Agroboy e Bicho Grilo

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GRUPO DE TRABALHO 8
CULTURA E SOCIABILIDADES
AGROBOY E BICHO GRILO:
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
DO ESTUDANTE DE AGRONOMIA
AO LONGO DE SUA FORMAÇÃO PROFISSIONAL.
MARCIANO, Paulo Antônio
FIÚZA, Ana Louise de Carvalho
AGROBOY E BICHO GRILO:
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO ESTUDANTE DE
AGRONOMIA
AO LONGO DE SUA FORMAÇÃO PROFISSIONAL.
MARCIANO, Paulo Antônio1
FIÚZA, Ana Louise de Carvalho2
Resumo
Buscamos, neste estudo, compreender a relação existente entre a trajetória acadêmica do estudante
de Agronomia da Universidade Federal de Viçosa e sua formação profissional, considerando a
influência de duas variáveis: 1) o pertencimento de classe do estudante, e 2) a sociabilidade
acadêmica construída ao longo do curso, através da sua vinculação a determinados grupos e redes
de amigos.
O objetivo é analisar se a identificação com certos grupos identitários, quando o estudante entra na
universidade, é influenciada por seu pertencimento a uma classe social específica; e se tal círculo de
sociabilidade estudantil influencia a escolha das disciplinas, estágios e inserção na iniciação
científica e na extensão rural, enquanto estudante, e depois de formado, no seu direcionamento para
o mercado de trabalho.
O contexto de nossa análise e objeto principal desse artigo é a alta-modernidade, onde se percebe,
de um lado, uma tendência homogeneizante em contraposição a diversificação social, lugar em que
os indivíduos se encontram desprendidos de suas raízes, sejam elas territoriais, sejam de valores; e
por outro lado indivíduos repõem seus referenciais em preceitos efêmeros ou até mais radicais.
Nesse panorama, a formação identitária pode ocorrer de forma extremada. A auto-afirmação em
grupos parece ser uma estratégia de reencaixe como medida reflexiva para escapar aos preceitos
modernos. Os estereótipos de grupo podem ser entendidos como a busca por segurança no mundo
da alta-modernidade.
Em nossa pesquisa sobre os estudantes de Agronomia, notam-se duas identidades ―extremadas‖; as
pertencentes à perspectiva tecnológica tradicional (Agro-boys) e os que seguem as perspectivas
alternativas (bicho-grilos). De um lado percebemos os ditames da revolução verde e preceitos da
biotecnologia e do outro vêem-se as alternativas ao processo convencional como a agroecologia e a
participação em movimentos sociais.
A presente análise contribui para a temática cultura e identidade e reforça estudos que concebem a
dialética entre o global e o local, fugindo da dicotomia entre contextos micro e macro nas ciências
sociais.
Palavras Chave: Identidade, Alta-modernidade, Representações coletivas.
Introdução
O presente artigo é fruto de um início de trabalho no programa de Mestrado em Extensão
Rural pela Universidade Federal de Viçosa. A pesquisa relacionada a este trabalho traz como
proposta situar o indivíduo (estudante de Agronomia) em sua trajetória universitária, relacionando o
1
2
Mestrando em Extensão rural do Departamento de Economia rural da UFV.
Profª. do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural do Departamento de Economia Rural da UFV.
seu perfil sócio econômico à sociabilidade estudantil, para que se torne possível analisar a formação
da identidade profissional do estudante de Agronomia. Mediando essa trajetória, veremos como a
relação desses estudantes com a vida acadêmica influencia nesse caminho, traçado desde o ingresso
na universidade até sua entrada para a vida profissional. A partir do entendimento da trajetória do
aluno universitário, compreenderemos o papel que a identidade assumida na universidade exerce
sobre as escolhas no mercado de trabalho do egresso da academia.
As denominações Bicho-Grilo e Agroboy, estampadas no título desse artigo, são categorias
nativas muito recorrentes entre os alunos do curso estudado. Esses dois perfis parecem estar
diretamente relacionados com a perspectiva acadêmica a qual o estudante se identifica. Verificamse duas concepções gerais que orientam as identidades no curso de Agronomia na UFV. A primeira
delas diz respeito aos alunos que seguem uma perspectiva pautada nos preceitos emergidos no
período chamado de revolução verde e posteriormente na biotecnologia. Período marcado pela
associação entre a produção agrícola e a indústria, esta condicionando aquela. Segundo Elias
(2006), em linhas gerais, a mudança na base técnica com o emprego de insumos artificiais, a
difusão de inovações químicas e mecânicas teve como principal motivo a implantação de uma
agricultura científica. Esse movimento segundo Graziano (1986) visava à redução no tempo de
produção e de trabalho buscando taxas de lucro mais elevadas através da maior produtividade e da
rotação do capital. Esses momentos de desenvolvimento tecnológico muito influenciaram, e
influenciam os problemas práticos a serem resolvidos nos centros de pesquisa das universidades.
Percebe-se então uma gama de estudantes que seguem os preceitos da biotecnologia, onde se tem
um alto investimento em pesquisas nas áreas de biologia celular e molecular. Pesquisas que
envolvem todas as áreas da produção agrícola.
Seguindo uma perspectiva distinta, baseada, amiúde, na participação em movimentos
sociais, e em uma ciência em prol da população menos favorecida, surgem no âmbito acadêmico
outras propostas. Nesta perspectiva encontram-se os estudantes de identidade alternativa, os quais
buscam uma ressiginificação do próprio caráter científico e questionam os preceitos emergidos na
revolução verde. Essa concepção de ciência atrelada aos movimentos sociais, em muitos países da
América Latina, tem sua origem na influência da teoria Gramsciana, em que o cientista não deveria
estar disposto apenas à compreensão da realidade, mas estar focado em sua transformação através
da autonomia das identidades coletivas, pautando-se, principalmente, nas minorias. A perspectiva
da agroecologia é também uma opção para esses estes estudantes, uma vez que propõe o uso da
técnica aliada a uma preocupação sócio-ambiental. Segundo Leff (2002), a agroecologia indica um
novo modelo de produção baseado nas experiências de uma agricultura ecológica, socialmente
justa, economicamente viável, ecologicamente sustentável e na elaboração de ações sociais
coletivas para enfrentar a lógica do modelo produtivo baseado na agroindústria. Os estudantes de
identidade alternativa se apóiam nesses preceitos que alvitram um novo modelo de agricultura.
É nesse cenário de dicotomia que os esforços de nossa pesquisa estarão situados, buscando
compreender quais são os elementos que identificam o estudante de agronomia; qual a sua
identidade profissional, como se reconhece um estudante de agronomia e seu perfil de formação
para o mercado de trabalho. Sem elementos para responder esses questionamentos, é preciso deixar
claro que a proposta desse artigo se resume em um primeiro mapeamento sobre estudos atinentes a
temática: identidade. Portanto não discorreremos a respeito do trabalho de mestrado em si, devido
ao fato de até a atual data não termos trabalhado com a pesquisa de campo, momento que só
ocorrerá em 2010. Nessa proposta, estamos comprometidos a compor o pano de fundo de nossa
análise, que seria a situação do indivíduo na contemporaneidade, pano de fundo esse fundamental,
no nosso entender, para qualquer estudo sobre identidades.
Para compor essa proposta, devemos compreender a contemporaneidade como uma
conjuntura na qual se percebe uma tendência homogeneizante em contraposição à diversificação
social, lugar onde indivíduos se encontram desprendidos de suas raízes, sejam elas territoriais,
sejam de valores, e que, por outra via, repõem seus referenciais em preceitos efêmeros ou até mais
radicais. Podemos conceber essa época, então, como um paradoxo. A contradição inerente se
verifica pelo caráter ―racional‖ e técnico espraiados por quase todos os âmbitos da sociedade, e,
como contraponto, pelas formas subjetivas de resistência a própria modernidade que são postas por
diversas novas demandas sociais (formação de comunidades como reforço de valores tradicionais
compõe-se como exemplo dessas novas demandas). É sob esse múltiplo cenário que se quer
entender as identidades dos estudantes universitários.
2. Caracterização da alta modernidade e feições de nosso objeto
2.1 O indivíduo na alta modernidade
Antes de tratarmos propriamente de estudantes universitários como nosso objeto de estudo,
devemos concebê-los como indivíduos. E o indivíduo da modernidade é marcado por diversos
traços em sua composição. Adjetivos que vão desde os preceitos trazidos pela modernidade até as
conseqüências dela como marca da alta modernidade, seguindo o conceito de Giddens (1991). O
racionalismo como ideal Iluminista e suas interpretações ou aplicações primeiras na sociedade, a
burocratização, o esvaziamento de sentido, a ―jaula de ferro‖ para citar a expressão de Weber
(1967) são aspectos da modernidade, e esse projeto crescente é sentido na contemporaneidade; mas
o que se faz sentir preeminentemente são suas conseqüências, seus desaguares. A tendência
homogeneizante, massificadora da modernidade não completa seu ciclo. Assistimos a um novo
reordenamento social, a saber: discussões de gênero, culturas híbridas, multiculturalismo, questão
ambiental, grupos identitários, etc. Esse cenário que podemos chamar de alta modernidade provoca
o desenraizamento social, processo esse caracterizado pelo desencaixe, onde os indivíduos,
deslocados de seus valores culturais, desapegam-se dos preceitos tradicionais ou até mesmo se
esvaziam de sentido, perdendo assim todo seu referencial identitário. Entretanto esse movimento
não apenas possui uma direção. Ocorre também o processo de reencaixe, onde indivíduos se
apegam a outros preceitos, de forma urgente, para fugir da falta de referenciais. Ou seja, há um
deslocamento de contextos, e um reencaixe em outra conjuntura, e essas podem ser das mais
diversas possíveis (GIDDENS, 2002). É possível encontrarmos na cultura contemporânea um
indivíduo brasileiro, consumidor de tênis de marca mundialmente conhecida, ouvinte de música
européia, torcedor de time de basquetebol estadunidense e, ademais, ser seguidor de uma religião
oriental. Canclini (2003) afirma que o indivíduo contemporâneo é um colecionador de identidades,
não segue um preceito uno. E esse colecionar pode ser facilmente relacionado ao constante processo
de desencaixe e reencaixe.
Tendo em mente todas essas feições que compõem o indivíduo moderno, podemos inferir
que em um ambiente universitário se reúne uma diversa gama de estudantes, com identidades das
mais diversas, provindos de todo o país. Esse cenário proporciona a interação de sujeitos com
referenciais culturais, sociais, econômicos dos mais variados. E essa amálgama é que oferece um
campo peculiar para se estudar a identidade desses indivíduos.
2.2 Aspectos teóricos sobre a contemporaneidade
É premente para o objetivo desse artigo, e a pesquisa de mestrado a qual ele se refere,
observar as teorias que situam o indivíduo na era moderna e suas implicações na
contemporaneidade.
Autores generalistas3 como Bauman (1999), em As Conseqüências da Globalização,
afirmam que os indivíduos da cidade enfrentam um problema de identidade quase insolúvel. Desse
modo, encontramos identidades segregadas, identidades cosmopolitas e identidades híbridas,
figuradas a partir de uma mescla de culturas que não mais se encontram indivisíveis. Por outro lado,
nota-se a contra tendência na qual há um esforço para a manutenção das identidades coletivas, num
3
O entendimento conceitual que categorizamos como generalista refere-se à amplitude da análise. Bauman e Giddens
que serão exemplo dessa análise de âmbito macro adentram-se nessa categorização. Esse âmbito de análise, em nossa
concepção se oporia em determinados pontos a estudos de âmbito micro como autores que exploram a corrente
chamada interacionismo simbólico. Isso não significa, contudo, que esses autores aqui chamados de generalistas não
trabalhem em âmbitos micro. Giddens mesmo em sua teoria da estruturação procura realizar um movimento justamente
no propósito de equacionar, coordenar, aspectos de âmbito macro e micro nos estudos da sociedade, relacionando,
destarte, agência do indivíduo em âmbito micro e estruturas globais no âmbito macro.
movimento contra-hegemônico, proporcionando, assim, a formação de barreiras culturais. Ainda em
Bauman (2003), na obra intitulada Comunidade, faz-se um apanhado de como se dá a relação
contraditória e articulada entre segurança e liberdade na sociedade atual. E coloca a identidade
como elemento central para entendermos o indivíduo contemporâneo. As identidades se formam de
acordo com as aspirações de um grupo, portanto, é possível vincular a afirmação da identidade à
idéia de comunidade. Para o autor “identidade significa aparecer, ser diferente e, por essa
diferença, singular — e assim a procura da identidade não pode deixar de dividir e separar.” (p.
21). O ser humano, na procura de confiança, pende-se ao direito à identidade, dessa forma se ganha
por um lado e perde-se por outro. Ou seja, cria-se um vínculo com determinado grupo, que traz
segurança ao indivíduo, mas esse vínculo compromete a liberdade individual, de modo que quanto
maior o comprometimento com o grupo, menor se torna a liberdade particular. Seguindo esse ponto
de vista, podemos conjeturar a vulnerabilidade da identidade individual e a precariedade da solitária
construção da identidade, levando os construtores desta identidade a procurarem cabides para
postarem seus medos, anseios.
Autores na mesma perspectiva generalista, que procuram mostrar o mundo mais em suas
conjunturas do que suas especificidades, como Giddens, atribuem o projeto da modernidade
fazendo-se sofrer seus resultados. Estaríamos na alta modernidade. Far-se-ia uma etapa de
radicalismo dos preceitos modernos. A modernidade fazendo-se sentir de forma aguda, agravando
suas características de um lado, e por outro assistimos as contraposições a ela, num movimento
também conjuntural de resistência.
2.3 Primeiras feições de nosso objeto
Uma das características marcantes de uma universidade no que diz respeito a estudos
identitários é a capacidade de reunir em um mesmo local uma diversidade de indivíduos com
aspirações diversas. Os diferentes cursos oferecidos e suas linhas de pesquisa reúnem pessoas com
condições sociais, referencial cultural e localização geográfica distintas, fazendo com que tenhamos
uma diversificação de identidades construídas pelo passado vivido desses estudantes e sua trajetória
na universidade. Há, portanto, um confronto que coloca em paralelo o passado e a nova vivência
universitária dos alunos.
Em resposta a esse confronto, no cotidiano da universidade, esses indivíduos procuram
identificação, seja uns com os outros, seja com as perspectivas acadêmicas que lhes proporcionam
mais afinidade. Esses traços são compostos ao longo da trajetória do indivíduo, reunindo pessoas
através de grupos, e direcionando sua grade curricular, de modo que as perspectivas acadêmicas
preferidas pelos estudantes seriam tão diversas quanto às identidades assumidas no ambiente
universitário.
Os indivíduos envolvidos nessa pesquisa serão estudantes do Centro de Ciências Agrárias da
Universidade Federal de Viçosa. Essa escolha se justifica pelo número de estudantes dessa área e
pela diversidade de linhas de pesquisa oferecida. Além disso, quanto maior a quantidade de
estudantes maior a possibilidade de encontrarmos grupos de identidades distintas e assim melhores
serão as condições de realização das relações propostas por nossa pesquisa de mestrado. Nota-se
então que o referencial identitário desses indivíduos advirão de diversas fontes, a saber: seu passado
de vida, participação em movimentos sociais, vinculação a grupos de pesquisa e iniciação científica,
composição da grade curricular e sua relação com as perspectivas científicas, sociabilidade em
grupos, etc.
Através dessa pesquisa, mapearemos os grupos existentes e descreveremos a trajetória dos
estudantes, atingindo todos os referenciais identitários acima citados.
Uma perspectiva que
compreende nossa análise vem por em debate confrontando a afirmação de que o pensamento
científico é abstraído como elemento desprendido da dinâmica social. Esse apontamento diz
respeito somente à peculiaridade da atividade científica e se distancia do entendimento do que é a
própria condição de estudante universitário e produtores de ciência. A partir disso, percebe-se a
dificuldade de se aplicar os métodos das ciências sociais para o estudo dessas atividades. Bourdieu
(2004) adentra nessa análise colocando o campo científico como pertencente ao campo social;
propõe, destarte, uma sociologia da ciência. A polêmica e a novidade deste raciocínio estão
justamente em colocar como objeto de estudo o próprio mecanismo de compreensão da realidade. A
sociologia é uma ciência, logo, adentrar num estudo de sociologia da ciência implica em desafios
que ultrapassam o caráter metacientífico do termo.
Estudar a atividade dos estudantes universitários, juntamente com o seu passado de vida, sua
identidade assumida na universidade e sua composição da grade curricular, nos ajudará a
compreender o papel que a universidade exerce na vida profissional do indivíduo e na composição
desses como sujeitos capazes de compreenderem e transformarem a realidade socialmente
construída.
Com todo o exposto de nosso objeto, frente ao panorama de constituição da identidade na
contemporaneidade, buscaremos entender como se relaciona o pertencimento de classe dos
estudantes à sociabilidade através de grupos e a influencia dessas variáveis na formação profissional
do estudante de agronomia da UFV.
3. Estruturação, reflexividade e a compreensão sobre as novas identidades.
3.1 Enveredando pelos caminhos da identidade
Mergulhar em uma discussão sobre as novas identidades na contemporaneidade exige antes
uma reflexão complementar a respeito daquilo que entendemos por homem moderno.
A modernidade é freqüentemente classificada como a ascensão de um conjunto de preceitos
no campo das idéias (Iluminismo), uma mudança no âmbito político dando fim ao antigo regime
(Revolução Francesa) e uma transição radical quanto ao modo de produção (Revolução Industrial).
Todo esse conjunto de alterações traz os elementos daquilo que chamamos de preceitos modernos.
Atualmente, a discussão que impera devido às novas demandas sociais, diz respeito às
características da contemporaneidade. Giddens (2002) nomeia essa época como alta modernidade,
nessa teríamos os preceitos modernos de forma agravada e por outro lado uma série de
características que defrontam esses preceitos. A tendência homogeneizante da modernidade não
completa seu ciclo — se assistimos à massificação, notamos também a crescente diversidade
proporcionada pela conjuntura da alta modernidade.
É sob a luz da alta modernidade que desejamos oferecer os contornos desse artigo. Antes de
adentrarmos na discussão sobre identidades é necessário entender o projeto de indivíduo que
emerge na modernidade e como esse projeto com suas diferentes perspectivas nos direciona para
um novo entendimento sobre indivíduos modernos.
3.2 Perspectivas indivíduo – sociedade, ou a preponderância do social
Com a modernidade, assistimos ao processo de individuação no qual o homem encontra-se
epistemologicamente separado da natureza. O indivíduo traz para si as explicações sobre o mundo;
através da razão desmistifica o mundo natural não se encontrando mais submisso ao medo, aos
mistérios que a natureza proporcionava4.
É na modernidade que surge o projeto científico universal, desta forma o conhecimento é
fracionado em diversas ciências, dentre elas a sociologia, que aparece para explicar de fato o mundo
moderno. Assim como quase todas as ciências sociais a sociologia em um primeiro momento foi
fortemente marcada pela influência das ciências naturais. Essa influência não se refere de todo aos
métodos e procedimentos (a prática em si científica), mas sim influenciou as abordagens, as
4
Nesse ponto, estamos abordando o caráter mítico da natureza, chamando a atenção para a relação de dádiva que havia
em relação a esta, o período analisado nessa passagem é pré-moderno. Na alta modernidade, com advento da sociedade
de risco, o medo, a insegurança em relação aos desastres naturais, adquire outra perspectiva.
concepções teóricas das ciências sociais. A corrente denominada de funcionalismo ilustra a contento
essa idéia. Nessa abordagem dá-se ênfase à função e como essa está pautada para garantir a ordem
social. Nesse conjunto de funções para estabelecer a ordem percebemos as características de uma
sociedade orgânica, onde qualquer dissonância é encarada como patologia. No funcionalismo
indivíduos seriam componentes de um ente maior: a sociedade. Durkheim possui a autoria dessa
concepção, explicitando que os comportamentos, as vontades, as atitudes não são individuais, elas
refletem sobremaneira a coerção social impelida pela sociedade. Os contornos do indivíduo seriam
marcados pela sociedade (DURKHEIM, 1996).
Com a corrente estruturalista o foco de análise se torna mais complexo, em nossa
compreensão, em relação ao funcionalismo. Posto que nessa abordagem mesmo que estrutural,
lança-se um primeiro entendimento sobre a ação do indivíduo. O estruturalismo baseia-se em
tipologias para orientar a explicação e o entendimento do que é chamado estruturas. Saussure
(2006), a título de exemplo, em sua concepção lingüística deixa claro que a linguagem é resultado
das interações sociais, porém admite que esse não é o foco de sua discussão; estuda, logo, a língua
em si, os significantes e não os significados. A estrutura lingüística estaria descolada, como
estratégia de análise, das relações sociais, sendo possível analisar seus elementos per si.
Weber quando constrói tipos ideais para orientar a explicação da realidade adentra em uma
perspectiva estruturalista. A partir dos tipos ideais geramos componentes amplos, que não
corresponderiam fidedignamente ao real, mas que podem ser utilizado como lente para
compreender um âmbito maior de análise. Apesar do individualismo metodológico percebido na
abordagem weberiana, podemos classificar no estruturalismo, de maneira abrangente, toda uma
atenção as perspectivas macro dentro da ciência social.
Concepções como o individualismo metodológico, interacionismo simbólico e o viés
antropológico do interpretativismo, dirigem os procedimentos dessas abordagens para um
protagonismo do indivíduo, para as relações face a face, pautando as análises sob um âmbito micro.
Com todo o exposto percebe-se a dicotomia micro – macro nas perspectivas sociais e o
paradoxo que pode incidir ao tentar conciliar-se o empírico às deduções de ordem geral.
3.3 Estruturação e o novo movimento teórico
Em sua revisão sobre uma série de abordagens nas ciências sociais, Alexander (1987) chama
atenção a respeito do caráter insatisfatório da micro e da macro teoria. “(...) ação e estrutura
precisam ser agora, articuladas.” (ALEXANDER, 1987, p. 6).
Giddens (2003) no intuito de contornar essa limitação lança sua teoria da estruturação, na
qual essa abarca traços da estrutura, sociedade e agência. Giddens defende que não há aspectos nas
relações face a face que não se reflitam nos âmbitos mais gerais da estrutura. Essa abordagem da
agência e estrutura é uma tentativa explícita de conciliação micro e macro.
A teoria da estruturação diferencia-se do funcionalismo porque pretende buscar um ―(...)
afastamento da tendência de ver o comportamento humano como resultado de forças que os atores
não controlam nem compreendem‖ (GIDDENS, 2003, p. XIV). Ao mesmo tempo em que esse
estudo permite a compreensão sobre as instituições ele lança um esclarecimento sobre a agência.
De modo diverso da concepção estruturalista, a abordagem das ciências sociais deveria ser
contextual. No caso da linguagem, para enfatizarmos um exemplo, essa não seria um aparato pronto
através do qual os indivíduos estariam limitados as suas regras sintáticas. Giddens ajuda-nos no
entendimento dessa limitação estrutural, inferindo a respeito da importância do contexto.
Saber uma língua significa certamente reconhecer regras sintáticas, mas,
igualmente importante, saber uma língua é adquirir um conjunto de recursos
metodológicos para, ao mesmo tempo, produzir sentenças e construir (e
reconstruir) a vida social nos contextos diários da atividade social. (GIDDENS,
1987, p. 288).
Na teoria da estruturação o foco não é o comportamento individual, nem o fenômeno em si;
tampouco o foco é inclinado à preponderância do social. Tem-se de fato o foco debruçado sobre
“(...) práticas sociais ordenadas no tempo e no espaço” (GIDDENS, 2003). Essa teoria ajuda-nos
na compreensão do afastamento espaço-tempo do contexto do lugar, em contraponto ao que ocorria
nas sociedades pré-modernas; esse distanciamento é provocado e agravado por aquilo que Giddens
chama de sistemas abstratos. Por sua vez, os sistemas abstratos constituem-se como peça chave
para se entender o conceito de desencaixe.
3.4 Desencaixe, reflexividade e a construção das novas identidades
A alta-modernidade como projeto reflexivo do eu pode ser compreendida a luz do conceito
de desencaixe. A partir de uma primeira interpretação desse conceito, percebemos que esse
mecanismo ―forçaria‖ o agente em sua atividade de reflexividade. O desencaixe de um contexto e
seu posterior reencaixe em outro distinto faz com que o agente se encontre submetido a escolhas, e
essas são feitas a todo o momento na contemporaneidade. Essas escolhas aqui comentadas são
reflexos do, e ao mesmo tempo medidas que influenciam o, contexto global. A construção das
novas identidades se relaciona ao processo reflexivo da escolha. A reflexividade, por sua vez, pode
adquirir diversos níveis, no entanto, o agente é sempre reflexivo.
A diversidade social e a amálgama de contextos vivenciados na alta-modernidade permitem
o surgimento de identidades extremadas. Indivíduos não apenas colecionam modos de vida, mas
também essas maneiras de se viver influenciam e são influenciados por fenômenos que extrapolam
o contexto do lugar.
Os estereótipos de grupos e os preceitos agravados em uma determinada ótica são diversos
e concomitantes; mas essa coexistência não significa ausência de conflitos. Como ilustração,
tomemos exemplos drásticos pelo grau de contraste: em um mesmo ambiente metropolitano onde
ocorre a maior parada gay do mundo, faz-se também palco de ação dos grupos denominados
Skinheads como contraponto de identidades. Sob cada ótica formam-se grupos de indivíduos que
reflexivamente procuram um preceito com o qual se identificam. Apenas no ramo do
entretenimento, para ilustrarmos mais um exemplo, é possível encontrar grupos inúmeros pautados
por preferências específicas.
O esvaziamento de sentido da modernidade faz com que na alta-modernidade o agente
busque um sentido deslocado em uma infinidade de opções, as mais diversas, e por isso mesmo,
mais efêmera possíveis. Ou seja, ao mesmo tempo em que ressurge um apego a tradição, notamos
também o nascimento de identidades rasas e passageiras.
O deslocamento de contextos na alta-modernidade causa aquilo que Giddens (1991)
denomina de desenraizamento social. Esse processo combinado com o mecanismo de individuação
transformando-se em individualismo faz com que indivíduos busquem grupos de afinidade como
resposta urgente ao cenário de impessoalidade moderno.
Um dos objetivos principais dessa busca (reencaixe) é a obtenção de confiança. Diante
dessa série de sistemas abstratos no mundo moderno, esse sentimento de confiança é importante
para entendermos a sociedade de risco. Esse cenário provoca uma nova dicotomia — se de um lado
o mundo moderno da impessoalidade e individualismo proporciona um grau considerável de
liberdade para o indivíduo; de outro oferece um sentimento constante de solidão. A conformação
em grupos seria então a estratégia reflexiva para escapar desse sentimento. No entanto, o indivíduo
logo se depara com um novo questionamento. Esse conforto de estar vinculado a um grupo provoca
necessariamente a perda de liberdade, uma vez que para conjugar seu pertencimento ao grupo deve
haver uma constante consonância de idéias.
Uma possibilidade de compreensão sobre o tema identidade, e esse é o aspecto instigante de
nossa abordagem, é a promoção de mecanismos coercitivos, se assim podemos chamar, em pequena
escala (a de um grupo, por exemplo), concomitante a um cenário de autonomia reflexiva em âmbito
global. Portanto, em nossa concepção, preceitos da análise micro na ciência social, como também
da análise macro, podem ser conjugados; ―tomar emprestado‖ conceitos tanto de uma quanto de
outra, para assim melhor uso fazer de uma teoria como a da estruturação. Seguindo esse viés
propositivo, um grupo pode ser alvo de processos coercitivos — no entanto isso não denotaria
ausência de reflexividade por parte dos agentes, essa ocorrendo, porém, de maneira rasa. É isso que
queremos evidenciar quando estamos falando em níveis de reflexividade. E esse entendimento por
ora exposto parece direcionar uma nova compreensão a respeito das identidades contemporâneas.
Considerações finais
Trazendo as ponderações de nossa argumentação é forçoso dizer, pelo imperativo do
costume, que não queremos esgotar a discussão, e sim oferecer apontamentos sobre como as teorias
clássicas refletem nos entendimentos e abordagens teóricas contemporâneas e, ademais, como essas
podem lançar luz para entendermos a formação das novas identidades na alta-modernidade.
Esse primeiro exercício conceitual contribuirá para a formação do pano de fundo de nossa
análise a respeito das identidades dos estudantes de agronomia. Os bicho-grilos e Agroboys são
categorias de nosso futuro trabalho aqui ocultadas devido à relevância desse mapeamento teórico
inicial e ausência de dados empíricos até o andamento da pesquisa. O direcionamento que se dará a
esse estudo pautar-se-á doravante a uma perspectiva de formação profissional, sociabilidade
estudantil em âmbito micro. Sentimo-nos encorajados a trilhar por esse novo caminho visto a
construção teórica geral de nosso pano de fundo de trabalho.
Esse contexto global de confluência de argumentos teóricos não deixa de acompanhar uma
das próprias características da contemporaneidade: a diversidade. E essa pautada em consensos e
conflitos faz com que nossa própria abordagem aqui apresentada possua as características de nosso
campo de análise, lembrando aquilo que Giddens (1987) chama de dupla hermenêutica. Nosso
entendimento sobre uma realidade não deixa de influenciar essa mesma realidade que, por sua vez,
retorna, influenciando novamente a interpretação. É nesse sentido que nos sentimos aptos a elencar
o novo movimento teórico não apenas como revisionismo e conciliação, mas como coexistência da
diversidade teórica e fundamentação inicial de nossa pesquisa.
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