_>>> Jornal Valor Econômico - CAD A - BRASIL - 17/4/2012 (20:27) - Página 16- Cor: BLACKCYANMAGENTAYELLOW Enxerto A16 | Valor | Terça-feira, 17 de abril de 2012 Especial Conjuntura Para garantir alta do PIB no longo prazo, governo deve conter gastos de custeio, avaliam economistas Receita para elevar investimento é controversa Tainara Machado De São Paulo Aumentar o investimento público é condição essencial para estimular o crescimento não apenas em 2012, mas no longo prazo, argumentam economistas de diversos matizes convidados a debater a situação da indústria e os caminhos necessários para que o setor volte a ser competitivo. Para tanto, afirmam, é preciso que o governo contenha as despesas de custeio da máquina pública e abra espaço para aumentar sua capacidade de investir, além de propiciar a conver- gência da taxa básica de juros para patamares praticados por outros países em desenvolvimento. Para além do investimento público, contudo, o restante da receita para crescer é mais controverso. Para o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira , Luiz Fernando de Paula, é necessário ainda eliminar os resquícios de indexação da economia, como a existência de títulos públicos remunerados pela Selic, herança dos tempos de hiperinflação. Para Paula, o governo tem ainda a tarefa de consertar os preços fundamentais da economia brasileira: juros e câmbio. Para isso, o economista defende intervenção maior do governo no mercado de câmbio, para assegurar que o real fique menos valorizado ante o dólar, ainda que a custa do Investimento Estrangeiro Direto (IED). “Um controle de capital mais generalizado poderia ter impacto no IED, mas a dificuldade é avaliar quais são os custos e benefícios”, afirma Paula “Se for recompensado por maior eficácia, com câmbio em nível mais interessante, acho que pode ser um risco interessante a correr.” Para Paula, o risco de fuga de capital com intervenção mais pesada do governo no mercado de câmbio é pequena: “Fugir para onde, para a Europa?” Silvia Matos, doutora em economia pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenadora do Boletim Macroeconômico do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), diz que a taxa de câmbio depende essencialmente dos termos de troca, com influência dos preços elevados das commodities no mercado externo para a valorização do real. Controles mais pesados, afirma, teriam efeitos colaterais adversos. Silvia argumenta que além do aumento dos investimentos públicos, é necessário também retomar reformas para que o país volte a ter ganhos de produtividade. O problema que a economista enxerga é a falta de coordenação e vontade política para levar adiante essa agenda. “O Ministério da Fazenda está perdido. As medidas são pontuais, geram desequilíbrios e não embutem visão de longo prazo”, diz. Para Silvia, o governo deve refrear a concessão de estímulos neste ano, principalmente para o consumo, para não correr o risco de que o país chegue ao fim do ano com um cenário de estagflação — crescimento moderado e inflação elevada — já que expansão mais forte baseada no setor de serviços e na construção civil teria como efeito novo repique dos preços e elevação do déficit em conta corrente. Promover expansão por esses canais “seria repetir os erros de 2010”, diz Silvia “O governo não deveria afundar o pé no acelerador, sob o risco de ter que pagar a conta com crescimento menor no ano seguinte, como ocorreu em 2011.” A seguir, os principais trechos das entrevistas. “Temos que fazer uma faxina “O governo não deveria nos resquícios de indexação” afundar o pé no acelerador” LEO PINHEIRO/VALOR De São Paulo Valor: É possível crescer 3,5% em 2012 com a inflação no centro da meta, como apontou o BC no último Relatório de Inflação? Luiz Fernando de Paula: Acho possível. O governo exagera ao falar em crescimento em torno de 4,5% neste ano, mas alta de 3,5% do PIB é compatível com a meta de inflação. O BC está agindo de forma a levar o IPCA para o centro da meta e, no cenário atual, de baixo crescimento econômico global, a trajetória é de convergência. Valor: Alguns economistas argumentam que neste ano o crescimento será puxado pelo consumo, mas sem a contrapartida da oferta, da indústria, o que poderia causar desequilíbrios. Paula: O crescimento no Brasil tem se dado mais pelo lado do consumo. A taxa de investimento responde, além dos investimentos do governo, à expectativa dos empresários em relação a outros setores. E a taxa de investimento não está crescendo, continua abaixo de 20% do PIB. A Índia, por exemplo, investe 30% do PIB, e não vou nem falar em China. A consequência do crescimento impulsionado pela renda e pelo crédito com lenta expansão do investimento é que a demanda, em boa medida, está sendo satisfeita por importados. Valor: A percepção de que isso é um problema ganhou força no governo. O debate neste ano parece centrado na situação da indústria. O sr. concorda? O problema é estrutural? Paula: É claro que temos problemas estruturais, sintetizados no termo custo-Brasil. Mas essa é uma questão antiga: não é de hoje que temos deterioração da infraestrutura no país. A conclusão, então, é que o problema não é só estrutural, há questões conjunturais que agravam a situação. A taxa de câmbio teve valorização real de 26% desde maio de 2006. Temos problemas estruturais e problemas conjunturais, derivados da persistência do boom de commodities. A indústria está no osso. Valor: O governo já sinalizou que não vai deixar o real ganhar mais força. Ampliar as restrições para entrada de capital no país poderia espantar o investidor estrangeiro? Paula: Sim, é um risco. O governo está conseguindo segurar o patamar de R$ 1,80 por dólar. Talvez possa adotar outras medidas, mas a impressão é que só intervém quando há valorizações abruptas ou forte perda de valor do real. Pela política passada, o governo não vai intervir de forma mais pesada no câmbio e tentará compensar isso com a política industrial. Valor: Como o sr. avalia a política industrial do governo Dilma? Paula: Não adianta fazer boa política industrial sem coordenação com a política macroeconômica. Enquanto a taxa de juros real continuar elevada e o câmbio fortemente apreciado, fica difícil qualquer política industrial ter efeitos mais importantes. Acho que o governo Dilma fez algumas mudanças que me pareceram no caminho correto, mas o BNDES continua um balcão para todo mundo. Política industrial significa utilizar instrumentos para estimular setores importantes para a cadeia, apostas que envolvem escolhas. Por causa da política macroeconômica, que corrói a competitividade da indústria, o Luiz Fernando de Paula: “Crescimento tem se dado mais pelo lado do consumo” governo adota políticas defensivas para compensar essa deterioração. É nesse sentido que enxergo o pacote de desoneração de folha de 15 setores da indústria e de reforço no repasse ao BNDES. No atual contexto, entretanto, é melhor do que não fazer nada. Valor: O governo estimula mais o consumo do que o investimento? O governo deveria ter papel de indutor dessa transição? Paula: A opção do governo tem sido por políticas redistributivas, com crescimento do consumo, aumento do salário mínimo e até mesmo valorização cambial, que torna a cesta de bens mais barata. Por outro lado, isso tem um preço no caso, crescimento aquém do potencial. A transição exigiria uma política, que o governo faz apenas parcialmente, de redução de juros e ação mais ativa no câmbio. Mas como fazer isso? Há um fundo de estabilização que poderia ser utilizado. Em relação ao IED, controles de capital mais generalizados poderiam ter impacto, mas a dificuldade é avaliar quais são os custos e benefícios. Se o arrefecimento for recompensado por maior eficácia, com câmbio em nível mais interessante, acho que pode ser um risco interessante a correr. Valor: O sr. avalia, então, que controle de entrada de capitais seria uma maneira mais eficiente de lidar com problemas que o país enfrenta? Paula: Acho que o governo está certo no sentido de introduzir controles. Por enquanto, as medidas foram mais amigáveis ao mercado. Mas temos outros instrumentos, como as quarentenas. Acho necessário reavaliar se o mercado de derivativos de câmbio deveria continuar funcionando, porque acaba sendo elemento de especulação. Valor: Isso não poderia incitar uma fuga de capital? Paula: Fugiria para onde? Para a Europa? Acho que pode arrefecer, claro, mas não vejo saída mais forte. A avaliação do riscopaís melhorou, melhorou até demais. Estamos sofrendo problema inverso, as pessoas estão acre- ditando demais no Brasil. Valor: Há um argumento de que para investir mais, e ampliar o potencial da economia, é necessário ter taxa de poupança maior, o que tem um custo social embutido. Podemos esperar por isso, diante das escolhas eleitorais já feitas? Paula: Tenho visão um pouco diferente dessa questão. O que é fundamental do ponto de vista da geração de poupança para o investimento é que haja perspectiva de crescimento da economia no longo prazo. Umas vez que os empresários estejam decididos a investir, vão encontrar fontes de financiamento adequadas. O investimento gera poupança correspondente sem maiores problemas. Mas é preciso encontrar formas mais adequadas de financiamento de longo prazo. Apesar do crescimento recente, ainda não temos papéis corporativos com vencimento em 15 anos, é preciso uma política para fomentar mercado de capitais. Valor: O país tem capacidade de crescer algo como 5%, no longo prazo? Paula: Diria que sim. Teríamos que consertar os preços fundamentais da política macroeconômica — juros e câmbio — que ainda não propiciam esse crescimento. Temos ainda que fazer faxina nos resquícios de indexação financeira, acabar com as LFTs, títulos indexados à Selic que ainda representam 30% da dívida pública. Em terceiro lugar, temos que abrir espaço para investimento público, ao segurar as despesas de custeio. O governo Dilma está sendo firme, mas ainda está pagando a conta dos últimos anos do governo Lula. Valor: Parte dessas condições depende de vontade política. Ela existe? Paula: Sem dúvida é preciso vontade política, no sentido de enfrentar interesses estabelecidos. Não é fácil sair do curto-prazismo. Diminuir a parcela da dívida pública indexada a Selic significa que o Tesouro tem que pagar um prêmio de risco para trocar por dívida prefixada, e a disposição do governo neste particular parece tímida. (TM) LEO PINHEIRO/VALOR De São Paulo Valor: O risco de chegarmos ao fim de 2012 com um cenário de estagflação, com crescimento inferior a 3% e inflação no teto da meta, como apontado no último “Boletim Macro” do Ibre, é significativo? Silvia Matos: No boletim anterior, de fevereiro, debatemos que a indústria está enfrentando desafios significativos, como o custo unitário do trabalho, que tem aumentado muito. Não são todos os setores que estão sofrendo, claro, mas parece que a indústria como um todo está perdendo competitividade, o que pode ser mais permanente. E essa situação pode levar a um desequilíbrio inflacionário. Embora a inflação dê sinais melhores no início deste ano, com alimentação mais bem comportada e os serviços também ajudando um pouco mais, a alta dos preços ainda será forte. Projetamos que o IPCA avance 5,2% em 2012. Se descontarmos alimentação, um item muito volátil, a alta é ainda maior, de 5,5%. Caso ocorra um evento inesperado, como um choque de commodities, por exemplo, em um cenário que temos uma indústria sem reação, com certeza teríamos desequilíbrios econômicos. Dito isso, a reflexão é que 3% já será um bom crescimento em 2012, porque crescer sem oferta, sem indústria, é perigoso. O governo deveria aceitar um crescimento menor neste ano para não comprometer a inflação e conseguir assim gerar crescimento lá na frente. Valor: Mas se a indústria enfrenta problemas estruturais, o que alteraria esta relação para que o país pudesse crescer mais já em 2013? Silvia: Até agora, a produção industrial nos países desenvolvidos não recuperou os patamares anteriores à crise, então essas indústrias estão enfrentando ociosidade da capacidade, excesso de oferta disponível e falta de demanda nos mercados. A nossa indústria, que é ineficiente, sofreu muito com essa competição. Se as economias desenvolvidas voltarem a crescer mais no próximo ano, a vida da indústria ficará mais fácil, já que a atenção estará menos voltada para o mercado brasileiro. O problema é que a situação corrente do setor industrial tem trazido pontos negativos para o debate, como a tentativa de resolver as questões com protecionismo. A desoneração da folha de pagamento já ajuda, mas não resolve. O receio é que o governo tente garantir um crescimento maior por meio do setor de serviços, ao incentivar o consumo. O problema é que o resultado pode ser inflacionário e ainda prejudicar o balanço de pagamentos. Acredito que PIB de 4,5%, como quer o governo, traria aumento da inflação e piora das contas externas. Seria a repetição do erro de 2010. O governo não deveria afundar o pé no acelerador sob o risco de ter que pagar a conta com crescimento menor no ano seguinte, como ocorreu em 2011. Valor: No ano passado, o debate econômico ficou bastante centrado na inflação. Neste ano, há um aparente deslocamento para a situação da indústria e a questão cambial... Silvia: Acredito que políticas muitos incisivas de controle de câmbio podem afugentar investidores estrangeiros. O câmbio não é a causa principal para o problema Silvia Matos: “O governo deveria aceitar um crescimento menor neste ano” que a indústria está enfrentando. O controle do câmbio tem efeitos colaterais adversos. Um exemplo é a inflação. Ao proteger a indústria automobilística e elevar o custo do veículo importado, estamos também encarecendo o produto, que agora tem peso maior na composição do IPCA, de 3,6%. Um dos fatores que nos ajudou a controlar a inflação nos últimos dez anos foi a valorização do câmbio, que permitiu preços menores de bens comercializáveis, por exemplo. Se o patamar da taxa de câmbio se estabilizar, não teremos mais essa ajuda e a inflação de serviços continua muito elevada. Valor: Qual é a saída para controlar a inflação de serviços? Forçar uma queda mais rápida exigiria alta forte da taxa básica de juros? Silvia:Seria custoso para a economia manter a inflação em 4,5% com os preços dos serviços mantendo o comportamento atual. Seria necessário que o governo repensasse, por exemplo, a política de valorização do salário mínimo, pois a atual joga o ônus de problemas estruturais da economia para a política monetária. Valor: O trade-off entre inflação e crescimento piorou? Silvia: Piorou. Em algum momento, a inflação de serviços terá que cair para termos equilíbrio na economia. Fazer política monetária hoje está muito mais difícil. A economia se desacelerou muito rápido, talvez por motivos mais estruturais. Há o componente da crise internacional, mas essencialmente o problema é interno. Valor: O que o governo pode fazer para reverter esse processo? Silvia: Não são problemas de fácil solução. O setor público tem que investir mais. Temos três variáveis essenciais para impulsionar o crescimento e uma delas é o estoque de capital, que pode ser elevado com aumento dos investimentos públicos e por meio de incentivos ao setor privado, como a redução do custo de crédito. O outro é o trabalho. Nos últimos anos, houve redução forte do desemprego, mas no longo prazo a população economicamente ativa deverá crescer menos e esse componente dará contribuição menor ao crescimento, a não ser que haja esforço maior de qualificação de mão de obra. Mas, de importância ainda maior, temos um fator residual, que é a produtividade. Durante o primeiro mandato do presidente Lula, a agenda de reformas estava na pauta e houve avanços, como a aprovação da Lei de Falências em 2005. No ano passado, a produtividade não cresceu e a expansão da economia foi muito baixa. Valor: Como a sra. avalia a concessão de estímulos para a economia? Silvia: Estou um pouco preocupada com a sinalização de que o governo quer reduzir o custo de crédito rapidamente, por meio dos bancos públicos, porque o endividamento das famílias está elevado, então não é natural forçar o consumo em função do crédito mais forte. Essa situação tem que ser movida pela oferta e pela demanda, que já está dando sinais de estar mais acomodada neste início de ano. Depois da crise, o crédito livre não cresceu tanto, foi o crédito direcionado principalmente que puxou essa expansão recente. São excessos que possivelmente podem gerar um desequilíbrio no futuro. Forçar a redução do spread bancário, como quer o governo, é bom, mas não é natural, porque uma parte dele é lucro dos bancos, mas há também tributação, outros motivos que são estruturais. Temos a necessidade de atacar a agenda de reformas, que está paralisada. Valor: Há vontade política para essa retomada? Silvia: O que me assusta é que o Ministério da Fazenda, hoje, está perdido, sem agenda. As medidas são pontuais, não embutem visão de longo prazo. A minha maior crítica é para a Fazenda, porque é ele que tem que contribuir para pensar agenda de médio e longo prazo para elevar a produtividade da economia. (TM)