CONSIDERAÇÕES RELACIONAIS ENTRE O DIREITO NATURAL E

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CONSIDERAÇÕES RELACIONAIS ENTRE O DIREITO NATURAL E SISTEMA
JURÍDICO
Thiago Gomes Luiz de Paula
Advogado. Professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Mestre em Direito.
Doutorando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Rogério Orrutea
Advogado. Professor da Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Direito. Doutorando
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
RESUMO
Neste estudo pretende-se identificar a ideia de sistema jurídico a partir da perspectiva do
direito natural. O sistema jurídico, nos moldes conhecidos usualmente no context jurídico,
está intimamente associado às premissas positivistas onde o direito posto pelo Estado
pressupõe a existência de uma estrutura organizada e hierarquizada que confiram a
legitimidade e coercitibilidade de suas disposições. Ao longo do trabalho são apresentadas a
formação do direito natural com o tempo, as influências e contribuições gregas, romana,
medieval, construindo-se também a compreensão contemporânea sobre sua dimensão. Expõese o sistema como realidade no âmbito jurídico. Ao final tais dispositivos são correlacionados,
indicando-se as relacões de interferências do primeiro na formação deste ultimo.
Palavras-Chave: Direito Natural, sistema jurídico, ordenamento jurídico
SOMMARIO
Questo studio si propone di individuare l'idea di sistema giuridico dal punto di vista del diritto
naturale . Il sistema giuridico , nel modo comunemente noto nel contesto giuridico , è
strettamente associato con i locali positiviste in cui il palo destro da parte dello Stato
presuppone l'esistenza di una struttura organizzata e gerarchica che forniscono la legittimità e
coercitibilidade delle sue disposizioni . In tutto il lavoro sono presentati alla formazione della
legge naturale nel tempo, influenze e contributi greca, romana , medievale , anche costruire la
comprensione contemporanea della loro dimensione . Espone il sistema come realtà nel
quadro giuridico . Al termine di tali dispositivi sono correlati , indicando il primo rapporto di
interferenza nella formazione di quest'ultima.
Parole chiave: legge naturale , Sistema legale , legge
INTRODUÇÃO
Nos estudos jurídicos, relacionar a compreensão do Direito em conformidade com
uma organização sistêmica é característica marcante das concepções oriundas do
Juspositivismo. Isto se deve ao fenômeno da positivação, que marcaria a história do
pensamento jurídico a partir do momento em que a organização jurídica ganha corpo sob
configurações teóricas responsáveis por demarcar a realidade jurídica e mediante teorias sob o
pálio de uma configuração científica.
Várias foram as ocorrências que contribuiriam para isto tanto no campo dos eventos
inovadores na ambiência do pensamento jurídico, com juristas e filósofos do Direito, mas
também no campo dos acontecimentos políticos e sociais, que ocasionariam uma nova forma
de organização política e jurídica da sociedade. Ao fenômeno da positivação, pela
característica da sua assunção de Direito Positivo que é o Direito Posto, mediante uma força
legítima de autoridade constituída (poder), assiste-se também uma presenciação do fenômeno
da normação, ou seja, a presença da norma jurídica positiva como algo de essência ao caráter
ontológico do Direito. Estas características na vida do Direito como um ente próprio talvez
tenha sido o grande responsável por uma aproximação muito significativa entre positivismo
jurídico e a ideia de sistema, com uma propensão em se restringir a questão nesta seara.
Assim, positivação e normação vão constituir a pedra angular nas concepções
inauguradoras para uma compreensão do mundo jurídico sob uma necessária vinculação à
ideia de sistematização. Estes fenômenos, não há dúvida, são os condicionantes de uma
vinculação muito forte e de aproximação ao Juspositivismo quando se procura discutir a ideia
de sistema nas concepções gerais de Direito, com tendência em se afastar de uma teorização
sedimentada em convicções jusnaturalistas. Mas, advirta-se, nas concepções gerais
envolvendo o mundo do Direito - não devemos esquecer - não se pode deixar de lado também
aquilo que na história do pensamento jurídico reconheceu-se como Jusnaturalismo. E isto se
percebe quando se verifica ao longo das concepções surgidas acerca do fenômeno jurídico, o
que podemos considerar, ou não, como uma tentativa de abrangência plena acerca do Direito
com vistas a uma investigação dele do ponto de vista ontológico.
Nesse contexto, desde as considerações as mais primevas e elementares possíveis, até
o ponto de um caldeamento teórico com consequencialidade na organização do Direito, estes
aspectos vão forcejar uma constatação no sentido de que ao lado de um Juspositivismo,
também deixam eles perceber a marca de um Jusnaturalismo. Dessarte, uma indagação
primacial deve ser feita: É possível se reconhecer a ideia de sistema nas várias concepções
jusnaturalistas? Ao responder a esta indagação e saindo de um mundo que se projeta do
jusnaturalismo é possível responder teoricamente de forma afirmativa a esta indagação, num
reconhecimento de uma projeção que pode alcançar o próprio Direito Positivo, sobretudo se
considerarmos aquelas normas cuja natureza atuem com certa variabilidade e flexibilidade, e
onde se possibilita uma espécie de evolução temporal. Neste caso, Ferraz Jr. (1976, p. 18)
expõe que a “ideia de sistema envolve, a partir daí, todo o complexo do direito positivo,
metodicamente coordenado, na sua totalidade, ao direito natural”. Isto já é um indicativo de
que não podemos deixar de lado a ideia de sistema quando colocamos em pauta o Direito
Natural, mesmo porque daquilo que se produziu no período compreendido nos Séculos XVII
e XVIII, e do que se extrai de uma estrutura dedutiva que vai caracterizar os sistemas
jusnaturalistas deste período, vai determinar ainda nos dias que se seguem a doutrina moderna
com relação à sistemática jurídica. (FERRAZ JR., 1976, p. 13).
1. A construção histórica do direito natural
Busca-se, ao se aproximar reminiscências históricas do Direito Natural, a
compreensão de algumas das suas características que sobrestam ainda nos dias atuais. Além
de uma solução neste sentido, também a sua lembrança e registro é salutar para o desiderato
de reconhecer a sua relação com a ideia de sistema, bem como realçar os modelos que possam
ser retratados neste contexto último.
A presença do Direito Natural na vida dos povos, e desde um período longínquo, é
algo que não há como refugir à compreensão dos tratadistas teóricos. Tanto assim que
incontáveis são as discussões e debates nos quais se percebe, ora uma convicção das verdades
jusnaturalistas por um lado, ora uma convicção das verdades juspositivistas de outro, e onde
ambas as formas que são defendidas e alinhavadas não economizam oportunidade em
apresentar cada uma delas um libelo no processo das contrariedades, e que são postas em
debate. Isto não é uma ocorrência do agora apenas, mas em vetustos períodos na história das
comunidades e dos povos isto ocorrera, cuja presença se não se tornou palpável entre os
antigos por um processo empírico e retratado teoricamente, pelos menos a sua percepção
ocorreria intuitivamente, o que sintomaticamente iria comparecer no processo das relações
humanas como forma de organizar a vida tanto individual como social. Variadas são as
ocorrências sugestivas deste processo ao longo da história, e onde o Direito Natural é sentido
desde as mais tenras formas implicativas já a partir das compreensões as mais elementares
possíveis, ao se referirem as formas de pensamento acerca de uma mundo natural anteposto ao
próprio homem, numa relação de compreensão direta com o que possa constituir inicialmente
as leis naturais.
1.1. A contribuição grega à formação do direito natural
Entre os gregos no período clássico da Filosofia é possível encontrar uma
inauguração das reminiscências com atenção à ordem natural das coisas, com desengate na
maturação do que poderia ser compreendido como lei natural. Entre os pré-socráticos é
profusa a discussão desde os mais elementares aspectos neste sentido, e onde a busca da causa
primeira e última das coisas levaria a uma proto-investigação no mundo da Física. Sobre a
natureza iriam tecer comentários Xenófanes de Colofão (570-528 a.C.), Heráclito de Éfeso
(540-470 a.C.), Parmênides de Eléia (530-460 a.C.), Zenão de Eléia (504-1 a.C.), Melisso de
Samos (444-1 a.C.), Empédocles de Agrigento (490-435 a.C.), e Anaxágoras de Clazômenas
(500-428 a.C.).
Seguidamente a isso e de conformidade com a sapiência platônica (Platão, 427-347
a.C), vamos ter como fonte da lei e do Estado uma vontade divina. Nisto vamos encontrar
uma das três fontes fundamentais - ao lado da razão e da natureza mesmo -, aquela que iria
demarcar em épocas posteriores uma forma basilar de justificação do jusnaturalismo, ou seja,
uma justificação sobre a ideia de Direito Natural como manifestação de uma providência
divina. Segundo Platão (2010, p. 183 3 189), é salutar que invoquemos “a presença do deus na
fundação do Estado, e que ele possa nos escutar, e nos escutando ser propício e benevolente
assistindo-nos na construção do estado e das leis”. Esta convicção se apresenta ainda mais
porque “o deus que tem em suas mãos segundo a tradição antiga, o começo, o fim e o meio de
todos os seres que existem, encaminha-se diretamente para sua meta entre as revoluções da
natureza; acompanha-o sempre a Justiça, que se vinga daqueles que infringem a lei divina”.
Neste sentido confirmativo, vinculando a ideia de justiça aos mecanismos oriundos da
natureza, indaga ainda mais o filósofo (2006, p. 215): “Não seria produzir justiça organizar os
elementos da alma numa relação natural de controle, um pelo outro, enquanto produzir
injustiça é estabelecer uma relação de governar e ser governado contrária à natureza?”.
Quando procuramos buscar as raízes de um Direito Natural com o filósofo grego
Aristóteles (384-322 a.C.), verifica-se que para este pensador não se passou despercebida a
condição jurídica condicionada à existência da lei escrita e da lei não escrita. Esta última vai
significar a ideia da lei comum, ou a lei que não muda, a sede do que pode se caracterizar
como Direito Natural. Ao diferenciar a lei escrita da lei não escrita - lei natural - ele afirma
que “é necessário insistir que os princípios da equidade são permanentes e inalteráveis, que a
lei comum igualmente não muda - pois se conforma à natureza - ao passo que as leis escritas
mudam frequentemente”. Como reforço disso o filósofo lembra Sófocles, um dos principais
tratadistas das tragédias gregas na obra Antígona, ao referir o personagem Antígona que para
sepultar Polinices, defende-se afirmando que transgrediu a lei escrita (do Rei Creonte), mas
não a lei não escrita, conforme Aristóteles (2011, p. 111): “pois essa lei não data de hoje nem
de ontem”, e com isso forja o entendimento de um Direito que é permanente. Ademais, a
convicção aristotélica (1984, p. 131) acerca do Direito Natural mais se demonstra quando
afirma que da justiça “uma parte é natural e outra parte é legal: natural aquela que tem a
mesma força onde quer que seja e não existe em razão de pensarem os homens deste ou
daquele modo”. A questão transcende, então, de algo relativo para algo que permanece, e
neste caso superando as circunstâncias e peculiaridades, que possivelmente sobejam uma
tratativa jurídica eminentemente sob o pálio temporal.
1.2. A contribuição romana à formação do direito natural
É bem verdade que entre os romanos, pelo pragmatismo que nortearia a vida desse
povo, moldado ele pelo compromisso em administrar o mundo num período da história,
vamos encontrar um processo de elaboração jurídica que seria responsável por colocar o papel
do direito objetivo entre as fórmulas mais representativas em se pensar o Direito. Isto com
uma consequencialidade lúcida, mas também primaz para o Positivismo Jurídico. Mas não é
menos verdade que da lavra deste povo providenciou-se também os registros quanto ao
significado de Direito Natural para uma posteridade, ou mesmo ainda não é demais afirmar
que entre os latinos cuidou-se também das raízes jusnaturalistas.
Ressalte-se que o jusnaturalismo não foi algo estranho aos romanos. Isto é
extremamente providencial como concepção básica para um ponto de partida geral, e como
viga mestra no processo da constitutividade da verdade jurídica para estes povos,
comparecendo como fundamentação básica e de sustentação para o processo da sua
compreensão (do Direito), num lance de imanência para as demais formas de verdade jurídica
que seqüencialmente iria daí resultar como um desdobramento certo. Este sintoma está
perfeitamente demonstrado por um brocardo iniciador, uma espécie de princípio, no sentido
de que Ubi homo, ibi jus, e onde a locução latina assenta num primeiro momento no sentido
de que onde está o homem, aí esta o Direito, e que evolui também para Ubi homo ibi societas,
ubi societas ibi jus, ou seja onde esta o homem está a sociedade, onde está a sociedade está o
Direito. Não se pode negar neste conjunto o fato de uma mescla que pode ser compreender
com a presença do Direito Natural e do Direito Positivo juntos.
Portanto, se não se descuidou do papel do Direito na sociedade, também não se
descuidou do papel do Direito no indivíduo, no homem. Dessarte, também entre os romanos a
origem, a natureza e também o próprio finalismo humano vão determinar as condições de
fundamento e de estrutura do Direito. Se por um lado há uma preocupação com relação à
sociedade sendo objeto do Direito, também o homem na sua idiossincrasia não é algo estranho
para os latinos. Não se trata de ressaltar o homem no seu isolamento, isto é, despiciendo de
uma vinculação jurídica, frise-se, mas uma preocupação em se realçar o homem enquanto
objeto de uma preocupação jurídica. Nisto o que temos é o implícito reconhecimento de uma
etiologia que vai fundamentar, significativamente entre os romanos e como ponto de partida, a
ideia de Direito Natural.
Entre os personagens da Roma Antiga num colóquio com a ideia e Direito Natural,
ganha destaque o jusfilósofo Marco Túlio CÍCERO (106-33 a.C.). Cícero é considerado por
alguns como o maior filósofo latino. Mas a sua personalidade apresenta brilho também como
jurista, além de excepcional tribuno na condição de senador da República Romana. Ao tratar
da lei natural num sentido geral, a significação desta nas considerações do filósofo reflete
também um alcance conceitual como Direito Natural. Na sua convicção esta lei precede
qualquer sistema legislativo, sendo um preceito oriundo da racionalidade humana, e daí com
uma dimensão universal. Neste desiderato, e para ele (2010, p. 29), “a lei natural designa um
princípio imutável e universal da natureza, superior a qualquer lei feita pelos homens, cuja
autoridade advém do ‘único senhor e mestre de todos nós – o deus que é o autor, proponente e
intérprete dessa lei”. Segundo ele (1985, p. 170), essa lei:
(...) não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos
ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo Senado; não há que procurar
para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em
Atenas, uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os
povos e em todos os tempos (...) não podendo o homem desconhecê-la sem renegarse a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais
cruel expiação.
Com esta força argumentativa é possível compreender a significação e o alcance que
a ideia de Direito Natural iria representar, não só na consciência deste pensador, mas também
nas considerações que iria desenvolver quando das discussões oratórias e também nos seus
escritos. Em várias outras oportunidades há um desfilar argumentativo e uma defesa neste
sentido, como em Pro T. Annio Milone, nas Tusculanae Disputationes, no texto De
Inventione, no livro De Natura Deorum, e no livro De Legibus.
Esta problemática entre os romanos não se restringiria a nível de princípio, discussão
filosófica ou mesmo no âmbito de uma tribuna senatorial ou forense apenas, mas também iria
ganhar fôlego na dimensão do Direito escrito entre eles. Na lapidar definição das Institutas de
Justiniano, Direto Natural “é o que a natureza ensinou a todos os animais”, e na preocupação
em destacar o Direito Natural do Direito Civil, a sua codificação culmina por conceituar o
primeiro como aquele Direito “que a razão natural constitui entre todos os homens, é
observado igualmente por todos”, e daí justificar a sua utilização em parte, asseverando por
isso em denominá-lo ainda de Direito das Gentes (Instituições de Justiniano, Título II).
1.3 As contribuições no período medieval e moderno à formação do direito natural
O Direito natural existe também no período medieval e caminha para o período
moderno da sua história. Para isto há uma primeira fase. Após um processo de maturação com
a força do cristianismo, assumindo um perfil de firmeza e de dogma sob a ideia da revelação,
dois grandes personagens vão comparecer neste processo. Num primeiro momento Santo
Agostinho (354-430) como um autêntico representante da Patrística (os padres da Igreja), e o
mais importante deste movimento. Num segundo momento S. Tomás de Aquino (1225-1274),
este talvez o mais importante da Escolástica, esta que iria se caracterizar como uma filosofia
que procurou redescobrir a filosofia clássica equacionando-a com os dogmas religiosos.
Com Santo Agostinho na sua monumental obra De Civitas Dei - que contrapõe à
ideia de Civitas Terrena - vamos encontrar aspectos que tratam sobre o gênero humano, sobre
a justiça e sobre o Estado, e onde se exalta a comunhão das almas em Deus. Com relação
especificamente a uma concepção temporal envolvendo a ideia de Cidade ou Estado terreno,
DEL VECCHIO (1979, p. 63) disserta que a sua organização deriva da vontade divina, mas
também da natureza.
Com Santo Tomás de Aquino em duas obras fundamentais - Summa Teológica e De
Regimine Principum -, é possível o fundamento doutrinal sobre a justiça, e onde o filósofo
admite três categorias de legislação que são a Lex aeterna, a Lex naturalis e a Lex humana.
Pode-se dizer consoante Ross (1977, p. 237), que com Santo Tomás de Aquino o Direito
Natural de formação católica atingiu uma forma definitiva diante do sistema teológicofilosófico por ele levado a efeito, e no qual podemos encontrar inclusive fundamentos para
uma desobediência, e até mesmo deposição dos governos tirânicos que sejam injustos ou
opostos ao bem comum.
Nisto é possível se verificar e ao mesmo considerar uma contrariedade do Direito
Natural ao Direito Positivo. Segundo Tomás de Aquino a lei natural é diretamente conhecível
pelo homem através da razão, sendo que a lei humana - inventada pelo homem - deriva da lei
natural de duas formas, ou seja, por uma forma conclusiva de natureza silogística, cujas
premissas são oriundas da lei natural, e por uma forma determinante também imposta pela lei
natural.
No período que se projeta para a fase Medieval - e mesmo Moderna - na história do
Direito Natural, muitos pensadores vão comparecer e cujos escritos engajados, ou não, com a
problemática envolvendo o Direito, deixam entrever a sua contribuição neste sentido. Nem
sempre há um enfrentamento direto com o tema, mas culmina às vezes por tangenciá-lo
mesmo que indiretamente. Com Marcílio de Pádua (1278-1342), por exemplo, se reconhece o
estado de natureza do homem, mas também e ao lado disso a necessidade de transmudá-lo
para uma união em sociedade, e daí o gênese de um contrato social. Com a ocorrência do
Renascimento iniciado no Século XIV, transmudou-se a maneira de se compreender as coisas
onde o teocentrismo é substituído pelo antropocentrismo, e onde a liberdade individual e
mesmo do espírito ganha liberdade quanto aos dogmas da Igreja. A tendência é uma análise
com maior liberdade do pensamento em tudo que se desenvolve a atividade do conhecimento,
e o próprio Direito ganha, a partir de então, um estudo fora - praticamente - da teologia, agora
com fundamentos humanos e racionais. Com isto se inaugura uma segunda fase com
implicação na compreensão jurídica acerca do Direito Natural.
Nesta segunda fase podemos lembrar os escritos de Nicolau Maquiavel (1469-1527),
que, embora a sua obra clássica O Príncipe seja uma descrição providencial para a Ciência
Política, não deixa de encarar e considerar a natureza dos homens, isto é, a forma como os
homens são no contexto das suas paixões e dos seus hábitos e vícios, fazendo um ensaio
compreensivo através das coisas pelas quais tanto os homens como os príncipes são louvados
ou censurados (Capítulo XV). Neste período também se destaca João Bodin (1530-1596),
para quem o soberano deverá se submeter às leis divinas e naturais, além da necessidade de se
adaptar as leis às condições naturais. Em seguida, outros nomes vão comparecer ainda mais,
como Hugo Grócio (1583-1645), Samuel Pufendorf (1632-1694), John Locke (1632-1704),
Battista Vico (1668-1744), Motesquieu 1698-1755), e Jean Jacques-Rousseau (1712-1778),
entre outros.
1.4. A delimitação técnica do Direito Natural na contemporaneirade
Quando pinçamos as correntes doutrinárias na sua generalidade é possível tangenciar
as diferentes concepções afirmativas - ou mesmo de negação - acerca do que possa constituir
uma noção, ou uma ideia, e daí um conceito basilar de Direito Natural.
Registre-se, de início, que um conceito não se confunde com definição do ponto de
vista lógico-formal. Com o conceito, enquanto um termo isolado, ele se apresenta já de forma
auto-suficiente em demonstrar o sentido e a ideia de um ente que se afirma diante dos demais
entes. O conceito é bastante (suficiente) em si porque preenchido dos elementos que
configuram não só a estrutura, mas também a função e a finalidade de um determinado objeto,
o qual se procura compreender e conceituar.
Neste aspecto não há dúvida que naquele relato geral doutrinário que verificamos no
tópico anterior, relacionado com o Direito Natural, um dos primeiros pontos a respeito disso é
exatamente o que trata das suas fontes, e onde três fontes basilares são extraídas nas
considerações gerais. A fonte do Direito Natural ora comparece como a providência divina Deus -, ora é a razão - razão humana -, ou ora é a natureza em si. E num caldeamento tende a
comparecer com maior intensidade a ideia relacionada com a natureza mesmo, para se afirmar
daí uma relação com as leis naturais, de cujo contexto o homem também é um produto.
Nessa forja doutrinária, e ao lado das fontes, uma segunda providência conceitual
que se nota é exatamente uma necessária diferenciação entre uma lei natural e uma lei feita ou
elaborada pelo homem. Na primeira categoria pode-se dizer que doutrinariamente se
reconhece como legislador ou providência divina - Deus -, ou razão humana, ou a natureza,
quando tratamos da lei natural. Na segunda categoria porque já se conduz a análise para a
dimensão de uma lei civil, ou lei positiva - Direito posto -, afirma-se doutrinariamente que o
legislador neste caso é o órgão legislativo do Estado. Assim, Direito Natural é aquele oriundo
do primeiro modelo legislativo o que não acontece com o segundo modelo.
Da parte do Direito Natural, portanto, contamos com um legislador que transcende o
homem e por isso dos seus enunciados o que se verifica são juízos de valor jurídico que não
emanam da alçada do Direito positivo, mas do Direito Natural mesmo, e por isso escapam de
um campo relativo para se pretenderem a um campo absoluto, com permanência. Esta seria
uma terceira providência conceitual ao Direito Natural, eis que com ela se providencia e se
trata com juízos de valor absoluto, e não mais juízos de valor relativo.
Em seguida devemos reconhecer no seu conjunto conceitual, ainda, e como quarta
característica aquele que vai significar o alcance dos juízos de valor por eles afirmados, os
quais se pretendem com um alcance universal. Assim, o juízo de valor jusnatural para o
jusnaturalismo, tem existência e aplicabilidade tanto entre os povos americanos, como entre
os povos europeus, asiáticos, africanos, etc.
Por derradeiro frise-se ainda que nesta composição conceitual não devemos deixar de
lado ainda um quinto elemento conceitual do Direito Natural, o qual se caracteriza na
concepção do jusnaturalismo por uma prevalência dos seus juízos diante dos outros, e se
traduz no fato de que num confronto entre um juízo de valor de Direito Positivo com um juízo
de valor de Direito Natural, a prioridade será sempre deste último.
Firmados os pontos conceituais podemos agora tratar da sua definição, esta que não
se confunde com o conceito, que diferentemente deste último vai se apresentar como um
termo complexo assumindo uma postura afirmativa ou negativa na atuação discursiva. Neste
diapasão podemos definir e dizer que Direito Natural é todo e qualquer enunciado normativo
que tendo como fonte legislativa a ordem natural, enuncia juízos de valor jurídico que não se
prendem à alçada do Estado apenas, mas emergem da condição humana em especial para
regulamentar a vida do homem com preceitos dotados de alcance não relativo, mas absolutos
e universais. Estes preceitos, é bom registrar, não são postos pelo Estado, mas existem como
imanência da natureza humana, e por isso já reconhecidos como existentes com o homem. A
condição humana dota o homem de uma ordem jurídica natural independentemente do Estado,
que por sua vez vai estar vinculado em reconhecê-la, admiti-la, regulamentá-la e também
respeitá-la.
2. A ideia de um sistema jurídico
Compreendendo-se algumas noções fundamentais caracterizadoras do Direito
Natural como um ente de significação jurídica bem como sua existência diante do Direito
Positivo, providencial torna-se a tratativa acerca da ideia de sistema para um possível
equacionamento entre ambos.
Na busca de um equacionamento entre ambos - Direito Natural e Sistema -, pode-se
entender, de acordo com FERRAZ Jr. (1976, p. 09) primeiramente o sistema como uma
organização, composta de partes essenciais que funcionam de forma equacionada ou
sincronizada e com um finalismo próprio. Neste sentido, se buscamos associação da ideia de
sistema com o Direito isto pode ter alcance e aplicabilidade tanto do ponto de vista da sua
organização enquanto ordenamento, mas também, e sobretudo como mecanismo teórico de
explicação e compreensão funcional acerca da coerência e adequação das proposições
descritivas, estas daí extraídas com a finalidade básica de interpretação e ao mesmo tempo de
aplicação.
Se entendermos da primeira forma, devemos compreender o papel do sistema desde
o fundamento de validade que se dá às normas que compõem o ordenamento, até o processo
de sua suficiência do ponto de vista das lacunas ou da completitude. Se entendermos de
conformidade com a segunda forma, devemos compreender o sistema como uma atitude
teórica no sentido de investigar a coerência e o equacionamento lógico que as suas
proposições sugerem. Comparando estes dois modelos de aplicação do sistema, tende ele a
ganhar maior destaque com o segundo, por força do seu comprometimento teórico, ou como
podemos dizer, do seu comprometimento enquanto uma teoria explicativa. Esta tendência
conceitual que ganha maior destaque ainda nos dias de hoje, segundo Tércio Sampaio
FERRAZ Jr. (1976, p. 11 e 13), assume características marcantes neste sentido com Christian
Wolff, para quem o sistema “é mais que um mero agregado de um esquema ordenado de
verdades. Sistema é sobretudo “nexus veritatum”, que pressupõe a correção e a perfeição
formal da dedução”. E conquanto sobressaia este aspecto formal como essência na sua
caracterização, com vistas a sua aplicação no Direito, o sistema vai envolvê-lo de forma
peculiar e “sob o prisma da sua validade (Geltung), com algumas consequências fundamentais
para a sua metodologia”. Veja-se, pois, uma consequencialidade de ordem metodológica do
sistema como algo providencial para uma teoria jurídica.
Não temos dúvidas, pois, da pertinência funcionalista e aplicativa do sistema
enquanto recurso teórico para a compreensão jurídica. Devemos nos ocupar, em especial,
sobre a sua pertinência, ou não, quando se coloca em pauta o Direito Natural como objeto de
consideração e análise.
3. A relação entre o sistema jurídico e direito natural
Vincular a ideia de Direito Natural com a ideia de Sistema tem a ver com uma forma
de organização não só da disposição normativa, pela qual ele pode ser reconhecido como ente
jurídico, mas também pela compreensão descritiva e interpretativa desta disposição. Sempre
que se fala na ideia de Sistema o que se pretende providenciar é um discorrer teórico, no qual
se busca estabelecer os mecanismos de coerência, arranjo e equacionamento acerca dos
dispositivos proposicionais de uma organização, a qual se pretende compreendida,
interpretada e discutida, notadamente no âmbito de uma investigação científica ou filosófica,
independentemente do objeto a ser investigado - qualquer que seja ele - que no nosso caso a
atenção se volta para o fenômeno jurídico. Neste momento então é de se indagar: é possível
reconhecer-se a ideia de Sistema na dimensão teórica do Direito Natural? Medidas as
circunstâncias, apesar das resistências que possam ocorrer quanto a isto, acredita-se que a
resposta pode ser afirmativa.
A resistência ou mesmo uma dificuldade em se acomodar a ideia de Sistema ao
Direito Natural tem suas raízes no fenômeno da positivação, conforme anteriormente
mencionado, o qual acontece para o Direito a partir de determinado momento na história do
pensamento jurídico. Com a positivação comparece também uma tendência da normação - o
Direito como norma jurídica onde ganha destaque a norma jurídica positiva. Com a assunção
da positividade a teorização ali aplicada vai buscar os contornos de uma teoria científica onde
a sistematização teórica se acomoda nos meandros doutrinários. É no âmbito do Direito posto,
com a apresentação clara do objeto, que a tendência fora uma aceitação circunscrita neste
sentido. É que não existe teoria científica sem um objeto claro de apreciação, esta que é uma
convicção teórica aplicada também no âmbito jurídico, sobretudo pelos teóricos adeptos do
juspositivismo.
Talvez a dificuldade de aplicação de uma organização sistêmica ao Direito Natural
pelos teóricos tenha ocorrido ao longo do pensamento jurídico em razão de uma ausência de
clareza e de precisão, necessárias quanto ao processo de condução das ações para uma
concretização tanto de um estado de Direito, como também para um sistema jurídico efetivo.
Mas a transcorrência disto para o âmbito jusnatural vai estar diretamente relacionada com um
princípio basilar, e que comparece como sendo a vida básica de sustentação de todo o sistema
jurídico, com alcance de envolvendo também sobre a ideia de Direito Natural, juntamente
com a teorização aí desenvolvida. É o fato de que tanto uma lei como uma decisão de alcance
jurídico para serem reconhecidas como autênticas e verdadeiras elas devem ser justas. Daí
sobressai a ideia de justo, ou mesmo de justiça, cuja caracterização, pela valoração que
assume, tende a um campo de significação filosófica. Isto indica uma acomodação destacada
no âmbito do Direito Natural, uma particularidade significativa que não devemos deixar de
lado. É que na concepção do Direito Natural, uma norma jurídica para se caracterizar com
este alcance deve assumir sempre a condição do justo. Esta dificuldade é o ponto de partida na
construção teórica de um sistema jusnatural, diferentemente de uma convicção aplicativa na
conformidade do Direito Positivo. Uma simples experiência demonstra tal afirmação e sua
dificuldade. Ao perguntar o que é a justiça para pessoas diferentes e estaremos diante de
variadas formas de convicção.
O posicionamento favorável acerca da ideia de sistema no direito natural demanda de
justificação. Conforme dito anteriormente, o Direito Natural traz como princípio básico das
suas convicções normativas a ideia do justo, a ideia de justiça. Reconheceu-se também uma
flagrante dificuldade em tratar tanto a ideia do justo como a própria ideia de justiça, pelo
próprio terreno movediço que as divergências teóricas sugerem acerca deste tema. Esta é uma
questão que deve ser equacionada sob pena de falsear toda a organização sistêmica do Direito
Natural tanto do ponto de vista do ordenamento, como também do ponto de vista da sua
coerência e equacionamento proposicional na pretensão explicativa. Mas para isto haverá de
se buscar uma solução, e esta solução vai estar de conformidade com um fundamento nas
fontes, aquelas que já consideramos no tópico anterior. Não há, parece-me, como sustentar
uma outra forma teórica para o problema proposto fora deste contexto teórico.
É fato reconhecido entre as fontes básicos do Direito Natural uma vinculação ora aos
propósitos de alcance divino se conformando com a Ideia de providência, ora uma vinculação
à razão humana, ora uma vinculação à natureza mesmo. É bem verdade que de um modo geral
se verifica uma oscilação entre uma forma e outra, mas num caldeamento último o que se
sugere é um propósito relacionado com a natureza humana. Neste caso o justo vai estar com
um assentimento em se considerar como jurídico um juízo que esteja de conformidade com o
que possa emanar da própria natureza humana, e de onde os modelos jurídicos haverão de se
projetar, como sói acontecer de forma profusa e exemplificativa em aspectos e em casuísmos
elevados à condição de valor jurídico como a vida, a liberdade, a instrução, a saúde, a
propriedade, a dignidade, entre outros.
Aliado aos caracteres acima referidos, não é demais lembrar que uma maturidade
sobre a ideia de Direito Natural ganhou uma significação diferenciada daquilo que grande
parte do período transcorrido no Século XIX teria assentado, no sentido de que o Direito
Natural seria apenas algo fazendo parte da Filosofia do Direito, ou mesmo apenas uma
corrente filosófica aí atuante. A separação destes setores teóricos - Filosofia do Direito e
Direito Natural - vai ganhar sentido desde que, em função dos possíveis modelos jurídicos
que possam ser encartados como modalidades específicas de Direito, venham a ganhar
reconhecimento. Em havendo esta possibilidade se inaugura uma novel modalidade conceitual
reconhecida como Direito Natural Positivo. Quem faz escola contemporânea e com
proficiência neste sentido é o Jusfilósofo espanhol Javier HERVADA. Segundo ele (1990, p.
09), “a ciência e a arte do direito são, ao mesmo tempo, ciência e arte do direito natural
positivo, porque há direitos naturais e há direitos positivos e são muitos os direitos que são em
parte naturais e em parte positivos”.
Nesse contexto, reconhecer a ideia de positividade com alcance ao Direito Natural
não nos conduz a outra realidade que não aquela que vai envolver possíveis modelos como é o
caso do direito à vida, direito à liberdade, direito à propriedade, direito à instrução, direito à
saúde, direito à dignidade, etc. Neste aspecto, corrobora o autor (1990, p. 176), que então, a
ciência do Direito Natural não se confunde com a Filosofia do Direito e tampouco com a
Ciência do Direito Positivo, mas comparece como “uma especialização dentro da ciência
jurídica, que coadjuva ao aperfeiçoamento de toda a ciência jurídica no seu conjunto e nos
seus ramos distintos”. E se estabelecemos o justo como critério balizador na diferenciação
entre Direito Positivo e Direito Natural, há de se ter o justo por enfoques diferenciados, e daí
reconhecer no primeiro caso o justo por convenção, e no segundo caso o justo por natureza.
Admitir a possibilidade de um desenvolvimento teórico do Direito natural sob a
égide de uma organização sistêmica, conduz a um outro patamar que significa considerar a
possibilidade, ou não, do Direito Natural como Ciência, ou dito de forma mais provocativa,
indagar sobre a própria Ciência do Direito Natural. O degrau para isto é atinar para o fato em
que o aspecto fundamental nesse caso é tratar com a apresentação de um sistema que possa
agregar os direitos naturais na sua generalidade, num conjunto do justo natural, e sob este
aspecto “o núcleo fundamental desta disciplina é a parte especial, que consiste na exposição
desse sistema” (HERVADA, 1990, p. 178).
Considerar algo teórico neste sentido exige antes de tudo considerar a possibilidade,
ou não, da existência de uma positividade tanto num sentido formal como num sentido
material, e que a norma jurídica venha a manifestar. Sobre isto é providencial a afirmação de
Tércio Sampaio Ferraz Jr. Segundo ele (1976, p. 167), a positividade formal envolvendo um
caráter obrigatório resulta, no Direito Natural, da sua racionalidade, enfeixando uma
consequência lógica, ou seja, uma validade lógica-racional, enquanto que a sua positividade
material vai implicar no conteúdo da norma, com uma dedução perfeita dos conteúdos
jurídicos partindo de um conjunto de princípios fundamentais.
A partir desses pontos básicos é possível não só reconhecer ao Direito Natural uma
organização sistêmica com suficiência e de alcance teórico, mas também a possibilidade de
concatená-lo com a ideia de Ciência Jurídica. É que com isto se estabelece uma implicação
teórica possível tanto com relação à ideia de objeto, como também com relação à ideia de
metodologia, requisitos essenciais para uma teoria científica do Direito.
Conforme teremos a oportunidade de verificar em seguida, serão sugestivas as várias
concepções dos pensadores que traremos à colação, e nas quais será possível divisar de forma
circunstanciada e palpável, os aspectos que retratam uma relação com a ideia de objeto. Este
que será o caracterizador do que possa comparecer para uma análise envolvendo o Direito
Natural. Mas também neste bojo vai sobressair o papel da metodologia, na medida em que
toda a compreensão disso vai estar jungida por mecanismos e critérios no sentido de descrever
e relatar os pontos manifestos do que possa ser admitido como juízo de valor jurídico numa
composição jusnatural.
Considerações Finais
Do que se verificou é possível um reconhecimento no sentido de se relacionar a ideia
de Direito Natural com a ideia de sistema, com um chamamento também aos possíveis
modelos sistêmicos oriundos das tratativas levadas a efeito pelos teóricos paladinos de um
jusnaturalismo, quer no reconhecimento de um passado longínquo com as primeiras e
elementares preocupações em torno de um mundo natural - de natureza ou um mundo da
Física -, quer no reconhecimento teórico aos momentos mais contemporâneos até os dias que
se seguem, com as produções doutrinárias e já sob um alcance metodológico.
Nessa verificação foi possível se admitir ao lado da significação que o Direito
Positivo alcançou, também sobressai a significação destacada que é devida ao Direito Natural.
A presença deste último sempre esteve presente como um substratum de significação jurídica,
e que não poderia e não fora descuidada em tomo momento, por um mecanismo senão direto
pelo menos intuitivo à mente dos jusfilósofos, os quais procuraram pensar o fenômeno
jurídico, embora possamos reconhecer uma certa dificuldade neste sentido, sobretudo com a
inauguração do fenômeno da positivação, ao lado da prática da normação. Assim, desde o
momento grego-romano, passando com profusão pelo período medieval-moderno, e também
nos dias que se seguem, vamos deparar com situações de referências que são feitas ao Direito
Natural. Basta atinar para o fato de que se nos dias de hoje algum parlamento pretendesse
estabelecer como regra uma norma jurídica regulamentando o fato de que o Sol não mais
iluminará a Terra, isto seria impossível aos olhos das consciências jurídicas, e onde de pronto
a ineficácia jurídica disto iria comparecer da forma mais elementar e singela aos olhos tanto
do analista como do vulgo. Isto é um indicativo de que existem regras naturais que não podem
ser olvidadas pelo Direito Positivo. Nisto há uma afirmação por si só, e como realidade
emergente, do Direito Natural, e que por isso será ele observado sempre.
Ao lado de se reconhecer o Direito natural como uma verdade ontológica, a sua
confirmação do ponto de vista teórico teve um equacionamento na medida em que foi
possível se estabelecer uma relação entre Direito e Sistema, o que repercutiu também numa
relação entre Direito Natural e Ciência Jurídica. Neste último contexto apoteótico da evolução
teórica jusnatural, há que se creditar uma tratativa no sentido de preencher um vazio para
considerá-lo também capacitado para se tornar objeto de uma teoria científica, na medida em
que dele é possível se estabelecer tanto a ideia de objeto como também a ideia de metodologia
própria. Neste acertamento, da mesma forma que é estabelecido um reconhecimento da teoria
científica aplicada ao Direito positivo, também devemos creditar isto ao Direito Natural. Isto
será possível com uma mescla de positividade tanto num sentido formal como num sentido
material. A positividade formal resulta da sua racionalidade com uma consequência lógica,
dotada de validade lógica-racional. Já a positividade material vai envolver o conteúdo da
norma, com uma dedução que é oriunda e seqüencial de um conjunto de princípios
fundamentais. De conformidade com uma concepção assim, não há como se confundir mais a
ideia de Direito Natural com a ideia de Filosofia do Direito, na medida em que ambas as
disciplinas caminham por aspectos investigativos e teóricos que não se confundem.
A convicção de uma tratativa teórica se alicerça ainda mais na medida em que do
racionalismo próprio do Direito Natural, e com vistas à premissa do justo, torna-se possível
estabelecer um ponto de partida, e cuja consagração vai atingir o seu ponto culminante na
conformidade de pontos destacados e reconhecidos como modalidades casuísticas
demonstráveis, donde juízos de valor são manifestos como direito à vida, direito à
personalidade, direito à liberdade, direito à dignidade, direito à instrução, direito à
propriedade, etc., os quais comparecem como aspectos sugestivos de uma realidade que não
podem ser negligenciados no aspecto composicional e proposicional do Direito.
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