Efeito Magnus

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A FÍSICA DO CURLING : VELOCIDADE E ALCANCE
Foto: Bjarte Hetland
Kevin Martin, estrategista da equipe canadense de Curling
Entre os dias 12 e 28 de fevereiro pudemos acompanhar pela TV os Jogos Olímpícos de Inverno 2010 diretamente de Vancouver,
no Canadá. Para nós que vivemos num país tropical foi um grande barato conviver com esportes exóticos realizados num cenário
gelado e totalmente diferente do nosso.
E, sem sombras de dúvidas, o esporte que mais chamou a atenção de todos foi o Curling (1), uma mistura de boliche com bocha e
bilhar disputada sobre uma pista plana de gelo. Aposto que você também viu e, como eu e muita gente, parou diante da TV para
entender o que era aquilo, não? Jogadores muito concentrados, com fisionomia de quem está jogando xadrez,
mas arremessando pedras de granito bem pesadas (o que lembra o boliche) que devem acertar um alvo a cerca de 45m de distância
(o que lembra o jogo de bocha). E vale colisão com as pedras do adversário para jogá-las fora do alvo (o que lembra o bilhar).
E o mais divertido do Curling: até certo ponto a caminho do alvo, um ou dois jogadores podem "varrer" freneticamente o gelo com
vassourinhas (foto abaixo). A varrição é feita à frente da pedra para alterar o coeficiente de atrito, controlando assim a distância por ela
percorrida. Ou é realizada lateralmente, o que possíbilita alterar a curvatura da trajetória. São estes dois aspectos ligados ao atrito que
vou analisar neste post. Vou deixar a questão da colisão entre as pedras para um próximo texto que publicarei nos próximos dias.
vancouver2010.com
Atleta chinesa arremessando a pedra enquanto duas outras "varrem" o gelo
:: O Alcance da Pedra Lançada
O rink (campo de jogo) do Curling tem 4,75 m de largura por 45,5 m de comprimento desde a área de lançamento (a.l.) até o outro
extremo onde se encontra o alvo dentro do qual devem ser arremesadas as pedras para pontuar como nos mostra a ilustração a
seguir.
Duas hog lines são importantes na regra do jogo: a L (chamada de próxima) e a L' (distante). A pedra pode ser tocada somente até L
quando então deve ser abandonada pelo atleta lançador. A pedra deve ultrapassar a linha L' ou será eliminada do jogo bem como será
eliminada se sair fora do rink.
O sweeping, ato de "varrer" a pista de gelo, é permitido a dois atletas da equipe que lança a pedra mas somente até a linha paralela à
L e à L' que passa pelo centro do alvo, chamada de tee line. A partir da tee line somente um atleta da equipe que lançou a pedra pode
continuar "varrendo" o piso bem como está liberado a um atleta da equipe adversária "varrrer" o piso para atrapalhar a jogada ou
favorecer o movimento de uma pedra da sua equipe que sofreu colisão.
Note que, ao fazer o lançamento, até a linha L, o jogador troca com a pedra de granito uma força F que nela imprime uma velocidade
inicial V.
Se não houver nenhuma outra ação depois do lançamento, a pedra vai deslizar sofrendo apenas duas forças: C (contato entre a pista
de gelo e a pedra) e P(peso, força de atração gravitacional da Terra sobre a pedra). Para facilitar o cálculo vetorial, "quebramos" a
força C em seus dois componentes ortogonais: N (empurrão da písta de gelo sobre a pedra, na vertical e para cima) e A (Atrito de
escorregamento entre o granito e o gelo, paralelo à pista e com sentido sempre contrário ao do escorregamento da pedra).
É mais fácil pensarmos apenas em N e A separados em vez de C. Veja:
Na prática N e P se anulam e "sobra" o atrito A, que é a força resultante que, sendo contra o movimento, breca a pedra. Como esse
atrito é pequeno, a pedra vai perdendo velocidade lenta e gradativamente enquanto atravessa orink percorrendo uma distância
máxima d até parar.
O objetivo do jogo é colocar o máximo de pedras da sua equipe (vermelha ou amarela) no centro do alvo. Fisicamente falando, o
objetivo é "calibrar" bem a jogada, fazendo a força F exata na intensidade, na direção e no sentido para que a pedra pare no centro do
alvo. A pedra deve, portanto, percorrer uma distância d (de L até o centro do alvo) exata para atingir a meta de máxima pontuação.
Note que, se a força F que impulsiona a pedra for pequena, ela pode nem atingir a linha L' e será desclassificada. Ou pode não chegar
ao alvo, gastando uma jogada que não será pontuada. Se F for muito grande, a pedra pode ultrapassar o alvo e, da mesma forma, não
pontuar. Pode ainda sair fora do rink o que também a desclassifica.
O que faz a distância d alcançada pela pedra ser maior ou menor? Vamos criar um modelo para responder esta pergunta:



A força de atrito A entre o piso de gelo e a pedra de granito pode ser escrita como:
onde μ é o coeficiente de atrito cinético, uma constante adimensional que permite calcular o valor da força de atrito A em
função do componente normal N.
Sendo o atrito A a força resultante R, ou seja, o que resulta da soma de N com P e com A, pela Segunda Lei de
Newton podemos escrever:
onde m é a massa da pedra e a a aceleração por ela adquirida como efeito imediato da ação da resultante R = A.
Considerando um atrito A constante (e desprezando a curva da trajetória) teremos um MRUR - Movimento Retilíneo
Uniformemente Retardado para o qual vale a Equação de Torricelli:
onde V' = 0 será a velocidade final da pedra lançada com velocidade V após percorrer uma distância d com aceleração a.
Substituindo V' = 0 na Equação de Torricelli podemos encontrar o módulo da aceleração a:

Lembrando que a resultante R é o atrito A e substituindo os resultados acima teremos:

Lembrando ainda que, se o componente normal N anula o peso P = mg, então N = mg e podemos, finalmente, escrever:
Note que acabamos de encontrar (destacada em vermlelho) a distância d que a pedra vai percorrer se for lançada com
velocidade V sobre a pista de gelo que, em contato com o granito, tem um coeficiente de atrito cinético típico bem pequeno (2) de
valor μ.
Na expressão obtida para d, a gravidade g = 9,8 m/s² é um parâmetro físico constante e típico do nosso planeta que o atleta não pode
manipular. Mas V e μ são parâmetros físicos que os atletas do Curling podem "ajustar". E é esse o jogo!
Note que na expressão obtida V está no numerador enquanto μ encontra-se no denominador. Assim, se V cresce, d também cresce,
mas com o quadrado da velocidade V. Ao contrário, se o coeficiente de atrito μ cresce, d será menor.
Assim, para F que provoca V:
1.
2.
Quanto maior for a força F durante o lançamento, maior será a velocidade inicial V da pedra. Consequentemente, maior será
o alcance d da pedra. A pedra vai mais longe até parar.
Quanto menor for a força F durante o lançamento, menor será a velocidade inicial V da pedra. Consequentemente, menor
será o alcance d da pedra. A pedra vai anda menos até parar.
Conclusão 1: Escolher a força F "certa" é fundamental para uma boa jogada.
Mas ainda é possível fazer ajustes no coeficiente de atrito pós lançamento
1.
2.
Quanto maior for o coeficiente de atrito μ, menor será o alcance d da pedra. A pedra caminha menos até parar.
Quanto menor for o coeficiente de atrito μ, maior será o alcance d da pedra. A pedra vai mais longe.
Conclusão 2: O processo de varrição do gelo na frente da pedra faz μ ficar menor e, portanto, alonga a trajetória da pedra. Deu para
entender o modelo físico do atrito no Curling?
Errinho Físico Clássico
Ontem de manhã, na disputa pela medalha de bronze no Curling (masculino), eu assistia à transmissão narrada por Maurício
Torres (foto). Num dado momento ele disse algo como "os jogadores vão varrendo o gelo para aumentar a velocidade da bola". Eu,
que tenho olhos e ouvidos bem treinados ao longo de mais de vinte anos de carreira de professor de Física, imediatamente detectei o
erro físico clássico. Clássico porque é o mesmo erro cometido por locutores de futebol que teimam em dizer que com a grama
molhada a bola aumenta a sua velocidade! E Torres insistiu no erro físico incontáveis vezes, sempre alegando que a varrição teria a
função de aumentar a velocidade da pedra. Isso é fisicamente impossível!
Varrer freneticamente o gelo provoca aquecimento do mesmo que derrete criando uma camadinha de água líquida que diminui o
coeficiente de atrito cinético μ entre a pedra de granito e a pista de gelo. Diminuindo o coeficiente de atrito, a pedra alcança uma
distância maior antes de parar, como foi demonstrando logo acima. Não existe aqui nenhuma aceleração tangencial (ou escalar) a ser
considerada! Dá para entender?
Na verdade, só é possível aumentar o módulo da velocidade (vetorial) de um corpo qualquer aplicando nele uma força (resultante) que
tenha pelo menos um componente (vetorial) a favor do movimento, ou seja, na mesma direção e no mesmo sentido do movimento.
No Curling, inicialmente o lançador faz força sobre a bola, praticamente carregando-a enquanto desliza sobre o gelo numa posição
característica de lançamento (veja, no topo do post, a foto de Kevin Martin enquanto desliza para lançar a pedra). Depois de
arremessada a velocidade da bola só pode diminuir por causa do atrito que vai minando a energia cinética do sistema. Não existe mais
nenhuma força a favor do movimento que possa fazer a pedra ganhar velocidade (ou energia cinética). No máximo a varrição alonga
a trajetória da pedra, fazendo-a parar mais adiante. A pedra não ganha velocidade, apenas perde velocidade numa taxa menor até
parar mais longe. Dá para entender a diferença?
Como eu já citei, a varrição lateral pode modificar a trajetória da pedra. Neste caso podemos dizer que há uma aceleração centrípeta
(para dentro da curva) provocada pelo atrito diferencial nos bordos da pedra o que modifica a interação gelo-granito. Note bem
que isso só ocorre porque a pedra não é um ponto-material e sim um corpo extenso.
Concluímos que a varrição pode até modificar a direção e o sentido do vetor velocidade mas jamais aumentar o módulo (ou
intensidade) do vetor velocidade. Certo?
Neste caso, acreditar que a velocidade da pedra aumenta nos remete ao pensamento grego, muito antes de Galileu e Newton que
plantaram as boas sementes da Mecânica nos ensinando como produzir e como modificar os mais diversos possíveis movimentos.
(1) O nome Curling vem de to curl (curvar, em inglês), referência explícita à trajetória curva que a pedra faz ao ser lançada com spin (rotação). Veja logo abaixo
um link para o Virtual Curling. Jogue! E "sinta na pele" o efeito da curvatura da trajetória da pedra pela rotação nela imprimida. E depois clique aqui para ler o
texto teórico "What Puts the Curl in a Curling Stone?" do Dr Mark Shegelski da UNBC.
(2) Para ter uma noção de quão pequeno é esse atrito, normalmente em torno de μ = 0,015, você pode fazer um experimento simples mas bastante conclusivo
em casa. Pegue uma pedra de gelo do congelador e faça-a deslizar sobre a pia da sua cozinha que, provavelmente, é de granito. Você vai ver que com um
mínimo empurrão a pedra de gelo desliza longe, praticamente sem perder velocidade. Se a pia tivesse os 45,5 m de comprimento do rink do Curling sua pedra de
gelo possivelmente a atravessaria sem problemas!
Fonte: http://fisicamoderna.blog.uol.com.br/arch2010-02-28_2010-03-06.html#2010_03-01_17_54_58-7000670-0
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