Efeito Placebo - fflch-usp

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Morungaba Filosófico-Científica – encontro 12:
Efeito Placebo
Se você descobrisse que uma terapia alternativa – da área que é hoje chamada de
“naturologia”, que inclui reiki, florais, iridologia, etc. –, que funciona tão bem para você,
baseia-se no chamado “efeito placebo”, você ficaria decepcionado?
O efeito placebo envolve a seguinte constatação, estudada com detalhes a partir da
década de 1960. Pacientes que têm alguma doença e que são tratados apenas por meio da
ingestão de uma pastilha inócua, contendo nada mais do que farinha e talvez um pouco de
açúcar, acabam se curando da doença, a uma taxa maior do que aqueles que não recebem
tratamento algum. Para algumas doenças, como dor de cabeça crônica, esta taxa de cura pode
chegar a 30% dos pacientes que tomaram o placebo. Um componente importante do efeito
placebo é a relação de cuidado e atenção que se estabelece entre o médico e o paciente, às
vezes denominado “efeito não-específico”.
A compreensão deste efeito se fortaleceu na década de 1970, quando se comprovou
cientificamente que há uma ligação íntima entre os nossos sistemas neurológico e
imunológico. (No final desta apresentação há um relato desta descoberta.) Abriu-se assim um
novo campo conhecido como “psiconeuroimunologia” (PNI) ou “neuroimunomodulação”
(NIM).
O efeito placebo não deveria funcionar se o paciente souber que o remédio ingerido é
inócuo (apesar de efeitos não-específicos ainda poderem atuar). Mas se a ingestão do placebo
for acompanhada pela crença de há uma teoria que explica sua ação, e o tratamento envolver
cuidado e atenção por parte do naturologista, então a probabilidade de sucesso da terapia
aumenta. A naturologia poderia assim ser sustentada por argumentos científicos aceitáveis,
baseados na realidade e força do efeito placebo, como um complemento ou alternativa para
uma classe restrita de problemas de saúde física ou mental.
Convidamos a pesquisadora Dra. Maria Silvia Morgulis para vir ao nosso encontro e
explicar os princípios da NIM, e explorar algumas questões relacionadas ao efeito placebo,
como se ele atua em animais.
*****
Em 1974, o psicólogo Robert Ader (Universidade de Rochester, EUA) estava fazendo
uma pesquisa corriqueira de condicionamento com ratos. Tratava-se de um estudo em que o
rato aprendia a ter aversão ao gosto de uma solução com sacarina, porque logo após beber a
gostosa solução ele recebia uma injeção de “ciclofosfamida”, que lhe provocava indisposição
gastro-intestinal. No estudo comprovou-se o fato esperado de que os ratos que bebiam uma
dose menor de solução doce recuperavam-se da aversão mais rapidamente (digamos em três
dias) do que aqueles que na primeira sessão beberam mais solução de sacarina (e que
demoravam digamos sete dias). Note-se que ambos os ratos recebiam a mesma dose da
substância que lhes fazia mal: por que então demoravam tempos diferentes para se recuperar
da aversão? Porque o cérebro dos ratos associava o mal-estar à intensidade do gosto da
sacarina, assim como nos experimentos pioneiros do russo Ivan Pavlov (1895) com o reflexo
condicionado em cães. Ader estava fazendo o que o filósofo da ciência Thomas Kuhn chamou
de “ciência normal”: solucionando pequenas charadas dentro do “paradigma” mais amplo
inaugurado por Pavlov e pela psicologia comportamentalista (behaviorista).
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No entanto, uma coisa estranha começou a acontecer com os ratos de Ader: eles
começaram a morrer numa taxa maior do que a esperada! Chamou seu colega imunologista
Nicholas Cohen, que constatou (administrando glóbulos vermelhos de carneiro e observando
a reação imunológica dos ratos) que os ratos submetidos ao experimento estavam com seus
sistemas imunes deprimidos, ficando assim mais suscetíveis às doenças usuais do laboratório.
Sem que Ader soubesse, a droga que ele usara, a ciclofosfamida, também é um
imunodepressor. Porém, tal depressão normalmente não se prolongaria pelos quinze dias em
que a administração de sacarina era mantida nos ratos; ou seja, uma mera dose de
ciclofosfamida não aumentaria muito a taxa de mortalidade dos ratos. O que estava
acontecendo? Perceberam que o que estava acontecendo era que o sistema imune dos ratos
(através de seu cérebro) passou a associar o gosto da sacarina à depressão imunológica! Toda
vez que o rato tomava a solução de sacarina, o sistema imune deprimia, e isso por um período
de tempo bem maior do que o tempo em que a aversão psíquica se mantinha. Com este
resultado obtido de maneira acidental, ocorreu uma pequena “revolução científica” – para usar
outro termo de Kuhn. Apesar da resistência de revistas importantes em publicar tais
resultados, aos poucos outros cientistas começaram a repetir os experimentos, obtendo os
mesmos resultados, e a área da “psiconeuroimunologia” (“neuroimunomodulação") nasceria,
suplantando o dogma anterior de que o sistema neurológico e imunológico seriam
basicamente independentes.
Para finalizar esta história, vale mencionar que em pouco tempo Ader descobriu, para
sua surpresa, que os mesmos resultados já haviam sido estabelecidos na União Soviética por
um discípulo de Pavlov, Sergei Metalnikoff, a partir de 1926. No entanto, tais resultados não
foram aceitos no Ocidente, apesar de serem conhecidos. Isso revela a força que um paradigma
tem de orientar a pesquisa dos cientistas, por vezes impedindo a realização de novas
descobertas.
Encontro realizado na Associação Morungaba em 13 de agosto de 2008.
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