A TERAPIA OCUPACIONAL E O TRABALHO TERAPÊUTICO – UM ESTUDO DE CASO COM PACIENTES INSTITUCIONALIZADOS PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS Cássia B.S.V.Covre, Adriana Marques Barja UNIVAP/FCS, Av. Shishima Hifumi, 2911,Urbanova,São José dos Campos – SP [email protected], [email protected] Resumo- Os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) no Brasil são considerados estratégicos e imprescindíveis no processo de desinstitucionalização de pacientes de longas internações psiquiátricas que perderam vínculos sociais e familiares. No entanto, muitos são os problemas e desafios que este serviço evidencia no contexto mais amplo da atenção à saúde. Este artigo propõe a realização de um estudo como reflexão e embasamento para o desenvolvimento de uma futura proposta de Trabalho Terapêutico com um grupo de moradores com histórico de internação de longa data em um Hospital Psiquiátrico, localizado no Vale do Paraíba/SP. Palavras-chave: Desinstitucionalização, Serviço Residencial Terapêutico, Práticas em Saúde. Área do Conhecimento: Ciências da Saúde Introdução Manicômio é um termo genérico que usamos para classificar hospícios, asilos, hospitais psiquiátricos e demais lugares de tratamento da doença mental que se valem do princípio do isolamento do louco da sociedade. O ambiente do manicômio é um lugar onde os internados perdem todas as suas referências de vida. São excluídos do convívio familiar, do trabalho, do local onde moram, da cidade. Perdem, portanto, a maior garantia que a sociedade moderna pretende dar a todos: a cidadania. Até o século XVIII, na Europa, os hospitais não possuíam finalidade médica. Eram grandes instituições filantrópicas destinadas a abrigar os indivíduos considerados indesejáveis à sociedade, como os leprosos, sifilíticos, aleijados, mendigos e loucos. Portanto, eram lugares de exclusão social da pobreza e da miséria produzidas pelos regimes absolutistas da época. Na ocasião da Revolução Francesa, o hospital de Bicêtre, em Paris, era considerado uma verdadeira casa de horrores onde os internados, loucos em sua maioria, eram abandonados à própria sorte. O médico Phillipe Pinel, um dos primeiros alienistas, como eram chamados os médicos que foram os precursores da psiquiatria, ao ser nomeado diretor daquele hospital, começou a separar e classificar os diversos tipos de desvio ou alienação mental que encontrava, com o objetivo de estudá-los e tratálos. Foi deste modo que surgiu o hospital psiquiátrico, ou manicômio, como instituição de estudo e tratamento da alienação mental. O chamado tratamento moral praticado pelos alienistas incluía o afastamento dos doentes do contato com todas as influências da vida social, e de qualquer contato que pudesse modificar o que era considerado o desenvolvimento natural da doença. Desta forma, pressupunha-se que a alienação poderia ser melhor estudada e sua cura poderia ser atingida. Dissemos que os loucos, até o século XVIII, eram mantidos excluídos junto a todos os outros desviantes sociais nos grandes hospitais. Os alienistas realmente pretendiam transformar o hospital num lugar de análise e cura da chamada alienação mental. Mas acontece que para isso continuavam mantendo os alienados dentro dos manicômios, excluídos da sociedade, pois esta era a condição fundamental do tratamento moral pregado por estes primeiros psiquiatras. Com o passar do tempo, a grande maioria dos indivíduos que chegava a essas instituições nunca mais saía. Esta situação perdurou em todos os manicômios e hospícios surgidos na Europa e nos países colonizados durante mais de dois séculos. Franco Basaglia foi o precursor do movimento de reforma psiquiátrica italiano conhecido como Psiquiatria Democrática. Nasceu no ano de 1924 em Veneza, Itália, e faleceu em 1980. Após a 2ª Guerra Mundial, depois de 12 anos de carreira acadêmica na Faculdade de Medicina de Padova, ingressou no Hospital Psiquiátrico de Gorizia. No ano de 1961, quando assumiu a direção do hospital, iniciou mudanças com o objetivo de transformá-lo em uma comunidade terapêutica. Sua primeira atitude foi melhorar as condições de hospedaria e o cuidado técnico aos internos em Gorizia. Porém, à medida que se defrontava com a miséria humana criada pelas condições do hospital, percebia que uma simples humanização deste não seria XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 1 suficiente. Ele notou que eram necessárias transformações profundas tanto no modelo de assistência psiquiátrica quanto nas relações entre a sociedade e a loucura. Basaglia criticava a postura tradicional da cultura médica, que transformava o indivíduo e seu corpo em meros objetos de intervenção clínica. No campo das relações entre a sociedade e a loucura, ele assumia uma posição crítica para com a psiquiatria clássica e hospitalar, por esta se centrar no princípio do isolamento do louco (a internação como modelo de tratamento), sendo portanto excludente e repressora. Após a leitura da obra do filósofo francês Michel Foucault História da Loucura na Idade Clássica, Basaglia formulou a negação da psiquiatria como discurso e prática hegemônicos sobre a loucura. Ele não pretendia acabar com a psiquiatria, mas considerava que apenas a psiquiatria não era capaz de dar conta do fenômeno complexo que é a loucura. O sujeito acometido da loucura, para ele, possui outras necessidades que a prática psiquiátrica não daria conta. Basaglia denunciou também o que seria o duplo da doença mental, ou seja, tudo o que se sobrepunha à doença propriamente dita, como resultado do processo de institucionalização a que eram submetidos os loucos no hospital, ou manicômio. A partir de 1970, quando foi nomeado diretor do Hospital Provincial na cidade de Trieste, iniciou o processo de fechamento daquele hospital psiquiátrico. Em Trieste ele promoveu a substituição do tratamento hospitalar e manicomial por uma rede territorial de atendimento, da qual faziam parte serviços de atenção comunitários, emergências psiquiátricas em hospital geral, cooperativas de trabalho protegido, centros de convivência e moradias assistidas chamadas por ele de gruposapartamento para os loucos. No ano de 1973, a Organização Mundial de Saúde (OMS) credenciou o Serviço Psiquiátrico de Trieste como principal referência mundial para uma reformulação da assistência em saúde mental. A partir de 1976, o hospital psiquiátrico de Trieste foi fechado oficialmente, e a assistência em saúde mental passou a ser exercida em sua totalidade na rede territorial montada por Basaglia. Como conseqüência das ações e dos debates iniciados por Franco Basaglia, no ano de 1978 foi aprovada na Itália a chamada Lei 180, ou Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana, também conhecida popularmente como Lei Basaglia. Franco Basaglia esteve algumas vezes no Brasil realizando seminários e conferências. Suas idéias se constituíram em algumas das principais influências para o movimento pela Reforma Psiquiátrica no país. Segundo Paulo Amarante, Franco Basaglia, ao concluir o seu último livro, pouco antes de falecer, dizia que seu maior desejo seria o de que a história de datas todo o movimento por ele liderado não fosse contada com base em, portarias, atos oficiais , etc., mas sim pelas histórias de pessoas, de muitas pessoas cujas vidas tivessem sido transformadas pelo seu trabalho. A Reforma Psiquiátrica propõe transformar o modelo assistencial em saúde mental e construir um novo estatuto social para o louco, o de cidadão como todos os outros. Não pretende acabar com o tratamento clínico da doença mental, mas sim eliminar a prática do internamento como forma de exclusão social dos indivíduos portadores de transtornos mentais. Para isso, propõe a substituição do modelo manicomial pela criação de uma rede de serviços territoriais de atenção psicossocial, de base comunitária. Neste novo modelo de cuidado, os usuários dos serviços têm à sua disposição equipes multidisciplinares para o acompanhamento terapêutico. Adquirem também o status de agentes no próprio tratamento, e conquistam o direito de se organizar em associações que podem se conveniar a diversos serviços comunitários, promovendo a inserção social de seus membros. Em primeiro lugar, precisamos estabelecer que o tratamento das chamadas "doenças mentais" não envolve simplesmente um processo de "diagnóstico e cura", como pretendia a psiquiatria clássica. O modelo de tratamento previsto pela Reforma Psiquiátrica pretende "cuidar" do portador de transtornos mentais sem ocupar somente daquilo que pode ser considerado uma "doença". Deste modo, tem o objetivo de atender as pessoas que necessitam de cuidados psíquicos em sua individualidade e em sua relação com o meio social. A desinstitucionalização, como processo efetivo de desconstrução de saberes e práticas manicomiais, se coloca como um projeto cujas bases precisam ser desenvolvidas. Diante dessa realidade, procurou-se nortear este estudo tendo com base os novos processos de reforma psiquiátrica brasileira, o Serviço Residencial Terapêutico (SRT). Logo no seu início, as ações de desinstitucionalização no Brasil depararam-se com uma questão: o que fazer com pessoas que poderiam sair dos hospitais psiquiátricos, mas que não contavam com suporte familiar ou de qualquer outra natureza. Por esta razão, a II Conferência Nacional de Saúde Mental, em dezembro de 1992, ressaltou a importância estratégica da implementação dos então chamados Lares Abrigados para a reestruturação da assistência em saúde mental no País. A reintegração de doentes mentais graves na comunidade é uma tarefa a que o Sistema Único de Saúde (SUS), vem se dedicando nos últimos anos. Juntamente com os programas De Volta Para Casa e Programa de Reestruturação dos Hospitais Psiquiátricos, o XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2 Serviço Residencial Terapêutico (SRT), vem concretizando as diretrizes de superação do modelo de atenção centrado no hospital psiquiátrico. De acordo com a Portaria GM Nº 106/2000, entende-se como Serviços Residenciais Terapêuticos, moradias ou casas inseridas, preferencialmente, na comunidade, destinadas a cuidar dos portadores de transtornos mentais, egressas de internações psiquiátricas de longa permanência, que não possuam suporte social e laços familiares e que viabilizem sua inserção social. Em seu Artigo 2º, essa Portaria define que os SRTs, constituem uma modalidade assistencial substitutiva da internação psiquiátrica prolongada, de maneira que, a cada transferência de paciente do Hospital Especializado para o SRT, deve-se reduzir ou descredenciar do SUS, igual número de leitos naquele hospital, realocando o recurso da Autorização de Internação Hospitalar (AIH) correspondente para os tetos orçamentários do estado ou município que se responsabilizará pela assistência ao paciente e pela rede substitutiva de cuidado em saúde mental. Nos SRTs o cuidado deve estar organizado em um Projeto Terapêutico que, segundo as diretrizes dessa Portaria, deve conter ações que favoreçam o desenvolvimento da autonomia dos moradores, em direção a recuperação e implemento de atividades da vida cotidiana e de criar novas bases sociais, políticas e comunitárias. Belini e Hirdes também afirmam a necessidade de que essas experiências resultem em reflexões que promovam a consolidação desses novos dispositivos em saúde mental podem servir de apoio a usuários de outros serviços de saúde mental, que não contem com suporte familiar e social suficientes para garantir espaço adequado de moradia. A implantação de uma residência terapêutica exige pacto entre gestor, comunidade, usuários, profissionais de saúde, vizinhança, rede social de apoio e um cuidadoso e delicado trabalho clínico com os futuros moradores. Metodologia A metodologia utilizada baseia-se em levantamentos e leituras de livros e artigos científicos que demonstrem experiências de desinstitucionalização, bem como, os efeitos da internação prolongada. Será apresentada a organização dos conhecimentos adquiridos, a fim de apresentar uma revisão bibliográfica sobre o assunto. Após embasamento teórico, será elaborada uma proposta de atividades que contribuam no processo de desinstitucionalização de moradores de um Hospital Psiquiátrico na região do Vale do Paraíba. Resultados A partir desta pesquisa verificou-se que as Residências Terapêuticas constituem-se como alternativas de moradia para um grande contingente de pessoas que estão internadas há anos em hospitais psiquiátricos. Temos hoje, no Brasil, um grande número de potenciais beneficiários das Residências Terapêuticas. Pessoas que poderiam deixar o hospital psiquiátrico com a garantia de seu direito à moradia e ao suporte de reabilitação psicossocial. Existem também usuários sem histórico de internações prolongadas, mas que por razões diversas precisam de dispositivos residenciais que permitam prover adequadamente suas necessidades de moradia. O suporte de caráter interdisciplinar deverá considerar a singularidade de cada um dos moradores, e não apenas projetos e ações baseadas no coletivo. O processo de reabilitação psicossocial deve buscar de modo especial a inserção do usuário na rede de serviços, organizações e relações sociais da comunidade. Ou seja, a inserção em um SRT é o início de longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador. Discussão Torna-se importante ressaltar que a saída do hospital psiquiátrico é sempre um ganho de qualidade de vida para indivíduos portadores de transtornos mentais. Porém, para que isso ocorra devem ser direcionados a suportes de acolhimento adequados às suas necessidades, tais como: I) uma família mais estruturada e preparada para lidar com as singularidades da doença mental. O apoio e o carinho da família com certeza, faz bastante diferença na recuperação dessa pessoa. Por isso vale a pena esgotar todas as possibilidades para uma reaproximação com os familiares, quando se há notícias dos mesmos. A família da pessoa portadora de transtorno mental, também passa por uma série de dificuldades, pois sentem-se inseguras quando não tem compreenção do que é a doença e de como agir em situações de crise. Por isso, torna-se muito importante, ações que colaborem na orientação à família e reintegração da mesma junto ao usuário dos serviços de saúde mental. Vale informá-la sobre todos os dispositivos de suporte da rede de saúde mental, a fim de ajudá-los na delicada reaproximação após tantos anos. II) serviços de internação substitutivos ao hospital como Caps III (Centro de Atenção Psicossocial III) ou Naps (Núcleo de Atenção Psicossocial) ambos com suporte assistencial para receber casos psiquiátricos graves e programas de inserção social. III) E o Serviço Residencial Terapêutico (SRT), certamente o suporte de moradia em XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 3 residências terapêuticas tem meios de proporcionar melhores condições de vida aos moradores do que a internação psiquiátrica, pois, já em primeira instância, o sujeito recebe de volta seu direito à liberdade readquirindo a possibilidade de ir e vir dentro território estabelecido. Segundo Vasconcelos, os dispositivos de cuidado residencial existentes têm um papel fundamental, de sistematização de experiências e de formação de um know-how nessa modalidade de atenção que, pela característica inovadora, apresenta inúmeros desafios. Nos SRTs o cuidado deve estar organizado em um Projeto Terapêutico que, segundo as diretrizes dessa Portaria (GM Nº 106/2000), deve conter ações que favoreçam o desenvolvimento da autonomia dos moradores, em direção a recuperação e implemento de atividades da vida cotidiana e de criar novas bases sociais, políticas e comunitárias. Belini e Hirdes também afirmam a necessidade de que essas experiências resultem em reflexões que promovam a consolidação desses novos dispositivos em saúde mental. Conclusão - FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo, Ed. Perspectiva, 2000. 6ª edição. (edição original em 1972) - GOFFMAN, ERVING. Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo, Ed. Perspectiva, 1999. 6ª edição. - RESIDÊNCIAS TERAPÊUTICAS: o que são, para que servem / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – Brasília: Ministério da Saúde, 2004. 16 p.: il. – Série F.Comunicação e Educação em Saúde, ISBN 85-334-0822-6. - ROTELLI F; LEONARDIS O; MAURI D. Desinstitucionalização, uma outra via. A reforma psiquiátrica italiana no contexto da Europa Ocidental e dos paises avançados. In ROTELLI F; LEONARDIS O; MAURI D. Desinstitucionalização. São Paulo: HUCITEC, 2001. - SERVIÇO RESIDENCIAL TERAPÊUTICO EM SAÚDE MENTAL, Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. II, Título,III Série. Este estudo revela que é necessária uma prática reabilitadora voltada para a reaprendizagem das atividades diárias da vida. É necessário motivar essas pessoas para que elas desenvolvam estes ensinamentos sozinhas, não discriminando, nem excluindo, mas sim, respeitando o tempo de cada um. As práticas de reinserção e reabilitação perpassam pela construção e reconstrução dos sujeitos. Dentro desta perspectiva, o trabalho terapêutico pode ser apontado como uma das estratégias possíveis, inseridas nas propostas da reabilitação psicossocial. As palavras chaves para um Trabalho Terapêutico são planejamento participativo, envolvimento e autonomia que remetem às práticas da reabilitação e reinserção social, enquadrando-se como o melhor meio de emancipação do ser humano. Referências - AMARANTE P.D.C. A (clínica) e a reforma psiquiátrica. In: Amarante PDC, Organizador. Arquivos de saúde mental e atenção psicossocial. Eng. Paulo de Frontim: NAU Editora; 2003. - AMARANTE, P.D.C. O Homem e a Serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, 1996. - CUNHA M.C.P. 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