresentaram pouco polimorfismo (ETH010 e ILSTS006) e os demais (ILSTS005, ETH225, BM2113) mostraram-se polimórficos. Com o mesmo objetivo, Hooft et al. (1999) estudaram marcadores microssatélites de bovinos para análises moleculares em sincerinos africanos concluindo que grande número desses marcadores pode ser amplificado e mostrou-se polimórfico, podendo ser aplicado em estudos de genética de populações com essa espécie. O´Ryan et al. (1998) também analisaram a diversidade genética em populações fragmentadas de sincerinos no Sul da África, por meio da variação de sete locos microssatélites utilizando primers isolados para Bos taurus. Estudos similares foram realizados por Moore et al. (1995) nos quais testaram 80 primers microssatélites derivados de bovinos e determinaram os parâmetros de amplificação para ovelhas e búfalos de rio e de pântano. Do total de locos testados, 70% apresentaram algum polimorfismo em bubalinos. Na Índia, Navani et al. (2002) avaliaram a aplicabilidade em búfalos de 108 marcadores microssatélites dos quais 81 (75%) amplificaram e destes, 61 (56%) mostraram padrão de bandas polimórficas. Nesse estudo, o número médio de alelos e a heterozigosidade média por marcador foi 4,5 ± 0,20 e 0,66± 0,02 enquanto Pundir et al. (2000) detectaram quatro a sete alelos por loco analisado com heterozigosidade média variando de 0,40 a 0,92 quando utilizaram sete marcadores microssatélites para caracterizar a raça Mehsana. Recentemente, Kumar et al. (2006) utilizando vinte e sete locos microssatélites, analisaram a variabilidade e relações genéticas entre as seguintes raças bubalinas indianas: Toda, Jafarabadi, Pandharpuri, Bhadawari, Nagpuri, Surati, Mehsana e Murrah. Pelo resultado das análises foi observado que as raças Toda, Jafarabadi e Pandharpuri, ficaram separadas geneticamente entre si e das demais, sugerindo tratar-se de grupos distintos. As outras raças formaram um grupo simples próximo à origem, concluindo-se que as oito raças formaram quatro clusters distintos. A distância genética entre as raças estudadas foi pequena e a correlação entre a distância genética e a distância geográfica não foi significativa. Com base na freqüência dos microssatélites CSSM43, CSSM38, CSSM47, CSSM60, CSSM36, CSSM33, DRB3, DS1S4 e CYP21, Moioli et al. (2001) avaliaram o potencial produtivo e a adaptabilidade de populações de búfalos em diferentes ambientes, além de estimar a diversidade genética de rebanhos italianos e gregos. O número de alelos detectados variou de dois a treze, nos locos D21S4 e CSSM47, respectivamente. A diversidade média foi de 0,60 aumentando em função do número de alelos. A heterozigosidade média observada foi de 0,167 para os búfalos italianos e 0,177 para as populações da Grécia. O grau de diferenciação entre os grupos estimado em 0,021±0,009 foi considerado moderado. Os resultados sugerem freqüência de distribuição alélica similar nas duas populações, com alelos semelhantes e freqüentes em todos os locos, exceto nos CSSM47 e CSSM60. No Brasil, Albuquerque (2005) analisou populações de búfalos pertencentes aos cinco grupamentos existentes no pais, utilizando dois tipos de marcadores moleculares (RAPD e microssatélites), para estimar a variabilidade genética entre e dentro dos mesmos. A estrutura genética das populações definidas pela análise com RAPD foi comprovada pelas análises com marcadores microssatélites (Figura 1). O conjunto dos 13 locos microssatélites utilizados proporcionou um painel com poder de exclusão de paternidade combinada (PEC) de 99,42% e 99,98%, quando se considerou, respectivamente, apenas um ou os dois progenitores conhecidos. A variabilidade genética foi estimada em 12,27% (entre grupos) e 87,73% dentro dos grupos, o que evidencia que a maior parte da variância genética foi devida a diferenças entre indivíduos dentro dos grupos e somente uma pequena parte dessa variação pode ser atribuída à diferenças entre os grupamentos genéticos. A análise dos componentes principais, a partir destes dados (Figuras 2 e 3), mostra que os grupos Baio e Carabao, que fazem parte do programa de conservação de recursos genéticos da Embrapa, estão distantes entre si, bem como dos demais grupos. Estes resultados sugerem tratar-se de grupos genéticos distintos dos demais o que reforça a necessidade de conservação dos mesmos, como fonte alternativa de variantes genéticas. As variações na região mitocondrial D-loop em búfalos, têm sido descritas em diferentes países (Amano et al., 1994; Lau et al., 1998). No Brasil, Kiersten et al., (2004) analisaram a região D-loop em quatro diferentes raças de búfalos amostrados em rebanhos brasileiros e italianos e detectaram 36 haplótipos mitocondriais, com 128 sítios polimórficos. Nos búfalos de rio (Mediterrâneo, Murrah e Jafarabadi) foi observado que o conteúdo de A/T foi levemente mais alto do que nos búfalos de pântano (Carabao) sendo, no entanto, inferior ao encontrado em bovinos. Foi encontrada, ainda, a conexão de um haplótipo detectado nas raças Murrah e Mediterrâneo, havendo conexões mutacionais para quatro indivíduos Murrah bem como para búfalos Mediterrâneo. Num ensaio desenvolvido no Laboratório de Genética Animal da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, foram analisados nove animais Tipo Baio do rebanho em conservação no BAGAM e seis animais da raça Mediterrâneo, de três regiões distintas do Brasil (Albuquerque et al., 2006b). O trabalho foi realizado a partir do seqüenciamento um fragmento da região D-loop contendo 375 pb e análise dos destes com seqüências depositadas no GenBank das raças Carabao, Murrah, Jafarabadi e Mediterrâneo descritas por Kiersten et al. (2004). A análise revelou 34 haplótipos e 53 mutações ou SNPs, evidenciando quatro situações distintas: a) o grupo Baio compartilha haplótipos com os grupos Murrah, Mediterrâneo e Jafarabadi, o que pode estar refletindo os diferentes cruzamentos ocorridos, assim como a introspecção de genes de animais importados por criadores brasileiros no passado; b) três haplótipos são formados apenas por animais do Tipo Baio independentes dos demais grupos, caracterizando-o como um grupo genético distinto dos demais; c) estes mesmos haplótipos estão muito próximos do haplogrupo formado por animais da raça Carabao; d) o grupo Baio apresenta quatro haplótipos compartilhados com as raças de rio. Nos cinco grupos genéticos observou-se a ocorrência de compartilhamento de eventos de introgressão de genes. Apenas a raça Jafarabadi apresentou-se sub-estruturada, sugerindo que existe diferença entre as populações estudadas. Pelos resultados verificados nesse ensaio os autores concluíram que os animais do Tipo Baio formaram um grupo posicionado entre os grupos de rio e de pântano. Os animais do grupo Carabao formaram haplótipos independentes, evidenciando o fato de pertencerem a sub-espécies distintas. A relação entre os haplótipos observados neste trabalho (Figura 4) foi estabelecida a partir de uma análise de network (Bandelt et al., 1999). Finalmente verifica-se que ainda é escassa a literatura sobre caracterização genética de búfalos no Brasil, quando comparada à literatura em outros países onde a criação de búfalos tem maior tradição. Conclusão A revisão de literatura enfatizou a história da bubalinocultura no Brasil da introdução à caracterização genética utilizando marcadores moleculares. Comentou sobre as raças que estão sendo conservadas e sua importância como fonte de variabilidade genética. Citou alguns trabalhos relevantes com a espécie bubalina no Brasil e no mundo. Com este trabalho foi possível observar que, comparado a outras espécies, ainda existe uma grande lacuna a ser preenchida quando se trata de pesquisa envolvendo a espécie bubalina no Brasil, principalmente sob enfoque molecular, o que, sem dúvida, demanda novas investigações sobre o tema. Referências ALBUQUERQUE, M. do S. M.; MARQUES, J. R. F.; GAPAROTTO, C. R.; MARTINEZ, A. N.; EGITO, A. A. Preliminary evaluation of genetic distance among four buffalo populations conserved on Marajó Island (State of Pará- Brazil). In: GLOBAL CONFERENCE ON CONSERVATION OF DOMESTIC ANIMAL GENETIC RESOURCES, 5., 2000, Brasília. Anais... Brasília: Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, 2000. 1 CD-ROM. Editado por Arthur da Silva Mariante. ALBUQUERQUE, M. S. M. Marcadores moleculares e variabilidade genética em búfalos no Brasil. 2005, 111 f. Tese (Doutorado em Genética) -Departamento de Genética, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, 2005 ALBUQUERQUE, M. S. M.; EGITO, A. 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Murrah, Jafarabadi, Jafarabadi, Mehsana, Mehsana, Carabao. Baio, Mediterrâneo, Figura 5. Median-joining (MJ) network para alguns haplótipos baseado nos sítios polimórficos da região D-loop mitocondrial. As áreas circundadas representam a proporção de frequência dos haplótipos indicados.