MÉTODOS QUANTITATIVOS NA CONTABILIDADE Profº Sérgio de Iudícibus O Mito e os Limites dos Métodos Quantitativos Informado de que um matemático descobrira uma prova da existência de Deus, Diderot, o famoso enciclopedista, compareceu a uma reunião, sem saber quem seria o interlocutor. Acontece que esse era Euler, talvez o mais ilustre matemático da época, conhecido pela sua irreverência. Em tom de desafio, perante seleta audiência, Euler fez a Diderot a seguinte pergunta: a bn x , donc, Dieu existe; n RÉSPONDEZ!... Diderot, que era absolutamente leigo em álgebra, não soube o que responder e abandonou a sala, sob risos da audiência. Esse episódio, verídico, retrata um pouco o mito representado pelos métodos quantitativos. Muitos, como Diderot, têm um temor reverencial pelo assunto e 1) fogem apavorados ao simples enunciado de uma fórmula, ou 2) atribuem poderes sobrenaturais à mesma. Talvez o melhor teria sido para Diderot (e para nós) entender que a matemática nada mais é do que uma linguagem mais poderosa do que a falada e escrita usualmente. Em português, poderíamos dizer: “pode-se obter uma quantidade X, primeiro somando A um número a um número B multiplicado por si mesmo um certo número de vezes, e depois dividindo tudo pelo número de vezes por que se multiplicou B. É evidente que a linguagem comum, mesmo numa situação simples como esta, é extremamente inadequada para tal tipo de proposição. Os contadores utilizam-se de forma implícita de métodos quantitativos, entretanto, por ser implícita (ou apenas aritmética) perde-se a memória de tais cálculos e não têm poder preditivo. Exemplo: Vendas dos 6 primeiros meses do ano: (Em Cz$ do mês 6) Mês Mês 1 Mês 2 Mês 3 Mês 4 Mês 5 Mês 6 Venda Diferença 150.000 -16% 175.000 -2% 212.000 +19% 98.000 -45% 350.000 +96% 88.000 -51% Normalmente o contador compara tal relatório com as vendas dos mesmos meses do ano anterior ou com a média das observações, mas não elabora mais nada, além disto. Acima, colocamos também a diferença percentual de cada observação com relação à média (Cz$ 178.833,33). Contudo tais porcentagens possam ser ilustrativas, não extraem toda a potencialidade de informação dos dados. A Estatística Descritiva calcularia (obviamente, um exemplo com apenas 6 observações não é muito válido): Média ..................Cz$ 178.833,33 Mediana ...............Cz$ 162.500,00 Desvio Padrão ......Cz$ 95.946,69 Range ....................Cz$ 262.000,00 (também facilmente calculado pela contabilidade) Mínimo ..................Cz$ 88.000,00 (idem, idem) Máximo ..................Cz$ 350.000,00 (idem, idem) Se o contador achar que talvez exista um relacionamento entre o mês (tempo) e as vendas, poderia testar esse “feeling”. Calcularia: Correlação de a (interceptor) = 5,63% (baixa) $ 168.733,33 b (coeficiente angular) = $ 2.885,71 Obviamente, um R tão baixo indicaria que pequena parte da variação de vendas (escolhida como variável dependente) foi devida à variação do tempo (como não poderia deixar de ser, normalmente). As médias trimestrais, todavia, são bastante próximas: primeiro trimestre, Cz$ 179.000,00; segundo trimestre, Cz$ 178.666,67. Isto poderia levar-nos a aplicar outras técnicas, como a médias móveis, etc. Verifique que os parâmetros acima calculados, numa HP 18C, levaram apenas cerca de 2 minutos para sê-lo, confirmando ou desmentindo vários “feelings” que o gerente possa ter tido, ou, simplesmente, dando medidas importantes. Não foi possível, no caso, estabelecer um “modelo”. Mas, temos muito mais informação do que a contábil possa fornecer. Verifique que, tanto contabilidade quanto estatística partiram do mesmo parâmetro, a média das observações. Outro Exemplo: Observações Custos Indiretos Horas/Máquinas de Fabricação Cz$ 1 50.000 4.990 2 60.000 6.024 3 30.000 3.000 4 80.000 8.139 5 45.000 4.327 6 99.000 10.421 Note que, num caso como este, dificilmente conseguiríamos estabelecer um modelo (por mais cuidados que devamos ter ao projetar os resultados do modelo). Estatisticamente, todavia, facilmente estabelecemos: CIF = $ 3.886,52 + 9,23 HM R = 0,999! Isto é, existe uma parcela fixa de Cz$ 3.900 aproximadamente e, para cada horamáquina, incorremos em Cz$ 9,23 de Custos Indiretos de Fabricação. Apesar de todos os cuidados com que devemos utilizar esse modelo (vistos no módulo de estatística) isto é muito mais do que um simples cálculo aritmético poderia fazer: poderíamos afirmar que o custo médio ponderado para cada hora máquina é de $ 9,86. Isto é muito pouco para projeção, pois inclui a parcela fixa e variável. Com um pouco mais de esforço (pelo método de máximos e mínimos) calcularíamos um coeficiente angular de Cz$ 9,30 e um custo fixo de Cz$ 2.085,00. Entretanto, mesmo que grosseiro, estamos aplicando um modelo (traçando uma linha reta unindo apenas dois pontos, de máximo e mínimo). Evolução da Aplicação de Métodos Quantitativos A contabilidade foi talvez a última das disciplinas ligadas à administração a se utilizar explicitamente de modelos a partir dos dados primários existentes no sistema contábil de informação. Antes dos Contadores: Engenheiros Pesquisadores Operacionais Cientistas Empregados no esforço de guerra Aplicaram métodos quantitativos, não apenas em suas áreas de atuação, mas aos dados do sistema de informação contábil e financeiro. Historicamente, todavia, merecem menção algumas aplicações operacionais que fizeram uso de métodos quantitativos e que, em alguns casos, propiciaram a criação de certas metodologias quantitativas: ( o fato ou a necessidade propiciando o avanço da ciência). No fim da década de 50, a Marinha Norte-Americana defronta-se com uma tarefa monumental, qual seja: equipar sua frota de submarinos nucleares com mísseis balísticos polaris. Um novo método quantitativo, denominado PERT (Program Evaluation and Review Technique) foi criado e utilizado para estabelecer prazos e coordenar os esforços de centenas de contratadas. Os bancos comerciais podem utilizar análises administrativas para decidir quantos caixas são necessários em várias oportunidades durante a semana, de forma que a jornada de trabalho possa ser racionalizada e os clientes gastem o tempo mínimo necessário esperando na fila (obviamente, o BANESPA da Cidade Universitária não se utiliza de tais técnicas). Empresas podem utilizar métodos quantitativos para determinar onde localizar seus armazéns, filiais, lojas, etc., a fim de minimizar os custos de transporte, armazenamento, manuseio, etc. As empresas e os analistas podem empregar métodos quantitativos para maximizar lucros (margens de contribuição) em combinações de produtos ou para minimizar custos (em industrias de rações, por exemplo). Já uma aplicação contábil! Planejamento de estratégias de campanhas políticas: uma aplicação interessante de métodos quantitativos ocorreu durante uma campanha para senador nos EUA. Pelo uso de métodos quantitativos, a fim de identificar importantes características de pequenas unidades geográficas através do estado, um candidato conseguiu concentrar os gastos da campanha nas poucas que seriam mais lucrativas sob o ponto de vista de resultado político. As Mais Importantes Aplicações de Métodos Quantitativos em Problemas Contábeis Aplicações de Estatística Descritiva: Para determinar certos parâmetros de tabelas de dados: Média, Desvio Padrão, Mediana, Moda, etc. Matemática Financeira Estimação de Modelos de Itens de Custos Análise de Regressão Curva de Aprendizagem Aplicações em Álgebra de Matrizes Principalmente em problemas de Rateio de Custos Controle de Custos e Técnicas Estatísticas Gráficos de Controle Significância de Variações Decisões de Investigar ou Não-Custo/Benefício Modelos de Inventários Sistema Determinístico Sistema Probabilístico Programação Linear Problema de Maximização de Margens Problemas de Minimização de Custos Outras Metodologias Menos Utilizadas (ou de Utilização Incipiente ou Crescente) Programação Não Linear: em problemas de custos de co-produtos e sub-produtos. Programação de Metas: permite uma especificação ordinal e solução para um problema com várias metas. Processos de Markow: uma sofisticação de matrizes para certos problemas de alocação contábil. Simulação: simulação através de computadores provê um meio de analisar sistemas complexos quando os modelos matemáticos clássicos não são aplicáveis. Problemas de administração de estoques, orçamento de caixa e de capital são algumas das aplicações contábeis. Todo o sistema de demonstrações financeiro-orçamentárias poderia ser simulado, segundo várias alternativas para a ocorrência de certos parâmentros – vendas; etc. Análise Discriminante: em problemas de análise de crédito e em certos problemas de rateios (Profº Stephen Kanitz faz uso intensivo desta técnica, na USP) Modelos de Insumo-Consumo: para contabilização em partidas dobradas sem utilização dos livros Diário e Razão. Exemplos (entre os mais simples) Exemplo 1 – Empresa Manes: Aplicação de Curva de Aprendizagem em processo fabril não estabilizado Exemplo 2 – Empresa Variável: Aplicação de noções básicas de Estatística na Análise e Investigação de variações entre orçado e real. Conclusões e Horizontes da Aplicação de Métodos Quantitativos na Contabilidade Uma palavra de alerta: Nenhum modelo quantitativo, por mais sofisticado que possa parecer, irá substituir, por parte do analista, o conhecimento da empresa, do mercado em que ela atua, do eco-sistema que a circunda e de outros fatores qualitativos, sempre os mais importantes em qualquer análise. Por outro lado, freqüentemente, a utilização de tais métodos pressupõe a existência de dados primários inteiramente confiáveis e que já tenham sido mensurados. Em nossa realidade brasileira, muitas vezes, se estamos numa pequena ou média empresa, não há condições nem pessoas para levantar tais dados e muito menos para aplicar tais técnicas. Quando a empresa é de porte, outras vezes, principalmente se é uma multinacional, acaba aplicando “pacotes” de técnicas de análise importados e acabados. Apesar das limitações expostas, consideramos que a aplicação de métodos quantitativos na contabilidade é uma tendência inegável nos negócios. Nos últimos 10 anos cresceu bastante tal aplicação. O interesse na participação de cursos – oferecidos a empresas – e que tratam de tais métodos, é um indício. Parece prevalecer, nos empresários, a idéia de que, mesmo que seus empregados e executivos não os utilizem imediatamente (ou quem sabe nunca) eles servem, pelo menos, para treinar suas mentes para atitudes mais analíticas. O interesse por tais métodos cresce sempre que sua aplicação seja acoplada ao uso de microcomputadores.