REATOR UASB + BIOFILTRO SUBMERSO AERADO. UM SISTEMA EFICIENTE, MAS QUE REQUER CUIDADOS OPERACIONAIS Rafael K.X. Bastos: Engenheiro Civil (UFJF), Especialização em Engenharia de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ), PhD em Engenharia Sanitária (University of Leeds, UK), Professor Adjunto - Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Chefe da Divisão de Água e Esgotos da UFV. Universidade Federal de Viçosa, Departamento de Engenharia Civil. 36571-000, Viçosa-MG. Fone/Fax: (0XX) 31-3899-2356; e-mail: [email protected] Endrik Nardotto Rios: Engenheiro Civil (UFV), Mestrando em Saneamento Ambiental - Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Viçosa (UFV). José Luiz Pereira Correa: Engenheiro Civil. Diretor Geral do SAAE – Viçosa Daniel Vieira Minegatti de Oliveira: Graduando em Engenharia Ambiental (UFV) RESUMO De outubro de 2001 a maio de 2005 procedeu-se ao monitoramento de um sistema UASB + BF. Durante este período foram implementadas variações de operação no descarte de lodo do UASB e no intervalo entre retrolavagens do BF. O descarte de lodo com base em 10% do volume útil do reator resultou em nítido ganho de desempenho. Em relação a retrolavagem do BF, os resultados sugerem que a unidade suporta intervalos relativamente prolongados entre duas operações sucessivas. O monitoramento do sistema UASB + BF confirma o potencial de bom desempenho desta alternativa para o tratamento de esgotos sanitários. Por outro lado, indica claramente a necessidade de otimização operacional a fim de se alcançar a máxima eficiência e estabilidade. Particularmente, o BF tem revelado um desempenho aquém do esperado. Introdução O emprego de sistemas reatores UASB + biofiltros aerados submersos (UASB+BF) é nitidamente crescente no país, dentre outros, dados os seguintes atrativos: (i) elevada eficiência de remoção de matéria orgânica; (ii) pequena demanda de área; (iii) custos de implantação e operação relativamente baixos; (iv) relativa simplicidade operacional (GONÇALVES et al, 2001). O bom desempenho deste sistema depende ainda de um adequado controle operacional, com destaque para as operações de descarte de lodo do UASB e de retrolavagem do BF. O descarte de lodo do UASB deve ser realizado sempre que se detectar o incremento de sólidos no efluente, em volumes correspondentes a 5 -10% do volume útil do reator. Como recomendação adicional, devem-se manter os seguintes valores de sólidos: leito do lodo - 40.000 a 100.000 mg ST / L (4% a 10 %); manta do lodo - 15.000 a 30.000 mg ST / L (1,5% a 3 %). A maioria dos BFs com meio granular é dimensionada para operar durante períodos de tempo de 24 a 48 horas entre duas lavagens consecutivas; no caso do BF operar a jusante do reator UASB, o período entre duas lavagens pode superar sete dias (CHERNICHARO, 1997; GONÇALVES et al, 2001). Vários serviços municipais têm adquirido sistemas pré-fabricados, sendo que os fabricantes fornecem manuais de operação, entretanto, na maioria das vezes, por demais genéricos para a pronta implementação. Portanto, torna-se necessário que se busque a otimização operacional destes sistemas, de forma a alcançar o máximo de eficiência que potencialmente apresentam. Metodologia De outubro de 2001 a maio de 2005 procedeu-se ao monitoramento da ETE Violeira, situada no bairro de mesmo nome na cidade de Viçosa-MG e operada pelo Serviço Autônomo de Água e Esgotos do município. Trata-se de um sistema UASB + BF, pré-fabricado em aço, que recebe atualmente a contribuição de esgotos sanitários cerca de 600 habitantes (o BF foi instalado em março de 2003). O sistema foi monitorado (em freqüência oscilando entre semanal e quinzenal), no afluente e efluente de cada unidade. As análises físico-químicas seguiram as prescrições do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater (APHA, 1998). Até agosto de 2004 o descarte de lodo do UASB era realizado unicamente com base na concentração de SST no efluente do reator e em volume constante (em torno de 5% do volume útil do reator). A partir de então, em uma primeira tentativa, passou-se a fazer o descarte em torno de 10% do volume útil, mantendo-se, entretanto, a mesma proporção de volume de descarte nas diversas profundidades da zona de lodo. Em maio de 2004, incluíram-se quatro pontos de amostragem de lodo, compreendendo a manta e o leito de lodo (Figura 1), como um dos subsídios de orientação para o descarte, passando-se também testar a variação dos volumes de descarte nas diferentes profundidades. Até março de 2005 a operação de retrolavagem dos filtros era realizada de forma um tanto empírica (diária), a partir de quando se iniciaram testes variando os intervalos de retrolavagem, de dois a doze dias. Pelas razões expostas os resultados do monitoramento são apresentados em dois períodos: período 1 - outubro 2001 agosto 2004; período 2 - agosto 2004 a maio 2005 Como as contribuições de esgoto são recalcadas ao UASB a partir de um poço de sucção com comando automático, procedeu-se ao monitoramento das vazões nos vertedores de entrada do reator, o que permitiu a determinação de uma vazão média afluente de 1,9 L/s. Figura 1 – Pontos de amostragem do lodo no UASB (medidas em centímetros). Resultados e Discussão As eficiências médias de remoção e variações de DBO e DQO ao longo dos períodos de monitoramento, estão apresentadas na tabela 1 e figura 2, respectivamente. Tabela 1 – Eficiência média de remoção de DBO e DQO (%). Período Período 1 Período 2 UASB DBO DQO 71,4 60,3 82,9 72,3 BF DBO 31,0 17,0 DQO 38,6 20,7 UASB + BF DBO DQO 75,5 68,4 86,5 78,5 Figura 2 – Variações de DBO e DQO ao longo dos períodos de monitoramento Cumpre destacar que a DBO e a DQO do esgoto bruto apresentam variações marcantes, sendo, por vezes, bastante diluídas por infiltrações em períodos de chuvas (Figura 2). Nota-se que tanto a eficiência (Tabela 1) quanto a estabilidade do UASB (menores variações) (Figura 2) melhoram no período 2, quando se passou a fazer o descarte do lodo com base em 10% do volume útil do reator. Entretanto, o ganho de eficiência do UASB vem em detrimento da eficiência do BF, uma vez que este passa a receber material de mais difícil degradação; não obstante a eficiência total do sistema (UASB + BF) permanece mais elevada no período 2 (Tabela 1). Em relação aos resultados da série nitrogenada, foram observados, em média, os seguintes valores para todo período de monitoramento: (i) N-NH3: (EB: 21,0 mg/L; UASB: 40,9 mg/L; BF: 40,1 mg/L); (ii) N-NO3: (EB: 2,7 mg/L; UASB: 1,1 mg/L; BF: 0,9 mg/L). Em resumo, o BF pouco acrescenta em termos de remoção de matéria orgânica (algo mais destacado para a DQO) e nenhum efeito tem sobre a nitrificação. A melhora destacável de desempenho do sistema, com a mudança do volume de descarte de lodo para 10 % do volume útil do UASB, é nitidamente evidenciada também pelos resultados de sólidos nos efluentes do UASB e do BF: maior estabilidade, eliminação de picos de sólidos e intervalos mais prolongados entre operações de descarte (Figura 3a). É importante destacar que aos picos de sólidos no efluente do UASB, ou à minimização destes, correspondem, respectivamente, quedas, ou maior estabilidade do reator na eficiência de remoção de DBO e DQO (Figuras 3a e 3c). O monitoramento detalhado permitiu a identificação e o acompanhamento de “franjas de influência” das diversas zonas de lodo (do leito a manta). Valores de concentração do lodo (g ST / m3) nos quatro pontos de amostragem variaram de acordo com a figura 3 (b). Observam-se nitidamente os efeitos da elevação do teor de sólidos nas sucessivas camadas e, por fim, no efluente do UASB (Figuras 3a e 3b). Observa-se ainda que a alteração do volume de descarte de lodo proporcionou melhor atendimento aos limites recomendados de sólidos no leito e na manta de lodo (100 g ST / L e 30 g ST / L) (Figura 3b). Na figura 4 apresentam-se os resultados dos testes de variação dos intervalos entre retrolavagens do BF. Salvo exceções pode-se perceber alguma correspondência entre as eficiências de remoção de DQO e sólidos no BF. Em que pese a grande instabilidade do BF, os resultados até então reunidos permitem inferir que o mesmo suporta intervalos mais prolongados entre operações de retrolavagem. Figura 3: a) SST efluente ao UASB e BF (as setas indicam a data e porcentagem do volume de descarte); b) ST nas zonas 1 a 4 (as linhas horizontais representam os limites propostos para as zonas 1 e 4); c) Eficiência na remoção de DBO e DQO do UASB. Figura 4: Eficiência (%) de remoção em DQO e SST no BF entre intervalos de retrolavagens. Considerações finais. A determinação da vazão afluente ao UASB e seu respectivo monitoramento permitiram atestar a plena adequação do sistema, durante todo o período analisado, em termos de carga orgânica volumétrica (Kg DBO / m³.dia); carga biológica (Kg DQO / Kg SVT.d); carga hidráulica volumétrica (m³ / m³.d). Dados de pH do efluente do UASB (não incluídos) também sugerem condições adequadas de funcionamento. A alteração do descarte de lodo do UASB, de 5 % para 10% do volume útil do reator resultou em nítida melhora de desempenho. O acompanhamento das “franjas de influência” (limite de 100 g ST / L e 30 g ST / L) e do teor de SST no efluente do UASB têm então orientado os descartes subseqüentes. Dentre os parâmetros de controle do UASB, tem-se testado ainda a variação dos volumes de descarte nas diferentes profundidades (resultados não incluídos). Entretanto, o BF, até então, tem revelado um desempenho aquém do esperado e registrado por outros autores (BOF et al. 1999; GONÇALVES et al. 1997). Os resultados, ainda que incipientes, sugerem que o mesmo suporta intervalos entre operações de retrolavagem mais prolongados que os anteriormente praticados. O monitoramento do sistema UASB + BF confirma o potencial de bom desempenho desta alternativa para o tratamento de esgotos sanitários. Por outro lado, indica claramente a necessidade de otimização operacional a fim de se alcançar a máxima eficiência e estabilidade. Referências Bibliográficas: APHA, AWWA, WEF. Standard methods for the examination of water and wastewater. 20.ed. Washington, DC: APHA, 1998. BOF, VS; CASTRO, M. S. M.; GONÇALVES, R. F. ETE UASB + Biofiltro Aerado Submerso: Desempenho operacional com retorno do lodo aeróbio para o UASB. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 20, Rio de Janeiro, 1999. Anais... Rio de Janeiro: ABES, 1999, p. 487 – 497. CHERNICHARO C. A. L. Reatores anaeróbios. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental – UFMG,1997, 246 p. (Princípios do tratamento biológico de águas residuárias, 5). GONÇALVES, R. F; CHERNICHARO, C.A.L; ARAUJO, V. L. Tratamento Secundário de Esgotos Sanitários Através da Associação em Serie de Reatores UASB e Biofiltros Aerados Submersos. Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental, 20, Foz do Iguaçu, 1997. Anais...Rio de Janeiro, ABES, 1997. p. 450 – 461. GONÇALVES, R. F.; CHERICHARO, C.A.L.; ANDRADE NETO, C.O.; ALEM SOBRINHO, P.; KATO, M.T.; COSTA, R.H.R.; AIISE, M.M.; ZAIAT, M. Póstratamento de efluentes de reatores anaeróbios por reatores com biofilme. In: CHERNICHARO, C.A.L.(Coord.) Pós-tratamento de reatores anaeróbios. Belo Horizonte: [s.n.], 2001. 544 p. (Projeto PROSAB).