SERVIÇO SOCIAL MIRIAN PEREIRA OS CONSELHOS DE POLITICAS SOCIAIS PUBLICAS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: O EXERCICIO DO CONTROLE SOCIAL TOLEDO 2012 SERVIÇO SOCIAL MIRIAN PEREIRA OS CONSELHOS DE POLITICAS SOCIAIS PUBLICAS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: O EXERCICIO DO CONTROLE SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – campus de Toledo, como requisito parcial a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profa. Ms. Cristiane Carla Konno TOLEDO 2012 MIRIAN PEREIRA OS CONSELHOS DE POLITICAS SOCIAIS PUBLICAS NA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: O EXERCICIO DO CONTROLE SOCIAL Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Serviço Social, Centro de Ciências Sociais Aplicadas, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – campus de Toledo, como requisito parcial a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social. BANCA EXAMINADORA ____________________________ Prfa. Ms. Cristiane Carla Konno Universidade Estadual do Oeste do Paraná _____________________________ Profa. Ane Barbara Voidelo Universidade Estadual do Oeste do Paraná ____________________________ Profa. Ms. Ester Taube Toretta Universidade Estadual do Oeste do Paraná Toledo, 23 de Novembro de 2012 Dedico este trabalho aos meus pais, Renato e Nercy pela vida que me deram e por acreditarem que eu era capaz, dedico também a minha filha Mayara razão do meu viver. E em especial dedico este TCC ao meu lindo e amado Vinicius Pereira Higino (in memorian) amor eterno por ti. AGRADECIMENTOS Antes do término desse processo de produção e em conversa com minha orientadora a professora Cris cheguei a conclusão que além de ser um momento de grande crescimento intelectual devido a aquisição de conhecimentos e que fez com que eu refletisse esse processo, há também os momentos que marcaram este processo e que faz crescer o desejo de agradecer a todos que contribuíram nessa caminhada. Assim, não tem como deixar de agradecer a Deus, por sua existência e proteção. Agradecer aos meus pais Renato e Nercy que me deram o dom da vida, PAI e MÃE, sem vocês eu não teria razão de viver, obrigada mesmo por me mostrarem que a honestidade e a integridade são essenciais a vida. A minha filhota Mayarinha, obrigada FILHA, não imagino minha vida sem você, se tivesse que fazer tudo de novo para tê-la, eu o faria, pois não tenho palavras para falar o orgulho que sinto de ser sua mãe, e mais que mãe sua amiga, obrigada filha pelos conselhos, quantas vezes invertemos os papéis, em vez de você me escutar eu que te escutava. Obrigada minhas irmãs Mara, Maristela e Renata, pela paciência que tiveram comigo nos meus momentos de estresse. Agradeço aos meus sobrinhos e sobrinhas: Bah, Nana, Jor, Ju, Otávio, Ana Clara, Antonio e Vinicius (in memorian), a tia ama muito vocês e estarei sempre aqui para o que der e vier. Meu muito obrigado a minha mana/amiga Adriana Franzmann, quantas vezes nesse caminhada choramos e rimos juntas, quanta força mana você me deu para que pudesse prosseguir em frente, além é claro, de me dar mais uma família, com pai, mãe, irmãos e sobrinhas, isto não tem preço, ficarei eternamente grata. Não posso deixar de agradecer a minha família daqui de Toledo, que me acolheu dentro de sua residência sem me conhecer: Adilma, Dona Malvina, Seu Aguinaldo, meu sobrinho postiço Arthur, o que seria da minha pessoa aqui se não tivesse o apoio de vocês que me agüentaram, me acolheram, quantos momentos passamos juntos nesses quatros anos, quantas tarde de chimarrão e sempre acreditando que eu iria conseguir vencer. Quero agradecera aos meus amigos de Campo Mourão Marlene e Reinaldo, casal maravilhoso, e que sempre que precisei de jogos para o meu sustento não mediram esforços para conseguir. Também não posso deixar de agradecer a Dona Ivone, que no momento que precisei de um teto estendeu a mão para mim e me alugou sua casa, sem me conhecer e na confiança pois não tinha dinheiro para pagar o aluguel adiantado, agora posso dizer que é uma amiga que eu conquistei aqui em Toledo. Agradeço também a Tânia Midding, minha supervisora de campo, o que falar de seu profissionalismo, além é claro da pessoa maravilhosa que é, agradeço por ter se tornado minha amiga, muito obrigada mesmo. O meu muito obrigado de coração a Professora Cris que desde o meu pré-projeto nunca mediu esforços para me auxiliar. Cris sua inteligência é incontestável, seu carisma é fora de sério. Quantas pessoas me criticaram por ter te escolhido como orientadora, mas hoje posso falar com todo o orgulho que não teve escolha melhor e esta escolha Cris, veio do coração só tenho que te dizer muito obrigada, muito obrigada mesmo. E agora como vou agradecer as minhas amigas, que se tornaram minhas irmãs nesses quatro anos, Marciane, Valéria, Sandra, Josiane, Bruna, obrigada por agüentar essa chata, pois tinha dias que eu não me agüentava, imagino vocês. Amigas são isso mesmo, choram juntas, riem juntas, tiram sarro uma das outras, viram a cara, mas logo esquecem tudo e estão aí unidas de novo. Val e Marci, lembra daquela foto do face das três velhinhas juntas? Bom é desse jeito que quero envelhecer com vocês. Amo a todas, sei que em algum momento desses quatro anos magoei de alguma forma vocês, mas aqui quero pedir perdão, perdão mesmo de coração. Nossa se fosse agradecer a todos que passaram em minha vida nestes quatro anos acho que não terminaria nunca, mas agradeço a Michele e o Rafa do Mundo das Cópias pelas risadas, agradeço ao seu Dede que todos os dias me recebeu na cantina com um sorriso maravilhoso, agradeço a todos os funcionários da Unioeste por sempre me atenderem com muita dedicação, a essas mulheres maravilhosas da limpeza, que não medem esforços para que tudo esteja limpo e que só sentimos o seu valor na greve. Muito obrigada a todos os professores que passaram na minha vida acadêmica nestes quatros anos, sei que muitas vezes faltou minha dedicação, mas tenha certeza que aprendi muito com vocês. Quero agradecer também aos colegas de turma, que mesmo com nossas diferenças, conseguimos conviver harmoniozamente nestes quatro anos. Beijos especiais para Claudinha, Maiara, Adelliany, Fernanda, Adriana, Marguita e Karina e as amigas que conquistei no último ano Nillya e Suellen. E um agradecimento em especial a Deus, por ter colocado a Unioeste no meu caminho, pois acho que nossos destinos estão traçados por um Ser superior, pois fez com que eu conseguisse (nem como foi entrar na última chamada do vestibular) e hoje estar aqui agradecendo a concretização do meu sonho. PONTE SOBRE AS ÁGUAS TURVAS Versão; Pe. Zezinho, SCJ SE A SOLIDÃO FOR DEMAIS E EM TEU CORAÇÃO NÃO SENTIRES A PAZ EU QUERO ESTAR BEM PERTO COMO ALGUÉM QUE TORCE POR TEU BEM COMO PONTE SOBRE AS ÁGUAS TURVAS HÁS DE ME ENCONTRAR SE A LUZ QUE TENS SE APAGAR E A ESCURIDÃO MEU PAI, OFUSCAR TEU OLHAR VEREI A LUZ NAS TREVAS DO CORAÇÃO COM MINHA MÃO NA TUA MÃO COMO PONTE SOBRE AS ÁGUAS TURVAS HÁS DE ME ENCONTRAR VAMOS NAGEGAR, NAVEGAR EM BUSCA DE UM LUGAR PARA A GENTE SONHAR SOMOS IGUAIS EU JÁ SONHEI TAMBÉM COM ESTA MESMA PAZ E SE ACASO PRECISARES DE ALGUÉM HÁS DE ME ENCONTRAR COMO PONTE SOBRE AS ÁGUAS TURVAS HÁS DE ME ENCONTRAR PEREIRA, Mirian. Os Conselhos de Políticas Sociais Públicas na efetivação dos Direitos Sociais: o exercício do Controle Social. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social). Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Campus- Toledo-PR, 2012 RESUMO O presente trabalho de conclusão de curso - TCC, é parte integrante das exigências legais para a obtenção do titulo de Bacharel em Serviço Social, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná- UNIOESTE, campus de Toledo. O interesse pelo tema surgiu com a aproximação no período de Estagio supervisionado em Serviço Social, nos anos letivos 2011/2012, realizado na Secretaria Executiva dos Conselhos, junto a Secretaria de Assistência no Município de Toledo e que envolve os Conselhos Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal dos direitos da criança e adolescente e Conselho Municipal dos direitos do idoso. A década de 1980 é um marco para a democracia brasileira, pois a sociedade em geral lançase na luta pela redemocratização da sociedade e do Estado brasileiro. Foi nessa década que se promulgou a Constituição de 1988 com as garantias de direitos no âmbito das políticas sociais. Os conselhos gestores de políticas sociais emergem como um dos espaços de realização do controle social acerca das políticas sociais. Para entender melhor esse processo de efetivação do controle social, nossa indagação parte da necessidade de investigar se realmente é possível o exercício do controle social nos espaço dos conselhos. Neste sentido é preciso entender a necessidade da sociedade em lutar pelos seus direitos. Veremos com a Constituição de 1988 um grande avanço da democracia fundada na participação e no controle social, pensando nas defesas do direito e estimulando a descentralização do poder e através disso, temos que entender o que leva a necessidade da sociedade em lutar pelos seus direitos. E isto acontece através da desigualdade no capitalismo enraizada na contradição capital x trabalho e que tem como conseqüência a desigualdade social. Deste modo, este estudo visa a abordagem dos conselhos de políticas sociais públicas na efetivação dos direitos sociais, analisando o exercício do controle social. Palavras chaves: Democracia, Conselhos, Controle Social LISTA DE SIGLAS AI – Ato Institucional CB – Constituição Brasileira LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................................... 7 LISTA DE SIGLAS .................................................................................................................. 8 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10 1 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA........................ 15 2 O CONTROLE SOCIAL NO ÂMBITO DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS ..................................................................................... 26 2.1 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS................................................................................................................................26 2.2 DEMOCRACIA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS.......................29 2.3 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS........................33 2.4 O CONTROLE SOCIAL NO ÂMBITO DOS CONSELHOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA.........................38 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 47 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 50 10 INTRODUÇÃO A construção desse trabalho de conclusão de curso só foi possível como resultado dos conhecimentos adquiridos durante o processo de formação profissional do curso de Serviço Social, destacando a experiência vivenciada em Estágio Supervisionado em Serviço Social I e II, junto à Prefeitura do Município de Toledo, Estado do Paraná, na Secretaria Executiva dos Conselhos. O interesse pela temática, “implementação dos conselhos de políticas sociais na efetivação dos direitos sociais: o exercício do controle social”, surge a partir do estágio realizado na Secretaria Executiva dos Conselhos, localizada no âmbito da Secretaria de Assistência Social do município de Toledo e de que fazem parte os Conselhos de Assistência Social, dos Direitos das Crianças e Adolescentes e dos Direitos dos Idosos. Nesse sentido, a participação efetiva nas reuniões dos respectivos Conselhos, bem como todo o processo de elaboração da documentação necessária para tal, nos despertou o interesse por esse estudo. Nossas indagações partem da necessidade de investigar se realmente é possível o exercício do controle social no espaço dos conselhos, compreendendo-os como meio pelo qual a sociedade civil pode acessar aos processos que informam as decisões no âmbito da sociedade política. O objetivo desta pesquisa é compreender o processo em que se insere o controle social nos espaços dos Conselhos, tendo como objetivos específicos: descrever o processo histórico de constituição dos direitos sociais no Brasil; demonstrar teoricamente o processo acima demarcando legalmente na CF/88 (Constituição Federal de 1988); e refletir acerca da institucionalização dos conselhos de políticas sociais na efetivação dos direitos sociais, analisando o exercício do controle social. Para isso, é necessário entender o significado de pesquisa. Segundo Minayo (1994), a pesquisa é uma indagação da realidade que, por meio de uma prática teórica constante, busca definir um processo inacabado e permanente. Minayo afirma: O termo Pesquisa Social tem uma carga histórica e, assim como as teorias sociais, reflete posições frente à realidade, momentos do desenvolvimento e da dinâmica social, preocupações e interesses de classes e de grupos determinados. (MINAYO, 1994, p. 23) Após refletir sobre o que Minayo argumenta sobre o conceito de pesquisa e ter como 11 primazia que a pesquisa é dos meios que contribuem para a formação do profissional de Serviço Social, considerando o exercício da produção do conhecimento, despertou-nos o interesse pela investigação aqui apresentada, considerando ser a pesquisa fonte de informações e conhecimentos que nos aproxima e prepara analiticamente para a intervenção na realidade social. Para que o profissional possa realizar uma intervenção qualitativa é necessário aprimorar seu referencial teórico, afim de que possa analisar e apreender as relações sociais estabelecidas entre as classes sociais, determinadas pelo modo de produção existente. Para isso, a atitude investigativa é um elemento fundamental na constituição da competência profissional. É dentro dessa concepção que as dimensões teórico-metodológicas, éticopolíticas e técnico-operativas se constituem, tanto na formação como no exercício da profissão de Serviço Social. Portanto, a busca do conhecimento é o que move o profissional para conhecer e analisar a realidade, conformada pelas mais diversas expressões da questão social, então objeto de intervenção do Serviço Social. Segundo Guerra (2009, p.707), o conhecimento se revela de duas formas: o conhecimento empírico, que analisa a questão fenomênica e que a autora ainda apresenta como um entendimento que se restringe a aparência; e o conhecimento da dialética, que parte da teoria para a prática, ou seja, do abstrato para o concreto. É a partir deste conhecimento dialético que se faz a crítica da realidade, e que possibilita a intervenção qualitativa. Na pesquisa, a aparência é o ponto de partida, porém, o conhecimento a ser produzido deve ir além desta aparência, buscar compreender a essência no âmbito da totalidade. Portanto, as partes devem ser compreendidas na relação entre a totalidade parcial que compõem a totalidade ampla (GUERRA, 2009, p.709). Este trabalho se pauta na pesquisa qualitativa. Segundo Minayo, “[...] a realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante” (MINAYO, 2004, p. 15). Para a mesma autora, a pesquisa qualitativa responde a questões particulares e se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado, pois “[...] ela trabalha com o universo de significados, motivos, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis” (MINAYO, 2004, p.17-18). Apesar dos dados quantitativos e qualitativos não se oporem e se complementarem, a realidade abrangida por eles interage, excluindo qualquer dicotomia, “A dialética pensa a relação da quantidade como uma das 12 qualidades dos fatos e fenômenos. Busca encontrar, na parte, a compreensão e a relação com o todo; e a interioridade e a exterioridade como constitutiva dos fenômenos.” (MINAYO, 2004, p. 24-25), considerando assim, que o fenômeno ou processo social tem que ser entendido nas suas determinações e transformações dadas pelos sujeitos. Segundo Gil (1989, p.45) “[...] toda e qualquer classificação se faz mediante algum critério”. Na pesquisa usa-se a classificação com base nos objetivos gerais. Seguindo esta linha, este trabalho de conclusão de curso será bibliográfico, pois o objetivo principal deste tipo de pesquisa é o aprimoramento de idéias. A pesquisa bibliográfica é fundamental em todo trabalho científico, pois consiste no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa. Conforme a classificação proposta por Gil, “[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos, além de ser descritiva, pois sendo o assunto da pesquisa conhecido, a contribuição é proporcionar novas visões sobre o tema já conhecido. Portanto, a partir da apreensão das referências bibliográficas que circunda nosso estudo, organizamos nossas reflexões em dois capítulos. No primeiro capítulo, intitulado “A construção de direitos na sociedade brasileira”, traçamos a trajetória da construção dos direitos na sociedade brasileira, bem como a relação Estado e sociedade a partir da década de 1980, chegando à promulgação da CF/88. Esse percurso sócio-histórico pretende mostrar uma nova relação entre Estado e sociedade, a partir da década de 1980, com a transição dos governos militares à constituição da democracia, na qual os direitos civis, políticos e sociais fundamentam-se na idéia de liberdade. O Brasil foi marcado por inúmeras transformações desde o seu descobrimento até os dias atuais, tanto no que se refere à nova formação do Estado, como da participação no mesmo pela sociedade civil. Com o resgate histórico desse processo, alcançamos o ponto de partida para o debate de nosso objeto de estudo: o marco legal dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988. Discorremos sobre a importância da sociedade em lutar pelos seus direitos. Em uma sociedade capitalista, as desigualdades têm sua gênese a partir da contradição capital x trabalho, que se dá em virtude da apropriação privada da riqueza socialmente produzida. Essa relação se enraíza na exploração do trabalho pelo capital, deflagrando o processo de disputa e conflito entre as classes sociais. Essa situação de exploração tem como consequências as mais 13 diversas formas de manifestação, como: analfabetismo, violência, desemprego, miséria, falta de moradia, entre outros, e que são conhecidas como as expressões da questão social. [...] a “questão social” é mais do que pobreza e desigualdade. Ela expressa a banalização do humano, resultante de indiferença frente à esfera das necessidades das grandes maiorias e dos direitos a elas atinentes. Indiferença ante os destinos de enormes contingentes de homens e mulheres trabalhadores – resultados de uma pobreza produzida historicamente (e, não, naturalmente produzida) -, universalmente subjugados, abandonados e desprezados, porquanto sobrantes para as necessidades médias do capital. (IAMAMOTO, p. 123) Como resposta à agudização e aprofundamento da questão social, o Estado implanta e implementa as políticas sociais de natureza pública, que ante aos reclamos e reivindicações da sociedade, se concretizam sob a forma dos direitos sociais legalmente garantidos. Com a crise global do modelo de acumulação capitalista e o necessário ajuste do Estado neoliberal, são reduzidos os investimentos destinados às políticas sociais. Porém, reprodução e a concentração do capital não foram estagnadas, provocando o aprofundamento das expressões da questão social. Nesse contexto, a questão social passa a ser um elemento essencial das formas e movimentos da sociedade e segundo Ianni (1994, p. 88) “[...] o protesto social, sob diversas formas, no campo e na cidade, sugere tanto a necessidade da reforma como a possibilidade de revolução”. Dessa forma, alguns setores dominantes e o Estado reconhecem a questão social como uma realidade, havendo a necessidade de enfrentamento da mesma, tanto pelo Estado como pela sociedade organizada. Para Ianni, no decurso da história: [...] formam-se grupos e classes, sindicatos, movimentos sociais e partidos Políticos. Desenvolvem-se reivindicações, greves, protestos, revoltas. Simultaneamente, há um luta aberta e surda pela cidadania. Um vasto processo histórico-social por meio do qual entra em curso a metamorfose da população de trabalhadores em povo de cidadãos. (IANNI, 1994, p. 92) Nesse sentido, vimos com a Constituição de 1988 um grande avanço da democracia fundada na participação e no controle social, pensando nas defesas do direito e estimulando a descentralização do poder. Essa descentralização configura-se nas três esferas de governo e também na implementação dos conselhos gestores de políticas públicas, ressaltando a importância desses espaços de representação como instâncias em que refratam interesses contraditórios, já que são marcados pelas lutas e disputas políticas. 14 No segundo capítulo, intitulado “O Controle Social no âmbito dos Conselhos Gestores de Políticas Sociais Públicas”, vimos que uma vez instituídas as políticas sociais, emerge a necessidade de estabelecer um canal que possibilite a relação entre as demandas da sociedade e a obrigação do Estado em atendê-las. Esse canal se abre com a institucionalização dos conselhos gestores de políticas sociais públicas e se estabelece como meio de controle social. Ou seja, é a garantia a participação da sociedade civil no controle das decisões políticas referentes aos direitos de cidadania. Portanto, há um embate entre posições distintas, que exige a prática do controle social como estratégia de realização da democracia. Nossas reflexões pretendem dirimir os questionamentos acerca do espaço dos conselhos como exercício do controle social, seus limites e possibilidades presentes na realidade brasileira, bem como seu posicionamento com objetivo de contribuir para a sociedade, no sentido da participação. Além disso, pretendemos relacionar o espaço dos conselhos à profissão de Assistente Social, que tem como uma das suas atribuições privativas, a gestão das políticas sociais. 15 1 A CONSTRUÇÃO DOS DIREITOS NA SOCIEDADE BRASILEIRA Este capítulo tem como objetivo traçar a trajetória histórica brasileira levando em consideração aquilo que deu base ao campo dos direitos civis, políticos e sociais, principalmente na construção dos direitos na sociedade brasileira. Para tal, tomamos referência básica as seguintes obras: “O Direito Social e a Assistência na Sociedade Brasileira: uma equação possível?”, de Berenice Rojas Couto e “Cidadania no Brasil: o longo caminho”, de José Murilo de Carvalho. Nessa aproximação irá se mostrar uma nova relação entre Estado e sociedade, a partir da década de 1980, com a transição dos governos militares e a constituição da democracia, na qual os direitos civis, políticos e sociais fundamentam-se na idéia de liberdade. O Brasil foi marcado por inúmeras transformações desde o seu descobrimento até os dias atuais, tanto no que se refere à formação do Estado como na constituição da sociedade civil e a trajetória histórica, que transcorre nos períodos colonial, imperial, chegando à república. Nesse sentido, vimos como necessário fazer um resgate histórico desse processo, tendo como alcance e ponto de partida para o debate de nosso objeto de estudo o marco legal dos direitos sociais na Constituição Federal de 1988. A história nos mostra que, ao se libertar de Portugal, o Brasil herdou uma tradição cívica nada encorajadora. De acordo com Carvalho: Em três séculos de colonização (1500-1822), os portugueses tinham construído um enorme país dotado de unidade territorial, lingüística, cultural e religiosa. Mas também deixado uma população analfabeta, uma sociedade escravocata, uma economia monocultura e latifundiária, um Estado absolutista. À época da independência, não havia cidadãos brasileiros, nem pátria brasileira. (CARVALHO, 2008, p.18) Na colonização do Brasil e para sua expansão, Portugal estabeleceu no país a agricultura e a exploração de minérios como sua principal fonte de renda, tomando ainda como base o trabalho escravo, sendo esse um dos fatores mais negativos para a cidadania, e que recai no campo dos direitos civis. O trabalho escravo é uma característica marcante da sociedade brasileira presente no período colonial. Essa realidade faz com que se tenha dificuldade de expor os direitos civis, uma vez que os escravos eram considerados de posse do seu senhor. Mas, isso não quer dizer que os senhores fossem considerados cidadãos, pois conforme Carvalho (2008, p.21), eles 16 eram livres, podiam votar e serem votados nas eleições municipais, mas faltava para os mesmos o sentido de cidadania e noção da igualdade de todos perante a lei. Nesse processo, houve outro elemento importante para a constituição dos direitos no Brasil que traz a relação de poder das grandes propriedades. A lei que vigorava era a dos coronéis, que além de serem donos dos escravos, se sentiam donos dos trabalhadores livres, indicando assim uma relação de trabalho baseada na submissão e, com isso, eliminando a possibilidade de uma relação livre e de cidadania. Partindo dessa premissa, a justiça, segundo Carvalho, que “[...] é a principal garantia dos direitos civis, tornava-se simples instrumentos do poder pessoal” (2008, p. 22). Essa relação passou nos períodos conhecidos como Colônia e Império como uma forte estrutura que obstaculizava a organização de movimentos coletivos. Os movimentos sociais, nesse período, se mobilizavam somente para discutir a sua dependência econômica da Coroa e o valor alto dos impostos. Esse período foi marcado pelos princípios liberais e, portanto, a questão dos direitos civis e da liberdade não tinha grande valor, pois “[...] os direitos civis beneficiavam a poucos, os direitos políticos a pouquíssimos, dos direitos sociais ainda não se falava, pois a assistência social estava a cargo da Igreja e de particulares” (CARVALHO, 2008, p. 24). Essas idéias liberais deram origem a muitos movimentos revolucionários e de conspiração contra a Coroa, como a Inconfidência Mineira1. E, segundo Rojas Couto, uma das características desses movimentos revolucionários, em sua maior parte, era de ser representado “[...] por sujeitos letrados, pelos grandes proprietários e representantes da Igreja” (ROJAS COUTO, 2004, p. 81). Nesse período o papel da Igreja Católica foi muito importante, pois como esses movimentos lutavam para se libertar da Coroa, a Igreja também aderiu para defender seu direito de não sofrer interferências. É por meio desses movimentos que se iniciam os primeiros traços de uma consciência de direitos sociais e políticos e “[...] a república era vista como o governo dos povos livres, em oposição ao absolutismo monárquico” (CARVALHO, 2008, p. 25). Em 1822, o Brasil, através de movimentos que se mobilizaram, conseguiu sua independência. Entretanto, esses movimentos não introduziram uma mudança em seu 1 Importante movimento social da História do Brasil que ocorreu em Minas Gerais no ano de 1789. Este movimento foi composto por influentes integrantes das elites, tendo caráter separatista, os inconfidentes impunham limites ao seu projeto. Não pretendiam dar fim a escravidão africana e não possuíam algum tipo de ideal que lutasse pela independência da “nação brasileira”. Dessa forma podemos ver que a inconfidência foi um movimento restrito e incapaz de articular algum tipo de mobilização que definitivamente desse fim a exploração colonial lusitana. (SOUZA, R., Brasil Escola) 17 posicionamento, pois essa idéia de independência estava fundamentada em uma monarquia baseada na separação dos países e não nas atividades comerciais, mantendo, assim, a dependência de Portugal: A escolha de uma solução monárquica em vez de republicana deveu-se à convicção da elite de que só a figura de um rei poderia manter a ordem social e a união das províncias que formavam a antiga colônia. (CARVALHO, 2008, p, 27) Era importante uma independência ordenada sem inconvenientes. E “[...] nada melhor do que um rei para garantir uma transição tranqüila, sobretudo se esse rei contasse [...] com o apoio popular” (CARVALHO, 2008, p.27). Com a independência, o Brasil necessitou de uma Constituição para se organizar. A mesma foi idealizada em 1824 e que implantou um modelo monárquico, “[...] apesar de constituir um avanço no que se refere aos direitos políticos, a independência, feita com a manutenção da escravidão, trazia em si grandes limitações aos direitos civis” (CARVALHO, 2008, p. 28). Foi deixada de lado a garantia de direitos, pois uma pequena parcela da população tinha a garantia de participar da política no país. E conforme IANNI retrata: Os movimentos e as idéias comprometidos com a república e a democracia foram derrotados, controlados ou simplesmente supridos. Aos poucos, o manto monárquico recobriu muitas inquietações e desigualdades, criando a ilusão de que o poder moderador resolvia de forma benigna a maior parte dos problemas criados com o escravismo, as nações indígenas, a questão agrária, as diversidades regionais. (IANNI, 1994, p. 13) Essa Constituição, homologada em 1824, regeu o País até o fim da monarquia e estabeleceu os três poderes: o executivo, o legislativo e o judiciário, além do poder moderador que era próprio do Imperador, cujo ponto principal era o de regulamentação dos direitos políticos, definindo quem teria direito de votar e ser votado, permanecendo sem alteração até o ano de 1881. Houve outras formas de expressar os direitos políticos nesse período que “[...] foram [...] submetidos a cerceamento por parte da elite nacional, pois os direitos políticos estavam atrelados à manutenção da sociedade brasileira dentro dos seus padrões tradicionais” (ROJAS COUTO, 2004, p. 87). Contudo, essa estruturação entre sociedade e Estado, além dos grandes proprietários e trabalhadores, foi o marco importante na consolidação dos direitos tanto civis, políticos como os direitos sociais. 18 Não havia ainda, nesse momento, a preocupação com as necessidades sociais da população, pois a Igreja se responsabilizava, através dos religiosos, de cuidar das pessoas que necessitavam. Os direitos sociais só começaram a aparecer com a participação dos imigrantes que chegavam ao Brasil, conforme relata Rojas Couto: A emergência dos direitos sociais foi ser constituída a partir do trabalho dos imigrantes europeus, que, no século XVIII, fugindo das guerras, se instalaram no Brasil e foram, aos poucos, substituindo a mão-de-obra escrava. (ROJAS COUTO, 2004, p. 88) Foi através dos imigrantes que apareceram as primeiras demandas na área social e o atendimento dessas demandas era estruturado na forma de favor por parte da elite, a qual não demonstrava nenhum interesse em modificar a estrutura arcaica da sociedade brasileira em relação à conquista dos direitos. De acordo com Rojas Couto: “Essas características, persistentes ao longo da trajetória do Estado brasileiro, constituíram um entrave à concretização dos direitos, sejam eles civis, políticos ou sociais” (ROJAS COUTO, 2004, p. 88),. A herança do Brasil na proclamação de sua independência, conforme Carvalho relata, foi a de uma sociedade em que predominava a escravidão, uma economia monocultora e latifundiária e um Estado Absoluto, e, com essas características, se tornaria difícil estabelecer mecanismos que garantissem a implantação dos direitos. Em 1889, com a Proclamação da República2, não houve mudança significativa no novo regime, tendo em vista que essa seria conhecida como “república dos coronéis” (CARVALHO, 2008, p. 41), pois os mesmos possuíam grande influência na sua região e com os governantes. O autor nos relata, ainda, que foram cometidos vários equívocos em relação à participação popular na Proclamação da República, pois a população que estava saindo de dominação colonial não tinha como comportar-se de uma maneira diferente. Isso se deve ao fato de o país não ter passado por nenhuma revolução, ou seja, “[...] o processo de aprendizado democrático tinha que ser por força, lento e gradual” (CARVALHO, 2004, P.43) Com a promulgação da Constituição de 1891 houve a criação de direitos reconhecidos por lei, mas que na realidade foi um retrocesso no campo dos direitos. 2 Ocorreu em 15 de novembro de 1889. No final da década de 1880, a monarquia brasileira estava numa situação de crise, pois representava uma forma de governo que não correspondia mais às mudanças sociais em processo. Fazia-se necessário a implantação de uma nova forma de governo, que fosse capaz de fazer o país progredir e avançar nas questões políticas, econômicas e sociais. (SOUZA, R.Brasil Escola, s/p a) 19 Houve mesmo retrocesso na legislação: a Constituição republicana de 1891 retirou do Estado a obrigação de fornecer educação primária, constante da Constituição de 1824. Predominava então um liberalismo ortodoxo, já superado em outros países. Não cabia ao Estado promover a assistência social. A Constituição republicana proibia ao governo federal interferir na regulamentação do trabalho. Tal interferência era considerada violação da liberdade do exercício profissional. Como conseqüência, não houve medidas do governo federal na área trabalhista, exceto para a capital. (CARVALHO, 2004, p. 62) Segundo Rojas Couto nos relata, “[...] o inconformismo com a realidade foi evidenciada por meio de inúmeros movimentos sociais que se sucederam os quais desde o Brasil Colônia, caracterizavam-se por questionar a ordem instituída.” (ROJAS COUTO, 2004, p. 90). Esse inconformismo resultou em diversas revoltas, tanto da população como as de cunho religioso, como a Revolta da Vacina3, Canudos4 e Contestado5. Essas revoltas populares mostravam que a população possuía uma noção de direitos e, de acordo com Carvalho (2008, p. 75), que essa população não participava da política oficial de como não votar ou de não possuir uma consciência clara do sentido desse voto. Entretanto, a população tinha alguma noção sobre o que era o direito dos cidadãos e também de seus deveres. Apesar da Constituição de 18916 permitir a livre escolha religiosa, garantia de direitos iguais a todos perante a lei e a inviolabilidade do lar, a história mostra que o Estado e a elite tratavam de uma maneira diferenciada os que pensavam em divergir da ordem estabelecida. Com relação à Constituição de 1891, “[...] é possível observar que a mesma foi escrita como princípios básicos alguns atributos que são indicativos da presença de características da formulação de alguns direitos civis, político e social [...]” (ROJAS COUTO, 2004, p. 91), sendo que esses direitos eram restritos a uma pequena parcela da população em um período em que a realidade dos trabalhadores brasileiros era pautada em uma condição de vida sem direitos, desse modo: [...] a noção de direito foi substituída pela concessão, que tem como compromisso fundante a manutenção do status quo. E essa característica atravessa os vários movimentos e regimes políticos da sociedade brasileira,construindo uma relação de dependência entre quem detêm o 3 Ocorreu no início do século XX, no período de 10 a 16 de novembro de 1904 na cidade do Rio de Janeiro. (Ver Cidadania no Brasil,José Murilo de Carvalho, 2008). 4 Ocorreu entre os anos de 1986 a 1897, na comunidade de Canudos no interior do Estado da Bahia. (Ver Cidadania no Brasil,José Murilo de Carvalho, 2008). 5 Ocorreu entre outubro de 1912 e agosto de 1916, os conflitos ocorreram numa disputa de área entre os Estados do Paraná e Santa Catarina. (Ver Cidadania no Brasil,José Murilo de Carvalho, 2008). 6 Promulgada em 24 de fevereiro de 1891. 20 poder, a terra, os meios de produção e o capital versus aqueles que vivem e sobrevivem à margem da riqueza socialmente produzida e que têm incorporado a “concessão social” como demarcadora de sua vida e o “direito social” como categoria intangível pela ótica da cidadania. (ROJAS COUTO, 2004, p. 92) Percebe-se, com isso, que essa relação de dependência perpassa um longo período até os dias atuais, pois a garantia de direitos naquele período era restrita a uma pequena parcela da população, principalmente em favor dos que detinham o poder ou possuíam uma propriedade. E a noção de direito se apresentava em uma perspectiva de favor do governo e da elite. Devido a esse processo, nota-se que no Brasil há grandes obstáculos para realizar mecanismos que garantam os direitos civis, políticos e sociais e que é preciso, portanto, compreender essa trajetória para que sociedade persista em lutar por seus direitos. Foi somente a partir de 1930 que presenciamos uma aceleração em relação às mudanças sociais e políticas. A partir dessa data, Carvalho (2008) afirma que houve uma grande mudança no que concerne à aceleração em relação aos direitos sociais, pois foi nesse período que criaram o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e foram consolidadas as Leis de Trabalho, em que “[...] a legislação social não parou de ampliar seu alcance, apesar dos grandes problemas financeiros e gerenciais que até hoje afligem sua implementação.” (CARVALHO, 2008, p. 87). Nesse período iniciou a mudança econômica do Brasil que passou a ter um maior desenvolvimento urbano e industrial e, dessa maneira, houve a necessidade de enfrentar as novas demandas postas para os trabalhadores. Segundo Rojas Couto, “A regulamentação das relações entre capital e trabalho foi a tônica do período, o que parece apontar uma estratégia legalista na tentativa de interferir autoritariamente, via legislação, para evitar conflito social” (ROJAS COUTO, 2004, p. 95). No governo Vargas foram formuladas legislações que traçam uma política baseada em um Estado social autoritário e que, de acordo com Rojas Couto, buscavam “[...] sua legitimação de cunho regulatório e assistencialista” (ROJAS COUTO, 2004, p. 96), apontando para um sistema de proteção social conservador. A Constituição de 19347 referendou os direitos civis dentro de um projeto liberal, indicando igualdade perante a Lei, mas deixando grande parte da população longe dos direitos políticos e sociais. Essa Constituição vigorou até 1937, quando foi implantado um período 7 Promulgada em 16 de julho de 1934. 21 ditatorial conhecido como Estado Novo8. Sobre isso, Rojas Couto afirma que “A legitimação do Estado Novo foi sustentada pela criação de um projeto social de recorte autoritário, com sua ação voltada para a arena dos direitos sociais [...]” (ROJAS COUTO, 2004, p.100), e que o Estado tem a possibilidade de intervir diretamente no exercício desses direitos. Com isso, no campo dos direitos sociais houve uma maior intervenção do Estado, por meio de uma regulamentação dura em relação à organização dos trabalhadores, apesar de ampliar os benefícios das classes menos favorecidas. O perfil das políticas sociais neste período, conforme Rojas Couto: [...] foi marcado pelos traços de autoritarismo e centralização técnicoburocrático, pois emanavam do poder central e sustentavam-se em medidas autoritárias. Também era composto por traços paternalistas, baseava-se na legislação trabalhista ofertada como concessão e numa estrutura burocrática e corporativa, criando um aparato institucional e estimulando o corporativismo na classe trabalhadora. (ROJAS COUTO, P. 103-104) Mesmo com dificuldades não se pode negar que esse foi o período dos direitos sociais e implementação da legislação trabalhista e previdenciária. Segundo Rojas Couto (2004, p. 104), no período que sucedeu o governo Vargas houve uma orientação política com características democráticas e trabalhistas. No governo de Eurico Gaspar Dutra (1945-50), foram criadas as condições para o processo de redemocratização do Brasil com a Constituição que foi promulgada em 19469. Essa Constituição procurou restituir à sociedade civil e aos cidadãos alguns direitos essenciais e nela foram abolidos, ainda, os instrumentos que cerceavam as liberdades dos cidadãos, garantindo, assim, no campo dos direitos sociais, a liberdade de associação sindical. Ainda no governo de Dutra houve a implantação do Plano Salte10, que em sua lógica visava manter a regulamentação preocupada com a realidade social. De acordo com Rojas Couto, foi “o primeiro plano governamental que introduz a perspectiva de atendimentos à questão social nas preocupações do governo, incorporando, no campo do planejamento, políticas de cunho econômico e social” (ROJAS COUTO, 2004, p.107). 8 A legitimação do Estado Novo foi sustentada pela criação de um projeto social de recorte autoritário, com sua ação voltada para a arena dos direitos sociais, entendidos como necessários ao processo de industrialização em curso no país. Buscava também a institucionalização da pressão da classe operária, transformando-a de categoria social marginalizada, cuja súbita intervenção política autônoma podia tornar-se perigosa, em um setor controlável, no jogo das forças sociais. (SOLA, 2011 apput ROJAS COUTO, 2004, P. 100) 9 Promulgada em 18 de setembro de 1946. 10 Plano econômico elaborado pelo governo brasileiro, na administração do presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1950) 22 No âmbito das políticas sociais, no governo de Juscelino Kubitschek obtivemos a aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), a qual foi unificada em termos de benefícios. Nesse governo a preocupação “[...] se referia à formação profissional como meta social a ser atingida, o que mostra que a grande preocupação se concentrava na área econômica” (ROJAS COUTO, 2004, p. 110). O governo de João Goulart foi marcado por vários movimentos sociais, além de muitas greves. Segundo Rojas Couto (2004, p.114-115), o governo anunciava as reformas sociais para enfrentar as condições péssimas de vida do povo brasileiro e para isso negociava com os trabalhadores, buscando ainda, o apoio da Igreja, dos estudantes e de parcela do Exército. Assim, a partir da Proclamação da República até o ano de 1964, verifica-se que os direitos sociais foram exclusivos da área trabalhista e que através de suas organizações conseguiram garantir alguns direitos, mas que não passaram de benefícios sociais, pois: A assunção desses direitos foi sendo construída não só pelos textos constitucionais, mas também pelas propostas de políticas sociais que foram construídas pelos governos, que configuram, dessa maneira, um projeto de Estado de bem-estar [...]. Configurou-se, assim, um sistema de proteção social formulado a partir do Poder Executivo e orientado por uma política voltada ao trabalho urbano-industrial. (ROJAS COUTO, 2004, p. 117) Dessa forma, nesse período as políticas sociais foram estruturadas nas demandas do trabalho urbano e industrial. Em 1964, o país testemunhou o Golpe Militar11, que tinha por objetivo acabar com o período de governo populista e transformar o Brasil em uma grande potência internacional. Esse golpe aconteceu por interesse de diversas áreas que eram contrárias a luta pelo ganho de direitos, como afirma Rojas Couto (2004): O Brasil [...] desde o tempo de colônia, era um país refratário à participação popular, e o período que antecedeu a ditadura militar foi marcado, intensivamente, por manifestações populares que buscavam sustentação para as reformas necessárias à melhoria de qualidade de vida da população. Essas manifestações foram ingredientes que contribuíam para que o golpe fosse realizado como o apoio das classes médias, das forças conservadoras e dos interesses do capital estrangeiro no país. (ROJAS COUTO, 2004, 119-120) 11 O Golpe Militar aconteceu em Primeiro de abril de 1964, tendo como desdobramento a instauração do regime militar, estendendo-se até o final do processo de abertura política em 1985.(BRASIL, Legislação Histórica, s/p a) 23 Esse golpe interferiu muito no campo dos direitos, pois no governo, os militares utilizavam da força e da repressão como forma de controle da população. Nesse período, o Brasil foi governado por meio de AIs (Atos Institucionais)12, para estabelecer as regras de convivência entre o governo e a sociedade. Em um desses AIs, mas precisamente no AI-2, foi promulgada a Constituição de 196713. Essa Constituição não retirou os direitos já garantidos na Constituição de 1946, mas mudou a concepção dos mesmos. A partir de então só teriam direitos as pessoas que se submetessem às regras instituídas pelo governo militar. Os direitos sociais trabalhistas permaneceram preservados, quando se falava do trabalhador de maneira individual. Rojas Couto (2004, p. 128) nos mostra que em relação às medidas de cunho social na ditadura, houve uma expansão no corpo institucional tecnocrático para responder às demandas sociais e do capital, atuando dessa forma setorialmente e na expansão do número de instituições para atender a população menos favorecida. Verifica-se que a política social era tratada para manter a população sob a guarda do governo, pois a compreensão dos direitos era permitida a quem os governos entendiam ser merecedores. Pode-se então demarcar que do ponto de vista dos direitos políticos, civis e sociais, os governos de 1964 a 1985 primaram por aniquilar os dois primeiros e por, novamente, acionar, de maneira restrita, medidas na área social, desenhando o perfil limitado e autoritário na concepção dos direitos sociais, onde os mesmos tinham a finalidade de assegurar a sustentação política do regime. (ROJAS COUTO, 2004, p. 135-136) O período de ditadura militar com os seus atos arbitrários foi muito rígido, pois a política centralizada e autoritária deixou de fora o sistema de proteção social com a participação popular. Na década de 1980 o país passou por um período de grandes dificuldades devido a concentração de renda e uma política econômica restrita, revelando uma sociedade desigual. Entretanto, ao mesmo tempo foi uma década em que houve um grande avanço nos movimentos sociais e na participação da sociedade, principalmente no movimento “Diretas Já”, “[...] foi nesse contexto que importantes e significativos avanços foram construídos, acarretando novas configurações e novas concepções para a área dos direitos civis, políticos e 12 Atos Institucionais são normas elaboradas no período de 1964 a 1969, durante o regime militar.(BRASIL, Legislação Histórica, s/p b) 13 Promulgada em 24 de Janeiro de 1967 e entrou em vigor no dia 15 de março de 1967. 24 sociais [...]” (ROJAS COUTO, 2004, p. 140). Com isso, houve um grande avanço na relação Estado e sociedade, marcada pela mudança do governo militar para o regime democrático. O Brasil que em 1985 apresentava uma face no que se refere ao processo de reorganização política, orientado sob a égide da democracia, também ampliou sua herança para com a face da desigualdade social. Expandiu-se o estoque de pobreza, resultante dos períodos anteriores, mas especialmente dos governos militares, que, com suas orientações econômicas de desenvolvimento, produziram um país com péssima distribuição de renda e aumentaram a parcela da população demandatária das políticas sociais. (ROJAS COUTO, 2004, p. 141) A partir do governo democrático que foi instaurado no Brasil teve início o processo de construção da nova Constituição. Esse processo obteve grande participação de movimentos populares e da população em geral. Nela os direitos sociais foram ampliados mais do que em qualquer uma das Constituições anteriores (Carvalho, 2008). A nova Constituição pode ser considerada o auge do processo de redemocratização do Brasil. A Constituição de 1988 foi denominada de Constituição Cidadã porque por meio de lutas/movimentos e organização dos trabalhadores, foi promulgada a partir dos seguintes Artigos: Artigo 1º, Artigo 5º e Artigo 6º: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, CF/1988c, p. 74)) A partir da Constituição de 1988, o tema cidadania veio à tona, sendo assunto de debate e aparecendo na pauta dos diversos movimentos sociais. Manzine-Covre (1995) afirma que ser cidadão significa “[...] ter direito e deveres, ser súdito e ser soberano” (MANZINECOVRE, 1995, p. 9). A partir dessa definição, o cidadão deve saber usar a Constituição, pois por meio dela tem a possibilidade de conquistar propostas mais igualitárias, já que: 25 Só existe cidadania se houver a prática da reinvidicação, da apropriação de espaços, da pugna para fazer valer os direitos do cidadão. Neste sentido, a prática da cidadania pode ser estratégica, por excelência para a construção de uma sociedade melhor. (MANZINE-COVRE, 1995, p. 10) A partir da Constituição de 1988, uma das formas de garantia da participação popular se materializou legalmente por meio da institucionalização dos Conselhos gestores de políticas sociais públicas. Nesse sentido essa participação se efetiva por meio do Controle Social, ou seja, é o exercício de participação que aproxima a sociedade civil na efetivação de seus direitos legalmente constituídos. É nesse campo temático que se materializa nosso objeto de estudo, que será abordado a seguir. 26 2 O CONTROLE SOCIAL NO ÂMBITO DOS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS No capítulo anterior fizemos uma discussão que trata do processo sócio-histórico brasileiro que culminou na Constituição Federal de 1988, como o marco legal de implantação dos direitos sociais, portanto, direito do cidadão e dever do Estado. Refletimos sobre a forma como esses direitos se aproximam das condições de vida da sociedade, ou seja, da realidade que se expressa nas mais complexas expressões da questão social e, ainda, de que forma, a partir das demandas postas, o Estado responde com a implantação das políticas sociais. Porém, uma vez instituídas (as políticas sociais), emerge a necessidade de estabelecer mecanismos que possibilitem a relação entre as demandas da sociedade e a obrigação do Estado em atendê-las. É por esse debate que nos orientamos teoricamente nesse capítulo, considerando que tais mecanismos então denominados conselhos gestores de políticas sociais públicas que se estabelecem como meio de controle social. Ou seja, é a garantia da participação da sociedade civil no controle das decisões políticas referentes aos direitos de cidadania. Portanto, é um embate entre posições distintas, que exige a prática do controle social como estratégia de realização da democracia. 2.1 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS O debate das políticas sociais na perspectiva de sua democratização e do controle social democrático teve como ponto de partida a década de 1980. Nesse período, assiste-se a uma crise estrutural do sistema do capital e que afeta diretamente o Estado Brasileiro. Em contrapartida a esse movimento, vê-se o aumento dos movimentos sociais, que aprofundam a luta pela democracia e por direitos, que constituem o quadro para reflexões e de formulações da Constituição Federal. Com isso, a questão do controle da sociedade sobre as políticas públicas ganhou uma visão diferenciada no Brasil. Esse novo contexto é reflexo da trajetória da participação popular no processo de redemocratização do Brasil e que com a Constituição denominada de “Cidadã”, inovou ao absorver a participação direta dos cidadãos no exercício do poder. Essa inovação pode ser 27 constatada nas várias disposições reguladoras de intervenção decisória da sociedade civil nas ações do governo que se encontram na CF/1988. Ainda que não possua detalhes normativos, os princípios constitucionais acabam por condicionar normas que tornam a institucionalização um marco divisor na história da participação da sociedade no Brasil. O cenário da década de 1980 foi marcado, como exposto, por um processo de democratização política e de ampliação das lutas por direitos sociais que se desenvolveu em concomitância com uma grande “crise” expressa pela recessão econômica, desemprego e agravamento da deteriozação das condições de vida da maioria da população. (DURIGUETTO, 2007, p. 70) A partir dessa crise instaurada no Brasil, a política social foi utilizada como estratégia do Estado para enfrentar as expressões da questão social14. Nesse sentido, Raichelis (2007), nos afirma que [...] a política social é convertida em políticas setoriais que recortam as expressões da questão social em problemáticas particulares e fragmentadas e se configuram como mecanismos de gestão do Estado na mediação dos conflitos sociais. No estabelecimento das políticas sociais, portanto, combinam-se necessidades decorrentes do atendimento às demandas próprias do estágio em desenvolvimento do capitalismo e das pressões das lutas de classe ativadas pelas mobilizações da classe trabalhadora. Constituise, assim um espaço complexo de tensões, conflitos e lutas entre diferentes atores sociais. (RAICHELIS, 2007, p. 34) Dessa maneira, vê-se a necessidade de buscar por novos espaços para participação da sociedade civil que vem de intensa mobilização desencadeada no movimento que culminou na Constituição de 1988. Nesse processo, identificado por período de redemocratização, fez-se necessário repensar a melhor maneira para que o Estado efetivasse o Estado de Direito em uma sociedade democrática. No Estado de Direito, entende-se que a separação de poderes é, antes de qualquer coisa, a distribuição de funções e de competências. Conforme Vieira (1992), “[...] a criação de 14 Segundo Motta (2000)“o surgimento da questão social se vincula como surgimento da classe trabalhadora, no momento em que há uma contradição fundamental do capitalismo, como modo de produção social” (MOTTA, 2000, p. 1), onde se evidência que, no capitalismo, quem produz a riqueza não possui e ainda, que não há espaço e ainda não há espaço para todos no mercado. Para Netto (2001, p.42) “[...] a expressão da questão social, surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, [...] trata-se do fenômeno do pauperismo”. 28 leis cabe ao poder legislativo e sua aplicação pertence às atividades do poder executivo e do poder judiciário” (VIEIRA, 1992, p.10). Para que um Estado de Direito tenha uma maior legitimação, a garantia dos direitos e das liberdades, é fundamental que esses princípios sejam descritos nas Constituições dos Estados. Mas, isso não garante, de qualquer maneira, que esses sejam concretizados: [...], o Estado de Direito determina sua proteção formalizada e institucionalizada na ordem jurídica e, principalmente, reclama a presença de mecanismos sócio-econômicos dirigidos e planificados com a finalidade de atingir a concretização desses direitos. Muitas razões de Estado têm conduzido a contradições entre a simples declaração dos direitos e liberdades e a sua real efetivação. (VIEIRA, 1992, p. 12) O Estado de Direito, conforme Vieira (1992) exerce os seguintes princípios: Um Estado de Direito efetivamente exercido se sustenta em certos princípios válidos em qualquer país onde a liberdade prevalece sobre a autoridade. Tais princípios são poucos e fundamentais; o império da lei, a divisão de poderes, a legalidade dos direitos e liberdades fundamentais. (VIEIRA, 1992, p.09) Esse Estado determina que a condição da lei seja originada de um órgão popular representativo, expressando a vontade geral e que a mesma seja relacionada e subordinada por uma Constituição para se obter a garantia dos direitos. Essa carta magna passa a se legitimar legal e socialmente como o mais importante suporte para o Estado de Direito que, segundo Vieira (1992) [...] “é a sociedade democrática” (VIEIRA, 1992, p.12-14). Para esse estudioso, ainda, somente em uma sociedade democrática que o Estado de Direito terá condições de ser protegido e conservado. Para melhor entendimento do que vem a ser a efetivação tanto dos direitos, quanto das liberdades inscritas nesse Estado, nos propomos a tecer, brevemente, alguns elementos acerca da democracia e do processo democrático que institucionalizou os conselhos. 2.2 A DEMOCRACIA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DOS CONSELHOS Conceituar democracia não é uma tarefa fácil devido aos diversos significados do termo ao longo da história. A palavra democracia teve origem na Grécia, mais precisamente em Atenas, e tem como significado o “poder do povo”. Seu conceito está diretamente ligado 29 ao conceito de polis que deriva da palavra política. Souza (2011) afirma que “decorre o entendimento de polis como uma cidade, assim compreendida como uma comunidade organizada/formada por cidadãos [...]” (SOUZA, 2011, p.17). O autor nos diz que a polis era identificada como uma transformação religiosa e é na polis que o homem grego se sente igual ao outro, com isso: [...] a pólis se afincou numa base unitária, desenvolvendo-se, e nesse contexto não havia separação entre vida pública e vida privada: para o grego, a vida é parte de um todo, um todo chamado polis, no qual a isonomia é fundamental para a sedimentação do modelo político que se instalou [...], ou seja, a democracia. (SOUZA, 2011, p. 22) Assim, a democracia se refere a um conjunto de processos históricos, o que torna difícil sua definição, pois é fundamentado na noção de uma comunidade política. Historicamente, desde a Grécia Antiga, as pessoas possuem o direito de participar dos processos políticos e de debater ou até decidir na política, de onde certos direitos são universais a partir dos princípios de liberdade de expressão e dignidade humana. Segundo Bobbio (2000) entende-se democracia como: [...] o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos. (BOBBIO, 2000, p.30) O termo democracia começou a ser empregado na idade clássica e é utilizado até os dias de hoje, de acordo com Bobbio (1986), para designar uma das formas de governo, sendo um dos diversos modos de exercer o poder político. O autor nos fala ainda que: O desenvolvimento da democracia do início do século passado até hoje tem coincidido com a progressiva extensão dos direitos de participar, ao menos com a eleição de representantes, da formação da vontade coletiva. [...] Na medida em que um número sempre maior de indivíduos conquista o direito de participar da vida política, a autocracia retrocede e a democracia avança. (BOBBIO, 1986, p. 145) A democracia expressa a vontade do povo, mas seu poder, contudo é limitado. Pode-se dizer que a participação da sociedade deve ser entendida na fiscalização e também para que haja um aprimoramento das funções do Estado em executar o seu papel para a sociedade, pois esta prática demonstra que a busca do bem comum leva ao benefício individual. 30 [...] pode-se definir a sociedade democrática como sendo aquela capaz de iniciar um processo de efetiva incorporação dos homens, de todos os homens, nos mecanismos de controle das decisões, e de real participação dos mesmos nos rendimentos da produção. (SCHONS, 1999, p. 134) Assim, a democracia não se limita ao mero conceito político, mas sim em um processo de afirmação do indivíduo, na garantia dos direitos fundamentais conquistados historicamente. No período ora estudado, vivenciamos o denominado período de redemocratização brasileira, já que circunscrito entre 1964 e 1985 por um regime definido por Ditadura Militar, o país foi caracterizado pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime. Antecedeu a esse período a renúncia do então Presidente da República, Jânio Quadros em 1961. Assim, seu vice – presidente, João Goulart (1961-1964) assumiu a presidência em um clima político adverso, tendo em vista que seu governo era marcado pela abertura às organizações sociais. Esse ficou conhecido como um governo de estilo populista e de esquerda, em conseqüência disso, gerou preocupação junto às classes conservadoras que temiam um golpe comunista. A crise política e as tensões sociais aumentavam a cada dia e no dia 31 de março de 1964, tropas de Minas Gerais e São Paulo saíram às ruas e para evitar um conflito ou uma guerra civil. João Goulart, deixou o país. Na ocasião, os militares tomaram o poder, passando o país a ser regido através de Atos Institucionais (AIs). O regime militar brasileiro de 1964-1985 atravessou pelo menos três fases distintas. A primeira foi o do golpe de Estado, em abril de 1964, e consolidação do novo regime. A segunda começa em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), desdobrando-se os chamados anos de chumbo, em que a repressão atingiu seu mais alto grau. A terceira se abre com a posse do general Ernesto Geisel em 1974 – ano em que, paradoxalmente, o desaparecimento de opositores se torna rotina, iniciando-se então uma lenta abertura do período de exceção. (SEDH, 2007d, 21) No período do regime militar em nenhum momento a sociedade brasileira deixou de manifestar seu posicionamento contrário ao que estava posto. No período de novembro de 1983 a abril de 1984, houve uma grande pressão popular que exigia eleições diretas e que mobilizou milhares de pessoas em passeatas e comícios. No Colégio Eleitoral reunido em janeiro de 1985, o governador de Minas 31 Gerais, Tancredo Neves, foi eleito presidente, mas uma grave enfermidade impediu sua posse em 15 de março, vindo a falecer em 21 de abril. Foi empossado o vice José Sarney, senador do Maranhão que havia pertencido à Arena, mas já em maio os partidos comunistas foram legalizados, os analfabetos foram admitidos na cidadania plena com o direito a voto, algumas restrições da Anistia de 1979 foram revisadas e abriu-se amplo debate sobre o caminho mais adequado para que o Brasil pudesse finalmente escrever uma verdadeira Constituição democrática. (SEDH, 2007e, p. 29) Com isso, o processo de implementação da Constituição de 1988 transcorreu de lutas pela redemocratização do país obtendo como obrigatória a presença da sociedade civil para elaboração e implementação da mesma, principalmente no que tange as políticas sociais. Essa participação assume condição importante para compreender a democracia em construção, pois é no campo dos direitos sociais que estão contidos os maiores avanços da Constituição de 1988 e isso fica evidenciado a partir do Artigo 3, que define os objetivos nela contidos: I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o desenvolvimento nacional; III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, CF/1988f, p. 74) Conforme ROJAS COUTO (2004, p.158), esses objetivos na Constituição mostram que os constituintes, além de reconhecerem a desigualdade social e regional, impuseram a solução dessas desigualdades à ação do país. O avanço a partir desse momento constituiu no sistema de seguridade social, criado pelo artigo 194, que congrega as políticas de saúde, previdência social e de assistência social. O mesmo diz que “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, CF/1988g, p. 83) e que tiveram sua organização e competência ao poder público em sua estruturação com base nos objetivos do parágrafo único desse Artigo: I – universalidade da cobertura e do atendimento; II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais: III – seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV – irredutibilidade do valor dos benefícios; V – equidade na forma de participação do custeio; VI – diversidade da base de financiamento; VII – caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e 32 aposentados. (BRASIL, CF/1988f, p. 83) A participação da sociedade civil nos processos de tomada de decisão tem como finalidade a democratização das informações em relação aos bens e serviços do Estado e ganham formatação legal na Constituição de 1988, passando a intervir na formulação, aprovação, implementação e fiscalização das ações do Estado. Essa participação passa a ser um instrumento de fiscalização na gestão pública, sustentada pela democracia, transparência e controle social da sociedade civil sobre as ações públicas. Segundo Gohn (2011), a palavra participação é uma das mais utilizadas tanto no vocabulário político, como científico e popular e pode ser analisada por três níveis básicos: [...] o conceptual, o político e o da prática social. O primeiro apresenta um alto grau de ambigüidade e varia segundo o paradigma teórico em que se fundamenta. O segundo, dado pelo nível político, usualmente é associado a processos de democratização [...], mas também poder utilizado como num discurso mistificador em busca da mera integração social de indivíduos, isolados em processos que objetivam reiterar os mecanismos de regulação e normatização da sociedade, resultando em políticas sociais de controle social. O terceiro – as práticas – relaciona-se ao processo propriamente dito, tratam-se das ações concretas engendradas na lutas, movimentos e organizações para realizar algum intuito. Aqui a participação é um meio viabilizador fundamental. (GOHN, 2001, p. 14) Há diversas formas de se entender a participação, mas seu objetivo principal é o de fortalecer a sociedade civil para que a mesma participe e fiscalize as ações do Estado. A participação envolve também lutas pela divisão das responsabilidades dentro do governo. Essas lutas possuem várias frentes, tais como a constituição de uma linguagem democrática não excludente nos espaços participativos criados ou existentes, o acesso dos cidadãos a todo tipo de informação que lhe diga respeito e o estímulo á criação e desenvolvimento de meios democráticos de comunicação. (GOHN, 2001, p. 19) Os princípios constitucionais que visam a participação popular, as legislações que regulamentam as políticas sociais e o processo de descentralização foram os responsáveis pela implantação de diversos conselhos nos estados e municípios. Segundo Gohn (2001, p. 7), os conselhos servem como canais de participação e fazem uma articulação entre representantes da população e membros do órgão gestor em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos. 33 2.3 OS CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS SOCIAIS PÚBLICAS Para a efetivação da participação da sociedade civil descrita na Constituição de 1988, foram criados mecanismos para concretização da mesma, sendo um desses instrumentos os Conselhos. Os mesmos surgem trazendo como ideal a colaboração no avanço da democratização da sociedade. E, conforme Raichelis (2006): Os conselhos, nos moldes definidos pela Constituição Federal de 1988, são espaços públicos com força legal para atuar nas políticas públicas, na definição de suas prioridades, de seus conteúdos e recursos orçamentários, de segmentos sociais a serem atendidos e na avaliação dos resultados. A composição plural e heterogênea com representação da sociedade civil e do governo em diferentes formatos, caracteriza os conselhos como instâncias de negociação, de conflitos entre diferentes grupos e interesses, portanto, como campo de disputas políticas, de conceitos e processos, de significados e resultados políticos. (RAICHELIS, 2006, p. 110) A ideia de conselhos no Brasil não é nova. Segundo Gohn (2001, p. 71), ela teve início em São Paulo na década de 1960, dentro da política do populismo, na gestão do Adhemar de Barros e a partir de 1970, foram criados os conselhos comunitários, também na cidade de São Paulo por Reynaldo de Barros. No cenário brasileiro, Gohn diferencia três tipos de conselhos: [...] os criados pelo próprio poder público Executivo para mediar suas relações com os movimentos e com as organizações populares; os populares, construídos pelos movimentos populares ou setores organizados da sociedade civil em suas relações de negociações com o poder público; e os institucionalizados, com possibilidades de participar da gestão dos negócios públicos criados por lei originárias do poder Legislativo, surgidos após pressões e demandas da sociedade civil. (GOHN, 2001, p. 70) Nos anos de 1980, com a conjuntura política do país, veio à tona de novo a temática dos conselhos e novamente com polêmica, pois segundo Gohn (2001), foram demarcadas duas propostas, sendo uma de estratégia de governo, dentro das políticas da democracia participativa e a outra como estratégia de organização de um poder popular autônomo, estruturado a partir de movimentos sociais da sociedade. Nesse sentido, o papel dos conselhos foi definido: Os conselhos populares foram propostas dos setores da esquerda ou de oposição ao regime militar, e surgiram com papéis diversos tais como: organismos do movimento popular atuando com parcelas de poder junto ao 34 executivo [...]; organismos superiores de luta e de organização popular, gerando situações de duplo poder; organismos de administração municipal criados pelo governo para incorporar o movimento popular ao governo, no sentido de assumirem tarefas de aconselhamento, deliberação e/ou execução. (GOHN, 2011, p. 75) A constituição dos conselhos para os movimentos sociais significou um momento de organização e de direção das lutas políticas, pois mesmo que fossem conquistas parciais, para os movimentos sociais, os mesmos conquistaram posições de poder frente ao Estado. Na gestão pública os conselhos são instâncias que participam do sistema decisório das políticas públicas e destacam-se: [...] nas inovações o fato de os conselhos conterem a possibilidade de reordenação das políticas públicas brasileiras na direção de formas de governança democráticas. Nos municípios, os conselhos municipais temáticos são analisados como um dos principais resultados das recentes reformas municipais; [...] (GOHN, 2001,, p. 83) Sendo assim, os conselhos figuram como parte importante da relação entre o Estado e a sociedade no Brasil, pois possuem um papel importante na democratização da gestão pública. Eles representam a participação popular na gestão das políticas sociais, como espaços de participação direta, sendo representados por movimentos sociais e organizações da sociedade civil, despontando no cenário político brasileiro como um ideal para a colaboração no avanço da democratização da sociedade e na realização de alterações na forma de planejamento e execução das políticas sociais. Com caráter interinstitucional, eles têm o papel de instrumento mediador na relação sociedade/Estado e estão inscritos na Constituição de 1988, e em outras leis do país, na qualidade de instrumentos de expressão, representação e participação da população. (GOHN, 2001, p. 83) Como observamos, a Constituição Federal de 1988 definiu novos instrumentos de participação da sociedade civil no controle social da gestão das políticas públicas. Essa participação se dá na ocupação por sujeitos sociais em espaços públicos capaz de tornar sua participação legítima, e isso só é possível, segundo Raichelis, [...] quando se constituem como sujeitos coletivos dotados de autonomia e se a legitimidade de sua representação for permanentemente ativada pela democratização radical dos mecanismos decisórios e pelo controle social exercido pelas bases que fundam essa representação. (RAICHELIS, 35 2007, p.85) Nesse sentido, “[...] o controle social é utilizado com o significado de exercício democrático da cidadania ativa, onde todos os cidadãos estão habilitados a participar do planejamento, da execução e da avaliação da política pública [...]” (BATTINI, COLIN e FOWLER, 2003, p.32). E o grande desafio está na introdução eficiente da população nesses diferentes espaços de participação política. Portanto, a constituição dos conselhos de políticas setoriais,[...],dos conselhos municipais [...], demonstra claramente a opção pela democracia participativa, fundamentando o reconhecimento dos mesmos enquanto canais de participação popular e de deliberação nos processos de decisão política e de controle social, na Constituição Federal de 1988, como instrumento jurídico de participação e de deliberação política, [...]. (BATTINI, COLIN ,FOWLER, 2003, p.34) Em relação ao caráter legal das instâncias deliberativas destes órgãos, Moreira (1999) ressalta que: [os conselhos] são órgãos concebidos para influir constitutivamente na vontade normativa do Estado, mediante o exercício de competência conferidas pelas respectivas leis criadoras, que devem trazer as linhas definidoras de seu campo de atuação. Não podem os conselhos deliberar sobre matérias que extrapolam os setores das políticas sociais sob sua responsabilidade, nem sobre questões que extravasem o âmbito da esfera de governo onde foram criados e das atribuições que lhes foram conferidas (...). Os conselhos constituem-se em instâncias de caráter deliberativo, porém não executivo; são órgãos com função de controle, contudo não correcional das políticas sociais, à base de anulação do poder político. O conselho não quebra o monopólio estatal da produção do Direito, mas pode obrigar o Estado a elaborar normas de Direito de forma compartilhada (...) em cogestão com a sociedade civil. (MOREIRA, 1999, p. 65). Essa participação popular no controle e na direção das políticas sociais no espaço dos Conselhos torna-se, dessa maneira, um instrumento indispensável e necessário do controle social do Estado, pois participam ativamente na administração pública, ou seja, deliberam, monitoram, fiscalizam e avaliam as ações das políticas públicas. Para Campos (2006), a influência que a sociedade civil exerce na formação da agenda governamental é fundamental para o controle social, pois em uma “[...] gestão democrática, é atribuição da sociedade intervir na definição de políticas e na fiscalização das ações governamentais” (CAMPOS, 2006, p. 111). Vemos, com isso, a importância dos Conselhos, 36 pois, possuem um papel importante em uma gestão participativa e descentralizada, sendo um instrumento eficaz para garantir o cumprimento das decisões coletivas. Sua efetivação está presente na medida em que a sociedade civil participa no processo de tomadas de decisões, de gestão, de fiscalização e de controle da administração pública. Raichelis (2006) destaca ainda que: No âmbito dos conselhos, destaca-se também sua contribuição para promover o debate intersetorial entre governo e organizações da sociedade civil e entre instituições que prestam serviços similares, podendo contar com assessoria externa para propor ações em rede que diminuam o paralelismo e permitam ocupar os vazios de atendimento em múltiplos campos e temáticas. (RAICHELIS, 2006, p. 112) A efetivação da participação da sociedade civil se faz necessária na implementação dos conselhos de políticas públicas e para essa implementação vigorar é indispensável que os conselhos sejam criados através de Leis, tanto na esfera municipal como estadual e federal. Em sua legitimação municipal, estadual e federal, os conselhos, necessitam de um regimento interno no qual detalha seu funcionamento: Em consonância com o espírito da divisão de responsabilidade entre o Estado e a sociedade civil na condução das políticas, o regimento interno dos conselhos define sua composição como igualmente distribuída entre representantes do governo e da sociedade civil. Além da equivalência entre o número de representantes outros princípios devem ser observados na linha de se preservar a diretriz da paridade, como o da assiduidade às reuniões, o da forma de escolha da presidência, entre os outros. Os conselhos gestores de políticas públicas são, portanto, espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e Sociedade civil, de natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas públicas setoriais. Quanto à composição plural e paritária, são portadores de interesses e valores não apenas distintos, mas por vezes antagônicos. (BATINI, COLIN e FOWLER, 2003, p. 39) Destarte, a legislação impõe a paridade, no que diz respeito à composição dos Conselhos por representantes tanto do poder público como da sociedade civil. Tatagiba (2002) destaca que [...] a legislação impõe o respeito ao princípio da paridade entre Estado e sociedade, como mecanismo de equilíbrio nas decisões. A representação governamental nos conselhos é feita, no geral, por agentes públicos titulares de cargos de direção na Administração direita ou indireta, por responsáveis pelas áreas das políticas sociais, e por outros que atuem nas áreas afins, por indicação do chefe do poder executivo. A sociedade civil é representada por 37 conselheiros escolhidos por seus pares, em fórum próprio, dentre as entidades e organizações não-governamentais prestadoras de serviço, de defesa de direitos, movimentos, associações comunitárias, sindicatos, associação de usuários, devendo essa composição ser prevista por lei específica, de acordo com as particularidades de cada contexto (TATAGIBA, 2002, p. 50). A articulação entre os conselhos nas esferas governamentais é uma tarefa fundamental para democratizar a gestão pública, além de dar direção em relação às políticas sociais no processo de tomada de decisões da administração pública. Em relação à natureza das reuniões, funcionamento dos conselhos, e no que se refere à remuneração, expressa-se que Por ser definida como atividade de “relevância pública” a função de conselheiro não deve ser remunerada, à exceção dos membros do conselho tutelar. As reuniões do conselho devem ser abertas à comunidade, que não tem, contudo, direito a voto. Quanto à dinâmica de funcionamento, cada conselho elabora seu regimento interno que depois de aprovado no plenário é submetido à apreciação do chefe do poder executivo, que o aprova por meio de decreto. As decisões do conselho devem ter a forma de resoluções, e devem ser publicadas em Diário Oficial. ( MOREIRA, 1999, p. 55-68). Através desse formato, os Conselhos podem ser vinculados à implementação de ações focalizadas nos conselhos gestores, de programas governamentais ou na elaboração, implementação e controles de políticas públicas; nos conselhos de políticas setoriais, definidos por leis federais para concretizarem direitos de caráter universal, além de existirem conselhos envolvidos com temas transversais que permeiam os direitos e comportamentos dos indivíduos na sociedade. Segundo Gohn (2001), os conselhos geram uma nova institucionalidade pública, pois: Trata-se de um novo padrão de relações entre Estado e sociedade, porque eles viabilizam a participação de segmentos sociais na formulação de políticas sociais e possibilitam à população o acesso aos espaços nos quais se tomam as decisões políticas. (GOHN, 2001, p. 85-88) Os conselhos, com isso, foram criados para haver uma maior participação da sociedade civil nos interesses dos processos decisórios e que deliberam sobre assuntos coletivos dentro do sistema das políticas públicas: [...], a garantia da legitimidade das organizações da sociedade civil têm assento nos conselhos gestores, e a própria legitimidade dessa instância 38 diante da sociedade, está intimamente associada a sua capacidade de obter uma audiência mais ampliada que vá além dos atores diretamente envolvidos com a produção da política. [...] as responsabilidades institucionais conferida aos Conselhos gestores no âmbito das políticas implicam uma justaposição de competências para seus atores: eles encaminham e ao mesmo tempo deliberam sobre as demandas sociais; exercem o controle social e são objetos desse mesmo controle; são responsáveis pelo controle e, muitas vezes pela própria execução das políticas. (ALMEIDA; TAGIBA, 2012, p. 76) Assim, os conselhos são uma das formas de participação que visam às mudanças na gestão pública e na elaboração das políticas. E, por ser um espaço democrático e de transparência, espaço esse de administração de conflitos entre o Estado e a sociedade, além de possibilitar à população o acesso aos espaços em que se tomam decisões políticas, implicam em maior cobrança na gestão pública. 2.4 O CONTROLE SOCIAL NO ÂMBITO DOS CONSELHOS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DE CIDADANIA Os conselhos além de constituírem um espaço democrático, têm como um dos seus objetivos a realização do controle social dentro das formulações das políticas públicas, pois é a instância de fiscalização das ações do governo. Dessa maneira, os conselhos constituem um potente agente de controle social. A expressão controle social surge no Brasil na relação entre Estado e sociedade, no período da ditadura e da redemocratização do Estado brasileiro, tendo uma maior ênfase na década de 1990, quando da necessidade de ser implementado. No Brasil, a expressão controle social tem sido utilizada como sinônimo de controle da sociedade civil sobre as ações do Estado, especificamente no campo das políticas sociais, desde o período da redemocratização dos anos de 1980. A utilização da expressão com este sentido foi propiciada pela conjuntura de lutas políticas pela democratização do país frente ao Estado autoritário, implantado a partir da ditadura militar. (BRAVO, CORREIA, 2012, p127) A ideia de sociedade civil está relacionada ao pensamento liberal e sua projeção teve início no século XVIII. Vieira (1998) relaciona que o tema sociedade civil está ligado ao conceito de cidadania, e ganha complexidade com o passar do tempo. Segundo o autor: 39 Muitos dos direitos mais restritos, existentes dentro do conceito de cidadão, transformam-se em direitos de cidadania, tornam-se direitos civis [...], direitos políticos [...] e depois, no século XX direitos sociais. [...]. Portanto, sociedade civil sugere a idéia de cidadania de uma sociedade criada dentro do capitalismo, de uma sociedade vista como um conjunto de pessoas iguais em seus direitos. (VIEIRA, 1998, p. 10) O Estado designa um conjunto de instituições que controlam e administram uma nação, as quais possuem uma estrutura própria e politicamente organizada, o que envolve a ideia de poder e diz respeito ao poder que um homem exerce pelo outro. Tem como um de seus atributos a legitimidade. Lembrando como foi citado anteriormente nesse trabalho, para Vieira (1992) o Estado é sustentado em princípios em que a liberdade prevalecerá sobre a autoridade, sendo esses princípios: “[...] o império da lei, a divisão de poderes, a legalidade dos direitos e liberdades fundamentais.” (VIEIRA, 1992, p. 09) Assim, com a implementação dos conselhos como espaço de controle social e com as redefinições das relações Estado e sociedade civil nesses espaços, percebe-se que essas forças sociais foram os principais atores para a formulação de projetos societários para o enfretamento da crise de 1980. Diante da crise do Estado, do agravamento da questão social e da luta pela democratização do país, a busca por novos espaços de participação da sociedade civil consubstanciou-se, entre outros aspectos, pela definição no texto constitucional de instrumentos ativadores da publicização na formulação e na gestão das políticas públicas. Estimulou-se a definição de mecanismos de transferência de parcelas de poder do Estado para a sociedade civil e foram induzidas mudanças substantivas na dinâmica dessas relações. (RAICHELIS, 2007, p. 36) Por meio da institucionalização de espaços públicos de participação da sociedade nas tomadas de decisões, favoreceu-se a redefinição das relações entre Estado e sociedade civil. E é a partir desse contexto que se faz necessário discutir mecanismos de articulação entre os conselhos, na defesa das políticas sociais e as formas de serem implantadas, além do modo de intervir no processo de planejamento por parte dos sujeitos que os compõem. Um dos elementos centrais constitutivos de espaços efetivamente públicos e democráticos é sua ocupação por sujeitos sociais capazes de tornar legítimas suas representações. E isso só é possível quando se constituem como sujeitos coletivos dotados de autonomia e se a legitimidade de sua representação for permanentemente ativada pela democratização radical dos mecanismos decisórios e pelo controle social e exercido pelas bases que fundam essa representação. (RAICHELIS, 2007, p.85) 40 Todavia, a questão do controle social é um ponto central no processo de formação democrática na esfera pública, pois incide nos sujeitos que participam desse processo, tornando-se, assim, uma nova visão de política democrática. Segundo Batini, Colin e Fowler a caracterização do controle social é feita [...], pela participação popular em instâncias do aparelho de Estado, órgãos, agências ou serviços públicos responsáveis pelas políticas públicas, tornando-se instrumento necessário e indispensável para que haja eficácia dos direitos positivados em lei. O controle social efetua-se no exercício da vontade autônoma da coletividade, partilhando o poder de decidir questões públicas. (BATINI, COLIN e FOWLER, 2003, p. 19) O controle social revela-se como um complemento indispensável ao controle institucional exercido pelos órgãos fiscalizadores. Ou seja, significa o controle sob os meios políticos abrangendo desde a formulação e o planejamento da política pública, até a avaliação e controle de seus resultados. [...] o controle social poderá acontecer via políticas públicas [...], pois através delas o Estado controla a sociedade, ao tempo que é controlado por essa ao incorporar suas demandas. Desta forma, o controle social na perspectiva das classes subalternas visa a atuação de setores da sociedade civil organizada que as representam na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que estas atendam, cada vez mais às demandas sociais e aos interesses dessas classes. (CORREIA, 2004, p. 172) Nessa lógica, o controle social envolve a capacidade que a classe subalterna15 tem de interferir na gestão pública. Essa ação orienta o Estado em seus gastos em prol dessa mesma classe, na medida em que se inscreve como demanda para a elaboração das políticas sociais públicas. Nesse sentido, o controle social apresenta-se como um dos elementos constitutivos da esfera pública, tendo como obrigação articular-se com os demais processos sócio-políticos, intervindo na formação da mesma. [...] após a institucionalização dos mecanismos de controle social sobre as políticas públicas e sobre os recursos a elas destinados, tem-se como desafio que esses não se tornem mecanismos de formação de “consentimento ativo” das classes subalternas em torno da conservação das relações vigentes de domínio da classe dominante. O controle social das classes subalternas sobre 15 Classe subalterna é determinada pelo lugar que segmentos dessas classes, numa sociedade capitalista, ocupam no conjunto das relações de produção e nas relações de poder. (CARDOSO, 1995, p. 61) 41 as ações do Estado e sobre o destino dos recursos públicos torna-se importante na realidade brasileira para que se criem resistências à redução das políticas sociais, à sua privatização e mercantilização. (BRAVO; CORREIA, 2012, p. 133) A efetivação do controle social se apresenta para além da atuação dos segmentos sociais no espaço institucional dos conselhos. Necessita, portanto, da articulação das forças políticas em torno do rompimento com os moldes da sociabilidade capitalista. Os conselhos são utilizados como o exercício democrático da cidadania, em que todos os cidadãos estão habilitados a participar do planejamento, da execução e da avaliação da política pública. Portanto, [...] a constituição dos conselhos de políticas setoriais, [...] demonstra claramente a opção de democracia participativa, fundamentando o reconhecimento dos mesmos enquanto canais de participação popular e de deliberação nos processos de decisão política e de controle social [...] (BATTINI, COLIN e FOWLER, 2003, p. 34) Verifica-se, com isso, serem os conselhos elementos fundamentais de controle social da sociedade em relação ao Estado, pois são nesses espaços que se revelam os diferentes interesses da sociedade, colocados em disputa. Para Mészaros (1987), o controle social se faz necessário em qualquer modo de produção. Ele é resultado histórico das relações humanas produzidas pelas forças políticoeconômicas e sociais de determinadas sociedades. Não existe um único controle social, mas diferentes tipos. No entanto, isso não significa que eles ocorrem em separado, mas em certo momento eles se entendem e se influenciam mutuamente. Dessa maneira, o controle social não pode ser compreendido como uma categoria, [...] o que está em causa não é se produzimos ou não sob alguma forma de controle, mas sob que tipo de controle; dado que as condições atuais foram produzidas sobe o “férreo controle” do capital que nossos políticos pretendem perpetuar como força reguladora fundamental de nossas vidas. (MÉSZAROS, 1987, p. 23) Nesse sentido, reconhecer a necessidade do controle social significa o compromisso com os valores democráticos, além de cultivar uma consciência crítica que supere, no caso brasileiro, anos de repressão e supressão desses valores oprimidos pela ditadura militar. Raichelis (2007) define controle social como: 42 [...] acesso aos processos que informam as decisões no âmbito da sociedade política. Permite participação da sociedade civil organizada na formulação e na revisão das regras que conduzem as negociações e a arbitragem sobre os interesses em jogo, além do acompanhamento da implementação daquelas decisões, segundo critérios pactuados. (RAICHELIS, 2007, p. 42-43) Cabe, portanto, aos conselhos exercerem um efetivo controle social sobre o órgão gestor público, sobre as políticas sociais públicas e sobre seus resultados, visando a um maior controle na elaboração, efetivação e avaliação para ampliação das políticas públicas. Consequentemente, cabe aos conselhos a função de ampliação do acesso aos direitos sociais, operacionalizados pelas políticas públicas. Portanto, os conselhos tornaram-se instituições importantes principalmente com a participação da sociedade civil, mas mesmo tendo um caráter deliberativo não significa que há um resultado positivo em superar os desafios a eles postos, pois ao mesmo tempo em que constituem espaços de participação e de controle social, os mesmos podem se constituir em mecanismo de controle do Estado. Esse controle social está ligado diretamente a responsabilidade dos governantes com as demandas da sociedade. É dessa forma que a sociedade civil, com sua participação, propicia maior eficiência em relação aos recursos públicos aplicados pelo governo, apesar de ser contraditório, pois no campo das políticas sociais, o Estado controla a sociedade e, dessa forma, É neste campo contraditório das políticas sociais que nasce um novo conceito para o controle social: atuação da sociedade civil organizada na gestão das políticas públicas no sentido de controlá-las para que estas atendam, cada vez mais, às demandas sociais e aos interesses das classes subalternas. (CORREIA, 2002, p. 121) Diante do exposto, os conselhos como espaços democráticos e participativos, podem potencializar a representação e participação dos envolvidos. Por outro lado, essa participação deve ser qualificada, pois, por ser um espaço perpassado por conflitos, em seu interior são travadas disputas dada a sua composição plural e heterogênea, formada por representantes da sociedade civil e do governo em diferentes formatos. Logo, se essa participação for desinteressada, acaba que a defesa dos interesses em disputa pode privilegiar determinados grupos mais articulados politicamente, impedindo que seja um espaço democrático de conflitos, mas, sobretudo de consensos. Segundo Raichelis (2006), através de sua experiência acumulada, além de numerosos estudos e pesquisa do tema, os conselhos possuem dificuldade de realizar esse controle: 43 Quando avaliamos os resultados da experiência conselhista, devemos considerar o fato de que essas propostas democratizadoras do Estado e das políticas públicas vieram na contramão de um movimento internacional que desencadeou o fortalecimento de ideologias contrárias à universialização dos direitos sociais legalmente definidos pela Constituição, aprofundando a privatização do público. (RAICHELIS, 2006, p. 110) A possibilidade de reconhecimento e generalização dos direitos para efetivação desse controle no espaço dos conselhos encontra obstáculos para sua efetivação. Isso acontece devido ao cenário público estar repleto de projeções antagônicas entre sociedade e Estado, pois possuem setores que lutam por um Estado amplo e forte e setores que representam uma tentativa de privatização das políticas públicas desarticuladas entre si, uma vez que, como afirmamos acima, esse mecanismo se coloca na contramão dos princípios neoliberais que orquestram as regras também para o Brasil, especificamente no que trata da minimização do Estado16. Isso se reflete dentro dos espaços institucionalizados, pois os movimentos sociais e sociedade civil, nos momentos de decisões acerca das políticas sociais, se vêem muitas vezes impossibilitados de tomar um posicionamento. Assim, Almeida e Tatagiba (2012) relatam que “[...] os estudos sobre o assunto mostram à exaustão que essa densa e variada arquitetura participativa tem esbarrado em limites que muitas vezes esvaziam ou restringem seus potenciais democratizantes.” (ALMEIDA, TATAGIBA, 2012, p. 71) As dificuldades que diversos autores17 apresentam na realidade dos Conselhos, nos leva a questionar a viabilidade desses espaços de participação da sociedade em atingir o objetivo que é proposto, ou seja, o controle social democrático. Pois, com a participação de atores de diversas ramificações da sociedade como conselheiros, e muitos sem ter o conhecimento da política em que estão inseridos, fica a indagação: como será seu posicionamento sem possuir um entendimento específico, principalmente quando os mesmos fazem parte dos segmentos populares? A falta de qualificação técnica por parte dos conselheiros dificulta, sobretudo, a participação dos representantes da sociedade civil, 16 No contexto neoliberal – que passou a nortear a política econômica e social especialmente a partir da década de 1980 – podemos identificar uma redução no espaço, investimento/fundo públicos, eficácia e precarização no atendimento e garantias dos direitos sociais sob responsabilidade do Estado. A crise global do modelo de acumulação capitalista e o necessário ajusto do Estado neoliberal reduzem os investimentos nas políticas sociais, mas não impedem a reprodução e a concentração do capital. No contexto neoliberal, o Estado cria diferentes estratégias de enfrentamento da “questão social” e, o ajuste neoliberal, segundo Soares (2002, p. 71), caracterizava-se pelo corte nos gastos sociais causando o agravamento da “questão social”, uma vez que as políticas sociais são criadas são focalizadas, emergenciais, compensatórias, paliativas e naturalizam as desigualdades sociais, fazendo com que os sujeitos sociais se individualizem e os sujeitos coletivos percam sua identidade, ou seja, o neoliberalismo traz um enfoque no indivíduo e não no sujeito coletivo. 17 Como Raquel Raichelis, Luciana Tatagiba, Carla Almeida, Maria Inês Souza Bravo, Maria Valéria Costa Correia, entre outros. 44 [...] há significativa unanimidade nos estudos e avaliações da experiência dos conselhos quanto a frágil presença dos segmentos populares em tais espaços, por meio das suas associações e representações coletivas. Se a pobreza para além de sua expressão monetária, é um tipo de relação social que define sociabilidade e lugares do indivíduo na sociedade, sua contraface é a carência de representação política nos espaços públicos. (RAICHELIS, 2006, p. 113) Nesse sentido, os conselhos foram pensados como espaços institucionalizados em que movimentos sociais e sociedade civil possuiriam voz e voto nos momentos de decisão sobre as políticas sociais. Mas, muitas vezes, se vêem impossibilitados de tomarem uma decisão por desconhecimento da política em questão e tomam partido sem realmente ter um entendimento em relação ao acontecimento. Sendo assim, faz-se necessário que esses atores tenham condições de participar de capacitações que possibilitem o conhecimento necessário para a tomada de decisões. A qualificação dos conselheiros se coloca como um dilema para o exercício do controle social, sendo um assunto de grande relevância, pois é um dos principais determinantes para o saber técnico-burocrático inerente a esse espaço deliberativo, facilitando um maior equilíbrio nas forças entre os dois segmentos de composição, além de ampliar a possibilidade de eficácia nas decisões tomadas dentro desse espaço. Os conselhos são espaços de representação e disputa entre propostas diferenciadas, mas também podem vir a preservar o tipo de gestão política de interesse dos governantes. Nessa perspectiva, esses conselhos abrem-se para os embates entre perspectivas que, nem sempre, são de todo contrários. Por outro lado, como espaços de defesa de interesses mais ou menos articulados esses conselhos permitem que os sujeitos mantenham ou redefinem suas posições no curso das disputas entre projetos políticos. (BIDARRA, 2006, p. 43) Além disso, outro dilema vivenciado pelos conselhos é a preponderância política partidária na tomada das decisões, comprometendo a gestão democrática das políticas sociais públicas. Nessa lógica, é preciso refletir que, se por um lado, a luta para ampliar essa participação democrática da sociedade civil no papel principal da esfera pública exige um caminho longo a percorrer, por outro lado, esse caminho se torna mais difícil quando se trata de constituir um controle social dentro da esfera pública. Diante do exposto nesse capítulo, verifica-se que algumas ponderações aqui colocadas caminham rumo à questão norteadora de nossa pesquisa: como se inscreve o processo de 45 implementação do controle social por meio dos Conselhos gestores de políticas sociais públicas? Nessa lógica, destacamos assim, alguns apontamentos em relação a esses espaços, conforme a seguir: - O que define as principais regras de funcionamento dos conselhos, seu funcionamento, as condições de negociação, além de estabelecer seu modelo institucional em termos de composição, competências e atribuições, é o regimento interno de cada conselho; - Em relação à composição, os conselhos são órgãos paritários, pois sua formação se constitui pela equidade na representação entre membros da sociedade civil e representantes do poder público; - Quanto ao tipo de participação no processo decisório, os mesmos podem ser deliberativos ou consultivos: - Deliberativos: eles têm o poder de atuar de forma direta na formulação de diretrizes e parâmetros, bem como na aplicação de políticas relacionadas a cada área de atuação, ao mesmo tempo em que são articuladores, fiscalizadores e criadores de direitos. - Consultivos: sua organização é destinada exclusivamente para dar pareceres ou emitir opiniões de interesse do Estado, sendo sua atuação dirigida a assistir o poder público local, pois não possui poder de decisão. - Em se tratando da representatividade dos conselheiros titulares e suplentes, é definida por meio de nomeação por parte do poder público. Já a escolha dos conselheiros que representam a sociedade civil, é efetuada por meio de eleições em assembléias gerais para esse fim. Os representantes titulares e suplentes são escolhidos por regras específicas de acordo com a particularidade de cada órgão. Esses representantes, tanto em nível governamental como não-governamental, quase sempre participam de mais de um conselho e, devido aos muitos compromissos, nem sempre cumprem ou podem cumprir as responsabilidades assumidas. - Em relação à qualificação dos conselheiros, se torna um problema em todos os conselhos, pois seria necessário avaliar a importância dessas qualificações, já que forneceria maior embasamento sobre as demandas sociais e sobre o funcionamento e características das políticas públicas. Além disso, possibilitaria aos conselheiros, conhecimentos específicos para manuseio e elaboração de projetos de lei, decretos, portarias e demais documentos, inclusive na formação política dos conselheiros, tendo em vista que os mesmos lidam com a pluralidade de valores no mesmo espaço de discussão; 46 - Esse espaço propicia ainda, um jogo resultante da própria correlação de forças e que resulta em diversos conflitos. Diversos estudos apontam como sendo uma leitura equivocada, por parte dos conselheiros, o entendimento de que é nesse espaço que a sociedade enfrenta o poder público, esquecendo que se trata de um espaço paritário, administrado tanto pelo Estado quanto pela sociedade, de maneira equitativa. Desmistifica-se aqui a idéia conservadora de que o conflito e a disputa são entraves para a democracia. Pelo contrário, esses embates não deixam de ser saudáveis, pois como espaço público, muitas vezes esses conflitos se relacionam com a exposição de ideias, formulação política ou de proposições inseridas no debate. Esses elementos, obrigatoriamente, necessitam levar em consideração a pluralidade de atores dos mais diferentes segmentos e formações sociais e culturais. Os interesses que levam as entidades, organizações ou movimentos a disputar uma vaga para ser conselheiros são os mais diversos, assim como a própria compreensão do que seja participar na formulação/elaboração das políticas sociais públicas. Os Conselhos Gestores prescindem além do fortalecimento de uma dinâmica interativa entre os próprios Conselhos, de programas de capacitação permanente dos conselheiros, do aumento da eficácia representativa e da transparência dos processos decisórios, sendo essas algumas formas que podem potencializar estes espaços de partilha do poder. 47 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao término desse Trabalho de Conclusão de Curso, podemos afirmar que o mesmo, foi um acúmulo de experiências adquiridas através das demais disciplinas de graduação em consonância com o Estágio Supervisionado em Serviço Social I e II. A construção partiu do interesse despertado nas atividades de estágio, realizado na Secretaria Executiva dos Conselhos de Toledo, dos quais fazem parte o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e o Conselho Municipal dos Direitos do Idoso (CMI). A partir dessa vivência, o interesse teórico na temática dos conselhos nos levou a estabelecer o seguinte objetivo geral da pesquisa: “compreender o processo em que se insere o controle social nos espaços dos Conselhos”. Para tanto, apresentamos como objetivos específicos: descrever o processo histórico de constituição dos direitos sociais no Brasil; demonstrar teoricamente o processo acima demarcando legalmente na CF/88 (Constituição Federal de 1988); e refletir acerca da institucionalização dos conselhos de políticas sociais na efetivação dos direitos sociais, analisando o exercício do controle social. Assim, inicialmente percebeu-se a necessidade de conhecer a construção dos direitos na sociedade brasileira tendo como objetivo traçar a trajetória histórica, levando em consideração aquilo que deu base ao campo dos direitos civis, políticos e sociais, principalmente na construção dos direitos na sociedade brasileira. Na sequência abordamos o processo que o país enfrentou com a transição do governo militar à democracia. Percurso esse, que resultou na Constituição de 1988, a qual foi o marco legal dos direitos sociais. Diante disso, com o avanço dos direitos sociais no país, notou-se a necessidade da sociedade civil participar nos processos de tomada de decisão do poder público. A constituição dos conselhos significou um momento de organização e de direção das lutas políticas para os movimentos sociais e figuraram como parte importante de uma nova relação entre Estado e a sociedade civil. Foi analisada a importância desses conselhos, uma vez que os mesmos têm por objetivo efetivar o controle social das políticas na área em que exercem esse poder. Tal controle é entendido como a capacidade que os conselheiros possuem de influenciar para deliberar, fiscalizar e avaliar as ações das políticas sociais públicas. 48 Notamos que a articulação entre os conselhos nas esferas governamentais é uma tarefa fundamental para democratizar a gestão pública, além de dar direção em relação às políticas sociais no processo de tomada de decisões da administração pública. Todavia, a questão do controle social é um ponto central no processo de formação democrática na esfera pública, pois incide nos sujeitos que participam desse processo, tornando-se assim uma nova visão de política democrática. Após fazer um estudo dos conselhos e do controle social, salientamos a possibilidade de reconhecimento e generalização dos direitos para efetivação desse controle nesses espaços e sua efetivação devido o cenário público estar repleto de projeções antagônicas entre sociedade e Estado. Isso, tendo em vista que existem setores que lutam por um Estado amplo e forte e setores que representam uma tentativa de privatização das políticas públicas desarticuladas entre si. Há de se considerar, também, que esses mecanismos se colocam na contramão dos princípios neoliberais que orquestram as regras também para o Brasil, especificamente no que trata da minimização do Estado. As dificuldades que esses conselhos encontram para a efetivação do controle social se estabelecem para que esses espaços não se tornem mecanismos em que o Estado controle a sociedade. Mas, ao contrário, espaços em que se criem resistências à redução das políticas sociais, à sua privatização e mercantilização, ou seja, de redução dos direitos sociais. Dessa maneira, somos levados a questionar a viabilidade desses espaços de participação da sociedade em atingir o objetivo que é proposto, ou seja, o controle social democrático. Com a participação de atores de diversas ramificações da sociedade como conselheiros, muitos deles sem ter o conhecimento da política em que estão inseridos ou ainda que apresentem uma participação desinteressada, consideramos que a defesa dos interesses em disputa pode privilegiar determinados grupos mais articulados politicamente, impedindo que seja um espaço democrático de conflitos, mas, sobretudo de consensos. Nesse sentido, os conselhos foram pensados como espaços institucionalizados em que movimentos sociais e sociedade civil possuiriam voz e voto nos momentos de decisão sobre as políticas sociais. Mas, muitas vezes, se vêem impossibilitados de tomarem uma decisão por desconhecimento da política em questão e tomam partido sem realmente ter um entendimento em relação ao acontecimento. Sendo assim, faz-se necessário que esses atores tenham condições de participar de capacitações que possibilitem o conhecimento adequado para a tomada de decisões. Nessa lógica, é preciso se atentar ao fato de que, se por um lado a luta para ampliar essa participação democrática da sociedade civil no papel principal da esfera pública exige um 49 caminho longo a percorrer, por outro lado esse caminho se torna mais difícil quando se trata de constituir um controle social dentro da esfera pública. Diante do exposto nesse trabalho, verifica-se que o mesmo vai ao encontro da nossa questão norteadora de como se inscreve o processo de implementação do controle social por meio dos Conselhos gestores de políticas sociais públicas. Nesse sentido, levantamos alguns apontamentos, como o fato de reconhecer a necessidade do controle social significa o compromisso com os valores democráticos, pois com a CF/88 tivemos a concretização dos direitos sociais que vinham na contramão do processo de ditadura que o país enfrentou. Essa participação é enriquecida pelo fato de os sujeitos terem sua participação a efetivação nessas políticas, apesar de haver dificuldades nesses espaços de controle social. Não podemos afirmar a plenitude desse espaço de disputa e que o mesmo não tenha um exercício pleno, porque a riqueza de diversidade é que de fato faz a potencialidade de participação política nos conselhos, garantindo, portanto, um projeto societário que atenda às demandas acirradas pelo próprio processo de produção e reprodução das relações sociais. Para tanto acreditamos ser importante esses espaços de controle social no debate público para a sociedade e, com isso, buscar construir uma agenda comum de alternativas no sentido do fortalecimento e aprofundamento dos Conselhos no seu processo de construção. Mesmo diante dos muitos limites apresentados para a efetivação da participação pelos Conselhos, os mesmos carregam em si possibilidades de construção coletiva das decisões sociais e, por conseguinte, de consolidação da democracia. 50 REFERÊNCIAS ALMEIDA, C.; TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores sob o crivo da política: balanços e perspectivas. Serviço Social e Sociedade. Nº. 109 Jan/mar, 2012, p. 68-92. Editora Cortez. . BATTINI, Odária; COLIN, Denise R. Arruda; FOWLER, Marcos Bittencourt. Controle Social, financiamento e democracia. Curitiba: CIPEC/Fundação Araucária, 2003. BOBBIO,Norberto, tradução de Marco Aurélio Nogueira – 10ª edição. São Paulo: Paz e Terra 2000 (Pensamento crítico, 63) BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade; para uma teoria geral da política; tradução: Marco Aurélio Nogueira – 6 ªedição. Rio de Janeiro. Ed.Paz e Terra, 1987 BOBBIO, N.; MATEUCCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. Tradução: Carmem C. 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