Hipótese de agenda setting aplicada à crise econômica: a informação como motor da sociedade Marcos Montenegro I. Introdução É inegável o poder que a mídia tem de nortear o comportamento da sociedade. Por meio da televisão, do rádio, da mídia impressa ou da Internet as pessoas ambientam-se socialmente. O que sair na mídia a respeito do que afeta, direta ou indiretamente, o indivíduo vai ser de interesse deste. A partir do que ele recebe como informação, seu comportamento tende a ser de acordo com aquilo que, segundo a mídia, pode melhorar sua vida. Foi o que aconteceu com a tão alardeada crise econômica. Há estudiosos que dizem que a crise nos Estados Unidos começou desde o ataque às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Cabe então lembrar que, mais cedo ou mais tarde, os norte-americanos teriam um baque econômico, sendo previsto até mesmo pelo setor imobiliário do país, grande causa e conseqüência do momento. Não importa, contudo, discutir quando a crise começou. O que é relevante neste momento é destacar o estopim da crise. No segundo semestre de 2008, nunca se ouviu tanto as pessoas falarem de economia. Quem não sabia o que era New Deal, por exemplo, a política usada para salvar os EUA em 1929, deve ter tido curiosidade suficiente para procurar saber o que é, devido a tanta lembrança da crise que abalou o mundo há quase oito décadas. Bancos falindo, empresas demitindo funcionários ou dando férias coletivas, Estado interferindo na economia são notícias que interessam a muitos brasileiros, sem dúvida. Mas até que ponto essas manchetes não contribuem para causar pânico na população? A importância dada a elas é compatível com a probabilidade de o Brasil sofrer os efeitos da crise, inicialmente, dos estados-unidenses? As medidas anunciadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e pelo presidente do Banco Central, Henrique Meireles, vieram com intuito preventivo. A mídia, por sua vez, causou impacto na sociedade exaltando alguns fatos e ofuscando outros. O que chama mais atenção: dizer que os Bancos 1 aumentarão os juros para compensar as “perdas” ou que as pessoas podem continuar investindo, caso contrário, a situação piorará? Aí está o problema. Especular é perigoso. Economista é como professor. Tem uns que acreditam na melhoria do ensino público, outros que já se conformaram com a precariedade do setor. Ouvir um desses economistas pessimistas e destacar na manchete uma fala de um deles tem conseqüências muito mais graves do que se imagina. II. Agenda tumultuada Nortear comportamento significa agendar. Mais especificamente, Agenda setting foi a hipótese contemporânea estudada pelos norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw para analisar como os meios de comunicação decidem sobre o que a população deve pensar e falar. Durante todo o dia, uma avalanche de informações é lançada sobre todos sem que uma parte desse todo trabalhe devidamente algumas dessas informações. Não há tempo. O relógio passa rápido e os acontecimentos acompanham o ritmo de forma proporcional. Somando essa avalanche de informações que põe em evidência um único assunto todos os dias as pessoas guardam parcialmente algumas informações. Aliás, não há como não guardar algo na memória, ouvindo, lendo e vendo aquilo todo dia. É o chamado efeito de acumulação, característica que marca a hipótese de agenda setting. “Os meios de comunicação influenciam sobre o receptor não a curto prazo, como boa parte 1 das antigas teorias pressupunham, mas sim a médio e longo prazos” Se aquilo não se repete todo dia, é porque já está ultrapassado, e, supostamente, não tem mais importância; outras notícias já ocuparam seu lugar no noticiário. Mas quando se repete, é porque você deve se preocupar com aquilo. Afinal, o jornalismo trabalha com a seleção de informações. O perigo mora nessa seleção. Em meio a tantas manchetes espetaculosas, tanto medo e euforia da imprensa internacional, a imprensa brasileira também fica afobada e segue no rumo semelhante, mesmo que tais fatos ainda não tenham chegado, substancialmente, ao Brasil. 1 Antonio HohFeldt, em Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação 2 “A decisão do governo de lançar uma espécie de campanha do otimismo, para estimular o consumo e, portanto, ativar a economia, foi recebida com desconfiança na imprensa. O governo, até certo ponto, está na dele. Lula sabe e disse, com outras palavras, que a retração do consumo, quando o consumidor teme pelo que o dia de amanhã lhe trará, é a proverbial profecia que se cumpre por si mesma: se eu passo a comprar menos de receio de perder o emprego, porque a economia vai esfriar, aí é que ela esfria mesmo. O brasileiro liga a TV – não precisa nem ler as páginas econômicas dos diários – e em minutos é informado 2 de que, de alguma forma, estamos todos sentados ao pé do vulcão” O jornal Folha de São Paulo, o maior e mais influente do país, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), talvez o único a ter assinantes em todas as partes do Brasil, é o objeto-exemplo de análise deste artigo. Pega-se algumas manchetes dos primeiros dias de outubro, mês de extrema discussão sobre a crise econômica norte-americana, ex-futura crise mundial, que preencheram as páginas do jornal e do portal do jornal. Como essas notícias fizeram com que as pessoas incluíssem tais informações na agenda das suas preocupações? Como a agenda do Folha de São Paulo se tornou a agenda do indivíduo e a agenda inclusive social? Como já abordado anteriormente, o jornalismo é responsável por ambientar o indivíduo no mundo em que vive3. A relação dele com a realidade não é de maneira direta. Ele depende de um mediador para ficar por dentro do que vem acontecendo ao seu redor, mesmo que muito longe. Por isso, a percepção dos fatos não é de fato como o fato é. Depende-se de interpretações, imaginação, trabalhada exclusiva e obstinadamente pelos „media‟. Somente na busca detalhada, de 1 a 7 de outubro de 2008, foram encontradas 65 matérias citando a crise econômica. Não importa a editoria. O fato já não é exclusividade dos cadernos de economia. Cotidiano, mundo, Brasil, todas os outros já foram agendados pela contextualização da crise econômica. As matérias misturam-se e já não dá mais para distinguir o que é para os brasileiros e o que é dos brasileiros. Quando se fala em juros, por exemplo, a pessoa já fica alerta. Comportamento bem plausível, já que o país tem uma das taxas de juros mais altas do mundo. A evidência para o assunto é dada em várias manchetes. O tema, com a notícia, traz medo para a população, que, temendo ser alvo de efeitos dos bancos em apuros, tira todo o 2 Luiz Weis, em artigo publicado no Observatório da Imprensa Tese defendida por Dennis de Oliveira, em Fronteiras do Jornalismo no Espaço Midiático: a real dimensão da função ideológica da informação jornalística. 3 3 dinheiro que tem guardado no banco para não sofrer perdas equivalentes a das instituições bancárias. Atitude esta que faz com que o mercado agrave-se mais ainda, pelo fato de os bancos não terem mais dinheiro para pôr em circulação. Outro exemplo refere-se à redução de prazo de crediário. Encarecimento de crédito e redução de prazos de financiamento para os consumidores traz conseqüências negativas para a economia. Parar de comprar também é fato comprometedor para um país que tenta prevenir-se de uma crise que se alastra por todo o mundo. O próprio vice-presidente da República, José Alencar, afirmou que a crise econômica que afeta todos os paises é causada pela especulação, o que precisa ser evitado 4. Sob o impacto que as mídias internacionais vêm dando com os alardes sobre a economia, pode-se dizer que as mídias brasileiras deixam-se contaminar pela euforia alheia. “Quem fabrica as euforias é a imprensa. Não apenas através da vibração obtida com o 5 abuso de verbos fortes, impactantes, mas sobretudo através de um olhar acrítico” 4 5 Em depoimento dado ao jornal O Globo, em 19/10/08. Alberto Dines, para o programa Oi no Rádio, em 29/09/08 4 As manchetes acompanham o desenrolar dos acontecimentos de uma forma natural, que define o efeito de acumulação. A incerteza do cenário econômico, tanto o nacional quanto o internacional, faz com que o receptor das informações busque saber a cada hora, a cada dia, o que aconteceu de novo relacionado àquilo. A agenda da mídia já é a agenda do indivíduo, e vice-versa. Ambos criaram uma relação de ação e reação. Enquanto a mídia norteia seu comportamento, o seu comportamento se reflete nas notícias conseqüentes, em números de pesquisas etc. 5 A onipresença (outro conceito que gira em torno da agenda setting) das discussões sobre crise econômica marca o dia-dia de especulações, benéficas ou não. São apenas especulações. Para enfatizar melhor a hipótese de agendamento em relação ao quadro analisado, o conceito de centralidade já é suficiente. “Capacidade que os mídias têm de colocar como algo importante determinado assunto, dando-lhe não apenas relevância quanto hierarquia e significado. Há muitos assuntos que são noticiados constantemente mas que não são conscientizados como centrais (isto é, 6 decisivos) para a nossa vida, enquanto que outros assim se tornam” III. Conclusão Seria este o problema da agenda setting mal aplicada no quadro econômico atual? Dar não só relevância, mas hierarquia ao que ainda não nos tinha atingido diretamente? Se não fosse como aconteceu, precocemente, a crise chegaria ao Brasil naturalmente, no tempo certo. Como segurança, o Brasil tinha U$200 bilhões de reservas para blindar o mercado de ações. Antes do tempo, o dinheiro foi sendo aplicado na economia nacional e emprestado a instituições bancárias. Não sabemos se foi a mídia a grande culpada por tais eventos. Mas que ela contribuiu para a tomada de atitudes equivocadas da sociedade, não há dúvida. Quando o Presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, afirmou que a crise ainda era uma “marola” aqui no Brasil, a imprensa e os críticos focaram os olhares, negativamente, em cima do presidente. Na época do depoimento, a crise era sim uma “marola” aqui no país. De lá para cá a crise agravou-se e continuaram a criticar Lula dizendo que a crise não era uma “marola”, e sim um “tsunami”. Mais um motivo para desespero. É somente depois de acalmar os nervos e parar para pensar que os meios de comunicação passam a estudar mais sobre a crise econômica relacionada ao Brasil. Acontece que isso aconteceu tarde demais. Montadoras de veículos, principalmente, já tiveram grandes prejuízos. Bancos privados já estão se fundindo. Empresas exportadoras já sentiram os prejuízos em seus estoques. A crise já chegou ao Brasil. 6 Antonio HohFeldt, em Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação 6 Cabe à “técnica” da agenda setting criar uma nova agenda para nortear comportamentos de acordo com atitudes calculadas e sobretudo delicadas. Os economistas mais otimistas prevêem que os EUA recuperem-se dentro de dezoito meses. Os pessimistas, por sua vez, acreditam numa recuperação em 36 meses. E no Brasil? Uma boa resposta pode ser dada de acordo com o agendamento feito com cautela a partir de então. IV. Anexos Não adianta ser hipócrita e radical a ponto de pensar que a crise não existe. Um cidadão tirou dinheiro do bolso para colocar um outdoor em frente à casa do jornalista Marcelo Tas com o seguinte aviso: Em parte, Arnaldo José tem razão. IV. Bibliografia Hipóteses contemporâneas de pesquisa em comunicação; Antonio HohFeldt Jornal O Globo Globo News Central Brasileira de Notícias Observatório de Imprensa Fronteiras do Jornalismo no Espaço Midiático: a real dimensão da função ideológica da informação jornalística; Dennis de Oliveira 7