as provas ilícitas no processo penal

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AS PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PENAL: AVANÇOS E RETROCESSOS1
ILLICIT EVIDENCES IN CRIMINAL PROCEDURE: ADVANCES AND RETREATS
Débora Carvalho Fioratto2
Fernando Horta Tavares3
Lígia Barroso Fabri4
Luiz Gustavo Yoneyama Mourthe 5
Marcela Viviane Michelle Ferreira da Silva6
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. A previsão da prova ilícita na C.R./88 e
as conseqüências no processo penal. 3. O art. 157 CPP (Lei
11.690/08) e as implicações na doutrina e na jurisprudência. 4. O
anteprojeto do CPP e as provas ilícitas: avanço ou retrocesso? 5.
Conclusão. 6. Referências Bibliográficas.
SUMMARY: 1. Introduction. 2. Illicit Evidences in Brazil´s Federal
Constitution of 1988 and their consequences regarding criminal
procedure. 3. The article 157 of Brazil´s Code of Criminal Procedure
and its implication in doctrine and jurisprudence. 4. The “New” Code
on Criminal Procedure and Illicit Evidences: advance or retreat? 5.
Conclusion. 6. References.
RESUMO
A presente pesquisa tem como eixo central o estudo das provas ilícitas no processo penal e a
análise doutrinária e jurisprudencial quanto ao tema, desde a norma constitucional prevista no
art. 5º, LVI, passando pela recente reforma parcial do Código de Processo Penal, que por
meio da Lei 10.690/08 positivou o art. 157 até então sem precedente e, chegando ao atual
Anteprojeto de Código de Processo Penal, em votação no Congresso Nacional, visando à
reforma total do Código. Assim, analisando a temática a partir da teoria do discurso de
1
A título de esclarecimento é importante pontuar que os avanços e os retrocessos quanto ao tema serão
analisados a partir do marco procedimentalista do Estado Democrático de Direito, advindo com a Constituição
da República de 1988, em que a teoria do discurso de Habermas e a teoria do processo de Fazzalari se
complementam para que se possa defender um modelo constitucional de processo que visa ao reconhecimento e
fruição de direitos fundamentais, através da relação entre Constituição e Processo.
2
Mestranda em Direito Processual pela Puc-Minas; Bolsista da FAPEMIG; Graduada em Direito pela PucMinas; Sócia Fundadora e membro do Conselho Deliberativo do IHJ/MG; Graduanda em Letras pela UFMG;
Advogada.
Pós-Doutoramento em Direito Constitucional pela Universidade Nova de Lisboa. Doutor e Mestre em Direito e
em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor da Graduação e PósGraduação da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas. Advogado.
4
Graduanda em Direito pela Puc-Minas.
5
Graduando em Direito pela Puc-Minas.
6
Graduada em Direito pela Puc-Minas; Advogada.
Habermas, na perspectiva do sujeito de direito como co-autor e destinatário da norma jurídica,
e a partir da Teoria do Processo de Fazzalari, pretende-se determinar os avanços e retrocessos
advindos dessa reconstrução no marco procedimentalista do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Provas Ilícitas. Constituição da República Federativa do Brasil 1988.
Código de Processo Penal. Anteprojeto do Código de Processo Penal.
ABSTRACT
This research has as its central theme the study of illicit evidences in criminal procedures and
also the analysis of doctrine and jurisprudence about these evidences, since the constitutional
rule set out in article 5, LVI, going by the recent partial reform of the Code of Criminal
Procedure, by Law 10.690/08, in which prescribed article 157, that had no precedent before,
and coming to the current Code of Criminal Procedure, being voted in Congress, in which has
as its aim the total reform of the Code. Thus, analyzing this central theme from the theory of
discourse of Habermas that states that every person is considered to be the author and the
receiver of the juridical rules and from the theory of Fazzalari, the goal is to determine the
advances and retreats of this reconstruction in the State of Law.
Key-words: Illicit Evidences. Brazil´s Federal Constitution of 1988. Code of Criminal
Procedure. “New” Code of Criminal Procedure.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende elucidar o tema das provas ilícitas no processo penal
através de uma reconstrução doutrinária e jurisprudencial. Para tanto, o primeiro capítulo
tratará da prova ilícita na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que
determinou como regra geral e única, uma vez que não comporta exceções, a
inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos.
Em linhas gerais, é importante ressaltar que essa norma não elucidou o conceito de
prova ilícita, cabendo à doutrina esclarecer o seu conceito e diferenciá-lo de prova ilegítima.
Ao passo que a jurisprudência e doutrina brasileiras, amparadas no direito comparado norte
americano e na Theory of the Poisonous Tree, inovaram quanto ao tema, passando a permitir a
utilização de provas ilícitas derivadas quando estas puderem ser obtidas por fonte
independente ou não puder ser estabelecido o nexo de causalidade entre a prova ilícita
originária e a derivada e, sempre que ao se aplicar o princípio da proporcionalidade
verificasse a necessidade de se resguardar um direito fundamental essencial ao caso concreto,
em detrimento da admissão de tal prova no processo e conseqüente violação de outros direitos
fundamentais.
O segundo capítulo terá como objeto de análise essa construção doutrinária e
jurisprudencial que restou positivada com o art. 157 CPP advindo com a Lei 10.690/08 que, a
título de uma rápida introdução, definiu o conceito de prova ilícita, englobando o de prova
ilegítima, estabeleceu as ressalvas quanto à inadmissibilidade das provas ilícitas no processo
penal e determinou que as provas ilícitas devessem ser desentranhadas dos autos, sob pena de
nulidade do processo. Nesse artigo supracitado, o §4º que seria uma grande conquista para o
processo penal brasileiro, uma vez que garantiria a imparcialidade do juiz, ao determinar que
o juiz que tivesse conhecimento da prova ilícita, não poderia julgar o processo, foi objeto de
veto.
Diversas foram as críticas formuladas a esse art. 157 CPP, que serão oportunamente
analisadas e elucidadas. Para uma reflexão momentânea, pode-se pontuar a ausência de
critérios objetivos_ quanto ao nexo de causalidade não ser evidenciado e quanto à prova
derivada e a possibilidade de ser obtida por fonte independente_ para “controlar” ou “balizar”
a decisão do juiz. Em decorrência dessa “omissão”, o legislador estaria permitindo a
utilização de critérios subjetivos pelo juiz, o que levaria ao ativismo judicial (juiz como único
intérprete da lei e protagonista do processo) e, conseqüente afronta ao Estado Democrático de
Direito e ao processo como garantia constitutiva de direitos fundamentais.
Por fim, o terceiro capítulo analisará o tema sob o pano de fundo do Anteprojeto do
Código de Processo Penal de 2009, em votação no Congresso Nacional, e por meio de um
estudo comparativo, explicitará a norma do art. 164CPP que retoma a literalidade do art. 5º,
LVI da Constituição Federal de 1988, ao determinar que toda prova obtida direta ou
indiretamente por meios ilícitos são inadmissíveis no processo, devendo ser desentranhada
dos autos. Verifica-se, portanto, que essa nova norma simplesmente revoga a recente reforma
do CPP. A partir desse estudo, a presente pesquisa busca elucidar se a norma do anteprojeto
do CPP de 2009 seria um avanço ou um retrocesso no marco procedimentalista do Estado
Democrático de Direito, uma vez que desde a Constituição de 1988 muito se tem
desenvolvido e construído na doutrina e jurisprudência quanto ao tema.
2. A PREVISÃO DA PROVA ILÍCITA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988
E AS CONSEQUENCIAS NO PROCESSO PENAL
São inadmissíveis, no processo, provas obtidas por meios ilícitos, garante o artigo 5°
inciso LVI da Constituição Federal.
Esta garantia, em primeira análise, parece ser singela em seu próprio conceito e
indubitável no que tange sua aplicação, tendo sua própria justificativa de ser no sentido de
expressar coerência ao Estado Democrático de Direito. Porém, esta garantia aplicada nos
desdobramentos dos casos concretos tem dado margem a vários entendimentos diferentes e
sua aplicação tem variado a partir de alguns eventos.
Interessante ressaltar que duas são as espécies do gênero prova ilegal mencionadas
pela doutrina, quais sejam, a prova ilegítima, isto é, aquela que viola norma processual penal
e prova ilícita, aquela que transgride norma material penal. Alexandre de Moraes discorre
sobre o assunto:
As provas ilícitas são aquelas obtidas com infrigência ao direito material, as provas
ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual (Moraes, 2007, p.
104).
Com o advento da Constituição de 1988, considerava-se como regra absoluta a
inadmissibilidade das provas ilícitas. A referida Constituição, influenciada pelos direitos
humanos e por um longo período de autoritarismo, elencava no rol dos direitos fundamentais
esta previsão, em respeito a uma das premissas básicas do Estado democrático de Direito, qual
seja, o Devido Processo Legal e seus consectários. No dizer de Fonseca,
[...] A norma constitucional foi taxativa ao dizer que não se admite provas ilícitas no
processo, ou seja, o direito à prova garantido pelo direito de ação, ampla defesa e
contraditório não é absoluto, existindo limites que impossibilitam a utilização de
quaisquer meios probatórios disponíveis. A proibição de provas ilícitas veio
principalmente, como um meio de controle frente às atividades investigativas das
autoridades estatais que em busca da verdade real, poderiam violar os direitos
individuais das pessoas que são hipossuficientes diante do poder do estado
(FONSECA, 2009, p. 13).
No entanto, ao passar dos anos este posicionamento foi se tornando controvertido.
Entendimentos contrários começaram a surgir baseando-se no princípio da proporcionalidade
e de novas propostas hermenêuticas constitucionais como a ponderação de valores e o senso
de adequabilidade.
Para uma demonstração clara do desenvolvimento desses entendimentos vai-se utilizar
a Reclamação n. 2040/2002 como caso paradigma. Neste caso pode-se notar claramente a
mudança de posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF) através das fundamentações
que foram ao longo dos anos surgindo.
O caso paradigma trata da Reclamação ajuizada pela extraditanda Glória de Los
Ángeles Trevino Ruiz, popularmente conhecido como Glória Trevi, junto ao Supremo Tribunal
Federal no ano de 2002. Em síntese, o caso tratava da acusação de Glória Ruiz, presa no Brasil
por corrupção de menores no México, de ter sido violentada sexualmente, enquanto estava
presa, por servidores da Polícia Federal. Desta violência sofrida, alega ter engravidado, mas se
negava a realizar o exame de DNA.
Assim, recorreu perante o STF contra decisão de juiz federal que autorizou a coleta da
placenta da mesma, após o parto, para realização de DNA com o objetivo de instruir inquérito
policial, em que se apurava se a mesma tinha sido vítima de estupro no cárcere.
Neste caso, foi discutida a tese da ponderação de valores, isto é, se deveria se respeitar
à intimidade e à vida privada da extraditanda ou o direito à honra e à imagem dos servidores e
da Polícia Federal como instituição.
O STF, apesar da divergência de votos, decidiu a favor da prevalência do
esclarecimento da verdade, deferindo o exame de DNA. Entende-se através da decisão que,
proporcionalmente, o dano causado à honra dos servidores da polícia federal pela não
realização do exame de DNA seria maior que o dano causado à intimidade de Gloria Ruiz pela
realização do exame. Sobre o tema aduz Pacelli Oliveira que
O critério hermenêutico mais utilizado para resolver eventuais conflitos ou tensões
entre princípios constitucionais igualmente relevantes baseia-se na chamada
ponderação de bens, presente até mesmo nas opções mais corriqueiras da vida
cotidiana. O exame normalmente realizado em tais situações destina-se a permitir a
aplicação, no caso concreto, da proteção mais adequada possível a um dos direitos
em risco, e da maneira menos gravosa ao outro ou outros. Fala-se, então, em
proporcionalidade (OLIVEIRA, 2005, p. 292)
Assim, os ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Celso de Mello e Marco
Aurélio tiveram seus votos vencidos ao julgarem pelo indeferimento do exame de DNA. O
entendimento vencido se fundamentava no argumento de que não era competência do STF
julgar a matéria em questão, pois a ré estava presa à disposição do julgamento e por isso a lide
em questão poderia ser resolvida por processos que tramitariam paralelamente a este.
Para melhor elucidação dos argumentos utilizados pelos ministros do Supremo
Tribunal Federal para fundamentar a realização do exame de DNA é imprescindível ater-se
também ao informativo n. 257, publicado pelo STF.
Colisão de Direitos Fundamentais – 1
O Tribunal, por maioria, conheceu como reclamação o pedido formulado contra a
decisão do juízo federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal que
autorizara a coleta da placenta de extraditanda grávida, após o parto, para a
realização de exame de DNA com a finalidade de instruir o inquérito policial
instaurado para a investigação dos fatos correlacionados com a origem da gravidez
da mesma, que teve início quando a extraditanda já se encontrava recolhida à
carceragem da Polícia Federal, em que estariam envolvidos servidos responsáveis
por sua custódia. Considerou-se que, estando a extraditanda em hospital público sob
a autorização do STF, e havendo a mesma se manifestado expressamente contra a
coleta de qualquer material recolhido de seu parto, vinculando-se a fatos constantes
dos autos da Extradição (queixa da extraditanda de que teria sofrido “gravidez não
consentida” e “estupro carcerário”), a autorização só poderia ser dada pelo próprio
STF. Vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Ilmar Galvão, Celso de Mello e
Marco Aurélio, que não conheciam do pedido como reclamação por entenderem não
caracterizada, na espécie, a usurpação da competência do STF, uma vez que o fato de
a extraditanda estar presa à disposição do STF não impede o curso paralelo de outros
procedimentos penais no Brasil. RCL 2.040-DF, rel. Min. Néri da Silveira,
21/2/2002 (RCL-2040).
Colisão de Direitos Fundamentais – 2
No mérito, o Tribunal julgou procedente a reclamação e, avocando a apreciação da
matéria de fundo, deferiu a realização do exame de DNA com a utilização do
material biológico da placenta retirada da extraditanda, cabendo ao juízo federal da
10ª Vara do Distrito Federal adotar as providências necessárias para tanto. Fazendo a
ponderação de valores constitucionais contrapostos, quais sejam, o direito à
intimidade e à vida privada da extraditanda, e o direito à honra e à imagem dos
servidores e da Polícia Federal como instituição – atingidos pela declaração de a
extraditanda haver sido vítima de estupro carcerário, divulgada pelos meios de
comunicação -, o Tribunal afirmou a prevalência do esclarecimento quanto à
participação dos policiais federais na alegada violência sexual, levando em conta,
ainda, que o exame de DNA acontecerá sem invasão da integridade física da
extraditanda ou de seu filho. Vencido nesse ponto o Min. Marco Aurélio, que
indeferia a realização do exame de DNA. O Tribunal, no entanto, indeferiu o acesso
ao prontuário médico da extraditanda porquanto, com o deferimento da realização do
exame de DNA, restou sem justificativa tal pretensão. RCL 2.040-DF, rel. Min. Néri
da Silveira, 21/2/2002 (RCL-2040).
Percebe-se através deste caso que não se considerava mais de forma absoluta a
utilização de provas ilícitas. O exame de DNA sem consentimento da pessoa, outrora
considerado pacificamente como prova completamente inadmissível, passou a ser admitida
nos processos em casos de colisões com outros princípios, em que a solução seria a aplicação
do princípio da proporcionalidade.
O princípio da proporcionalidade, colocando em breves palavras, relativiza a proibição
das provas obtidas por meios ilícitos através do acionamento de “mecanismo de harmonização
que submete o principio de menor relevância ao de maior valor social” (CAPEZ, 2008, p. 36).
Sobre o assunto, CAPEZ discorre que
a proibição de provas obtidas por meios ilícitos é um princípio relativo, que,
excepcionalmente, pode ser violado sempre que estiver em jogo um interesse de
maior relevância ou outro direito fundamental com ele contrastante (CAPEZ, 2008,
p. 36).
A ponderação de valores, antes do caso paradigma, era concebida somente em
interceptação de conversas telefônicas e interceptação de cartas em presídios, situações em
que o acusado ou condenado necessitava de produzir provas em legítima defesa, para
fundamentar a sua inocência. Logo, ainda que ilícitas, essas provas eram imprescindíveis para
tutelar a vida e a segurança, direitos garantidos por nossa Constituição. Tratando deste assunto
comenta CAPEZ que
a prova, se imprescindível, deve ser aceita e admitida a despeito de ser ilícita, por
adoção do princípio da proporcionalidade que deve ser empregado pro reo ou pro
societate (CAPEZ, 2008, p. 39).
A adoção do princípio da proporcionalidade para decidir um determinado caso
concreto7, seria uma posição intermediária à rigidez normativa do art. 5º, LVI da C.R./88, em
que essa proibição de se admitir provas ilícitas no processo passaria a ser relativizada. Sempre
que um direito fundamental de maior importância estivesse em questão, poder-se-ia violar essa
proibição constitucional.
Com o intuito de positivar os entendimentos jurisprudenciais já consolidados em
relação às provas ilícitas e a adoção do princípio da proporcionalidade, foi aprovada a Lei
7
Existe uma vertente representada por Habermas que considera a aplicação da ponderação de valores
inadequada ao Estado Democrático de Direito argumentando que a pluralidade, aludida por esta vertente como
característica marcante, não admite hierarquização de princípios. Logo, propõe a utilização do senso de
adequabilidade para resolver casos em que exista colisão de princípios. Esse senso de adequabilidade se
diferencia da ponderação de valores ao se decidir pelo princípio que mais se adequada ao caso concreto. Na
ponderação de valores se decide de modo a apontar qual é o princípio mais relevante socialmente hierarquizando
assim um principio em relação ao outro ao contrario do senso de adequação que se decide de acordo com qual
principio teria sua utilização mais oportuna em relação ao outro. Para muitos doutrinadores o senso de
adequabilidade se mostra mais democrático, pois visa a otimização de um princípio para a aplicação ao caso
concreto e não uma maximização de um princípio perante a minimização de outro. Conferir MATTOS, 2003.
Nesse sentido, esclarece Galuppo que “o juiz, quando excepciona concretamente a aplicação de princípios
concorrentes em um determinado caso, apenas reconhece que os mesmos são ou não adequados para realizar a
exigência de Integridade e de justiça naquela situação” (GALUPPO, 1999, p. 203).
11.690/08, que por meio de uma reforma parcial do Código de Processo Penal traz a redação
do art. 157, antes sem precedente no Código.
Antes da Lei 11.690/08, as provas ilícitas deveriam ser desentranhadas dos autos, uma
vez que acarretariam a nulidade do processo conforme fundamento constitucional previsto no
art. 5º, LVI. Entretanto, com a mudança do entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto
ao tema e a possibilidade de elas serem usadas através da aplicação do princípio da
proporcionalidade ao caso concreto, firmou-se um posicionamento de que as provas derivadas
das ilícitas poderiam ser aproveitadas no processo quando pudessem ser obtidas de forma
independente. Com o intuito de positivar esse entendimento doutrinário e jurisprudencial, a
reforma no processo penal trouxe essa inovação com o art. 157, tema este, até o momento,
sem precedente no Código de Processo Penal.
Interessante ressaltar que o caput do referido artigo definiu o que seriam as provas
ilícitas, colocando no mesmo gênero provas ilícitas e ilegítimas. A classificação existente no
sentido de que provas ilícitas seriam aquelas que violariam normas de direito material, quais
sejam, direitos constitucionais e as ilegítimas as que violariam normas de direito processual,
não mais subsiste. Segundo o art. 157 CPP, as provas ilícitas seriam aquelas obtidas de forma
a desrespeitar as normas constitucionais ou legais, o que significa dizer que qualquer prova
que seja obtida em violação a direitos fundamentais previstos na Constituição Federal ou
obtida em violação à norma material ou processual prevista em lei infraconstitucional
englobará o gênero provas ilícitas.
A reforma teve como objetivo precípuo estabelecer uma uniformização do
entendimento quanto à possibilidade ou não da utilização de provas derivadas das ilícitas.
Como regra geral, o §2º do referido artigo determina que as provas derivadas das ilícitas são
inadmissíveis no processo. Entretanto, faz-se uma ressalva no sentido de admitir a utilização
dessas provas sempre que não estiver evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita
originária e a derivada ou quando estas puderem ser produzidas a partir de uma fonte
independente das ilícitas originárias. Isso significa dizer que essa prova derivada seria
produzida de qualquer forma no processo, ainda que não fosse derivada da ilícita.
Verifica-se que essa “inovação” do legislativo com a positivação das provas ilícitas em
um artigo específico do Código de Processo Penal é uma cópia fidedigna da doutrina norte
americana em relação à Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the poisonous
tree) que estabelece que as provas derivadas das ilícitas também são inadmissíveis
no
processo, salvo nos casos de Independent Source (fonte independente) e Inevitable Discovery
(descoberta inevitável da prova) .
Imprescindível agora, analisar as implicações na doutrina e na jurisprudência
brasileira, com a inclusão desse art. 157 no Código de Processo Penal, como uma tentativa de
“pacificação” do tema quanto às provas ilícitas.
3. O ART. 157 CPP (LEI 11.690/08) E AS IMPLICAÇÕES NA DOUTRINA E NA
JURISPRUDÊNCIA
A reforma do código de processo penal quanto às provas ilícitas foi introduzida no
ordenamento jurídico brasileiro pela Lei 11.690, de 09 de junho de 2008, alterando o artigo
157 do Código de Processo Penal, visto que não tinha nenhum dispositivo precedente sobre as
provas ilícitas. Entretanto, tal dispositivo não trouxe maiores novidades no que se refere às
provas obtidas por meio ilícito, visto que como dito alhures a Constituição da República, em
norma revestida de conteúdo vedatório, proíbe a utilização de provas obtidas ilicitamente.
Logo, para possível elucidação das normas positivadas com o art. 157 do Código de
Processo Penal e, possível interpretação constitucional das provas ilícitas condizentes com o
Estado Democrático de Direito, faz-se necessária uma análise crítica detalhada e
pormenorizada de toda reforma referente ao tema, trazida com a Lei 11.690/08.
O caput do art. 157 CPP estabeleceu o que seriam as provas ilícitas e as conseqüências
das mesmas para o processo penal, isto é, “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do
processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais
ou legais”. Verifica-se que não mais persiste a clássica diferenciação entre provas ilícitas e
provas ilegítimas, uma vez que se houver violação a norma de direito fundamental prevista na
Constituição ou violação a norma de direito material ou processual definida em lei
infraconstitucional, configurou-se prova ilícita, devendo a mesma ser desentranhada dos autos,
por ser inadmissível como prova no processo penal.
No entanto, essa inovação trazida com o caput do art. 157 através de um conceito mais
dilatado ou amplo de prova ilícita (englobando também a ilegítima) não tem muita utilidade
prática para o ordenamento jurídico, tendo em vista que, sempre que uma norma
infraconstitucional for infringida, será violado também o fundamento constitucional que
sustenta essa norma. É o que entende Barros, para quem
na verdade, a referência na conceituação de prova ilícita ao desrespeito a uma norma
infraconstitucional pode ser considerada desnecessária, principalmente porque se o
desrespeito é direito à lei ordinária ou complementar, por exemplo, ela sempre
decorre de um direito fundamental ou garantia constitucional, que ensejará a
possibilidade de argüição de nulidade (BARROS, 2009, p. 37).
Assim, como bem preceitua a mencionada autora a prova obtida sem mandado de
busca e apreensão e ausente a hipótese de flagrância, no interior de uma residência, é
considerada ilícita visto que fere o direito constitucional da inviolabilidade da casa, conforme
preceitua o. 5º, XI, da Constituição da República.
Não obstante, a prova obtida por requisição do Ministério Público perante Instituição
Financeira sem autorização judicial será tida como ilícita, visto o desrespeito aos limites
impostos pela Lei Complementar 105 que regulamenta a quebra de sigilo bancário. Assim,
verifica-se que está ferindo norma processual e não material, visto que o Ministério Público
não tem atribuição para requisitar tais provas. Entretanto, não deixa de ser prova ilícita
(BARROS, 2009, p. 36-37).
Lado outro, é considerado prova ilegítima a inquirição de um psicólogo (na qualidade
de testemunha) a respeito de fatos relacionados à sua atividade profissional, sem autorização
do titular do segredo. Assim, verificado violação ao disposto no art. 207 do CPP (norma
infraconstitucional) será considerada tal prova ilícita (BARROS, 2009, p. 37).
O Código de Processo Penal reafirma que ninguém pode ser investigado, denunciado
ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas. A novidade introduzida é a
possibilidade da utilização da prova derivada da ilícita sempre que não for evidenciado o nexo
de causalidade entre a ilícita originária e a derivada, ou quando as derivadas puderem ser
obtidas por uma fonte independente das primeiras.
Os §§1º e 2º do art. 157 estabelece que
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou
legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei
nº 11.690, de 2008)
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
A respeito destes parágrafos introduzidos no CPP pela Reforma afirma Barros que
A questão é justamente a redação aprovada pela Lei 11.690/08, que inclusive difere
da proposta original contida no projeto de Lei (PL 4.205/01). Na redação inicial do
projeto, não se admitia a prova ilícita por derivação, explicitando como se daria tais
hipóteses de vinculação causal entre a prova primária e a secundárias. A redação
aprovada introduziu um "salvo" após a disposição que não se admitia a prova ilícita
por derivação, o que estabelece justamente exceções à aplicação constitucional da
proibição da utilização das provas ilícitas.
Talvez essa necessidade de inserir aquilo que já está expresso na Constituição na lei
ordinária seja um dos erros da reforma. Assim, o texto como foi aprovado é
inconstitucional. Isso porque o legislador ordinário não pode excepcionar uma
garantia constitucional ao seu alvedrio (BARROS, 2009, p. 39).
No entanto, não se pode criar restrições ou maneiras de interpretar normas
constitucionais por meio de normas infraconstitucionais, conforme foi feito pelos § 1º e § 2º
do CPP introduzidos, visto que foram estabelecidos critérios gerais e abertos para a não
aplicação da garantia constitucional da não proibição das provas ilícitas, ocasionado, com isso,
uma ampliação no subjetivismo judicial, visto que caberá ao mesmo decidir quando se tratar
de fonte autônoma, bem como quando não houver nexo de causalidade (COUTINHO, 2008).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 determinou, em seu art. 5º,
LVI, como regra geral e única que as provas ilícitas são inadmissíveis no processo. Verificase que o legislador constituinte não conferiu ressalvas a essa norma, já que o objetivo era
proteger direito à intimidade, à privacidade, à inviolabilidade do domicílio e das
correspondências. Entretanto, com a Lei 11.690/08, o legislador infraconstitucional, em
desacordo com a Constituição, norma que fundamenta todas as demais normas no
ordenamento jurídico admitiu ressalvas a essa regra geral, o que configura verdadeiro afronta
ao princípio da Supremacia da Constituição.
A Constituição brasileira considera inadmissível a produção em juízo, ou perante
qualquer instância de poder, de provas obtidas ilicitamente, sob pena de ofensa à garantia
constitucional do due process of law. Como preceitua o ministro Celso de Mello,
A cláusula constitucional do “due process of law” –que se destina a garantir a
pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público – tem,
no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções
concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu ( contra quem jamais
se presume provada qualquer alusão penal) tem o impostergável direito de não
ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em
elementos intrutorios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os
limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder
investigatório do Estado.
[...]
A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita e prova
imprestável. Não se reveste, por essa explicita razão, de qualquer aptidão jurídico
– matéria. A prova ilícita, qualificando-se como providência instrutória repelida
pelo ordenamento constitucional [...]. (STF. ROHC 90.376-2 Rel. Min. Celso de
Mello)
Jurisprudência e doutrina pátria, excepcionalmente, admitem em juízo as provas
denominadas ilícitas, favoráveis à defesa (ao acusado), sob dois argumentos. O primeiro é que
a violação do direito tutelado pela garantia individual fundamental ficaria justificada pelo
estado de necessidade ou legítima defesa do acusado. Sempre que o acusado produzir prova
para fundamentar a sua inocência, ainda que de forma ilícita, ele está agindo em legítima
defesa ou em estado de necessidade e, portanto, a prova será admitida no processo. Já o
segundo argumento prevê que a garantia da inadmissibilidade da prova ilícita é individual,
razão pela qual não pode ser utilizada em desfavor de seu destinatário.
Não é outro o entendimento de Leles:
Destaque-se que a prova obtida ilicitamente favorável à defesa (prova da própria
inocência ou da inocência de terceiros) tem admitida sua introdução e valoração no
processo penal sob dois argumentos: 1º) a eventual violação de direitos tutelados
pela garantia individual fundamental em comento ficaria justificada pelo estado de
necessidade ou legítima defesa do acusado, motivos de exclusão da ilicitude,
2º) a garantia da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito é individual e,
portanto, não pode ser utilizada para prejudicar seu destinatário (LELLES, 2008,
p.16)
Segundo Alexandre de Moraes,
(...) a doutrina constitucional passou a atenuar a vedação das provas ilícitas,
visando corrigir distorções a que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de
excepcional gravidade. Esta atenuação prevê, com base no Princípio da
Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em
casos extremamente graves, poderão ser utilizados, pois nenhuma liberdade pública
é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que percebe que o
direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de
comunicação, por exemplo, de permitir-se sua utilização.
[...]
Na jurisprudência pátria, somente se aplica o princípio da proporcionalidade pro
reo, entendendo-se que a ilicitude é eliminada por causas excludentes de ilicitude,
em prol do princípio da inocência.
Desta forma, repita-se que a regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas
por meios ilícitos, que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em
respeito às liberdades públicas e ao princípio da dignidade humana na colheita de
provas e na própria persecução penal do Estado (MORAES, 2006, p. 97).
Como bem aduz Moraes pode também haver convalidação de provas ilícitas com a
finalidade de legítima defesa, no caso, por exemplo, de uma gravação de vídeo realizada pelo
filho objetivando comprovar os maus-tratos de seu genitor, in verbis:
Note-se que não se trata do acolhimento de provas ilícitas em desfavor dos
acusados e, consequentemente, em desrespeito ao art. 5º, inciso LVI, da
Constituição Federal. O que ocorre na hipótese é a ausência de ilicitude dessa
prova, vez que aqueles que a produziram agiram em legítima defesa de seus
direitos humanos fundamentais, que estavam sendo ameaçados ou lesionados em
face de condutas anteriormente ilícitas. Assim agindo - em legítima defesa - a
ilicitude na colheita da prova é afastada, não incidindo, portanto, o inciso LVI, do
art. 5º, d– Carta Magna (MORAES, 2006, p. 101).
Outro ponto trazido pela reforma, há muito discutido na doutrina e jurisprudência, são
as provas ilícitas por derivação, também conhecidas como teoria dos fruits of the poisonous
tree, ou teoria dos frutos da árvore envenenada. Como bem salienta Pacelli,
Se os agentes produtores da prova ilícita pudessem dela se valer para obtenção de
novas provas, a cuja existência somente se teria chegado a partir daquela (ilícita), a
ilicitude da conduta seria facilmente contornável. Bastaria a observância da forma
prevista em lei, na segunda operação, isto é, na busca das provas obtidas por meio
das informações extraídas pela via da ilicitude, para que se legalizasse a ilicitude da
primeira (operação). Assim, a teoria da ilicitude por derivação é uma imposição da
aplicação do princípio da inadmissibilidade das provas obtidas ilicitamente
(PACELLI, 2006, p. 313).
Assim, trata-se de uma prova que por si mesma é lícita, mas se teve conhecimento por
meio de informação tomada de prova ilicitamente obtida. Assim, comprovado o nexo de
causalidade entre a prova ilícita e a subseqüente (derivada da ilícita), tem-se uma invalidade
da prova, sendo a mesma, portanto, repudiada.
Segundo Saad:
No Brasil, a doutrina acolhia a tese e defendia que, em razão mesmo da garantia
constitucional da proibição de prova ilícita, a ilicitude da obtenção da prova se
transmitia às provas dela derivadas, devendo estas últimas, por isso, ser igualmente
retiradas dos autos.
O Supremo Tribunal Federal, ao interpretar o alcance da norma contida no artigo
5º, inciso LVI, da Constituição da República, também vem considerando ilícitos os
elementos de informação obtidos por meio de transgressão ao ordenamento, ainda
que se cuide de hipótese configuradora de ilicitude por derivação, aderindo, assim,
à tese do frutos da árvore envenenada (cf. HC 69.912, rel. min. Sepúlveda
Pertence, DJ de 25.03.1994; HC 73.461, rel. min. Octavio Gallotti, DJ de
13.12.1996; HC 74.116, rel. p/acórdão min. Maurício Corrêa, DJ de 14.03.1997;
HC 73.351, rel. min. Ilmar Galvão, DJ de 19.03.1999; HC 72.588, rel. min.
Maurício Corrêa, DJ de 04.08.2000; HC 75.497, rel. min. Maurício Corrêa, DJ
de 09.05.2003; HC 82.788, rel. min. Celso de Mello, DJ de 02.06.2006 e, mais
recentemente, RHC 90.376, rel. min. Celso de Mello, DJ de 18.05.2007, entre
outros).
Isto tudo, portanto, foi sendo, pouco a pouco, consolidado em termos
jurisprudenciais, com apoio doutrinário, sem que houvesse, contudo, lei ordinária
que regesse a matéria.
Daí a importância da Lei 11.690, de 9 de junho de 2008, que dá nova redação ao
artigo 157 do Código de Processo Penal e determina que “são inadmissíveis,
devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as
obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, para, a seguir, no § 1º do
artigo 157, positivar, no direito brasileiro, norma que consagra a chamada teoria
dos frutos da árvore envenenada e suas limitações: “São também inadmissíveis as
provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade
entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte
independente das primeiras.” Depois, para que não restem dúvidas, explicita, no
artigo 157, no § 2º, o que deve ser entendido por fonte independente: “Considerase fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe,
próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato
objeto da prova (SAAD, 2008, p. 16).
Ocorre que, no campo prático, há imensa dificuldade em averiguar a derivação de uma
prova de outra ilícita, no dizer de Oliveira:
isso porque, pode ocorrer que a prova posteriormente obtida já estivesse, desde o
início, ao alcance das diligências mais freqüentemente realizadas pelos agentes da
persecução penal (OLIVEIRA, 2006, p. 313).
Em razão disso, naqueles casos em que, inevitavelmente, a prova seria obtida já se
admite a utilização da prova derivada da ilícita. A própria reforma inseriu nos parágrafos do
artigo 157, do Código de Processo Penal, a exceção da aplicação do princípio constitucional
da utilização das provas ilícitas, admitindo seu uso por derivação quando se der por meio de
uma prova obtida por fonte independente ou prova que inevitavelmente seria produzida. Daí a
importância de um exame minucioso do caso concreto para avaliar se aquela prova está ou
não maculada de ilicitude. A este propósito discorre Oliveira:
Impõe-se, portanto, para uma adequada tutela também dos direitos individuais que
são atingidos pelas ações criminosas, a adoção de critérios orientados por uma
ponderação de cada interesse envolvido no caso concreto, para se saber se toda a
atuação estatal investigatória estaria contaminada, sempre, por determinada prova
ilícita. Pode-se e deve-se recorrer, ainda mais uma vez, ao critério da razoabilidade
(ou proporcionalidade, que, ao fim e ao cabo, tem o mesmo destino: a ponderação de
bens e/ou o juízo de adequabilidade da norma de direito ao caso concreto).
(OLIVEIRA, 2006, p. 313)
A teoria da proporcionalidade visa atenuar a proibição absoluta da inadmissibilidade
das provas ilícitas. No entanto, deve-se garantir e respeitar o contraditório, para, assim, evitar
que esta transferência de poder ao juiz seja um retrocesso e incentive o subjetivismo judicial.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu como regra única a proibição da utilização
de provas ilícitas no processo. Esse entendimento foi sendo atenuado pela jurisprudência e
pela doutrina brasileiras com a utilização do direito comparado norte-americano, que permite
a utilização de provas ilícitas derivadas, desde que de fonte independente ou de descoberta
inevitável. Logo, a Lei 11.690/08, ao introduzir o art. 157/CPP e positivar esse entendimento
da admissibilidade de provas ilícitas derivadas como exceção à regra geral de proibição,
prevista na Constituição, buscou efetivar um avanço no processo penal.
Entretanto, esqueceu-se o legislador infraconstitucional que o processo penal deve ser
compreendido com uma “garantia constitutiva de direitos fundamentais” (BARROS, 2009, p.
37) em que devem estar presentes o contraditório, a ampla argumentação, o terceiro imparcial
e a fundamentação das decisões, para um devido processo constitucional condizente com o
Estado Democrático de Direito.
Pensou-se que a aplicação do princípio da proporcionalidade traria benefícios às
partes, já que as provas ilícitas poderiam ser utilizadas para provar a inocência do acusado
(legítima defesa e estado de necessidade) e também, para ajudar na fundamentação da
acusação. No entanto, ao priorizar o princípio da proporcionalidade, a inovação legislativa
produziu um retrocesso8 ao fomentar um ativismo judicial e ao reforçar o solipsismo do juiz,
vez que colocou nas mãos do julgador determinar quando haverá nexo de causalidade e,
quando as provas derivadas poderão ser conhecidas por fonte independente e, portanto,
admitidas no processo.
Em relação ao §4º do art. 157, que foi vetado, verifica-se um avanço do legislador que
buscava garantir a imparcialidade do juiz. Tal dispositivo tratava da impossibilidade do juiz
que conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível proferir a sentença ou acórdão.
Aludido parágrafo foi vetado sob o argumento que o mesmo ia de encontro com o objetivo
primordial da reforma processual penal, qual seja, celeridade e simplicidade ao desfecho do
processo, bem como assegurar a prestação jurisdicional em condições adequadas. Entretanto,
Barros discorda das razões do veto sob alegação de que não se pode a fim de garantir uma
razoável duração de o processo impedir à aplicação da garantia constitucional do terceiro
imparcial (BARROS, 2009).
Necessário no momento, verificar se o anteprojeto do CPP encaminhado ao Congresso
Nacional em 2009 se constitui num avanço, uma vez que retoma a norma constitucional de
8
A afirmação de que houve um avanço ou retrocesso em relação ao tema abordado, será sempre feita a partir do
marco procedimentalista do Estado Democrático de Direito, advindo com a promulgação da Constituição da
República Federatia do Brasil de 1988.
proibição da utilização das provas ilícitas no processo penal como regra geral e única ou um
retrocesso, uma vez que “ignora” toda a construção doutrinária e jurisprudencial em relação
às provas ilícitas e à aplicação do princípio da proporcionalidade. Essa análise será feita a
partir do marco procedimentalista do Estado Democrático de Direito, advindo com a
promulgação da Constituição Federal de 1988 e por meio da complementaridade entre as
teorias de Habermas (1997) e de Fazzalari (2006) para um entendimento de processo como
garantia constitutiva de direitos fundamentais (BARROS, 2009) em que os institutos e
conteúdos jurídicos, em especial as provas ilícitas, tenham uma interpretação adequada à
Constituição Federal.
4. O ANTEPROJETO DO CPP E AS PROVAS ILÍCITAS: AVANÇO OU
RETROCESSO?
Para possível elucidação, verificação e análise da norma que dispõe sobre provas
ilícitas no anteprojeto antes mencionado, concluindo se ela foi um avanço ou retrocesso no
marco procedimentalista do Estado Democrático de Direito9, mister se faz a discussão do
papel do juiz, especificamente, em relação ao seu posicionamento na colheita de provas.
O Brasil adotou o sistema acusatório como sendo o sistema processual regente. Em
linhas gerais, poder-se-ia afirmar que no sistema acusatório as funções de acusação e de
julgamento estariam reservadas a pessoas ou órgãos distintos. Entretanto, essa questão não é
tão simples. No que tange ao ônus da prova, o juiz possui ampla liberdade de iniciativa
probatória, apoiado principalmente no princípio da “verdade real”. Até que ponto isso seria
legítimo no Estado Democrático de Direito?
Sabe-se que o processo constitucional é garantia constitutiva de direitos fundamentais
e que somente através de um devido processo constitucional é que haverá a efetivação e
9
O paradigma procedimentalista do Estado Democrático de Direito compreende a teoria de Fazzalari (2006) do
processo como procedimento em contraditório, em que será garantida às partes, a construção da decisão em
simétrica paridade, bem como a teoria discursiva de Habermas (1997) em que o sujeito de direito deve ser
entendido como co-autor e destinatário da norma jurídica. Sendo assim, essas teorias se complementam no
sentido de que as partes devem influenciar na construção da decisão de forma participada garantindo a
aceitabilidade racional da mesma, visto que esta não será uma surpresa (NUNES, 2008). Nesse marco, o
processo passa a ser compreendido como garantia constitutiva de direitos fundamentais (BARROS, 2009) e,
portanto, o juiz deixa de ser o único intérprete da lei e o único protagonista na condução do processo. Nesse
contexto, verificar-se-á se a norma referente às provas ilícitas no anteprojeto do Código de Processo Penal de
2009 é um retrocesso ou um avanço.
fruição desses direitos. Logo, não se busca com o processo penal a chamada “verdade real”, o
que se busca é a reconstrução dos fatos através da garantia de um espaço argumentativo
(contraditório) e do tempo necessário para a produção de provas e para a preparação da defesa
(ampla argumentação) tanto da acusação quanto do acusado, através da garantia da
imparcialidade do juiz e da fundamentação das decisões.
No Estado Democrático de Direito deve-se exercer um controle em relação ao papel
do juiz no processo e, esse controle ocorre através da conexão entre os princípios do
contraditório e da fundamentação das decisões, já que essa co-dependência determina que o
juiz somente poderá fundamentar sua decisão em argumentos produzidos em contraditório
pelas partes, sob pena de violação do princípio da imparcialidade do juiz.
É importante que o juiz não seja visto como o único intérprete do direito, mas sim
como oportunizador do contraditório e das demais garantias constitucionais, de tal modo que
seria inadmissível a postura passiva do juiz, de mero espectador.
Os poderes instrutórios do juiz seriam condizentes com o Estado Democrático de
Direito? O art. 156 CPP modificado com a reforma trazida pela Lei 11.690, possibilita a
atuação complementar do juiz à iniciativa das partes, podendo até mesmo, antes de iniciada a
ação penal, solicitar a produção de provas consideradas urgentes e relevantes. O juiz não
pode, de ofício, determinar a produção de provas para dirimir qualquer dúvida (art. 156, II
CPP), visto que já existe no ordenamento jurídico o princípio in dubio, pro reo.
Se o juiz encontrar-se em dúvidas quanto ao processo, ele deve absolver o acusado e
não buscar provas para condená-lo, sob pena de violação ao princípio da imparcialidade do
juiz. Não se quer um juiz inerte no processo, o que se exige é a garantia do contraditório às
partes, sempre que o juiz possa ordenar de ofício determinada prova. Caso contrário, não
haveria limites ao solipsismo judicial.
Demonstrada a dificuldade em se determinar o papel do juiz no processo penal em um
Estado Democrático de Direito, é imprescindível passarmos a análise do anteprojeto do
Código de Processo Penal encaminhado ao Congresso Nacional em 2009, com o intuito de
uma reforma total do Código. Em relação ao tema das provas ilícitas, o art. 164 dispõe que,
Art. 164 - São inadmissíveis as provas obtidas, direta ou indiretamente, por meios
ilícitos (grifo nosso).
Parágrafo único: A prova declarada inadmissível será desentranhada dos autos e
arquivada sigilosamente em cartório.
Nessa norma reside o eixo central de discussão do presente trabalho. Essa nova
alteração representará um avanço ou um retrocesso no marco procedimentalista do Estado
Democrático de Direito, frente a toda construção jurisprudencial e doutrinária já sedimentada
em nosso ordenamento?
A Constituição da República Federativa do Brasil determinou expressamente no art.
5º, LVI, que as provas ilícitas são inadmissíveis no processo. Diante dessa regra única, que
não admitiria exceções, foi sendo construída uma jurisprudência em consonância com o
direito norte-americano, no sentido de que haveria ressalvas a essa proibição, sempre que a
prova ilícita derivada pudesse ser obtida por fonte independente ou que viesse a ser conhecida
inevitavelmente. Logo, a reforma parcial advinda com a Lei 11.690/08 apenas positivou em
seus §§ 1º e 2º o Independent Source e o Inevitable Discovery da Teoria da Árvore Envenena
(Theory of the poisonous tree) norte-americana. É o que se vê pela redação do mencionado
dispositivo legal:
Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas
ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou
legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando
não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas
puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº
11.690, de 2008)
§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os
trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria
capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível,
esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o
incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 4o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
Em relação às provas ilícitas, alguns doutrinadores já defendiam que a norma
constitucional deveria ser relativizada e, que o princípio da proporcionalidade deveria ser
aplicado sempre que direitos constitucionais devessem ser sopesados no caso concreto.
Greco Filho entende que o texto constitucional não deve ser interpretado radicalmente,
pois haverá casos em que o bem jurídico a ser tutelado com a obtenção irregular da prova
levará os tribunais a aceita-la, já que existem valores constitucionais contrapostos (1997, P.
301).
Barroso entende que,
A denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela
qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos.
Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o
outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a
produzir um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos
princípios ou direitos fundamentais em oposição. Não há, aqui, superioridade formal
de nenhum dos princípios em tensão, mas a simples determinação da solução que
melhor atende o ideário constitucional na situação apreciada (BARROSO, 2002, p.
330).
Partindo desse raciocínio, poder-se-ia afirmar que não há regra constitucional absoluta,
devendo ocorrer uma convivência e uma inter-relação pacíficas entre as normas
constitucionais. Dessa forma, sempre que o juiz analisar a possibilidade ou não da admissão
da prova ilícita no processo, haverá a necessidade de confronto entre os bens jurídicos
constitucionalmente garantidos no caso concreto (BARROSO, 2002).
Em relação aos §§1º e 2º do art. 157 CPP, provas ilícitas por derivação (aquelas que
isoladamente analisadas são lícitas, mas foram obtidas a partir de uma ilícita), essa norma teve
origem no direito comparado. A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada, com origem na
Suprema corte Norte-Americana, afirma como regra geral não ser possível utilizar no
processo, as provas derivadas das ilícitas, pois as derivadas estão maculadas de um vício
originário (envenenadas), e também são contaminadas pela ilicitude. Entretanto, há duas
exceções a essa regra, a fonte independente (independent source) e a descoberta inevitável
(inevitable Discovery). A recente reforma do CPP importou a teoria do direito Norte
americano, ao redigir o art. 157, parágrafo 1º.
Conforme Guridi, (1999, p. 519-520) o direito norte-americano admite no processo, a
prova obtida ilicitamente por particular, já que no caso de colheita da prova pelo próprio réu
há a exclusão da antijuridicidade por legítima defesa ou por estado de necessidade. .
No ordenamento pátrio, pacificou-se que sempre que o acusado produzisse provas para
fundamentar a sua inocência, ainda que obtidas em desrespeito às normas constitucionais ou
infraconstitucionais, elas deveriam ser admitidas no processo penal, visto que se estaria diante
de legítima defesa e estado de necessidade. É indiscutível o aproveitamento pela
jurisprudência brasileira da prova ilícita em favor do réu, já que a prova da inocência do réu
deve ser sempre aproveitada, uma vez que no Estado Democrático de Direito não se deve
conceber a prisão de um inocente quando o próprio Estado (juiz), mesmo através de uma
prova ilícita conhece de sua inocência. Já em relação ao aproveitamento da prova ilícita em
favor da acusação esse tema ainda é muito discutido na jurisprudência e doutrina brasileira.
A doutrina e a jurisprudência brasileira posicionavam-se em peso a favor da
admissibilidade das provas ilícitas, na medida em que eram favoráveis a idéia do “male
captum, bene retentum” Após anos de resistência, o STF se utilizou da teoria do fruits of the
poisonous tree para fundamentar a decisão em que o presente trabalho utiliza como decisão
paradigma. Ao fazer a ponderação entre valores constitucionais contrapostos, quais sejam,
direito à intimidade e à vida privada da extraditanda e o direito à honra e à imagem dos
servidores da Polícia Federal como instituição, o STF decidiu que nesse caso concreto, ao
aplicar o princípio da proporcionalidade, o direito à honra e à imagem deveriam prevalecer
sobre os demais direitos.
Em um
estudo
de
direito
comparado, verificou-se
que
o princípio da
proporcionalidade, também vem sendo utilizado pela jurisprudência alemã, como exceção à
regra, como forma de admitir o aproveitamento das provas ilícitas no processo (ÁVILA,
2006, p168).
A jurisprudência brasileira também se baseia no princípio da proporcionalidade para
decidir a respeito da ilicitude ou não da prova, conforme acórdão dos ministros do Superior
Tribunal de Justiça, cuja ementa é a seguinte:
PENAL PROCESSUAL. GRAVAÇÃO DE CONVERSA TELEFÔNICA POR UM
DOS
INTERLOCUTORES.
PROVA
LÍCITA.
PRINCÍPIO
DA
PORPORCIONALIDADE “HABEAS CORPUS". RECURSO:
A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica,
sendo lícita como prova NO PROCESSO PENAL Pelo princípio da
PROPORCIONALIDADE normas constitucionais se articulam num sistema, cuja
harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por
ela conferidos, no caso, o direito à intimidade. O STF também entende que
excepcionalmente as provas ilícitas devam ser admitidas em juízo, justamente por
força desse princípio da proporcionalidade, especialmente aplicado em favor do réu
(favor rei), quando se tratar de excludente de ilicitude, ou até mesmo em hipóteses
de legítima defesa própria ou de terceiros. (BRASÍLIA, Superior Tribunal de
Justiça, RHC nº 7216/SP )
Ressalta-se que com a utilização do princípio da proporcionalidade na resolução de
determinados casos concretos, para decidir sobre a admissibilidade ou não da prova ilícita no
processo penal, aumenta-se o poder do juiz sem que haja uma forma objetiva de controle.
Necessária a análise doutrinária em relação ao princípio da proporcionalidade e as
provas ilícitas. Pacelli Oliveira, apesar de ser o relator do anteprojeto que determina a
inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas, assim como determina a Constituição da
República Federativa do Brasil, outrora não comungava desse mesmo entendimento, já que
defendia a corrente intermediária sobre o tema, juntamente com Fernando Capez10 e Fernando
da Costa Tourinho Filho (apud MATTOS, 2003, p. 106-107):
No processo penal, como intuitivo a aplicação da vedação das provas ilícitas, se
considerada como garantia absoluta, poderá gerar, por vezes, situações de inegável
desproporção, com a proteção conferida ao direito então violado (na produção da
prova), em detrimento da proteção do direito da vítima do delito (OLIVEIRA, 2005,
p. 372-373).
A complexidade da questão se reside justamente no fato de ser quase impossível
estabelecer critérios objetivos que limitem ainda que minimamente o aproveitamento das
provas ilícitas. A situação seria mais crítica se esse critério fixo e objetivo estimulasse a
prática de ilegalidades.
Para Pacelli Oliveira o critério de proporcionalidade seria legitimamente utilizado nos
casos em que não estiver em risco a aplicabilidade potencial e finalística da norma da
inadmissibilidade. Isso em relação à função de controle da atividade estatal - que é a
responsável pela produção de provas – a qual desempenha a norma do art. 5º, LVI, C.R./88.
A função dessa inadmissibilidade é de servir de fator inibitório às práticas ilegais por parte do
órgão estatal, responsável pela produção de provas. Mas há casos em que é o particular o
responsável pela produção.
Acredita-se que a total inadmissibilidade das provas ilícitas assim como prevê o
anteprojeto renega todo o desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial e, revoga a recente
reforma parcial do Código de Processo Penal ainda em vigor, enquanto o anteprojeto tramita
no Congresso Nacional.
Segundo afirmação do Ministro Cordeiro Guerra,
Não creio que entre os direitos humanos se encontre o direito de assegurar a
impunidade dos próprios crimes, ainda que provados por outro modo nos autos, só
porque o agente da autoridade se excedeu no cumprimento do dever e deva ser
responsabilizado. Nesse caso, creio que a razão assiste a nossa jurisprudência: Punese o responsável pelos excessos cometidos, mas não se absolve o culpado pelo crime
efetivamente comprovado (FLORES LENZ, RT 621/273 e segs.).
10
Capez entende que “não é razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita.
Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja
preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a
comparação entre eles para verificar-se qual deverá prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto,
ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior,
por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em
posição antagônica precisam ser cotejados, para escolha de qual deles deva ser sacrificado” (CAPEZ, 2001, p.
33).
Da mesma forma dispõe Pedroso que
o teor da prova e sua origem têm apreciação em esferas próprias e distintas. O valor
da prova há de ser dessumido na seara processual, enquanto o comportamento ilegal
de que se originou requer avaliação no âmbito do direito penal substantivo. O ilícito
em sim, que se manifesta pelo ato que o caracteriza, não pode ser confundido com o
teor probatório que eventualmente revele. Este, como decorrência daquele, não é em
si mesmo ilícito, no seu substrato ou essência, embora aquele o seja. Se a prova
registra uma verdade, seu teor não pode, a evidência, ser havido como ilícito,
inobstante o ato que o produziu contenha a ilicitude (PEDROSO, 2005, p 168-169).
A proibição da utilização das provas ilícitas no processo é uma forma de garantia
individual contra o Estado assegurada na Constituição Federal. Logo, quando for para
beneficiar o réu (prova de sua inocência), essa prova ilícita poderia ser utilizada, ainda que
violasse direitos próprios do acusado ou de terceiros e, quando produzido pelo próprio
acusado. Entretanto, se é possível a sua utilização para beneficiar o réu, dever-se-ia admiti-la
para beneficiar a acusação, sempre por meio da ponderação de direitos constitucionais,
através da aplicação do princípio da proporcionalidade pelo juiz. Segundo Costa,
Em direito, a melhor é a não determinação de regras inflexíveis e apriorísticas, tendo
em vista que, em cada caso concreto, um princípio pode ter valor maior que o outro.
É importante, pois, realçar o caráter relativo do comando constitucional que
determina a inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas. Nesse sentido, a
vedação constitucional deve ser interpretada de forma a permitir alguma forma de
abrandamento (COSTA, 2006, p. 116).
Por outro lado, a admissão das provas ilícitas pelo critério da aplicação do princípio da
proporcionalidade ou por derivação através das ressalvas estabelecidas no §1º do CPP,
aumenta o poder do juiz e não determina um critério objetivo de controle desse poder, o que
poderia significar um retrocesso à socialização processual em que o processo se resumia a
prevalência do papel do juiz (ativismo judicial) em detrimento do papel das partes.
Esse artigo 157, do CPP, faz com que o juiz passe a ser o único intérprete do direito,
podendo determinar quando será admitida ou não a prova ilícita no processo penal. Logo, o
anteprojeto ao reafirmar o que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
sempre estabeleceu como regra única, demonstra um avanço, porque o juiz não pode estar no
centro do processo determinando e decidindo de ofício sobre as provas ilícitas e a sua
admissão no processo.
No Estado Democrático de Direito, o juiz deve ter o papel de oportunizar o
contraditório entre as partes, ainda que possa determinar diligências quanto às provas ou
decidir de ofício. Somente com o garantia do devido processo constitucional, poder-se-ia
pensar em se aplicar o princípio da proporcionalidade ao caso concreto, porque dessa forma, o
solipsismo do juiz seria controlado de forma objetiva pelos princípios do contraditório, ampla
argumentação, terceiro imparcial e fundamentação das decisões.
5. CONCLUSÃO
O tema referente à admissibilidade das provas ilícitas no processo penal não se
encontra pacificado na doutrina e nem na jurisprudência. A simples redação do art. 164 no
Anteprojeto do Código de Processo Penal não seria suficiente para se definir se essa norma é
um avanço ou um retrocesso para o direito processual penal, na quadra histórica em que nos
encontramos. Era imprescindível a reconstrução doutrinária e jurisprudencial desde o advento
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 para possível elucidação dos temas
conexos às provas ilícitas e sua admissão no processo, quais sejam: o papel do juiz no Estado
Democrático de Direito e a aplicação do princípio da proporcionalidade.
Após essa interpretação lógico-sistemática das normas do Código de Processo Penal e
da Constituição, conclui-se que o Anteprojeto do Código de Processo Penal representa um
retrocesso e ao mesmo tempo um avanço no marco procedimentalista do Estado Democrático
de Direito. A priori, seria um retrocesso uma vez que desconsidera a contribuição trazida pelo
direito norte-americano, pelos doutrinadores brasileiros e pela jurisprudência, já que revoga o
art. 157 do CPP. Ademais, a possibilidade de o acusado produzir provas para se inocentar,
ainda que estas sejam obtidas com violação de direitos fundamentais é imprescindível na
nossa sociedade, que tem o dever de assegurar o direito à liberdade.
A aplicação do princípio da proporcionalidade para se admitir a prova ilícita no
processo, decorrente da tendência doutrinária e jurisprudencial, foi um avanço positivado pela
Lei 11.690/08, ao se comparar a recente reforma com a norma constitucional (art. 5º, LVI),
visto que em determinados casos concretos a prova será utilizada para assegurar o
reconhecimento e a fruição de um direito fundamental ainda que com violação de outro
direito fundamental. O caso concreto que melhor exemplifica o que foi afirmado acima seria a
interceptação telefônica pelo acusado para comprovar a sua inocência. O acusado utilizou-se
de uma prova obtida por meio ilícito, mas, ao se admitir a utilização dessa prova no processo,
garantiu-se o direito à liberdade e à dignidade da pessoa do acusado em detrimento do direito
à intimidade e à vida privada de terceiro.
Com o caso concreto e com a aplicação do princípio da proporcionalidade, é visível a
escolha em relação à qual direito fundamental deve ser resguardado. Entretanto, para que o
processo seja conforme à Constituição é imprescindível que o juiz oportunize o contraditório
entre as partes, para que elas determinem qual direito fundamental deve ser “maximizado”
quando da aplicação do princípio da proporcionalidade; se a prova obtida por meio ilícito
deve ou não ser admitida no processo; se a prova derivada poderia ser obtida por fonte
independente; se pode ser evidenciado o nexo de causalidade entre a prova ilícita originária e
a derivada.
Somente após o contraditório efetivo entre as partes, como idéia de influência e não
surpresa, é que o juiz está legitimado a decidir sobre o desentranhamento ou não da prova
ilícita dos autos. Apesar de os §§ do art. 157CPP não terem fixado critérios objetivos para o
juiz, este pode ser controlado pela conexão entre os princípios do contraditório e da
fundamentação das decisões, fazendo com que sua decisão seja o produto dos argumentos
trazidos pelas partes e não do seu subjetivismo e fazendo com que haja uma aceitabilidade
racional da mesma. Entretanto, em uma análise sistêmica do ordenamento jurídico, pode-se
perceber que apesar do Anteprojeto transparecer ser um retrocesso em relação ao art. 157CPP,
verifica-se que ele é um avanço, já que ele reafirma a norma constitucional e ao mesmo tempo
revogaria a recente reforma quanto ao tema.
Ainda encontra-se obscuro o papel do juiz no processo no marco procedimentalista do
Estado Democrático de Direito, uma vez que predomina a compreensão de processo como
relação jurídica entre as partes e o juiz, cabendo a ele, como único intérprete do processo
(ativismo judicial), determinar quando seria admitida ou não a prova ilícita no processo penal,
baseando-se em argumentos metajurídicos. Enquanto o processo não for compreendido como
garantia constitutiva de direitos fundamentais em que os princípios do contraditório (idéia de
influência e não surpresa), da ampla argumentação, do terceiro imparcial e da fundamentação
das decisões devem formar a base uníssona de um efetivo processo constitucional, a
sociedade brasileira estará fadada à norma do art. 164 do Anteprojeto do CPP.
Logo, conclui-se que o art. 164 supracitado é um avanço, porque ainda não superamos
a socialização processual que significa a prevalência do papel do juiz no processo
(ativismo/solipsismo judicial) em detrimento da atuação das partes. Ademais, no Estado
Democrático de Direito o juiz não pode estar no centro do processo determinando e decidindo
sobre as provas ilícitas e a sua admissão no processo sem que as partes participem ativamente
dessa discussão influenciando na decisão para que esta seja racionalmente aceita.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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