Aspectos Polêmicos e Atuais da Arbitragem

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ASPECTOS POLÊMICOS E ATUAIS DA ARBITRAGEM COMO MEIO
DE SOLUÇÃO DOS CONFLITOS TRABALHISTAS
Mauro Schiavi 1
Conceito
Não há consenso na doutrina sobre o que seja
conflito 2 , mas este é inerente à condição humana, principalmente em razão
da escassez de bens existentes na sociedade e das inúmeras necessidades
do ser humano.
Ensina Amauri Mascaro Nascimento 3 :
“O vocábulo conflito, de conflictus, que significa
combater, lutar, designa posições antagônicas. Outra palavra usada é
controvérsia. Segundo a teoria, surge uma controvérsia quando alguém
pretende a tutela do seu interesse, relativa à prestação do trabalho ou seu
regulamento, em contraste com interesses de outrem e quando este se opõe
mediante a lesão de um interesse ou mediante a contestação da pretensão,
mas é possível dizer que o conflito trabalhista é toda oposição ocasional
de interesses, pretensões ou atitudes entre um ou vários empresários, de
uma parte, e um ou mais trabalhadores a seu serviço, por outro lado,
sempre que se origine do trabalho e uma parte pretenda a solução coativa
sobre outra”.
O Direito do Trabalho, como é marcado por
grande eletricidade social, uma vez que está por demais arraigado na vida
das pessoas e sofre de forma direta os impactos das mudanças sociais e da
1
Mauro Schiavi e Juiz do Trabalho na 2ª Região. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Professor
Universitário (Graduação e Pós-Graduação). Professor de Cursos Preparatórios para a Magistratura e
Ministério Público do Trabalho. Autor dos livros: A revelia no Direito Processual do Trabalho; Ações de
Reparação por Danos Morais Decorrentes da Relação do Trabalho; Competência Material da Justiça do
Trabalho Brasileira, ambos publicado pela Editora LTr.
2
Segundo Antonio Houaiss, o conflito é “profunda falta de entendimento entre duas ou mais partes,
choque, enfrentamento (Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 p. 797)
3
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Teoria Geral do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1998, p. 314.
1
economia, é um local fértil para eclosão dos mais variados conflitos de
interesse.
Os conflitos trabalhistas podem eclodir tanto na
esfera individual como na esfera coletiva. Na esfera individual, há o
chamado
conflito
entre
patrão
e
empregado,
individualmente
considerados, ou entre prestador e tomador de serviços, tendo por objeto
o descumprimento de uma norma positivada, seja, pela lei ou pelo
contrato. Já o conflito coletivo trabalhista, também denominado de
conflito do grupo 4 ou de categorias, tem por objeto não somente o
descumprimento de normas positivadas já existentes (conflito jurídico ou
de natureza declaratória), mas também a criação de novas normas de
regulamentação da relação de trabalho (conflitos de natureza econômica).
A arbitragem é um meio de solução dos conflitos pelo
ingresso de um terceiro imparcial (árbitro) previamente escolhido pelas partes
que ira solucionar o conflito de forma definitiva. A arbitragem é considerada um
meio alternativo de solução do conflito, pois o árbitro não pertence ao Estado.
Alguns doutrinadores sustentam que o árbitro tem jurisdição, mas não a estatal e
sim a que lhe foi outorgada pela partes para resolução do conflito.
Ensina Carlos Alberto Carmona5:
“Trata-se de mecanismo privado de solução de
litígios, através do qual um terceiro, escolhido pelos litigantes, impõe sua
decisão, que deverá ser cumprida pelas partes. Esta característica impositiva da
solução arbitral (meio heterocompositivo de solução de controvérsias) a distancia
da mediação e da conciliação, que são meios autocompositivos de solução de
litígios, de tal sorte que não existirá decisão a ser imposta às partes pelo
mediador ou pelo conciliador, que sempre estarão limitados à mera sugestão
(que não vincula as partes)”.
4
Conforme Wilson de Souza Campos Batalha: “os grupos são entidades sociais que, no direito atual,
assumem categorização jurídica expressiva e são dotadas de realidade processual. Alguns são
inorganizados, aflorações espontâneas da coletividade, como grupos de pressão e comissão de fábrica.
Outros são organizados como entidades civis ou como entidades sindicais. As associações civis são
livremente organizadas e se registram no Registro de Títulos e Documentos, nos termos da Lei de
Registros Públicos (lei n. 6015/73)” (Instrumentos Coletivos de Atuação Sindical. REVISTA
LEGISLAÇÃO DO TRABALHO. São Paulo: LTr, ano 60, v. 2, 1996, p. 184.
5
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2006, p. 51.
2
Como bem destaca Márcio Yoshida 6, com suporte na
Lei de Arbitragem:
“Com esteio na conjugação dos arts. 1º, 3º, 13 e 18 da
Lei 9.307/96 é possível definir a arbitragem como uma modalidade de solução de
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, fixada através de cláusula
compromissória e/ou compromisso arbitral, que submete a qualquer pessoa capaz
e que tenha a confiança das partes, a prerrogativa de proferir decisão não sujeita a
recurso ou homologação pelo Poder Judiciário”.
A arbitragem como forma de solução dos conflitos
trabalhistas
Nos termos da lei 9307/96 que disciplina a arbitragem
e traça as regras do procedimento arbitral, o procedimento arbitral é instaurado
pela convenção de arbitragem que compreende a cláusula compromissória e o
compromisso arbitral.
A cláusula compromissória, prevista no artigo 4º, da
Lei 9.307/96, é o negócio jurídico por meio do qual as partes se comprometem a
submeter à arbitragem futuros litígios que possam surgir relativamente a um
contrato. O compromisso arbitral, previsto no artigo 9º, da Lei 9307/96, é o
negócio jurídico de natureza contratual por meio do qual as partes submetem à
arbitragem um litígio já existente.
Não há tradição de resolução dos conflitos trabalhistas
pela via da arbitragem no Direito Brasileiro, embora em muitos países de
tradição anglo-saxônica esta seja o principal meio de resolução de tais conflitos,
principalmente o conflito coletivo de trabalho.
Diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição
(artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), a arbitragem no Direito Brasileiro é
um meio facultativo de solução de conflitos, vale dizer: não se pode obrigar
alguém, contra sua vontade, a aceitar o procedimento arbitral.
6
YOSHIDA, Márcio. Arbitragem Trabalhista: Um novo horizonte para a solução dos conflitos laborais.
São Paulo: LTr, 2006, p. 17.
3
A resolução dos conflitos pela via arbitral, conforme
pacificado na doutrina e no próprio Supremo Tribunal Federal, não viola os
princípios constitucionais do acesso à justiça, inafastabilidade da jurisdição e do
juiz natural, pois a arbitragem é um procedimento facultativo, o árbitro é um ente
imparcial escolhido previamente pelas partes e eventuais nulidades do
procedimento arbitral podem ser discutidas no Judiciário7.
Dentre os argumentos favoráveis à arbitragem,
podemos destacar: a)maior agilidade nas decisões, face à inexistência de
recursos8; b)o árbitro é escolhido pelas partes de comum acordo; c)melhores
condições de conhecimento da real dimensão do conflito pelo árbitro; d)maior
celeridade de resolução do conflito; e)possibilidade da decisão se dar por
eqüidade se assim convencionarem as partes9.
Além disso, muitos apontam a abritragem como sendo
uma tábua de salvação para desafogar a enorme quantidade de conflitos que são
trazidos ao Judiciário diariamente, principalmente na esfera trabalhista onde a
procura pela solução judicial do conflito é intensa.
Na esfera do direito coletivo do trabalho, embora
pouquíssimo utilizada, há autorização constitucional para que o conflito coletivo
do trabalho, se assim convencionarem as partes, possa ser dirimido pela
arbitragem. Nesse sentido é o artigo 114, da Constituição Federal que assim
dispõe: “Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros”.
Não há previsão da arbitragem para solução dos
conflitos individuais trabalhistas, como existe para o conflito coletivo. Diante
disso, discute-se na doutrina e jurisprudência sobre a possibilidade da arbitragem
para resolução dos conflitos individuais trabalhistas.
7
Nesse sentido é o artigo 33 da Lei 9307/96: “A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder
Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral nos casos previstos nesta lei”.
8
Nesse sentido é o artigo 31 da Lei 9307/96: “ A sentença arbitral produz, entre as partes e seus
sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgão do Poder Judiciário e, sendo
condenatória, constitui título executivo”. No mesmo sentido dispõe o artigo 475-N, do CPC: “São títulos
executivos judiciais: (...)IV – a sentença arbitral”.
9
Nesse sentido é o artigo 2º, da Lei 9307/96: “A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a
critério das partes”.
4
A doutrina e a jurisprudência não têm admitido a
arbitragem para a solução dos conflitos individuais trabalhistas com os seguintes
argumentos:
a)acesso amplo e irrestrito do trabalhador ao
Judiciário Trabalhista (artigo 5º, XXXV, da CF);
b)irrenunciabilidade do crédito trabalhista;
c)hipossuficiência do trabalhador;
c)O estado de subordinação inerente ao contrato de
trabalho impede que o trabalhador manifeste sua vontade ao aderir a uma
cláusula compromissória ou compromisso arbitral.
Nesse sentido é a posição de Carlos Henrique
Bezerra leite10:
“A arbitragem, embora prevista expressamente no art.
114, §§ 1º e 2º, da CF, é raramente utilizada para solução dos conflitos coletivos
trabalhistas, sendo certo que o art. 1º da Lei 9307/96 vaticina que a arbitragem
só pode resolver conflitos em que estejam envolvidos direitos patrimoniais
disponíveis, o que, em linha de princípio, inviabiliza sua aplicação como método
de solução dos conflitos individuais trabalhistas. Uma exceção seria da indicação,
por consenso entre trabalhadores e empregador, de um árbitro para fixar o valor
de um prêmio instituído pelo empregador”.
No mesmo sentido defendem Francisco Ferreira Jorge
Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante11:
“Parece não restar dúvidas de que se está – quando se
analisa o Direito do Trabalho – diante de um direito que não comporta, em
princípio, a faculdade da disponibilidade de direitos por ato voluntário e isolado
do empregado. Assim, o Direito do Trabalho não se coaduna com a Lei n.
9.307/96, não admitindo a arbitragem como mecanismo de solução dos conflitos
individuais de trabalho”.
10
BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª Edição. São Paulo:
LTr, 2007, p.110.
11
Direito Processual do Trabalho. Tomo I. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris Editora, 2007, p. 158.
5
A jurisprudência não tem aceitado a arbitragem como
meio de resolução do conflito individual trabalhista, conforme se constata da
redação das seguintes ementas:
Arbitragem - Direito individual do trabalho Incompatibilidade." O art. 114 da Constituição Federal delimita a competência
da Justiça do Trabalho e apenas quanto às questões coletivas autorizou a
arbitragem. Não houve espaço constitucional para a arbitragem nas demandas
individuais trabalhistas. Longe das origens do Estado Liberal, hoje as relações
trabalhistas, reconhecidamente desequilibradas na ótica individual empregadoempregador são relações que não autorizam o compromisso arbitral, afastando
a jurisdição estatal. Apenas sob a ótica coletiva, juridicamente igualitária, ficou
autorizada a solução extrajudicial dos conflitos através da arbitragem" (Juíza
Elke Doris Just). Enquadramento sindical. A promulgação da Constituição
Federal de 1988 traz a proibição da interferência estatal na organização
sindical, consagrando, em seu art. 8º, I, a autonomia dos trabalhadores na
formação do sindicato e no estabelecimento de suas bases e alcances. Preserva,
no entanto, o conceito de categoria e o princípio da unicidade sindical. O
critério, por excelência, para determinação do enquadramento sindical consiste
na identificação da atividade preponderante da empresa. No entanto, dada a
diversidade de atividade de algumas empresas, torna-se difícil - e, às vezes,
impossível - tal detecção, tomando-se por base apenas este parâmetro. É o caso
que desponta na situação sub examen, tornando-se, pois, mister, a utilização de
outros critérios. In casu, os elementos conducentes à ilação, aptos a eleger a
entidade de classe efetiva para a representação da categoria profissional do
reclamante, assentam-se na homologação da rescisão contratual, recolhimento
da contribuição sindical e ausência de firmação da suposta CCT aplicável pela
entidade de classe representativa da categoria econômica correspondente.
Recurso da reclamada conhecido e parcialmente provido. Recurso ordinário do
reclamante parcialmente conhecido e prejudicado. (TRT 10ª R - 3ª T - RO nº
1247/2005.005.10.00-3 - Relª. Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro - DJ 10.11.06 - p.
31).
6
Comissão de Conciliação Prévia – Tribunal de
arbitragem – Sindiforte – Territorialidade – Fraude – Ineficácia – Competência
– Justiça do Trabalho. A quitação outorgada por vigilante junto ao Tribunal de
Arbitragem do Estado de São Paulo, em decorrência de acordo coletivo firmado
pelo Sindiforte e a empresa Estrela Azul, sem a existência de qualquer lide
prévia, e dentro do prazo previsto no § 6º do art. 477 da CLT, é absolutamente
ineficaz e não produz nenhum efeito jurídico (arts. 9º, 625-B e 477 e §§ da CLT),
principalmente quando o trabalhador prestou serviços em localidade abrangida
pela base territorial de outro sindicato. Em razão disso, ela não impede o
ajuizamento da reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho, que é a única
competente para dirimir a controvérsia (art. 114 da Constituição Federal).
Intervalo – Supressão parcial – Remuneração – Período efetivamente suprimido.
A supressão parcial do intervalo destinado à alimentação e descanso implica a
remuneração do período efetivamente suprimido (§ 4º do art. 71 da CLT), até
porque a sua remuneração integral contraria o princípio que veda o
enriquecimento sem causa e não estimula o empregador a conceder intervalo em
maior extensão ao trabalhador. Se a remuneração deverá corresponder a uma
hora, em qualquer caso, que interesse teria o empregador em conceder 30, 40,
50 ou 55 minutos de intervalo? (TRT 15ª R – 2ª T – RO nº 142/2003.093.15.00-0
– Rel. Paulo de Tarso Salomão – DJ 16.02.07 – p. 24).
No nosso sentir, para avaliar se a arbitragem é ou não
compatível com o dissídio individual trabalhista, necessário analisar a Lei
9.307/96 que disciplina o Procedimento Arbitral à luz dos princípios que
disciplinam o Direito do Trabalho.
Assevera o artigo 1º, da Lei 9.307/96:
“As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da
arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Conforme Nélson Nery Júnior12, “é disponível o
direito sobre o qual as partes podem dispor, tansigir, abrir mão. Em suma, todo o
12
NERY JÚNIOR, Nélson. Comentários ao Código de Processo Civil. 7ª Edição. São Paulo: RT, 2003, p.
1430.
7
direito que puder ser objeto de transação pode ser examinado e julgado por meio
do juízo arbitral”.
Os Direitos trabalhistas, como regra geral, são
patrimoniais disponíveis. O fato de existirem normas de ordem pública no Direito
do Trabalho (artigo 9º, 444, e 468, da CLT), não significa dizer que os Direitos
Trabalhistas são indisponíveis.
Nesse diapasão, oportunas as palavras de Américo Plá
Rodriguez13: “No campo do Direito do Trabalho, surge, pois, uma distinção
essencial e de suma importância: nele existem normas imperativas que não
excluem a vontade privada, mas a cercam de garantias para assegurar sua livre
formação e manifestação, valorizando-a como a expressão da própria
personalidade humana. Ressalte-se que o Direito do Trabalho não é, no fundo,
um direito obrigacional. Antes de mais nada, é direito entre pessoas,
distinguindo-se não obstante do direito de família pelo grau de intensidade das
relações pessoais, bem como pelo caráter temporário e precariedade dos laços
pessoais. Um direito que em sua essência disciplina a conduta humana em função
criadora de valores, que é a expressão da
responsabilidade social e da
colaboração para um fim comum, não pode excluir de seu campo a manifestação
da vontade privada, mas, pelo contrário, deve traçar-lhes limites que permitam o
cumprimento de sua missão”.
Pertencendo ao Direito Privado e contando com uma
elevada gama de normas de ordem pública e ainda considerando-se o estado de
subordinação a que está sujeito o empregado, os Direitos Trabalhistas, durante a
vigência do contrato de trabalho são irrenunciáveis como regra geral. Entretanto,
uma vez cessado o vínculo de emprego e o conseqüente estado de subordinação,
o empregado pode renunciar e transacionar direitos, máxime estando na presença
de um órgão imparcial, como o Sindicato ou a Justiça do Trabalho.
Alguns direitos na esfera trabalhista são indisponíveis,
como os direitos da personalidade do trabalhador, difusos, coletivos e também os
relacionados com as normas que se referem à medicina, segurança e ao meio
13
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho, 3ª Edição São Paulo: LTr, 2000, p.
151.
8
ambiente do trabalho.
A arbitragem, embora deva ser vista com cuidado e
reservas na esfera do conflito individual do trabalho, não é proibida pela Lei,
tampouco é contrária aos princípios que regem os Direitos Material e Processual
do Trabalho14, entretanto, pensamos que o trabalhador somente possa aceitar uma
convenção arbitral quando já cessada a relação de emprego, pois o estado de
subordinação impede a manifestação livre de sua vontade em admitir uma
cláusula compromissória de arbitragem. Nesse sentido, destacamos a seguinte
ementa:
Conflito trabalhista. Aplicação da Lei n. 9307/96. A
lei de arbitragem tem aplicação ao Direito do Trabalho, mas exige comprovação
real de objeto litigioso, não admitindo mera renúncia do empregado. Assim
ocorrendo tem-se o ato como fraude, por ausência de litígio a ensejar a
transação entre as partes e livre manifestação de vontade do empregado.
Recurso Ordinário a que se nega provimento (TRT 2ª R – RO
02741200003302003 – Ac. N. 20040118732 – 5ª T – Rel. Pedro Paulo Teixeira
Manus – DOE/SP 2/04/04).
Nesse mesmo diapasão, bem adverte Jorge Luiz Souto
Maior15:
“(...)Uma
cláusula
compromissória,
isto
é,
o
comprometimento de se submeter eventuais litígios de uma relação de emprego a
um árbitro, importaria, por si só, renúncia ao direito de ação, que embora possa
até ser renunciável, sob o ponto de vista das pessoas que estão no livre exercício
de suas prerrogativas, sob o ângulo dos empregados é inaceitável, já que todo um
aparto jurídico, de ordem material e processual, fora criado, exatamente, para
proteção dos direitos do trabalhador, e não seria mera manifestação de vontade,
14
Nesse sentido sustentam Cláudio Armando Couce de Menezes e Leonardo Dias Borges: “A omissão da
lei no tocante à regulamentação do instituto da arbitragem nos dissídios individuais em nada afasta a sua
aplicação, pois o artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho autoriza a incidência dos preceitos
processuais comuns se omissa a norma processual trabalhista. Por outro lado, a arbitragem guarda inteira
consonância com os princípios e disposições de direito material e direito processual do trabalho,
permitindo maior e celeridade e economia, mediante o afastamento das formalidades danosas à pronta
satisfação dos direitos dos trabalhadores. Os prazos dilatados, a variedade de recursos e atos processuais
importam frequentemente em agressão aos norteadores do processo especializado”(O Moderno Processo
do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 111).
15
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Temas de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 147.
9
cujo vício já se demonstraria pelo simples fato de não ter o empregado cumprido
o compromisso, que poderia derrogar e tornar letra morta esse ordenamento.
Assim, se o empregado move uma reclamação trabalhista, apesar de ter assinado
um contrato no qual se inseria uma cláusula compromissória, há de se entender,
sem maiores investigações, que tal vontade não fora livremente firmada,
acolhendo-se a ação intentada, passando-se aos demais exames processuais
(pressupostos processuais e condições da ação) até se atingir o mérito da
pretensão”.
Não
obstante,
diante
da
hipossuficiência
do
trabalhador brasileiro, das peculiaridades das relações de trabalho e de emprego,
do caráter irrenunciável do crédito trabalhista, não há como se aplicar de forma
irrestrita a arbitragem para resolução de qualquer conflito individual trabalhista,
mesmo que a convenção arbitral seja firmada após a cessação do contrato
individual de trabalho, pois ainda presente a dependência econômica do
trabalhador. Entretanto, para algumas espécies de contratos de trabalho ou de
emprego em que o trabalhador apresente dependência mais rarefeita 16, como os
altos empregados, a arbitragem poderá ser utilizada.
Nesse diapasão, importante destacar a seguinte
ementa:
Arbitragem. Dissídio Individual. Cabimento. Na
seara coletiva, sem dúvida alguma, a arbitragem é um procedimento altamente
salutar, reconhecido, inclusive, pela CF (art. 114, § 1º). A questão, contudo,
merece maiores reflexões no que se refere ao dissídio individual. O art. 1º da Lei
n. 9.307/96 é explícito ao afirmar que a arbitragem somente é cabível para
dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse diapasão, a
doutrina e a jurisprudência têm se dividido entre aqueles que repelem totalmente
o instituto, em razão da irrenunciabilidade e, conseqüente, indisponibilidade dos
direitos trabalhistas; aqueles que o aceitam em termos e, por fim, outros que
16
Nesse diapasão destacamos a posição de Luiz Carlos Amorim Robortella: “No que concerne a
determinados trabalhadores de alto nível, como executivos, diretores de sociedades, gerentes ou de grande
especialização, com elevada remuneração, intensa autonomia e poder, parece-nos perfeitamente
admissível a convenção particular de arbitragem” (Solução extrajudicial dos conflitos do trabalho. In:
Revista Trabalho & Doutrina n. 14. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 147.
10
querem aplicá-lo na sua forma mais ampla. A arbitragem no campo individual
trabalhista só deve ser admitida em casos excepcionalíssimos, quando
envolvidos empregados graduados, executivos etc., e estabelecida por
compromisso arbitral, após a eclosão do conflito, mas nunca por cláusula
compromissória, quando da realização do contrato de trabalho, que é um
contrato de adesão, em que o trabalhador não tem condições de negociar em
condições de igualdade o que entende correto. Tais disposições não se chocam
com o estatuído pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário para a
lesão de qualquer direito, como preceituado no inciso XXXV, do art. 5º da CF,
visto que o Poder Judiciário poderá rever a questão, desde que haja evidências
da nulidade da sentença arbitral (art. 33 da Lei 9.307/96) (TRT – 15ª R. – Proc.
1048- 2004-032-15-00-0-RO – Ac. 9503/06 – 11ª C – Rel. Flávio Nunes Campos
– DOESP 3/03/06).
11
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