arte, loucura, terapias

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VANIA DE FREITAS DANTAS
ARTE, LOUCURA, TERAPIAS – UMA REFLEXÃO CONTEMPORÂNEA
(O HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
E AS OFICINAS TERAPÊUTICAS)
Dissertação apresentada ao Instituto de
História da Universidade Federal de
Uberlândia como exigência parcial para
a obtenção do título de Mestre em
História sob orientação da Profª Drª
Karla Adriana Martins Bessa.
Uberlândia - UFU
2006
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de
Catalogação e Classificação
D192a Dantas, Vânia de Freitas, 1970Arte, loucura e terapias : uma reflexão contemporânea (o
Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia e
as Oficinas Terapêuticas / Vânia de Freitas Dantas. - Uberlândia, 2006.
170f. : il.
Orientador: Karla Adriana Martins Bessa.
Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de
Uberlândia, Pro-grama de Pós-Graduação em História.
Inclui bibliografia.
1. Loucura - Teses. I. Bessa, Karla Adriana Martins. II.
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de PósGraduação em História. III. Tí-tulo.
CDU:
616.89-008
1
VANIA DE FREITAS DANTAS
ARTE, LOUCURA, TERAPIAS – UMA REFLEXÃO CONTEMPORÂNEA
(O HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
E AS OFICINAS TERAPÊUTICAS)
Este exemplar corresponde à redação final
Da dissertação defendida e aprovada pela
Comissão Julgadora em 6/9/2006.
___________________________________________________
Dra. Karla Adriana Martins Bessa (Orientadora)
___________________________________________________
Dra. Jacy Alves de Seixas
___________________________________________________
Dra. Nádia Maria Weber Santos
Uberlândia - UFU
2006
2
DEDICATÓRIA
À dificuldade, mãe de todas as conquistas.
Aos homens e mulheres que nos inspiraram a nos construir.
Aos filósofos que pensaram o homem concreto e também a:
Clarice Lispector – que agora é uma estrela.
Renato Russo – o sistemático e rebelde.
Raul Seixas – o maluco beleza.
Van Gogh – o obstinado pelo reconhecimento, com necessidade de se expressar.
3
AGRADECIMENTOS
Aos amigos que chegaram no momento certo e derradeiro, como a dizer que o sonho era
possível, reavivando minhas esperanças para que continuasse.
À professora Cristina Inácio, quem primeiro acolheu o tema e abriu-me as cortinas para
seu vasto conhecimento e amizade, ensinando-me a arte da orientação educacional.
Ao professor Vidigal Fernandes, pela capacidade motivacional e apoio ativo.
Ao professor Sérgio Paulo, pela presteza em encorajar-me quando este era apenas um
pré-projeto.
À professora Christina Lopreato, quem acolheu minhas reflexões poéticas, fazendo-me
crer na composição de um estilo.
À professora Maria Clara Thomaz Machado, pela atenção dada a nossa pesquisa e pelo
seu interesse em compartilhar tantas informações úteis e frutificantes para a composição
do trabalho.
À professora Karla Bessa, com quem compartilho o gosto por formas teóricas e
culturais, pela orientação.
À Riciele, pelas informações sobre os trabalhos de campo realizados no serviço público
de Saúde Mental de Uberlândia.
Aos colegas de mestrado e a todos com quem discutimos o tema, pelas palavras e idéias.
Aos amigos Márcio, Marta e Carlos pelo apoio na localização de bibliografia, pelas
trocas científicas e pelas revisões em todo o curso do trabalho.
À minha família, pelo entendimento do processo de conviver.
4
RESUMO
Esta pesquisa é sobre o retorno da aceitação do discurso da loucura, que
aparece em atividades em geral, como as sócio-recreativas, ocupacionais, terapêuticas,
familiares, produtivas e artísticas, a partir da mudança na forma de entendimento da
loucura e das formas de ação das instituições da loucura, permeadas pela ação do
Estado, através de leis. Considerando a loucura não somente como afecção orgânica,
mas principalmente como resultado das interações sociais, nada mais lógico que tratá-la
(pela terapêutica, que envolve a clínica e a noção de doença ou de desvio de
comportamento) ou acompanhá-la (pelo saber das ciências humanas) através de meios
que focassem as relações sociais de forma a resgatar o potencial de interação do sujeito.
Assim, fomos guiados inicialmente pelo campo epistemológico da loucura como desvio
da norma comportamental, segundo Foucault e Sasz, seja por desencadeamento
orgânico ou ambiental, e encaminhada, numa sociologia, para a noção de construção
histórica do sujeito na luta pela superação de si e composição de uma
individualidade/identidade. Um primeiro passo para tal superação é a construção do
sujeito autêntico, através da aceitação da expressividade do louco pela sociedade e pelo
saber médico, nas oficinas terapêuticas, especialmente a de artes plásticas. A aceitação
da fala da loucura foi estudada através da experiência com Oficinas Terapêuticas na
Clínica de Psicologia da UFU no período 1991-1998, identificando os discursos
envolvidos nesta experiência de subjetivação do sujeito da loucura, examinando para
tanto o contexto no qual se situa o saber médico-psiquiátrico, a fala do Estado através da
legislação sobre saúde mental, o discurso científico da psicologia, da filosofia e a
atividade da rede de saúde mental federal, estadual e municipal, que institucionalizou a
prática das oficinas através dos Centros de Atenção Psicosocial – CAPS, que integram a
rede de atenção aos usuários dos serviços de saúde mental. Procuramos reunir loucura e
arte, objeto e forma terapêutica, a partir de um entendimento humanizador das
instituições que lidam com o ser humano.
Palavras-chave: arte terapia, história, hospital, psiquiatria.
5
ABSTRACT
This research is about the return of the acceptance of the insanity speech, which appears
in activities in general, as the social-recreative , occupational, therapeutical, familiar,
productive and artistic ones, from changes in the insanity understanding form and from
the action forms of the insanity intitutions permeated by the action of the State, through
the law. Considering the insanity not only as an organic affection, but mainly as a
result of social interactions, it´s nothing more logical than treat it ( by the therapeutical,
which involves the clinic and the disease notion or the behaviour deviation) or
accompain it ( by the knowledge of the human science) through the ways that would
focus on the social relationships in order to rescue the subject interaction potential. So,
we were initially guided by the insanity epistemological field as deviation of the
comportamental norm, according to Focault and Sasz, either by environmental or
organic delinking, and lead, in a sociology, for a notion of the historical construction
of the individual fighting for his surpassing and composing of an individuality/ identity.
The first step to such surpressing is the construction of the authentic individual, through
the acceptance of the expressivity of the mad one by the society and by the medical
knowledge in the therapeutical workshops, specially the plastic art ones.The acceptance
of the insanity speach was studied through the experience with Therapeutical
Workshops in the psicholycal clinic of UFU in the period of 1991 - 1998 , identifying
the involved speeches in this subjectivity experiment of the insanity subject, examinig
for this reason the context in which the psychiatrist medical knowledge is placed, the
voice of the State through the rules about mental health , the psychologist scientific
speech, from the philosophy and the activity of the municipal, state and federal mental
health net, that established the practice of workshops through the Psycho-Social
Attention Centres, CAPs, which integrate the attention net for the mental health services
users. We tried to meet insanity and art, object and therapeutical form from a
humanization understanding of the institutions which deal with human beings
Key words: art, therapy, history, hospital, psychiatry
6
ÍNDICE
INTRODUÇÃO.................................................................................................................
8
CAPÍTULO I – LOUCURA COMO TRANSGRESSÃO E INCÔMODO......................
Terapia Ocupacional e entendimento da diferença............................................................
Psicologia e psiquiatria......................................................................................................
Paralelo com a arte terapia em outras cidades...................................................................
29
29
40
59
CAPÍTULO II – INSERÇÃO E ADAPTAÇÃO ..............................................................
O plano cultural.................................................................................................................
Aspecto moral....................................................................................................................
A rede de saúde em Uberlândia.........................................................................................
Oficinas terapêuticas em Uberlândia.................................................................................
Loucura como mito............................................................................................................
O Hospital de Clínicas da UFU .........................................................................................
A regulamentação sobre saúde mental...............................................................................
62
62
63
64
66
74
75
93
CAPÍTULO III – TERAPIAS E MODIFICAÇÕES INSTITUCIONAIS.........................
Classificações da loucura...................................................................................................
A clínica.............................................................................................................................
Formas de diagnóstico.......................................................................................................
As terapêuticas no tempo...................................................................................................
Terapêuticas físicas............................................................................................................
Os psicotrópicos.................................................................................................................
O início da praxisterapia....................................................................................................
O estudo psiquiátrico da arte..............................................................................................
Psiquiatria e equipe multiprofissional................................................................................
Terapêuticas no Brasil........................................................................................................
A reforma psiquiátrica nos anos 80 e 90............................................................................
O outro lado da democratização da saúde..........................................................................
O Hospital de Clínicas........................................................................................................
O saber e o fazer.................................................................................................................
Reavaliar a verdade da loucura e reinscrevê-la na sociedade.............................................
Mudanças nas práticas terapêuticas psiquiátricas...............................................................
A prática da arte terapia na Clínica de Psicologia – Discussão dos elementos ..................
95
95
98
103
106
107
112
114
114
118
119
128
136
138
141
143
146
148
CONCLUSÃO....................................................................................................................
151
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................
156
7
INTRODUÇÃO
Em vez do manicômio, uma espécie de fábrica para o conserto de panes humanas,
precisamos de um local onde as pessoas que viajaram mais longe e, por conseguinte, talvez
estejam mais perdidas que os psiquiatras e outras pessoas sadias,
encontrem seu caminho mais profundamente no espaço e no tempo interiores
e possam regressar.
R. D. Laing
Seja da arte tomada como louca pelo poder autoritário, seja do
desatino tendo vez e voz na criação artística, seja da apropriação das
artes pelas terapias, seja da apropriação da psicanálise pelas artes, o
que se desenvolve é a possibilidade de entrever os desenhos dessa
interação, vislumbrar uma outra arquitetura possível.
Eleonora Antunes
Nossa trajetória teórica se iniciou com os cursos de Licenciatura em Filosofia e
Especialização em Filosofia Clínica1. Com o intuito de entender a face empírica da
existência, buscamos a temporalidade, com a História, o que levou à investigação sobre
as terapias ministradas aos pacientes psiquiátricos do Hospital de Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia – UFU, especificamente a arte como terapêutica,
tema motivado no início dos anos 90 por uma reportagem sobre a arte dos loucos,
assistida no telejornal local. Nesta busca, deparamos com vários obstáculos, como a
falta de fontes documentais e a dificuldade em encontrar interlocutores para discutir
sobre a história da psiquiatria em Uberlândia, levando-nos à hipótese sobre o saber
médico como campo em que parece pairar certo receio sobre possíveis irregularidades
que uma investigação mais séria pudesse revelar. Desta forma, tínhamos como recorte, a
princípio, o Hospital de Clínicas de Uberlândia - HCU, criado em 1970; depois, já no
final da pesquisa, percebemos que o foco das atenções seria a Clínica de Psicologia da
UFU, por ser o lugar primordial de realização das oficinas terapêuticas de que trata este
trabalho, de 1991 a 1998.
Portanto, teve-se descoberta de que o Hospital de Clínicas não contou com
atividades regulares de arte terapia, como se imaginava, no início dos anos 90; apenas a
partir de 1996, pautado pela Portaria 224 de 1992, a instituição passou a contar com um
profissional específico para realizar atividades com os pacientes psiquiátricos com a
contratação de uma Terapeuta Ocupacional. Tem-se a noção de que a reforma
1
Entendimento da psique através da abordagem filosófica.
8
psiquiátrica no Hospital de Clínicas, entendida aqui como mudança de procedimentos
em relação ao modelo biológico, ocorreu com atraso em relação a outras instituições no
Brasil devido a ser um hospital universitário, vinculado a ensino e pesquisa, daí seu
perfil acadêmico conservador, voltado para a medicalização.
Importa dizer o que este texto não é para se evitar posteriores críticas; passa-se,
então, a dizer o não-ser deste trabalho. Dito um dia por Parmênides que o não-ser não
pode ser dito, não poderia sequer ser nomeado, porém, como se trata de um assunto
paralelo à racionalidade, e conhecendo as outras facetas da mesma, busca-se o que o
trabalho não é, furtando-se as explicações em áreas que vêem diferentemente a loucura
e a expressão da vida interior. Este trabalho não dança com a psicanálise, não endossa a
teoria sociológica, não se aprofunda em métodos psiquiátricos, não perscruta a filosofia
da mente, não se esforça em encaixar-se na teoria artística, não delimita espaços
historiográficos únicos e irrepetíveis.
Como a arte pode se mesclar às terapêuticas em torno da loucura? A meta
deste texto não é demonstrar ou interpretar as obras feitas pelos pacientes psiquiátricos,
mas mostrar a arte como uma atividade possível a eles, como coadjuvante do
tratamento. Analisa-se o processo consciente, ou seja, de intencionalidade2 como
direcionamento da atenção, naquele momento em que se realiza algo.
Nesta dissertação, ao tratar do tema “arte”, são utilizados termos como:
terapia, expressão, criatividade e intencionalidade, sendo este último em substituição a
“inconsciente”, o que significa que não serão grafados termos psicanalíticos nem
psicológicos para explicar o processo terapêutico pela atividade artística; assim, não
serão feitas interpretações de desenhos sob a ótica freudiana ou junguiana, como é
comum observar em obras sobre a produção artística dos chamados alienados.
Apresenta-se, a seguir, uma possibilidade de existência, uma outra realidade
diferente para cada indivíduo pesquisado, para cada instituição visitada, mas igual para
todo o conjunto humano que, ainda absolutamente padronizado e pasteurizado, talvez
enfrente momentos de crise quanto a si mesmo e a sua existência, paradigmas da
questão da psique.
O interesse pelos artistas loucos, pelos ditos “loucos” que realizam façanhas na
arte ou nas suas próprias existências, foi um dos motivos da paixão por este tema. Citar
a bibliografia clássica a respeito da loucura foi parte do caminho tomado para a
2
Conforme o conceito de intencionalidade como ‘aquilo para o que se direciona a atenção’ de John
Searle, Intencionalidade, São Paulo: Martins Fontes, 1995.
9
composição deste destrinchamento de teorias, também tendo em vista as novidades na
área da psiquiatria, a fim de que não se ficasse aquém das explicações médicas sobre os
casos. Mas também não é esse o ponto de discussão: a referência à psiquiatria neste
trabalho significa concordar que a loucura foi entregue ao saber psiquiátrico por muito
tempo e que hoje está começando a ser partilhada multidisciplinarmente.
Assim, entende-se que é necessário analisar as manifestações do louco como
um discurso para compreender a “fala da loucura” e os momentos em que é negada ou
aceita na sociedade. Esse estudo exigiu muito além da razão; a própria sensibilidade,
intuição e a compreensão sobre um outro mundo, povoado por uma lógica própria,
mesmo que fosse totalmente sem lógica para os ditos “normais” e se configurasse como
rica em imagens fantasiosas e de outra realidade.
Todo este relato não tem por base apenas a pesquisa bibliográfica que
3
Foucault , Porter, Sasz e Mackay realizaram sobre séculos de história da loucura.
Adentra-se pelas portas das instituições para conhecer o seu ambiente e as práticas
impostas aos internos e usuários. Conversa-se com as testemunhas de um tempo
próximo no qual existe, entre outros movimentos, a transição dos meios biológicos de
tratamento para a concepção de uma terapêutica do Ser.
O resultado de toda a pesquisa empreendida é uma tentativa de entender como
os profissionais que lidam com os loucos propuseram terapias e como eles pensam o
funcionamento do processo terapêutico.
Há várias formas de pensar a loucura, seja através do marxismo, como
resultado de repressão, como elemento subversivo da cultura, a loucura de conotação
política, a loucura ligada à genialidade e à arte. Neste estudo será tomada por base a
reflexão de Michel Foucault em História da loucura na Idade Clássica, além de várias
outras obras deste autor4 que considera o homem como resultado de uma produção de
sentido, uma prática discursiva e intervenções de poder. Importa, assim, o entendimento
das relações do homem com a verdade (como sujeito de conhecimento), com a ordem
política que inclui a sociedade (enquanto sujeito moral) e consigo mesmo (como sujeito
3
Pretende-se, junto à noção de estruturas e subjetivação, de Foucault, analisar o entorno das instituições
de poder e da loucura.
4
Doença mental e Psicologia, O nascimento da clínica, As palavras e as coisas, A Arqueologia do saber,
A ordem do discurso, Vigiar e Punir, A vontade de saber - História da sexualidade I, O uso dos prazeres História da sexualidade II, entre outras.
10
de desejo)5. Procuraremos analisar posições sobre a loucura como diferença a ser
reinserida na sociedade e também como transgressão à norma estabelecida.
As causas da loucura são de explicação complexa. Como doença, pelo fator
biológico/genético, por influência espiritual, como fenômeno social. Para Crowcroft, as
teorias que tentam explicar a loucura variam em torno de quatro planos: o biológico, o
intrapsíquico, o interpessoal e o cultural. “Esses planos descritivos são interrelacionados, e cada um deles ocupa um ponto mais alto no nosso conhecimento da
loucura”.6 Pela teoria biológica, a doença mental se explica por afecções orgânicas no
cérebro, o que é objeto de vasta investigação por Michel Foucault7. O intrapsíquico
refere-se aos conteúdos internos do paciente. A compreensão da loucura em nível de
relações interpessoais estaria relacionada à forma de comunicação e relacionamento
com as pessoas em geral. No lado oposto à teoria biológica, há a negação da loucura,
vista como ideologia imoral de intolerância por Thomas Sasz8. O meio cultural, os
valores e as tradições são diferentes conforme a comunidade observada, assim como o
próprio conceito de loucura9. Para Crowcroft, entretanto, a defesa dessa tese sobre a
inexistência da loucura não afasta a existência desse fenômeno. Como afirma MerleauPonty10, é preciso investigar o fenômeno profundamente para entendê-lo como um todo,
das várias formas possíveis. O conceito de saúde mental contém em si critérios médicos
ou sociais. Segundo Crowcroft, pensar a loucura como anomalia moral é destinar os
loucos a ‘dispositivos legais’, enquanto que a doença pode ser tratada clinicamente. A
vantagem em se cogitar fatores múltiplos para as doenças mentais, segundo
Crowcroft11, se verifica pela diversidade deles nas diferentes patologias e nas
singularidades individuais. Não se pode pensar a esfera afetiva sem a social e a material.
“A psicologia do indivíduo depende também de seu ambiente e das condições materiais
de vida.”12
Guattari trouxe a novidade da inclusão de análises políticas no tratamento
analítico.
5
Conforme Nelson Noronha, Doença mental e liberdade, Campinas, SP: Unicamp, 2000. (Tese de
Doutorado) p. 33.
6
Andrew Crowcroft. O psicótico. Compreensão da loucura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971 p. 134.
7
Michel Foucault, Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
8
Thomas S. Szasz, O mito da doença mental. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
9
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 134.
10
Merleau-Ponty, O olho e o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
11
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971 p.133.
12
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa. São Paulo: Brasiliense, 1982. P. 41.
11
Para Guattari, qualquer problema, seja ele individual ou familiar,
psicopatológico, de caráter sexual ou de delinqüência, remete-nos
sempre a jogos micropolíticos, inseparáveis da problemática política
mais geral. O capitalismo é uma máquina poderosa que controla
empresas, governos e nações. E controla, indiretamente, toda a vida
das pessoas. Domina o inconsciente delas através dos meios de
comunicação, da educação e das instituições. Para se manter e se
reproduzir na cabeça das pessoas o capitalismo moderno – que é
mundial e integrado – dispõe de um exército de forças repressivas
pequenas ou grandes.13
Segundo a crítica, Szasz, o mais famoso crítico da psiquiatria nos Estados
Unidos fica na crítica teórica, sem solução prática para a psiquiatria, numa análise
sociológica que “... não leva em conta o jogo de poder dos grupos sociais e
econômicos.’14
A loucura foi e continua sendo algo que nos escapa. É claro, a
maioria das pessoas, e praticamente todos os psiquiatras, afirmaria
aquilo que pareceria uma espécie de proposta de senso comum, a
realidade da doença mental, como nos convida a fazer um recente
trabalho dos psiquiatras Martin Roth e Jerome Kroll. Mas é
igualmente possível pensar em termos de fabricação da loucura, isto
é, a idéia de que rotular a doença mental é, antes de mais nad,a um
ato social, uma construção cultural (ou, na sua forma sintética o
provérbio segundo o qual cada sociedade tem os loucos que
merece).15
Num eixo diacrônico de estudo da loucura existe a indiferenciação do louco na
sociedade medieval, o internamento forçado dos loucos no século XVII, a liberação
parcial por Pinel no final do século XVIII e o estabelecimento de uma nova categoria, a
‘doença mental’, junto com o nascimento da psiquiatria no século XIX.
Em História da loucura16, Foucault mostra a eterna dança da razão com a
loucura, dramatiza os momentos em que ocorre a dominação desta, embora ao fim
triunfe por intermédio da arte, após as sucessivas provocações que faz à razão.
Tanto na Idade Média como no século XX, o louco tem o mesmo status,
segundo Foucault, com a diferença de que, do século XVII ao XIX, era a família que
13
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 49.
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 59.
15
Roy Porter, Uma história social da loucura. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 15
16
A tese de Doutorado Loucura e Desrazão foi publicada sob o título História da loucura na Idade
Clássica em 1961; a obra parece ter sido iniciada em 1956, quando foi encomendado a Foucault um texto
breve sobre a história da psiquiatria, ao que ele propôs “um livro sobre as relações entre médico e louco.
O eterno debate entre razão e desrazão.” (Conf. Entrevista de 1961 contida em Ditos e escritos, p. 162).
Na oportunidade, Foucault ocupava na Suécia o posto de representante do governo francês para assuntos
educacionais/culturais.
14
12
excluía os loucos, ao interná-los. Daí para frente, essa prerrogativa coube aos médicos e
o internamento passou a significar a interdição do louco e a sua classificação como
marginal.
Segundo Foucault, no campo da linguagem a fala dos loucos na Europa
medieval era tida como sem valor, embora não anulada completamente. Um exemplo é
o do bufão, que era uma expressão da verdade que outros homens não ousavam
anunciar.
Na Idade Média existia, ao lado das festas religiosas, a festa da Loucura, na
qual os papéis sociais eram trocados, os sexos invertidos e os mais humildes tinham o
direito de dizerem o que quisessem às autoridades civis e religiosas, numa contestação
às instituições em geral. Embora hoje permaneçam atualmente as festas religiosas, como
o Natal e a Páscoa, além dos eventos para celebrar as colheitas, Foucault afirma que o
sentido político-religioso das festas se perdeu e no seu lugar as drogas aparecem como
forma de manifestação contra a ordem, criando uma espécie de “loucura artificial”. É
como se, no século XX, a loucura fosse um estilo de vida e comportamento procurado
pelos contestadores, principalmente artistas, a fim de questionar a sociedade e realizar
um movimento oposto à padronização da indústria cultural, como é o caso da contracultura.
A afinidade entre loucura e literatura surge a partir de quando esta se desloca
em relação à linguagem cotidiana a partir do século XVI, com romances contestatórios,
além de textos produzidos por loucos, principalmente nos séculos XVIII e XIX, como
as poesias de Hölderlin, Blake e as obras de Sade, Raymond Roussel, Mallarmé e
depois por Virgínia Woolf e Antonin Artaud, sendo que este abriu novas perspectivas na
poesia após o surrealismo, do qual participou ativamente. Foucault afirma ainda que,
atualmente, a loucura serve de modelo para a escrita criativa, devido à posição marginal
de ambas.
Segundo Noronha, Foucault teria, através de Heidegger, criado o conceito de
“experiência”, um dos mais importantes em História da loucura.
Com ela, Foucault procurou explicitar a idéia de que os conteúdos de
um determinado objeto são definidos não segundo a sua essência mas
segundo os modos de percepção que vigoram em cada sociedade. Sob a
inspiração de Nietzsche, ademais, esse conceito foi utilizado na
descrição de uma história descontínua ao longo da qual a noção de
13
doença mental foi constituída e, não, como fora pensado antes,
descoberta por detrás de idéias religiosas de possessão.17
Importou para Foucault, portanto, saber como a experiência da desrazão foi
percebida em épocas diferentes e o tipo de conhecimento que se fez sobre ela. Na Idade
Clássica, como indica Chaves, a percepção da loucura era moral, ligada à desordem dos
costumes e negatividade do pensamento, enquanto que em nível de conhecimento era
uma doença a ser descrita e classificada, portanto, tinha uma explicação médica.
Na Idade Média e no Renascimento, a loucura existia livre na
sociedade, sendo alimentada e aceita no seu espaço; quando o louco se
tornava perigoso, faziam-lhe um abrigo onde o prendiam
temporariamente.
A loucura substitui o tema da morte no final do século XV, o fim dos tempos
visto na ocorrência de pestes e guerras. O louco, assim como o leproso, representa e
pressagia a morte em vida, como que numa continuação da lepra, a partir do que se via
pela exclusão social empreendida. Segundo Porter, a alternativa grega de considerar a
loucura como trauma moral ou como doença foi utilizada no ocidente, que também
considerou a loucura em um “esquema cósmico cristão”, ora como Divina Providência
(castigo de Deus) e exasperação da fé, ora como possessão maligna. “As mentes
medievais e renascentistas podiam ver a loucura como religiosa, moral ou médica,
divina ou diabólica, boa ou má.18
A loucura sucede, no imaginário renascentista, a lepra, desaparecida do mundo
ocidental no fim da idade média. Do século XIV ao XVII será esperado um novo
motivo para rituais de exclusão moral e purificação da cidade. O mal do leproso
consistia em sua salvação religiosa e excluí-lo era um comportamento social justo, pois
era o reconhecimento de que ele seria salvo; por isto, o doente aceitava o seu calvário
pacientemente. Os abrigos para leprosos, existentes aos milhares pela Europa, passaram
a ser utilizados pelos portadores de doenças venéreas, distintos dos outros doentes,
como os loucos, com base em juízos morais.
Foucault buscava escolhas originais e fundamentais da cultura ocidental e
descobriu, em documentos do século XVII, a tolerância para com os loucos, “... embora
esse fenômeno da loucura fosse definido por um sistema de exclusão e de recusa: ele era
17
Nelson Matos de Noronha, Doença mental e liberdade: a problematização da ética em História da
loucura. Campinas, SP: Unicamp, 2000. (Tese de Doutorado) p. 70-71. Grifos no original.
18
Roy Porter, Uma história social da loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 21.
14
admitido no tecido da sociedade e do pensamento.”19 Os loucos eram marginalizados
mas estavam integrados na sociedade. A exclusão veio após o século XVII, com várias
atitudes que constituíam, para Foucault, um sistema “fundado sobre a força policial tal
como o internamento e os trabalhos forçados.” Segundo Foucault, com a formação da
sociedade industrial veio a intolerância:
... desde antes de 1650 até 1750, nas cidades de Hamburgo, Lyon,
Paris, estabelecimentos de grande dimensão foram criados para
internar não apenas os loucos, mas os velhos, os doentes, os
desempregados, os ociosos, as prostitutas, todos aqueles que se
encontravam fora da ordem social. A sociedade capitalista não podia
tolerar a existência de grupos de vagabundos. De um total de meio
milhão de habitantes que formavam a população parisiense, seis mil
foram internados. Nesses estabelecimentos, não havia nenhuma
intenção terapêutica, todos eram sujeitados a trabalhos forçados.20
Nos meados do século XVII, o mundo da loucura vai tornar-se o mundo da
exclusão, com a internação no mesmo espaço de loucos, pobres, velhos, desempregados,
doentes venéreos, libertinos, pais de família dissipadores, religiosos infratores, os
diferentes em relação à ordem, à moral e à sociedade. Não se está aí para ser tratado,
mas porque não se deve mais fazer parte do meio social. “O internamento que o louco,
juntamente com muitos outros, recebe na época clássica não põe em questão as relações
da loucura com a doença, mas as relações da sociedade consigo própria, com o que ela
reconhece ou não na conduta dos indivíduos.”21
O Iluminismo trouxe de volta o valor da razão, à influência dos gregos, e
criticou com autoridade, desde a metade do século XVII, todos os produtos de processos
estúpidos de pensamento ou ilusão e sonho, assim como as práticas que pudessem
ameaçar a sociedade progressista.
Mas, conforme Porter, seria precipitado considerar essa separação entre
racional e irracional em termos de poder e classe simplesmente, ou seja: “a razão como
um instrumento para subordinar os pobres. Afinal, dentro da própria cultura de elite, a
excentricidade tivera sua voga, depois conduzindo a idéias românticas de gênio louco e
degenerescência de dândi.”22
19
Michel Foucault, Ditos e escritos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 236.
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 265.
21
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 79
22
Roy Porter, Uma história social da loucura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 24.
20
15
O que se pode pensar é numa “linguagem social”, um conceito formado a partir
do Iluminismo, que passou a considerar a estranheza e a inadequação ao mercado com
pertencentes a um mesmo grupo de exclusão:
Seja como for, a opinião pública, da época das Luzes em diante,
prontamente identificava as atitudes e o comportamento dos
elementos sociais marginalizados – criminosos, vagabundos, a ‘franja
lunática’ religiosa – com falsidade e loucura. Foi fácil passar do
conceito de que esses estranhos eram perturbadores para o de que
eram perturbados, de considera-los ‘alienados’ em relação à
sociedade bem-educada e assumir que eram ‘alheios’ ou ‘alienados’
na mente. Quanto mais elevadas as expectativas impostas pelo Estado
ou a economia de mercado, maior a aparente divisão entre aqueles
que estabeleciam e cumpriam as normas e os transgressores.23
Segundo Foucault, a sociedade burguesa constitui um microcosmo com vasta
estrutura e valores, dentre os quais as relações Loucura-Desordem são centradas no
tema da ordem social e moral. Segregar o louco para manter a ordem do sistema.
Com o Renascimento, a revolução científica e o Iluminismo, o mistério da
loucura continuou e tais concepções não foram refutadas; mudou-se a atitude em relação
aos loucos, através do surgimento da política de exclusão; o racionalismo de Descartes
exila a loucura, no século XVII.
A percepção do homem clássico poderia parecer uma sensibilidade diferenciada
à loucura, mas, para Foucault, trata-se de uma noção perfeitamente articulada, situada
num período específico que privilegia a Razão, e que permeia obscuramente a
institucionalização da loucura. O gesto do internamento, com seu poder de segregação,
... organiza numa unidade complexa uma nova sensibilidade à miséria
e aos deveres de assistência, novas formas de reação diante dos
problemas econômicos do desemprego e da ociosidade, uma nova ética
do trabalho e também o sonho de uma cidade onde a obrigação moral
se uniria à lei civil, sob as formas autoritárias da coação.”24
A pobreza, religiosamente vista como predestinação ou castigo, deve ser, no
século XVII, suprimida. As casas de internamento tornam-se um “castigo moral da
miséria”25, loucura e doença mental se juntam. A experiência do patético desenvolve-se
pela laicização da caridade, instituída pela Reforma Protestante; a condição de
miserável não é mais promessa de salvação, mas obstáculo à ordem, deve ser
23
Roy Porter, Uma história social da loucura, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p. 25
Michel Foucault. História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 56
25
Michel Foucault, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 59
24
16
suprimida.O catolicismo logo adota essa postura, através de São Vicente de Paulo, em
seu projeto de 1657. A dicotomia do internamento é explicitada pelos termos
beneficência e castigo. A miséria perde o sentido místico. O louco é banido para junto
dos pobres, vagabundos e deixa de vagar, deixa a peregrinação, “... ele perturba a ordem
do espaço social.”26 Ocorrem internamentos maciços, pois não se tinha a preocupação
médica que se supõe ter hoje com a cura; era, antes, condenação da ociosidade e foi
necessária por um “imperativo de trabalho”. O aumento da mendicância no século XVII
era visto como a marca iminente do Apocalipse. Os hospícios eram instituições cuja “...
tarefa era de impedir a mendicância e a ociosidade, bem como as fontes de todas as
desordens.”27 Em toda a Europa, o internamento tem, nesta época, o mesmo sentido de
limpeza moral.
A casa de internamento era o equivalente civil da religião e marcou um novo
significado para a pobreza:
... o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da
pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de se
integrar no grupo , o momento em que começa a inserir-se no textos
dos problemas da cidade. As novas significações atribuídas à
pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e todos os
valores éticos a ele ligados determinam a experiência que se faz da
loucura e modificam-lhe o sentido.28
Ao refletir a experiência da desrazão nos séculos XVII e XVIII, Foucault
concebeu o surgimento da psicologia como uma criação própria da época, deflagrada
por “uma série de acontecimentos que, embora casuais, encaixaram-se de tal modo que
tornaram necessária uma concepção da loucura que seria impensável em qualquer outra
época”29, a loucura seria como patologia única, com explicações que fogem ao
conhecimento positivo que rege as ciências, especialmente as da saúde.
A mudança no modo de ver a loucura segue a mudança no trato com a pobreza.
O objetivo do internamento seria a eliminação de elementos heterogêneos ou nocivos,
mas não somente isso. Há ligação entre a polícia do internamento, com seu conjunto de
ordens e sanções, e a polícia mercantil. Para falar sobre o assunto é preciso conhecer
26
Michel Foucault, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 63
Michel Foucault, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 64
28
Michel Foucault, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 78
27
29
Noronha, Nelson Matos de. Doença mental e liberdade Campinas, SP: Unicamp, 2000. (Tese de
Doutorado) p. 71
17
“sobre que fundo de sensibilidade social a consciência médica da loucura pôde formarse.”30
Mal conhecida por séculos, na era clássica a loucura é apreendida como perigo
para o Estado. Esta percepção teria se aperfeiçoado como doença da natureza. O ato de
internar é gesto criador de alienação. Foucault pretende refazer a história desse processo
de banimento.
Os internos em algumas casas eram divididos em pobres, inválidos, doentes,
loucos. Os libertinos foram banidos para o exílio também, a fim de conservar os
costumes que se formavam – a nova divisão entre o bem e o mal; neste caso, as paixões.
Juntava-se o pecado contra a carne à falta de razão no mesmo espaço. “A loucura
começa a avizinhar-se do pecado.”31 Une-se o desatino à culpabilidade. Segundo
Foucault, a articulação medicina-moral é uma antecipação dos castigos eternos e um
esforço em direção à saúde, pois para a ação religiosa de controle e repressão, os
sofrimentos temporais eximem o pecador dos sofrimentos eternos. A repressão é a cura
dos corpos e a redenção das almas, purificação. Castigos e terapêuticas são os meios
empregados pelos asilos do século XIX. A era moderna, ao separar o amor racional do
desatinado, submete este ao domínio da loucura, daí o castigo para a Devassidão e o
homossexualismo.
Sagrado, na era moderna, é o casamento. Fora da moral da família, da
exigência burguesa do contrato de casamento, está o desatino. “Num certo sentido, o
internamento e todo o regime policial que o envolve servem para controlar certa ordem
na estrutura familiar, que vale ao mesmo tempo como regra social e norma de razão.”32
No século XVIII dá-se o trabalho aos internos e usa-se da mão-de-obra dos
asilos; é a obrigação do trabalho que Deus recompensará.
O Hospital Geral chegou a abrigar 1% da população parisiense, com cerca de
6.000 internos. Os diretores dessas casas eram vitalícios de poder amplo, inclusive sobre
a cidade. As casas de internamento substituíram os leprosários, tendo o papel de
assistência e repressão, com pensões pagas pelo rei ou por sua família. Conforme
Foucault, esses hospícios não só aprisionam, têm significação social, moral, religiosa,
30
Michel Foucault, História da loucura, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1987. p. 80
31
Michel Foucault, História da loucura, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1987. p. 86
32
Michel Foucault, História da loucura, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1987. p. 90
18
política e econômica; estas duas últimas conotações, inclusive, permanecem na
contemporaneidade, pautadas pelo indicativo do trabalho:
A ironia é que, nos hospitais psiquiátricos modernos, tratamentos pelo
trabalho se praticam com freqüência. A lógica que embasa essa prática
é evidente. Se a inaptidão ao trabalho é o primeiro critério da loucura,
basta que se aprenda a trabalhar no hospital para curar a loucura.33
No século XVIII aparecem novos conceitos, situando o louco no espaço entre a
relação dele consigo e com o mundo. Havia o medo da emergência da loucura por
fatores como a miséria e a repressão do governo. Na segunda metade desse século, se
determina asilos especialmente para loucos e se começa a divisar mais claramente as
manifestações da loucura. Protesta-se contra o internamento, um poder de imobilização
que juntou os presos e os loucos, escandalizando a sociedade. Ao fim desse período, a
crise econômica na Europa faz a miséria se separar das “condições morais” e abrem-se
“depósitos de mendigos”. O espaço social da doença se vê renovado com o surgimento
do hospital, local artificial da doença.
Pinel irá instaurar a prática de libertação para os internos com efeitos morais34,
afetando o comportamento de todos na instituição: silêncio para remeter a mente à
noção de culpabilidade; reconhecimento pelo espelho desmistificador, na observação
dos alienados; e julgamento perpétuo, em que a loucura julga a si mesma e sente o jugo
de um tribunal exterior e também invisível. O médico é visto como supremo, mas o seu
trabalho médico é apenas parte da tarefa moral para a cura do insano.
Segundo Foucault, a reforma instituída por Pinel nos asilos foi motivada pelo
avanço do desenvolvimento industrial no século XIX quando se viu a significação da
força de trabalho na sociedade, que levou ao início do entendimento da loucura como
doença a ser tratada:
... como primeiro princípio do capitalismo, as hordas de
desempregados proletários eram consideradas como um exército de
reserva da força de trabalho. Por essa razão, os que não trabalhavam,
sendo capazes de trabalhar, saíram dos estabelecimentos (...), os
loucos foram deixados dentro dos estabelecimentos e foram
considerados como pacientes cujos distúrbios tinham causas que se
referiam ao caráter ou de natureza psicológica.35
33
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.p. 266.
Segundo Foucault, apenas liberou enfermos, velhos, ociosos e prostitutas.
35
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 266.
34
19
Os hospitais e a psiquiatria iniciaram aí sua história como instituições de
tratamento daqueles que não podiam trabalhar por motivos corporais ou não.
Foucault, em sua abordagem, não irá mais utilizar a psicologia como base de
entendimento da loucura, mas buscará na experiência do contingente o modo como se
constituem os discursos que tornam a loucura uma verdade. Na forma de exclusão da
loucura existente em determinada sociedade estará o retrato de si própria, o reflexo das
pressões, julgamentos e determinações na figura do louco – a expressão de sua verdade
estará no modo de existência da loucura.
A loucura é como profanação religiosa: o sacrilégio está na insanidade e nas
práticas supersticiosas. O internamento tem o papel de “conduzir de volta à verdade
através da coação moral.” Não se deve afrontar a religião, pois a crença representa a
ordem social. O internamento também favorecia, segundo os clássicos, a conversão dos
ateus. A libertinagem subsiste no âmbito dos internatos como subserviência da razão
aos desejos da carne e às paixões, e não como liberdade de pensamento. O internamento
é situação de isolamento e divisão. “O classicismo formava uma experiência moral do
desatino que serve, no fundo, de solo para nosso conhecimento ‘científico’ da doença
mental”.36 Aumenta o número de instituições de punição e exclusão, nos séculos XVIII
e XIX, assim como proliferam escolas, prisões, indústrias e oficinas, entidades de
normalização.
A mudança no estatuto médico, relacionada à produção de conhecimento
remete, no século XIX a uma nova percepção do louco, agora ‘doente’. Ao privilegiar o
nível da percepção, Foucault, na História da loucura desclassifica os saberes sobre a
loucura, constituídos em torno do Positivismo e demonstra a existência de níveis de
intervenção na sociedade, quando se fala da loucura:
... há um projeto de intervenção material (porque ao nível do corpo) e
moral (porque ao nível da conduta) na vida dos homens. (...) Dessa
maneira, qualquer referência feita a conceitos na História da loucura
está intimamente relacionada com forma de intervenção, formas de
organização do espaço de reclusão, formas de relação de autoridade
entre médico e doente.37
As casas de internamento desaparecem no começo do século XIX, por serem
“remédio transitório e ineficaz”. As instituições da monarquia absoluta acreditam que a
36
Michel Foucault, História da loucura, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo:
Perspectiva, 1987. p. 107
37
Ernani Chaves, Foucault e a psicanálise, rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 15.
20
virtude poderia reinar através de decretos, nos quais se estabelece a ordem. O asilo
encerra o lado negativo da “cidade moral” – imposição forçada pela razão.
No século XX haverá a naturalização da loucura como doença e o Estado
participará do processo de inserção do louco na sociedade, através de dispositivos
legais, a fim de conferir-lhe cidadania.
Foucault afirmou ter tentado, em História da loucura, verificar se há uma
relação entre a nova forma de exclusão (internamento) e a experiência da loucura, num
mundo dominado pela ciência e a filosofia racionalista.38 O autor observa coerência
estrutural entre as formas de exclusão do louco, na linha do tempo, em diferentes
sociedades.
Foucault toma o discurso como contexto e representação, linguagem e ação.
Desta forma, as questões que nortearam a pesquisa foram relativas aos espaços em que a
fala da loucura é oficialmente aceita; a arte como elemento pelo qual o discurso da
loucura é aceito; as determinações sócio-históricas da utilização da arte na terapia de
pacientes psiquiátricos.
Alguns, como a autora, consideram a loucura um tema instigante, estranho à
compreensão racionalista; por isto, esta pesquisa tem o intuito de desvendar um mundo
que se apresenta fascinante e misterioso, segundo Foucault.
Folia, em português, significa festa e, para os estrangeiros, loucura. Segundo
Cavalcante:
... folia vem do latim e deu estas duas vertentes [...] É nesta perspectiva que
devemos compreender a loucura. Como algo de terrível e ao mesmo tempo
de fascinante. Terrível porque se quer escapar dessa possibilidade.
Fascinante porque atrai, nos faz curiosos. Seduz e ofusca. Encanta39.
O louco é visto, desde a Idade Clássica, como um Outro. No Dictionnaire
philosophique de Voltaire, a loucura é assim definida: “doença dos órgãos do cérebro
que impede necessariamente um homem de pensar e agir como os outros”40 . O louco,
portanto, é aquele que apresenta um desvio quanto ao padrão de comportamento
estabelecido.
38
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.p. 163.
Antônio M. Cavalcante. Loucura e cultura: de tudo um pouco é bom. In: Folia: maldição dos deuses,
doença dos homens. Fortaleza, UFC, 1994. p. 37.
40
Foucault, História da loucura na idade clássica. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 183.
39
21
Segundo a psicóloga Maria José de Castro Nascimento41, “A doença mental é
um mistério. A medicina não explica como ela surge, não tem uma causa definida.
Existe até uma leitura anímica da saúde mental, espiritualista mesmo, como é o caso de
um trabalho desenvolvido na USP. Tem a explicação orgânica, a genética, mas não se
tem uma conclusão sobre o surgimento da doença. Hoje se pensa que é 50% genético e
50% ambiental, ou seja, todos nós temos genes para o desenvolvimento de doença
mental. O que vai decidir são as condições do ambiente em que vivemos. Em qualquer
bibliografia sobre saúde mental se encontra essa definição.”
Mas também a arte, como meio de expressão, aparece na história como
transgressora da ordem. Assim, pelo seu caráter de transgressão da norma, a loucura
estaria próxima à arte, pela concepção contemporânea que se tem desta. Existe inclusive
a busca de inspiração de artistas na arte dos alienados.
Os loucos ocupam o tempo, no início do século XX, com tintas e papéis, o que
resulta em composições inusitadas que passam a ser estudadas por médicos e
pensadores. Os artistas tentam se apossar de elementos da construção pictórica deles e
criam o surrealismo. Antonin Artaud, o teatrólogo, segue um caminho dúbio, pois ao
mesmo tempo em que é interno em sanatório, situação que perdura por dez anos,
participa da criação desse movimento artístico, considerado de vanguarda. Vê-se a interrelação entre loucura e arte e, em que ambas participam de um esquema de trocas e
retroalimentação.
A importância desse trabalho é reforçada pela existência de um crescente
número de pesquisas sobre as mudanças instituídas em torno da loucura no contexto
sócio-político do final do século XX no Brasil; o interesse pelo parentesco entre gênio
criador e loucura, e a fascinação, citada por Foucault, que os artistas chamados loucos
despertam no público em geral, dada a popularidade de suas obras; e a dúvida entre a
concepção teórica da loucura e a sua existência pragmática.
Trata-se de um tema em que se tem a chance de investigar o “humano,
demasiado humano” 42, sensível, imperfeito e único, e revelado sob diferentes formas de
expressão, seja por intermédio das artes plásticas ou do uso da palavra.
Como delimitação do problema, escolheu-se o estudo sobre a fenomenologia
da doença mental, termo utilizado por Foucault em Doença mental e psicologia, a fim
41
Conforme entrevista realizada em 12/12/2005 a Maria José de Castro Nascimento, psicóloga da
Enfermaria de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia – HC-UFU.
42
Expressão de Friedrich Nietzsche e título de um de seus livros
22
de pesquisar a realidade das terapêuticas endereçadas a ex-internos em sanatórios em
relação à reforma psiquiátrica e ao contexto de exclusão apontado por vários autores43.
Um dos objetivos principais foi investigar o contexto da loucura no final do
século XX e o modo como os indivíduos tidos como “loucos” foram tratados nos
hospitais, em relação ao contexto sócio-histórico. Foi empreendida a investigação da
história da loucura nesse período através da percepção sobre a construção do imaginário
que atravessa a institucionalização da loucura nas instituições psiquiátricas, avaliando
como se dá a interação entre a instituição e a produção de uma subjetividade
constituída, nesta abordagem, de sentimentos exacerbados e, por isto, considerados
patológicos.
Os objetivos específicos se dividem em estudar a transformação do conceito de
loucura na década de 90 do século XX, que identifica o louco como usuário dos serviços
de atenção à saúde mental; analisar a objetivação da loucura no contexto sócio-histórico
escolhido; e analisar as condições de utilização da arte no tratamento de pacientes
psiquiátricos em Uberlândia.
Como trabalho de campo, o pré-projeto de mestrado foi entregue, em
novembro/2002, para análise do Dr. Guilherme Gregório, então Diretor do Setor
Psiquiátrico do Hospital de Clínicas da UFU, além de ser repassado ao Comitê de Ética
em Pesquisa da UFU, que concedeu parecer favorável. Em setembro/2003 o Diretor do
Setor Psiquiátrico foi entrevistado e soube-se da realização de reuniões clínicas
específicas da psiquiatria das quais participamos no primeiro semestre de 2004.
O acesso a prontuários de ex-pacientes psiquiátricos não foi permitido, por
questão ética; logo, não utilizamos dados de suas fichas, mas da fala legitimada dos
profissionais de saúde mental, uma diferença em relação aos trabalhos que versam sobre
a loucura, que tomam apenas o discurso psiquiátrico, sendo também este o motivo de se
analisar conceitos e práticas no decorrer do texto. Pretendeu-se abordar o discurso dos
aplicadores de arte terapia como “terapêutica alternativa” à terapêutica médica
conservadora.
Observou-se que atividades de pintura, ao lado de outras como colagem em
papel, cerâmica e teatro foram inseridas efetivamente a partir de 1996, com a
43
Eleonora Haddad Antunes; Lucia Helena Siqueira Barbosa; Lygia Maria de França Pereira (Orgs).
Michel Foucault. Roy Porter.
23
contratação efetiva de uma terapeuta ocupacional, enquanto que no período entre os
anos 1991-1998, os usuários dos serviços de saúde mental contaram com oficinas
específicas na Clínica de Psicologia da UFU. Trata-se de um desvio quanto ao objeto de
pesquisa; apenas dezembro de 2004 foi verificado que a fonte para a consecução da
pesquisa não era o Hospital de Clínicas, mas o Departamento de Psicologia, sob a égide
do qual se realizaram as atividades arte terapêuticas, voltadas também a ex-pacientes do
Hospital de Clínicas.
Tal desvio aconteceu em razão de entrevista realizada pela pesquisadora com a
professora do Departamento e Psicologia e psicanalista Maria Lúcia Castilho Romera.
Em final dos anos 80, Romera iniciou uma série de atividades com seus alunos44 na
Enfermaria Psiquiatria do HCU, com o objetivo de propiciar aos estudantes um contato
mais livre com os pacientes. Tratava-se de uma forma didática de oficinas terapêuticas,
num aspecto rudimentar do que viria a ser, posteriormente, tais atividades,
regulamentadas por lei e atualmente oferecidas regularmente pelos Centros de Atenção
Psicosocial – CAPS. Na década de 90, a professora Romera inicia e coordena Oficinas
Terapêuticas para os usuários na Clínica de Psicologia da UFU.
Tendo, assim, as atividades da Clínica de Psicologia no período 1991-1998
como objeto principal, segue-se para a pesquisa genérica sobre a “loucura” no século
XX, tendo como ponto de partida as leituras das obras de Michel Foucault; quarenta
anos após ter sido escrita a “História da Loucura na idade clássica”, o tema ainda suscita
discussões nas diversas áreas que compõe as Ciências Humanas. Faz-se o levantamento
sobre as práticas instituídas na Inglaterra, na França, na Itália e no Brasil. Concentra-se
a pesquisa quanto às mudanças ocorridas após a década de 60, quando se inicia na
Europa o movimento da Antipsiquiatria, no contexto dos movimentos sociais existentes
e depois na década de 70, com a Reforma Psiquiátrica, com todo um movimento em
prol do desasilamento, que atinge o ápice nos anos 80, quando o Brasil completa vinte
anos de ditadura militar e luta pela redemocratização, por meio da eleição direta para os
cargos executivos, o que coincide com a exigência da inclusão do paciente psiquiátrico
na sociedade. Discute-se a demora na implantação de práticas terapêuticas mais
humanizadas no setor psiquiátrico do Hospital de Clínicas e o contexto de realização
das oficinas na Clínica de Psicologia que precedeu os CAPS, serviço de atenção à saúde
mental atualmente encarregado de oferecer tais atividades terapêuticas aos usuários.
44
Alunos do curso de graduação em Psicologia matriculados na Disciplina Psicopatologia.
24
Como bibliografia secundária, foi analisado o tema da loucura e a arte terapia
discorrido por diferentes correntes filosóficas e científicas, como psiquiatria, psicologia,
filosofia e história. Além disso, procurou-se observar o tema sob ângulos diferentes,
através de visitas a alguns sanatórios e conversas com funcionários e pacientes, como o
Museu da Loucura do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena; as entrevistas e o
estágio de atendimento terapêutico realizado a Casa Transitória Espírita de Uberlândia,
no período de dezembro de 2003 a março de 2004; visitas ao setor psiquiátrico do
Hospital de Clínicas da UFU e o acesso a meios culturais para compreensão das
diversas visões da loucura, seja como mito, doença, violência, transgressão, gênio,
vício, e também a filmes e literatura sobre diferença, subjetividade e arte.
O trabalho se completa com as devidas análises sobre as fontes e a
considerações a respeito das obras de Michel Foucault sobre “loucura”, sensibilidade e
construção de subjetividade.
Enfim, discute-se a forma como se lida com a alteridade, no século XX;
verifica-se que a construção de subjetividade é um tema tão atual quanto em Foucault,
nos anos 80 e, portanto, merece continuar sendo refletida.
A contribuição que este trabalho viria trazer seria no sentido de levar ao
conhecimento da sociedade uma visão filosófico-histórica sobre a loucura, ao apresentála como uma expressão cunhada para a exclusão dos indivíduos destoantes da norma.
Tal discussão é proveitosa num período em que se debate sobre a aceitação das
diferenças na sociedade, final do século XX e início do XXI. Apesar de tratar de fontes
localizadas espacial e temporalmente num recorte bem delimitado, o tema é universal e
remete a um contexto maior.
A justificativa para associar os termos “arte e loucura” é indicar a
possibilidade do uso da arte como forma terapêutica para a loucura, ou seja, como forma
de expressão. Entende-se ser possível, através dela, acessar algo da forma de expressão
e, portanto, da exteriorização da identidade dos usuários, propiciando também a sua
inserção social no grupo hospitalar e na sociedade, conforme reiterado em entrevistas
pelas terapeutas ocupacionais que aplicam tal procedimento. A arte é uma forma de
conhecer o usuário; tal afirmação é encontrada nas fontes orais e também nos textos
estudados, enquanto que a sua posição em relação à loucura como doença ou como
diferença são discursos que vão definir a terapêutica a ser adotada.
Ficam ainda questões relativas à liberdade da fala do louco nas oficinas
terapêuticas, o que indica ser importante trabalhar posteriormente a expressividade da
25
loucura no período; a possibilidade das oficinas dos CAPS terem um efeito
padronizador de comportamentos e a possibilidade de se ter subjetivação, entendida
como a superação das influências que interferem na construção da própria identidade,
nas oficinas para os usuários dos serviços de saúde mental.
Foi mantido o objetivo de investigar a “loucura” como forma de exclusão
social, questionar a compreensão deste termo como doença e sua inclusão no meio
social e pesquisar de que forma a arte pode ser utilizada como forma de expressão, ou
comunicação dos usuários de sistemas de saúde, o que significa tentar responder às
questões: “pode a loucura ser encarada simplesmente como uma forma de diferença e
não como doença?” “A arte é um meio de expressão da diferença, comunica a igualdade
ou é uma forma de terapia médica?” “Qual é o caminho feito pela loucura para tentar ser
reinserida no contexto social?” “Como se fazem discursos sobre a loucura sob
concepções diferentes, como doença ou como negação da norma?”
Ao realizar a discussão das fontes com a teoria estudada, foi buscada a
ressonância nesta última das práticas realizadas com os usuários, a fim de identificar e
relacionar os diferentes discursos dos profissionais, dos agentes de saúde e o discurso
oficial do Estado.
A realidade da exclusão, tão presente no cotidiano de todos, reveste-se de uma
capa mais mórbida ao adquirir o rótulo de doença. A importância deste olhar pelo
prisma da história sobre a loucura como prática social consiste na própria contribuição
da pesquisa para com um tema presente no imaginário popular – o louco como
indivíduo perigoso, improdutivo e relegado ao isolamento.
Pretende-se entremear a abordagem do tema da loucura com os conceitos da
nova história, segundo os quais a pesquisa histórica deve evidenciar a perspectiva do
homem em seu tempo e em sua classe social, observando o aspecto qualitativo da
pesquisa. Nesse sentido, pela perspectiva da história das mentalidades, estuda-se os
elementos inertes e obscuros dentro de uma determinada visão de mundo, sem deixar de
perceber a circularidade e a convergência entre a cultura subalterna e a dominante,
considerado assim o aspecto político ressaltado por Foucault.
Para a composição desta proposta, cuidou-se de escolher um tema que pudesse
ser investigado da maneira mais próxima possível, o que pode ser observado em razão
de seu nascedouro recente e de sua característica local. Daí não se restringir o trabalho
26
apenas ao leito teórico, mas ao conhecimento das próprias condições do fenômeno
terapêutico e social, tendo-se a pintura como forma de expressão da loucura.
A existência de comportamentos que representam um desvio em relação ao
padrão socialmente estabelecido é, muitas vezes, considerada como sintoma da loucura,
o que leva à psiquiatrização dos indivíduos, ocasionando-lhes traumas indeléveis. Partese do entendimento da loucura como um conceito político, pois consiste numa forma de
classificação dirigida para indivíduos que fogem à normalidade segundo aqueles que se
julgam guardiões do palácio da razão.
Trata-se da tentativa de compreender as formas da noção de loucura arraigadas
no imaginário. Questionar/purgar a própria racionalidade e seus poderes é também uma
forma de compreender a construção do imaginário em torno da razão e da loucura.
Além de se mostrar como um desvio da norma, a loucura propicia um caminho
para o auto-conhecimento, o qual se pode expressar por meio da arte ou pela fala.
Tendo em vista a preocupação da psiquiatria e da sociedade quanto ao processo
de humanização terapêutica, com a condenação de práticas “invasivas”, como a
lobotomia e a aplicação de eletrochoques, a fim de realizar o resgate do paciente para o
meio social, compete a esta pesquisa investigar como, quando e por que ocorreu a
mudança na terapêutica com ex-pacientes de manicômios e/ou atuais usuários dos
Centros de Atendimento Psiquiátrico – CAPS, tendo como base a análise entre os
discursos dos profissionais de saúde e a legislação; logo, trata-se dos âmbitos médico e
estatal.
Em vista da grande quantidade de epígrafes e de citações de outros autores,
inclusive nesta introdução, valem as próprias palavras de Foucault, no Prefácio de
História da Loucura, escrito em 1960, para demonstrar respeito ao trabalho científico
pelo qual foi possível esta empreitada.
No decorrer deste trabalho, aconteceu de eu me servir do material que
pôde ser reunido por certos autores. Todavia, isso foi o mínimo
possível e nos casos em que não pude ter acesso ao próprio documento.
(...) E, talvez, a parte mais importante desde trabalho, em minha
opinião, seja o lugar que eu tenha deixado ao próprio texto dos
arquivos.45
A estrutura da dissertação constitui-se, inicialmente, de uma distribuição que
propicie o entendimento didático do tema sem, contudo, realizar um aprofundamento
45
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.p. 160.
27
nas várias áreas envolvida, o que significaria fazer um texto extremamente extenso e
que pecaria por perder o foco da questão. Assim, se indica a existência de abordagens
diversas em torno da loucura: a linguagem mítica em torno da loucura, a loucura como
prática social e como doença, ao passo que a arte aparece como linguagem, forma
terapêutica e inserção social, conforme a perspectiva em que se tome o tema.
Assim, no primeiro capítulo, apresenta-se o discurso de profissionais de saúde
em torno da loucura vista como transgressão à norma e a finalidade das terapêuticas a
partir dessa concepção. Ressalta-se que a própria perspectiva pela qual se vê a loucura
irá guiar a forma como a arte será colocada à disposição dos usuários dos sistemas de
saúde.
Compõe o segundo capítulo a abordagem da loucura como elemento a ser
reinserido na cena social através da terapêutica artística, a partir da fala de profissionais
de saúde, em diálogo com teóricos e a legislação que rege a saúde mental,
importantíssima para o entendimento do cenário da loucura no século XX.
No terceiro capítulo, trata-se do desenvolvimento do saber médico no hospital,
a clínica, as terapêuticas e o movimento da reforma psiquiátrica no Brasil, que
possibilitou a inserção da arte terapia nos tratamentos psiquiátricos, além da discussão
com as fontes sobre as mudanças na prática psiquiátrica.
Apontamos, como tema para desenvolvimento posterior, a discussão sobre a
maneira que ocorre a construção de subjetividade do louco no contexto das oficinas
terapêuticas em Uberlândia através de financiamento da rede de saúde mental.
Finalizamos dizendo que a fala da loucura é novamente aceita no meio social
através de um movimento dos profissionais da saúde, respaldado pela Lei, que
possibilita o seu retorno, depois de silenciada pelo saber médico. Enfim, entendemos
como a arte se constitui numa terapia da psique. Estudávamos o filósofo das relações e
por fim verificamos que na própria trama da saúde mental estava seu desenlace: na
relação consigo mesmo e com o outro, na inserção social, na construção da
subjetividade e na sensação de pertencimento a um grupo que possibilitasse ao louco o
encontro da própria identidade.
28
CAPÍTULO I – LOUCURA COMO TRANSGRESSÃO E INCÔMODO
Embora os críticos gostem de desempenhar-se dessa tarefa,
os próprios artistas parecem estar menos interessados
pelo significado da arte que produzem.
Viktor Lowenfeld e W. Lambert
Durante as oficinas de desenho e pintura, e na busca de estabelecer contato
com a realidade, ao mesmo tempo se envereda pela possibilidade de reinserção e de
reconhecimento do ser que age, mas também se pode entender a loucura como forma de
transgressão à ordem estabelecida. Neste capítulo são elencadas abordagens relativas ao
modo de entendimento da loucura como relacionada a diferença, incômodo e fascínio.
O Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia utiliza um
processo medicamentoso de tratamento. Através do movimento de luta antimanicomial,
foi aberta uma brecha para a participação de outras formas terapêuticas no cuidado com
o paciente psiquiátrico, como é o caso da arte terapia, iniciada aproximadamente nos
anos 80, através da psicóloga e professora Maria Lúcia Castilho Romera e
institucionalizada pelo Hospital de Clínicas somente a partir de 1996, com a contratação
da Terapeuta Ocupacional da Psiquiatria.
TERAPIA OCUPACIONAL E ENTENDIMENTO DA DIFERENÇA
Segundo Flávia do Bonsucesso Teixeira46, o tratamento no Hospital de
Clínicas é feito basicamente pelo viés biológico: “Na UFU eles têm ainda uma visão
muito biológica da loucura e as outras terapias entram como se fossem... apêndices. A
prática não é considerada como um dos tratamentos, o tratamento é o medicamentoso,
o resto é figuração. Esta é a visão que eu tenho dos anos que eu trabalhei e de
acompanhar a formação dos residentes.”
Sobre o início das atividades artísticas junto com os internos, Teixeira não tem
informações mais claras: “Eu não tenho esse registro, comecei lá em novembro de
46
Entrevista concedida em dezembro/2004 por Flávia do Bonsucesso Teixeira, graduada em 1991 pela
UFMG, especialista em Sociologia. Trabalha com Terapia Ocupacional desde 1991. Foi docente da
Uniube de 2000 a 2003 e docente de disciplinas da área de Saúde Mental na UFPR (Terapia Ocupacional
aplicada à Saúde Mental), além de orientadora de estágios em 2003 e 2004. Atualmente faz doutorado em
Antropologia. Trabalhou no HC da UFU de 1996 a 2000 como terapeuta ocupacional.
29
1996. Entrei no ápice de uma crise, foi quando a psicologia estava rompendo com a
psiquiatria e saindo da enfermaria. Então eu cheguei nesse cenário, final de mandato, a
Dra. Miriam Andraus era chefe do Departamento de Psiquiatria.”
Teixeira, que antes trabalhava em CAPS, se mostra contra a exposição das
obras dos pacientes: “Eu sempre trabalhei na perspectiva de que o desenho e a pintura
também são uma linguagem que pode ser lida pelo terapeuta ocupacional. Então
importa o papel que eu use, importa o tipo, a cor, como ele fez e isso não é pra ficar
exposto. Eu sou muito contra exposição de trabalhos, nisso eu e o Rui Chamone
concordamos; ele também era contrário e fez o Museu do Inconsciente, mas não
pensando na exposição do trabalho do paciente como uma forma de ‘olha, ele é doido,
mas ele consegue fazer.’”
A primeira exposição de arte produzida por esquizofrênicos em Londres foi
inaugurada pelo Dr. Kenneth Robinson, que mais tarde se tornou Ministro da Saúde e
promoveu conferências sobre arte e doenças mentais em 1955. A publicidade em torno
da exposição levou à afluência do público para aquela primeira exposição na Inglaterra
e gerou um grande impacto: “Geralmente, as pessoas espantavam-se diante da
competência gráfica dos trabalhos, sobretudo porque a maior parte dos pacientes que os
produziam não contava com nenhuma orientação.”47 Enquanto isso, os intelectuais
avaliavam a similaridade de tais obras com características da arte modernista.
No início dos anos 60, os médicos Basaglia, Volmat, Vinchon, Delay e
Minkowsky participam do ‘II Colóquio Internacional sobre a
Expressão Plástica’, em Bolonha (03 a 04/03/1963) onde apresentam
trabalhos cujos temas variavam desde a influência das drogas
psicotrópicas sobre a expressão até estudos da linguagem figurativa de
crianças deficientes. Além disso, debateram a expressão plástica dos
doentes mentais e a criação artística em geral.48
No Brasil, a divulgação da arte dos loucos por Osório César e depois por Nise
da Silveira, nos anos 40, teve repercussão nacional nas décadas que se seguiram,
culminando com exposições de arte dos alienados em museus e na formalização da
Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri (ELAP) em 1956, onde se ensinava desenho,
pintura, cerâmica e escultura aos pacientes com vocação artística.
47
Edward Adamson, A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 124
48
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 26.
30
Conforme Ferraz, na ELAP os pacientes passavam por uma espécie de teste,
no qual era oferecido a eles lápis e papel, a fim de verificar se possuíam vocação
artística, a qual poderia ser desenvolvida posteriormente.
Segundo Osório César, as funções da ELAP buscaram atingir três
finalidades: a arte-terapia, a pesquisa (acompanhamento e análise dos
trabalhos) e o artesanato. Dessa forma, alcançar tais objetivos
significava atingir a cura e a reabilitação, principalmente esta, que
não depende apenas dos indivíduos, mas da aceitação social em sua
reintegração.49
Para Osório César, haveria dois fatores que levariam os internos a se
expressarem artisticamente: “... o fator de ordem interna, a própria doença que retira do
convívio social e ‘cria um mundo seu, onde vive autisticamente’, e os fatores de ordem
externa, constituídos pelo ambiente e as pessoas com as quais convive.”50 Este
psiquiatra entendia que a exposição das obras dos internos tinha um fim para seu projeto
psicosocial, o de levar o paciente a participar do meio social, através de suas obras, e o
estético, o que o faz trabalhar pela divulgação dos resultados do trabalho com os
pacientes ao público em geral. Várias exposições das obras dos artistas do Juqueri foram
realizadas em São Paulo e em Paris, o que se configurou numa intervenção social e
cultural, gerando críticas de especialistas em arte. Conforme Ferraz, Osório César
combatia publicamente o conceito de “arte patológica” criado em 1950 na França, por
considerar a arte um confronto à doença e não a sua forma de manifestação.
A exposição dos trabalhos dos pacientes sempre foi incentivada pelo psiquiatra
Osório César, um dos pioneiros na terapia pela arte no Brasil. Inclusive, para abrigar a
produção dos artistas do Juqueri, foi criado em 1985 o Museu Osório César, no
Complexo Hospitalar de Franco da Rocha que reúne milhares de obras dos 35
pacientes-artistas que freqüentaram a Escola Livre de Artes do Juqueri. A curadora
Maria Heloísa Ferraz participou como supervisora técnica do movimento de
organização das peças e em 1986 trabalhou na estruturação do Ateliê de Arte no
Juqueri. Ferraz explica a missão do ateliê como possibilidade de comunicação do
paciente com o orientador artístico e o grupo, o trabalho com o imaginário e a
conscientização do valor cultural do que produzem.
Dentro do espaço do Ateliê, nossa preocupação é dar condições para o
paciente poder expressar-se livremente, aprender a lidar com os
49
50
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 83.
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 83.
31
materiais e meios artísticos e retirar deles seus elementos de criação,
ao mesmo tempo que exercita sua atenção ao grupo e à arte produzida
por eles ou outras pessoas. (...) Finalmente, pretende-se com essas
atividades fazer com que os pacientes aprendam a lidar com seu
imaginário e a tomar consciência do valor cultural de seus trabalhos,
ou seja, mostrar que por intermédio da arte podem integrar-se ao
mundo externo.51
As obras produzidas pelos pacientes servem para a comunicação deles entre si,
com os orientadores e até com os visitantes do Ateliê. Segundo Ferraz, Osório César foi
um pioneiro nas ações de arte com doentes mentais no Brasil e as realizou baseado
numa teoria “... que se fundamentava na auto-expressão, a partir dos trabalhos
espontâneos, e que visava a um processo terapêutico e de reabilitação social.”52
Adamson considera que as razões para se promover a exposição de trabalhos
artísticos feitos por esquizofrênicos são, sobretudo, didáticas, e não estéticas. Em
relação à equipe médica, as pinturas sobre delírios de perseguição, por exemplo, podem
identificar como o doente se sente e contribuir para que os profissionais o tratem com
maior tolerância, a partir de uma compreensão do problema que o paciente enfrenta em
seu mundo interior, talvez povoado por delírios de perseguição estampados nas paredes
e objetos.
As obras dos doentes mentais também geram diversos impactos nos leigos,
desde a verificação de semelhanças de situações e emoções que ambos enfrentam e
dissolução de preconceitos até conclusões sobre a sua capacidade intelectual em realizar
tais criações.
As emoções expressas nos quadros são freqüentemente muito
identificáveis. A insegurança é uma constante. Os observadores
espantam-se com a possibilidade de identificar o limite preciso da
loucura. A pintura é uma maneira gráfica de ilustrar o fato de que os
doentes mentais estão ainda envolvidos em situações pelas quais nós já
passamos, mas que conseguimos resolver. Além disso, as exposições
eliminam a influência nociva da forma com que a loucura é
apresentado nos filmes de terror, e retiram da loucura o lado ridículo e
engraçado. Ainda hoje confunde-se doença mental e retardamento.
Muitas vezes me perguntam: ‘como é que essas pessoas puderam pintar
esses quadros?’, com se a pessoa que faz a pergunta se considerasse
diferente dos autores dos quadros. Talvez, inclusive, as pessoas
sensíveis e inteligentes sejam mais sujeitas às doenças mentais do que
as de inteligência mais limitada.53
51
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 111-112.
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 124.
53
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.p. 132.
52
32
Já a Terapeuta Ocupacional Teixeira considera isso uma exposição excessiva
da história do paciente: “Seria a mesma coisa que eu colocasse um microfone na sala
do psicólogo com o megafone ligado lá fora, é contar do mesmo jeito, ele está contando
pra mim no desenho. Então é preciso ter muito cuidado pra perceber isso.”
O objetivo da utilização específica da pintura e do desenho também se liga à
tentativa de uma estruturação mental do paciente e a comunicação dele consigo e com o
exterior, como explica Flávia do Bonsucesso Teixeira: “Uma forma de estabelecimento
da linguagem. É a forma de apreensão de uma linguagem, principalmente num
momento de crise porque o pensamento está muito desestruturado e aí há possibilidade
de organizar esse pensamento com as atividades é muito grande.”54
Teixeira fala da organização dos desenhos, conforme a mente do produtor,
quando se percebe a posição real do indivíduo, que pode ser diferente de sua
verbalização. “Eu me lembro de uma paciente que simulava um quadro de suicídio, de
depressão em que ela ia suicidar e aí ela foi pra sala da TO e aí o desenho dela cheio
de coração, cheio de flores, aí nós fomos pra reunião de equipe: ‘olha, nós estamos
preocupados porque ela ta verbalizando isso’, eu falei ‘ela está verbalizando isso, mas
ela expressa outra coisa, então vamos prestar atenção no que está acontecendo entre a
palavra e o fazer’. Então a gente conseguia muito avaliar o paciente, é um instrumento
de avaliação, de melhora, porque a gente conseguia seguir o pensamento dele.”
Para Jorge, a atividade terapêutica não se resume a uma ocupação do tempo, a
um fazer pelo fazer, mas tem um objetivo:
... o ato de fazer traz, em seu bojo, necessariamente, o pensar. E o
pensar traz consigo a necessidade de comunicar, o que pode se dar de
forma explícita, clara, ou de forma implícita, velada. Ninguém faz só
por fazer. Faz-se alguma coisa em busca de outra. E a busca será
sempre a do instrumento adequado do discurso e do prazer. Nessa
busca, muitas vezes dificultada por tantas variáveis, se empenham o
cliente e o TO.55
A TO é outra maneira de lidar com a realidade: “A TO busca prevenir e/ou
corrigir os defeitos e ‘mortes’ que o ócio e o abandono geram para o indivíduo; procura,
pelo trabalho criativo, fazer novos hábitos sociais, criar novos contatos com a realidade,
numa nova auto-imagem.”56
54
Entrevista concedida por Flávia do Bonsucesso Teixeira em 1°/12/2004.
Rui Chamone Jorge, Chance para uma esquizofrênica, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1980. p.1920.
56
Rui Chamone Jorge, Chance para uma esquizofrênica, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1980. p. 22.
55
33
Jorge também afirma a TO como forma de expressão e organização:
Pintar livremente atua de forma direta, tanto na organização
individual como sobre a organização social. Ao pintar, o sujeito busca
representar seu ideal, expressar sua visão de mundo, das coisas e das
pessoas, mesmo quando ele afirma que vai desenhar o que está
objetivamente vendo na realidade exterior.57
Sobre os resultados observados na aplicação dessas técnicas, Teixeira58 afirma
servir à elaboração de conteúdos internos e à expressão de conteúdos não evidenciados
por outras formas de comunicação; e, muitas vezes, a TO aparece como agente
principal: “Olha, trabalhando como TO eu percebi que não é um coadjuvante para o
tratamento, muitas vezes a TO é o principal tratamento, o coadjuvante é a medicação.
A medicação é necessária para que ele possa fazer, mas quem está realmente
trabalhando o conteúdo do delírio, o conteúdo da loucura, está sendo trabalhado via
expressão.”
Observamos que a arte é uma forma de recuperar as vozes do sujeito histórico,
é uma alternativa ao modelo médico que imprime tratamentos físicos aos pacientes.
Para a sua instalação como terapêutica, houve influências de Basaglia, do Movimento
de Luta Antimanicomial, da mídia, de protestos de artistas “loucos” e da cultura, além
do progresso dos tratamentos e pesquisas em psicologia, tanto é que, Uberlândia, a
aplicação da arte terapia a pacientes psiquiátricos se dá por intermédio de psicólogos,
tanto na rede municipal de saúde quanto na Clínica de Psicologia.
Sobre o tempo que é destinado a terapêutica ocupacional e o modo como são
realizadas, Teixeira afirma depender da instituição e do espaço disponível para a
realização de atividades. Muitas vezes, a organização externa influi na organização
interna, como se pode entender no seguinte trecho: “Geralmente a gente trabalha com
uma hora, mas paciente psicótico, em surto, dificilmente se consegue segurar uma
hora. Na UFU eu trabalhava todos os dias. No natal havia toda a perspectiva de
decoração daquele espaço deles de circulação. Nós enfeitamos a árvore com bombons
Sonho de Valsa e Serenata de Amor e a aposta geral era que não daria certo. E,
realmente, o lado que a enfermagem não colaborou, nós colocamos num dia, no outro
tinha sumido todos os bombons. Agora na enfermaria de crise, onde você espera a
desorganização e por isso uma possibilidade menor de cuidar, ficou até o dia 25, tudo
57
58
Rui Chamone Jorge, Chance para uma esquizofrênica, Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1980. p. 51.
Entrevista concedida por Flávia do Bonsucesso Teixeira em 1°/12/2004
34
intocado, ninguém mexia e eles mostravam pra todo mundo que ia lá: ‘olha o que é que
nós fizemos’. Tínhamos discutido que dia 25 eles poderiam tirar o bombom e dar pra
família. Num processo de crise ainda é possível conseguir uma organização externa. À
medida que se organiza externamente, são dadas informações pra essa organização
interna também .”
Em relação à emergência psiquiátrica, mais conhecida como “crise”, pode-se
compreender situações de crise e emergência (agitação delirante e maníaca); agitação do
paciente não-psicótico (transtornos da personalidade, histeria); depressão e bloqueio
psicomotor catatônico.
Segundo Teixeira, a colocação de limites também é observada como
terapêutica: “Eu acho que a atividade é fundamental nessa perspectiva da informação
que ela dá para o paciente, de limite... eu tinha um paciente muito interessante, ele
podia tudo, então tudo que eu trabalhava com ele eu margeava com barbante, pra ele
trabalhar dentro. Ele não dava conta! Ele passava por cima, ele rasgava o barbante,
tinha uma dificuldade imensa de trabalhar dentro do limite e ele era assim em outras
esferas também da vida, então a gente trabalhou muito com ele essa questão do limite,
da norma e a atividade ajudou muito nesse sentido, nessa organização.”
Teixeira exemplifica o tipo de terapêutica a ser ministrada em relação aos
resultados que se quer e ao tempo disponível para a sua realização: “Quando se fala de
hospital, é muito comum ouvir falar de horta. Quando eu cheguei na UFU, me falaram:
“ah, faz uma horta pros pacientes”. Eu falei “não, não vou fazer horta porque com
horta você trabalha com paciente de longo prazo.” Então o quê que me interessa
plantar com um paciente que não vai colher? Quando você tem uma longa
permanência, uma permanência média, dá pra pensar em termos de uma cenoura, de
45 dias, beterraba, aí você vai calculando quanto tempo e o que você vai plantar
porque não faz sentido nenhum plantar simplesmente por plantar e o destino que vai
ser dado a eles.”
Teixeira considera complicado realizar uma reinserção através do trabalho,
como se pensava no início da TO, uma vez que esta é uma forma capitalista de ver o
indivíduo, segundo ela. Também é possível se levar o indivíduo a participar da
sociedade através do lazer. Mas a visão da Terapia Ocupacional como estritamente
relacionada a trabalho é bem antiga. Segundo Finger, desde o ano 2000 a.C. já se
utilizava a ocupação e a diversão para o tratamento do humor. Ocorrem no mundo
algumas oscilações da ocupação terapêutica, ligada a pressões econômicas e
35
subestimação de tais atividades. Da segunda metade do século XVIII até o início do
XIX, a ocupação foi uma forma de tratamento na Espanha, Estados Unidos, França,
Inglaterra e Itália. As primeiras escolas de Terapia Ocupacional são abertas nos Estados
Unidos em 1915, no Canadá em 1926 e na Inglaterra em 1930. Em 1948 a profissão foi
reconhecida, e criada em 1951 a Federação Mundial de Terapia Ocupacional.
Observa-se que desde o início a TO esteve ligada à terapêutica de pacientes
psiquiátricos no Brasil, pois se inicia com as oficinas de sapataria, marcenaria, florista e
desfiação de estopa para o tratamento dos doentes do Hospício D. Pedro II, em 1854. A
terapêutica teve como propulsor o Diretor do Serviço de Assistência a Psicopatas,
Juliano Moreira, que
... em 1911 criou uma colônia para mulheres em Engenho de Dentro,
Rio de Janeiro, onde a terapêutica pelo trabalho passou a ser
executada com maior extensão. Entretanto, foi com a criação da
colônia Juliano Moreira em Jacarepaguá que o tratamento tomou
grande impulso, principalmente o trabalho de horti e fruticultura. Em
1946 foi criado no Rio de Janeiro o Serviço de Terapêutica
Ocupacional no Centro Psiquiátrico Nacional, cuja direção ficou ao
encargo da Dra Nise M. da Silveira. A finalidade deste serviço era a de
beneficiar o doente com uma ocupação livremente escolhida,
metodicamente dirigida e só eventualmente útil ao hospital.59
Conforme Finzer, das várias conceituações existentes, o Ministério da Saúde
regulamenta a profissão como relativa a restauração, desenvolvimento e conservação da
capacidade mental do paciente através de artes aplicadas e recreacionais, reabilitação
profissional como treinamento adaptativo, entre outras atividades. “A Terapia
Ocupacional é a arte de ensinar através das atividades e é um estudo integrado dos
fatores psicológicos, físicos e sociais.”60 Um termo muito utilizado em relação a Terapia
ocupacional é “experiência praxiterápica”.
Mário Catão Guimarães afirma a utilidade da terapia ocupacional como
coadjuvante no tratamento psicofarmacológico ou biológicos e reforça a importância da
presença de um elemento neutro na aplicação das atividades:
É do conhecimento de todos que lidam com pacientes que, toda
expressão pessoal de sentimentos e pensamentos, sejam estes
comunicados por meio de palavras, gestões, representação, pintura,
escultura, enfim, qualquer veículo de expressão possível de ser
utilizado pelo homem, quando transmitidos a alguém cuja resposta é
neutra, incentivadora e não destrutiva, e feita de maneira freqüente, a
59
Jorge Augusto Ortiz Finger, Terapia ocupacional, São Paulo: Sarvier, 1986. p. 4.
60
Jorge Augusto Ortiz Finger, Terapia ocupacional, São Paulo: Sarvier, 1986. p. 11.
36
um mesmo indivíduo ou grupo, gera modificações importantes na
personalidade, em geral, no sentido melhor.61
Na experiência de Teixeira, foram encontradas dificuldades enfrentadas quanto
a conseguir espaço para a realização de atividades esportivas, vinculadas a uma inserção
social pelo lazer: “Eu fiz um trabalho no ambulatório de Araguari e a inserção era pelo
lazer, então eu consegui fazer um time de futebol, nós conseguimos que eles tivessem
natação, fizessem hidroginástica, então pacientes que nunca tinham visto uma piscina
na vida. E quando o secretário de saúde liberou pra mim a quadra, liberou na sextafeira ao meio-dia, quando não tinha ninguém, porque ele tinha medo do que ia
acontecer. Quando nós conseguimos vencer essa barreira, nós já tínhamos os horários
de uma, duas, três e ainda tinha campeonato com as outras pessoas que entravam no
time e aí eu acredito muito na inserção pelo lazer, eu acho que é uma outra esfera da
vida que fica muito comprometida e aí é mais fácil dizer da esfera do trabalho.”
Teixeira aborda a ação alienante do trabalho, como é o caso do trabalho
parcelar: “O que me interessa fazer com que o paciente faça metade de uma bola que
ele não sabe onde vai parar nem o que vai ser, entendeu? Isso é alienante, não estou
colaborando com ele nisso. Você vê muito trabalho parcelar com presos, que a empresa
manda uma parte do produto pra ele fazer e ele devolve aquela parte feita, ele não tem
nem controle e nem conhecimento das técnicas e nem do produto final, e ele nem é dono
do produto, então isso é alienante. A Terapia Ocupacional teve uma vertente que eu
considero bastante alienante. Foi uma aliada grande principalmente nas grandes
instituições nesse processo de personificação do paciente. Hoje os terapeutas
ocupacionais trabalham de uma forma bem distinta.”
Segundo Teixeira, o início da Terapia Ocupacional foi vinculado à reinserção
pelo trabalho em detrimento à reabilitação pela arte, de Nise da Silveira: No Brasil ela
vem na década de quarenta, dentro daquele conjunto de ações que a ONU promove
pensando nos refugiados de guerra, então era muito pensando na reabilitação pelo
trabalho. Mas quando a TO chega, já existia o trabalho da Nise da Silveira, que foi
totalmente desconsiderado na literatura. Nise da Silveira hoje entra na literatura, mas
ela foi muito deixada à parte e aí o olhar da reabilitação foi muito forte na terapia
ocupacional e aí a reabilitação se dava pelo viés do trabalho. Naquele momento era
61
Catão Guimarães, Prefácio. In: Rui Chamone Jorge. Chance para uma esquizofrênica, Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1980. p. 15
37
necessário que isso acontecesse. Agora, hoje, se a gente disser que um sujeito só se
reabilita pelo trabalho, a gente tem que internar um monte de gente.
As mudanças na TO começam em 1970, com outras correntes de pensamento:
Tem, a partir de 70, quando os profissionais da TO começam a sair pra fazer os seus
pós-doutorados, doutorados e mestrados vão ser muito influenciados pela filosofia e
pelo marxismo, então a Léia Beatriz foi a primeira a defender, a dissertação de
mestrado dela chama “Terapia Ocupacional – lógica do capital ou do trabalho”. Então
você começa a perceber as críticas: “olha, isso a gente não está fazendo mais; não é
essa a perspectiva da Terapia Ocupacional, de ocupar o paciente pra que ele não dê
trabalho pro médico; ocupar o paciente, a perspectiva do resgate de um sujeito através
da atividade, isso é possível? Há um espaço pro paciente falar a partir da atividade.”
Sobre a vinculação entre loucura e arte, esta possibilitaria a ligação do paciente
com a realidade. Segundo Crowcroft, a perda de contato completa com a realidade é
rara.62 “Ninguém delira que é gari da prefeitura, então é sempre com mais, então assim,
você vai observando nos delírios que eles têm importantes laços com a realidade e que
se expressam através da pintura, da colagem, no desenho. Então é oportunizar esses
laços com a realidade, eu acho que a atividade faz isso”, afirma Teixeira.
É falso o mito de que o doente ignora sua loucura. Ele tem uma consciência
original sobre sua doença, tomada no interior dela mesma, ou seja, inserida no processo.
“A maneira pela qual um sujeito aceita ou recusa sua doença, o modo pelo qual a
interpreta e dá significação a suas formas mais absurdas, tudo isto constitui uma das
dimensões essenciais da doença.”63
Essa consciência também se lança em direção a um mundo patológico de
estruturas existenciais com características singulares, em que há perturbação, percepção
das formais temporais, espaciais, do mundo social e cultural e da própria esfera
individual. As formas temporais referem-se às noções sobre iminência de catástrofes,
fragmentação, saltos, repetição do tempo, noção de eternidade, passado que não passa.
Nas formas espaciais, as distâncias desmoronam-se – visões e vozes que
sabe-se estarem longe aparecem aqui, num quase-espaço; os objetos se aproximam e
distanciam, misturam-se; em outros casos, o espaço torna-se insular e rígido, os objetos
perdem seu índice de inserção, não podem ser utilizados, não têm vínculo com os
62
63
Andrew Crowcroft, O psicótico. Compreensão da loucura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.P. 134.
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 58.
38
demais; daí a importância dos muros, de tudo que fecha e protege em função da
ausência de unidade interna nas coisas.
Quanto ao mundo social e cultural, o outro passa a ser o Estranho; há
estranheza diante da linguagem e do corpo do outro, da certeza de existência dele;
distanciamento de um universo inter-humano; os símbolos adquirem a gravidade dos
enigmas; ou então há pseudo-reconhecimentos, em que os outros são um Outro maior,
com máscaras que escondem um mesmo perseguidor.
Na perturbação da esfera individual, o próprio corpo deixa de ser o centro de
referência e altera-se, torna-se espesso, “... tende a uma objetividade na qual a
consciência não pode mais reconhecer seu corpo”64, o sujeito se sente máquina
impulsionada por uma exterioridade misteriosa; ou se tem uma consciência plena do
corpo que extenua-se até ser consciência de uma vida incorporal, “... e esta vida, que
não é mais do que consciência de imortalidade, esgota-se numa morte lenta que ela
prepara pela recusa de qualquer alimento, de qualquer cuidado corporal, de qualquer
preocupação material”.65
O delírio, como expressão de si, pode ser extremamente organizado, com uma
forma racional perfeita, só que exagerada, segundo Teixeira. “Ele tem sua própria
lógica interna e é preciso ter um tempo pra se entender, pra saber o que ele representa,
porque muitas vezes a ansiedade de se conter o delírio é tão grande que você não
consegue nem chegar a perceber o paciente delirando porque a medicação atinge de
uma forma muito violenta. Então, quando você pega um paciente delirando, é muito
interessante sim, que conteúdo tem e como isso se expressa no desenho.”
Teixeira exemplifica o uso da TO para trabalhar o delírio e a forma como o
paciente encara o processo a fim de resolver o problema interno, e não a aplicação da
arte apenas com a finalidade de se ter um bom resultado, à primeira vista, ou uma
verbalização que o faça compreensível: “Eu tinha um paciente maravilhoso, ele desenha
belíssimo, então todo mundo queria que ele desenhasse. Então, quando eu cheguei, eu
troquei de atividade, coloquei ele na cerâmica. Então todo mundo falou “nossa, mas
ele faz tão bem os desenhos”. Falei “gente, ele só delira nos desenhos, e era mesmo só
super-herói e ele era o super-herói, falei “olha, ele está o tempo todo reverberando em
cima de um delírio, vamos tentar tirar esse núcleo dando pra ele uma atividade que
64
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 66. Grifo no
original.
65
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 66.
39
seja tridimensional, que é ele que vai fazer, que tenha a ver com a vida dele.” Aí eles
ficaram meio assim mas toparam. E aí um dia nós chegamos e perguntamos: “e aí,
você está melhor?” Ele falou “não, tô muito ruim”. Aí: “mas por que?”, “ah, eu não
subo mais pelas paredes.” Então assim, o critério nosso de estar bom pra ele não
estava, então era muito interessante.” O que vale, portanto, é a maneira de tratar o
conflito interno; neste caso, através da cerâmica.
PSICOLOGIA E PSIQUIATRIA
A professora Maria Lúcia Castilho Romera66, juntamente com os colegas da
Clínica Psico, promoveu pela primeira vez um evento em Uberlândia que reuniu arte e
psicanálise, nos anos 90. Ela também levava os alunos da disciplina Psicopatologia à
enfermaria de Psiquiatria, a partir dos anos 80, com fins didáticos. Em suas aulas,
Romera questionava o significado de “loucura”, com base na filosofia de Michel
Foucault. “Eu comecei a verificar que o espaço oficial, formal não traria pra mim e
para os alunos a dimensão da loucura que eu queria ensinar; traria a dimensão da
doença mental, então os alunos aprenderiam acerca da doença mental mas não
aprenderiam acerca da loucura porque nem sempre a loucura foi doença mental.”
O indivíduo se faz, também, no nível singular, ou seja, tem características
próprias, além das determinadas pelas condições ambientais e econômicas da nação em
que sobrevive. “Está o objeto da psicologia de tal maneira entrelaçado na história que o
papel do indivíduo não é redutível a simples função das condições econômicas.”67 Falase, então, de um campo energético humano, que por certo é responsável pela
questionada motivação para o trabalho.
Para Horkheimer, a fim de uma devida compreensão da realidade, é
primordial a utilização do estudo de fatores psíquicos. O funcionamento de uma
organização social ou a manutenção de outra em declínio são condicionadas
psiquicamente. “Particularmente, o mais importante numa análise de determinada época
histórica é conhecer as forças e disposições psíquicas, o caráter e a capacidade de
mudança dos membros dos diversos grupos sociais.”68
66
Entrevista concedida em 8/12/2005 pela psicanalista e professora Dra. Maria Lúcia Castilho Romera,
Docente do Curso de Psicologia da UFU.
67
68
Max Horkheimer, Teoria crítica, São Paulo: Edusp, 1990, p.20.
Max Horkheimer, Teoria crítica, São Paulo: Edusp, 1990, p.21.
40
Foucault expõe amplamente em Doença mental e psicologia sobre a
dificuldade do doente em relação ao tempo e ao espaço; sua consciência está
desorientada, obscurecida, limitada, fragmentada, o que desencadeia reações que
parecem exageradas e violentas. A doença não é só ausência de condutas, aptidões e
memória, “a essência da doença não está somente no vazio criado, mas também na
plenitude positiva das atividades de substituição que vêm preenchê-lo.”69
Romera70 ministrava aulas também teóricas em torno da desmistificação da
doença mental, mergulhando no campo filosófico: “Então eu tentava transmitir algo da
crítica a esse sistema classificatório decorrente do positivismo, do iluminismo com
Michel Foucault, que era uma leitura árdua e eu contei nessa época com a ajuda
preciosa do Tiago Adão Lara71, que era uma figura sempre presente nas aulas de
Foucault pra ajudar a gente a pensar. O texto “Doença mental e psicologia” foi várias
vezes discutido com o Tiago, pra ajudar a pensar e problematizar a questão da doença
mental.”
O livro Doença mental e psicologia é preenchido por exemplos de casos
estudados por vários autores, a seguir é apresentada a evolução da noção de neurose
segundo Freud como regressão individual, a interpretação de Jackson sobre a doença,
tendo a infra-estrutura cerebral como base física da consciência e a de Janet quanto a
regressão do doente a formas arcaicas de comportamento, com linguagem, gestos e
imaginação destoantes.
Estas análises, segundo Foucault, situam-se nas fronteiras do mito da
substância psicológica (libido, força psíquica) em evolução ou regressão, ou da
identidade entre o doente, o primitivo e a criança. Em seguida, analisa a insuficiência
destas grandes linhas explicativas da doença mental. Segundo a análise de Noronha,
estas linhas, “... ao invés de descreverem a doença mental nos termos negativos de
deficiências, ressaltam os conflitos entre o passado e o presente do indivíduo e entre sua
existência interior e sua existência exterior.”72
A diferença e a relação entre evolução patológica e história individual é
determinante para o entendimento das teorias psicológicas. “A evolução psicológica
integra o passado ao presente numa unidade sem conflito (...); a história psicológica
69
70
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 24.
Entrevista concedida em 8/12/2005.
71
Ex-professor da UFU.
Nelson Noronha, Doença mental e liberdade, Campinas, SP: Unicamp, 2000. (Tese de Doutorado) p.
64.
72
41
ignora uma junção semelhante do anterior e do atual.”73 O devir psicológico une ambas;
o erro da psicanálise e de algumas das psicologias genéticas seria não ter apreendido a
junção das dimensões da evolução e da história no psiquismo. Freud acede a esta última
com a noção de libido, unindo-a a todo um mundo de simbolismo.
O chamado louco tem a necessidade de se defender do presente, por isso se
protege e foge dele; assim, a defesa psicológica é uma conseqüência histórica; e em
torno desta teoria da defesa desenvolve-se a psicanálise. “Assim como o medo é reação
ao presente exterior, a angústia é a dimensão afetiva desta contradição interna.”74
Afirma-se a doença a partir de uma ligação entre presente e passado em que não existe
uma integração progressiva.
Sobre a diferença entre loucura e doença mental, Maria Lúcia afirma um
conceito relacionado à diferença, concordando com a linha mestra desta pesquisa: “A
história das idéias mostra que a sociedade, a cada momento, tem que denominar de
alguma forma aquilo que lhe é exterior, diferente. E isso é a loucura, o homem se
desconhece na sua totalidade e ele estranha aquilo que ele acha que não é dele. Em
algum momento, isso foi denominado doença mental e se configurou no campo da
medicina como uma doença a ser tratada e curada. Não é que está errado, só que não
podemos tratar como sendo o único modo de conceber as nuances emocionais, afetivas
e conflitivas do ser humano.”
Para Foucault, a psicologia da evolução deve ser completada pela psicologia
da gênese que descreve o sentido atual das regressões. Evitar ter como modelo as fases
biológicas para encontrar as significações psicológicas pelas quais se ordenam as
condutas mórbidas.
A loucura exige um novo tipo de análise, muito diferente das ciências da
natureza, da análise discursiva, da causalidade mecânica, da história biográfica de
encadeamentos sucessivos e determinismo em série. Uma análise sobre a própria
existência, para além das manifestações da doença, a compreensão fenomenológica a
partir do interior da experiência, embora a doença mental resista a qualquer
compreensão. Assim ocorre com fenômenos como a irrupção de imagens na consciência
e outros, “como estes ‘meteoros psíquicos’ que só podem explicar-se por uma ruptura
do tempo da consciência, pelo que Jaspers denomina uma ‘ataxia psíquica’; finalmente
são estas impressões que parecem tomadas de uma matéria sensível totalmente estranha
73
74
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.p. 29.
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.p. 50.
42
a nossa esfera: sentimento de uma influência por campos de forças ao mesmo tempo
materiais e misteriosamente invisíveis, experiência de uma transformação aberrante do
corpo.”75 A compreensão da consciência doente e a reconstituição do seu universo
patológico são as tarefas de uma fenomenologia da doença mental.
O mundo mórbido não é explicado pela causalidade da história psicológica,
mas esta só é possível porque esse mundo existe. Mas seria preciso interrogar sobre a
noção de “mundo mórbido” de mundo do homem normal para entender como o
indivíduo abandona a realidade:
Mas esta existência mórbida é marcada, ao mesmo tempo, por um
estilo muito particular de abandono ao mundo: perdendo as
significações do universo, perdendo sua temporalidade fundamental, o
sujeito aliena esta existência no mundo onde resplandece sua
liberdade; não podendo deter-lhe o sentido, abandona-se aos
acontecimentos; neste tempo fragmentado e sem futuro, neste espaço
sem coerência, vê-se a marca de uma destruição que abandona o
sujeito ao mundo como a um destino exterior. (...) Nesta unidade
contraditória de um mundo privado e de um abandono à
inautenticidade do mundo, está o cerne da doença.76
O internamento toma a significação médica com a reforma de Pinel, Tuke,
Wagnitz e Riel, símbolos, na medicina, do advento humanista e da ciência positiva. O
asilo ideal, montado por Tuke em York, tem a característica de uma quase-família, no
qual o louco é submetido a um rígido controle social, moral e uma dependência comuns
à vida familiar, de modo a incutir no louco uma culpabilidade. O médico, agente de
sínteses morais, faz mais um controle ético do que uma intervenção terapêutica.
As práticas médicas referentes à loucura na idade clássica eram psicológicas
e físicas ao mesmo tempo; foram tomadas por Pinel e seus sucessores num contexto
repressivo e moral, como a ducha e a máquina rotatória, ambas de caráter punitivo.
A partir desse momento, a loucura deixou de ser considerada um fenômeno
global relativo ao corpo e à alma, por meio da imaginação e do delírio e passa a ser
visto como relativo à psique, à interioridade.
Romera77 reconhece a necessidade de a psicologia estar mais próxima do
fenômeno e da subjetividade: “Então era essa a dimensão que eu entendia que devia ser
dada no curso de Psicologia para os psicólogos tratarem mais da psique e não do
75
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 57.
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 68-69.
77
Entrevista concedida em 8/12/2005
76
43
comportamento, porque a psicologia, como se fundou como ciência positiva,
examinando o comportamento, ela alijou do seu campo de pesquisa os fenômenos que
não eram visíveis e a subjetividade é visível através de outra perspectiva que não a
simplesmente sensorial, existe uma série de procedimentos para a captação disso que
não são dados pelo experimentalismo.”
Se antes havia o castigo e a exclusão como marcas da relação com a loucura
no nível exterior, agora a loucura se insere no sistema de valores e das repressões
morais, no qual ela se acha ligada ao erro, de caráter interior; daí, a psicopatologia é
comandada pelos temas das relações da liberdade com o automatismo; fenômenos de
regressão e estrutura infantil das condutas; agressão e culpa.
Esta vinculação da psicologia com a esfera moral impede a experiência
direta com a loucura, no que ela se apresenta como porta ao conhecimento de si mesmo.
Esta experiência da Desrazão na qual, até o século XVIII, o homem
ocidental encontrava a noite da sua verdade e sua contestação
absoluta vai tornar-se, e permanece ainda para nós, a via de acesso à
verdade natural do homem..78
Romera se referenciava num discurso de proximidade para com o
paciente/doente mental, alimentada durante a sua formação profissional/educacional, de
forma a dar espaço também ao discurso dele. Nesta proximidade, o objetivo era a
comunicação: “O que eu queria era transmitir para o aluno um conhecimento que eu
vinha adquirindo desde a graduação que era o contato mais livre com o doente mental,
o menos formal possível. Na época que eu fazia graduação era quase proibido para o
psicólogo trabalhar com psicótico porque eles entendiam que o psicótico só podia ser
tratado com remédio pelo psiquiatra. Eu fui tendo contato, felizmente, com pessoas e
até com psiquiatras que pensavam de uma maneira um pouco diferente, que era
possível trabalhar com aquele discurso ínfimo do psicótico, mas com conteúdo
delirante, que o delírio transmitia alguma forma de comunicação do que ele sentia, da
visão de mundo.”
Integrada com as mudanças na psiquiatria, Romera teve contato com
comunidade terapêutica, uma experiência também precursora dos atendimentos extrahospitalares e além do modelo médico: “Acabei fazendo uma residência na Clínica
Pinel, em Porto Alegre depois que eu acabei o meu curso e lá eu convivi de uma forma
78
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 85-86.
44
diferente com os doentes mentais, trabalhando mais na direção da ‘loucura’, de Michel
Foucault, com comunidade terapêutica e também com a psicanálise. Foi aí que eu
descobri que a psicanálise, apesar das limitações da psicanálise em relação ao
trabalho com psicótico, mas ela tinha avançado muito, se comparada aos progressos
da psicologia experimental, que tinha se restringido mesmo ao observável e aos
animais. Então a psicanálise, não com Freud que quase não falou a respeito da psicose,
mas tinha feito com Lacan, com Melanie Klein e Jung trabalhos e teses sobre psicose
dentro de uma outra perspectiva que não a do modelo médico.”
A comunidade terapêutica seria cooperativa de habilidades intelectuais e
recursos emocionais; na base da terapia social está o conceito de cultura, que carrega as
tradições e valores de uma comunidade. Segundo a definição clássica, a comunidade
terapêutica seria um centro terapêutico com a participação diária dos seus membros
entre si mesmos, tanto equipe de saúde quanto pacientes79.
A melhora do paciente pode ocorrer com a realização de trocas entre o subjetivo
e a realidade exterior organizado adequadamente para transmitir a sensação de
segurança:
O ego desorganizado do psicótico é assaltado por fantasias e
problemas de comunicação realista, tanto com o mundo exterior
quanto interior, problemas decorrentes de sua dificuldade em
distinguir entre a fantasia e a realidade. (...)A fim de ajudá-lo, devemos
dar-lhe tantas oportunidades quanto possível de ‘testar a realidade’;
ou seja, permitir que ele compare suas experiências subjetivas com a
realidade do mundo verdadeiro.”80
Entre as características que o ambiente deveria oferecer ao paciente para
ajudá-lo na restituição do ego, conforme Crowcroft, estaria o convívio com outros
pacientes e com uma equipe médica que o apóie no sentido de viver efetivamente. Para
voltar ao mundo exterior o paciente precisaria encontrar bases na comunidade que lhe
assegurem desenvolvimento e sobrevivência, com otimismo realista.
Crowcroft afirma que a loucura tornou-se mais aceitável ao ser encarada como
doença em substituição ao estigma que apavorava médicos e leigos anteriormente.
Assim, o restabelecimento das relações sociais só traz benefícios ao paciente:
Sabemos hoje que o ambiente social pode contribuir para a terapia –
auxiliando ou prejudicando a recuperação. Os novos métodos de
tratamento da psicose procuram, entre outras coisas, evitar uma
79
80
Andrew Crowcroft, O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.P. 185
Andrew Crowcroft, O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P. 186.
45
ruptura social, que é a causa mais comum das internações. Por um
lado, o hospital para doentes mentais necessita modificar sua função
social; em vez de oferecer apenas uma espécie de proteção estéril, deve
proporcionar situações sociais terapêuticas. Por outro lado, as atitudes
populares relacionadas com as doenças mentais precisam ser
transformadas, caso nossa sociedade não queria oferecer condições
antiterapeuticas.81
A terapia social faz parte da Psiquiatria Social que, segundo Crowcroft, se
refere aos estudos quanto ao meio hospitalar e às experiências com comunidades
terapêuticas, a pesquisa epidemiológica, ecológica e as influências interculturais.
A inserção do usuário na sociedade também foi defendida por Crowcroft
como forma de permitir o contato com uma parte da mente que permanece sadia,
enquanto que a internação prolongada pode ser prejudicial, pois impede a comunicação
com o meio social. Tais idéias posteriormente foram defendidas pelo movimento da
reforma psiquiátrica. Em se tratando de arte terapia, várias são as atividades que
possibilitam o contato do usuário com o meio social como as exposições de obras
produzidas pelos pacientes ou as apresentações artísticas.
A terapia social consiste na personalização das relações entre usuários,
médicos e enfermeiras; é uma terapêutica democrática, onde a comunicação entre os
vários envolvidos no processo hospitalar é livre. Neste tipo de prática hospitalar, com
reuniões periódicas da equipe médica, há constante reavaliação das capacidades dos
pacientes. Verificamos a ocorrência de reuniões clínicas deste tipo no Setor Psiquiátrico
do Hospital de Clínicas de Uberlândia. A importância psicológica desta prática seria sua
característica de ser voltada para a reabilitação social:
... onde todos os contatos feitos pelo paciente são avaliados em função
de seus efeitos terapêuticos – contatos com as enfermeiras, com os
terapistas ocupacionais, no clube social dos pacientes, na sala de
música ou de arteterapia. O paciente recebe a responsabilidade, tão
logo esteja em condições de gozá-la, de organizar atividades sociais ou
entregar-se a certas atividades.82
Observamos que a prática psiquiátrica em Uberlândia, numa espécie de
terapia social, se completa com o amparo da rede de saúde mental, que inclui
atualmente os CAPS e as unidades de saúde, enquanto que o Hospital de Clínicas é o
gestor do processo.
81
82
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.p. 11.
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.p. 179.
46
Na comunidade terapêutica ideal, segundo Crowcroft, entende-se a
importância do apoio social, a fim de diminuir as conseqüências sociais da doença e
diminuir a sua intensidade. A opção pela prioridade das relações, como forma
terapêutica de atendimento, é realizada por ser neste item que o psicótico encontra
dificuldades. Neste sentido também trabalham os CAPS, como centros de convivência e
atividades para o usuário.
No Brasil, desde o ano 2000 tem-se o apoio oficial a práticas no sentido de
humanizar o atendimento aos pacientes psiquiátricos, o que seria uma adaptação da
terapia social que Crowcroft cita. Trata-se do Pnhah – Programa de Humanização da
Assistência Hospitalar, através de grupos de trabalho de humanização, nos hospitais.83
Seria mais uma forma de apoio social ao usuário, além do oferecimento de cuidados de
saúde.
Ao lado da terapia social, também surgem novas práticas em torno do
entendimento da saúde mental. Assim, no final dos anos 80, a professora Maria Lúcia C.
Romera possibilitava aos alunos de psicologia o contato direto com os pacientes
psiquiátricos: “Estávamos entrando no ambiente médico e havia pouco espaço para o
psicólogo, então o espaço que tinha e era o mais legal era o do pátio, onde havia
contato com o público. Era no canto do bloco e aberto, tinha só cerca e as pessoas
passavam na rua. Dava problema, às vezes as pessoas passavam e tinham medo,
pediam pra fechar, tanto é que fecharam depois.”
Nesses contatos dos alunos com o meio psiquiátrico, brotaram as atividades
terapêuticas informais, guiados pela experiência de Romera com atelier terapêutico e
grupo operativo: “Os alunos foram pra lá e começaram a fazer o que era possível:
conversar, cantar, às vezes um aluno tocava violão. Não tinha a idéia de ‘oficinas de
arte’, não tinha esse conceito. Eu trazia um conceito de atelier terapêutico que eu tinha
visto em Porto Alegre, além de grupos operativos.”
O atelier terapêutico visava a expressão e a comunicação entre o grupo e o
paciente.“E o atelier ia criar uma condição pra que os pacientes tivessem recursos
expressivos e que nós tivéssemos, através desses recursos, mais chance de
comunicação. E era isso, qualquer instrumento era um objeto de transição pra
comunicação.”84
83
84
Conforme http://www.portalhumaniza.org.br/ph/texto.asp?id=30 em 8/1/2005 – 18:00 h.
Entrevista concedida em 8/12/2005 por Maria Lucia C. Romera.
47
Segundo Carvalho85, as oficinas criativas de arteterapia podem seguir um roteiro
a iniciar-se com a sensibilização, que é o estabelecimento, para o paciente, de uma
relação diferenciada consigo e com o mundo; a seguir vêm as etapas de expressão livre
e a elaboração da expressão, na qual o paciente faz a leitura mental da obra e reelabora
os conteúdos que apareceram no momento da atividade criativa; a transposição para a
linguagem, quando o sujeito usa a linguagem verbal para comentar o trabalho realizado;
a avaliação, em que o sujeito revê o processo realizado na oficina, como uma
experiência que pode ser útil em seu movimento interno.
A arte terapia engloba várias modalidades artísticas, como a modelagem em
cerâmica, escultura, colagem, pintura.
Durante as sessões, são trabalhadas as cores através de modalidades
artísticas. Cada modalidade tem propriedades terapêuticas inerentes e
específicas, cabendo ao arteterapeuta construir um repertório de
informações adequadas a cada uma, com o intuito de adequar essas
modalidades e materiais às analogias e tipos clínicos atendidos.
Quanto mais materiais e técnicas possíveis, mais possibilidades são
abertas às expressões e a criatividades através das cores.86
Conforme Carvalho87, a utilização de cores em arte terapia, além de
possibilitarem a expressão do sujeito, favorece a criatividade e espontaneidade, pelo
desenvolvimento
dos processos mentais de elaboração,
de flexibilidade,
de
originalidade e de fluência, facilita o auto-conhecimento e a expansão da estrutura
psíquica do indivíduo e promove a socialização, pela interação e compartilhamento de
experiências.
Vários foram os trabalhos realizados durante essas atividades de campo com
os alunos de Romera, com o apoio da enfermagem: “Pintura, sessão de poesia,
trabalhos manuais de acordo com o que os pacientes sabiam – se alguma paciente
sabia fazer tricô, ela levava – era muito espontâneo a constituição desse lugar. Nessa
época, um enfermeiro, o Luís, ficou muito interessado nessa forma de trabalhar e
começou a fazer aulas de ginástica toda manhã, porque no horário da manhã os
pacientes tinham dificuldade de acordar e tinha um remédio para dar às sete horas.
85
Dina Alice Carvalho, Contribuições da Arte Terapia no Tratamento de pacientes Portadores de
Transtornos Mentais, Goiânia, 2003. (Monografia de Especialização em Arte Terapia Holística –
Universidade Potiguar/RN e Alquimy Art/SP) p. 26-29.
86
Dina Alice Carvalho, Contribuições da Arte Terapia no Tratamento de pacientes Portadores de
Transtornos Mentais, Goiânia, 2003. (Monografia de Especialização em Arte Terapia Holística –
Universidade Potiguar/RN e Alquimy Art/SP) p. 31. Grifos no original.
87
Dina Alice Carvalho, Contribuições da Arte Terapia no Tratamento de pacientes Portadores de
Transtornos Mentais, Goiânia, 2003. (Monografia de Especialização em Arte Terapia Holística –
Universidade Potiguar/RN e Alquimy Art/SP) p. 30-31.
48
Esse enfermeiro revolucionou porque tirou a roupa de enfermeiro e pôs a roupa de
ginástica e os pacientes começaram, a família a trazer alguma roupa quando tinha,
porque havia paciente muito pobre lá. Quando não, alguém dava uma roupa. Aí, não
sei como, ele arrumou colchonetes de academia e transformou o pátio interno numa
academia matutina. Foi a melhor época de entrosamento da Enfermagem com a
Psicologia porque a gente tinha essa idéia comum, não era nada elaborado, mas a
idéia de que as atividades ajudariam nas relações cotidianas dos pacientes. Fizemos
alguma atividades juntos.”
As atividades realizadas tentavam modificar uma situação institucional de
fechamento, com formas de tratamento arraigados88: “Depois disso, o professor Sérgio
Kodato começou a desenvolver um estágio com alunos da Psicologia, com o propósito
de maior organização. Tinha o diário de bordo, os pacientes ajudavam a fazer as
anotações, os psicólogos também, porque era o jeito de quebrar a forma instituída de
fazer os relatórios. Os prontuários eram quase ininteligíveis; então no diário de bordo,
quem quisesse, escrevia, registrava o que quisesse e era mais acessível que os
prontuários. Então eu acho que foi um momento muito importante pra criar uma certa
crise e as pessoas começarem a pensar de um outro jeito aquela situação do hospital,
que era um pouco fechado demais.”
A experiência na Enfermaria do HCU também permitiu o contato com os
médicos, com o objetivo de produzir modificações no ambiente hospitalar, segundo
Romera. “Eu fiz vários anos essa experiência porque também aproximava os médicos
dos psicólogos. Os médicos davam algumas aulas, eu dava outras aulas, as
perspectivas eram diferentes. O Tiago chegou a ir lá também. Era uma coisa meio
louca colocar Michel Foucault dentro do hospital, parece que é uma coisa que não
combina. No entanto, acho que é a intervenção, a ação que pode realmente criar
alguma crise, mas não que a gente saiba pra onde tem que ir, porque o sofrimento que
aqueles pacientes expressam é muito grande.”
Romera aborda os motes da antipsiquiatria para mostrar que o tratamento
medicamentoso é válido, mas não deve ser o único modo de lidar com o paciente:
“Então, falar só que a loucura não é sinônimo de doença mental e que a doença mental
tem que ser questionada é muito complicado porque as pessoas sofrem muito e a gente
não pode desconsiderar esse sofrimento. E o psiquiatra tem uma ajuda efetiva nisso. Há
88
Entrevista concedida em 8/12/2005 por Maria Lucia C. Romera.
49
um momento em que a pessoa não tem condição mesmo de se reconhecer no mundo e
ela precisa de uma ajuda medicamentosa. E eu não acho que o remédio seja errado, eu
acho que é errado pensar que só o remédio pode ajudar a pessoa a viver em condições
mais humanas. Então, foi um momento muito frutífero, a gente trabalhava com várias
coisas e fomos meio que criando uma condição de mais familiaridade do psicólogo com
a psiquiatria, com os doentes mentais. Nesse período eu fazia o mestrado viajando.”
A este respeito, Foucault se coloca não contra a psiquiatria, mas denuncia o
processo de medicalização instituído sobre os pacientes, que não teve a vantagem de
modificar a posição ocupada pelo louco na sociedade, a exclusão observada tanto em
sociedades primitivas como avançadas; o remédio seria a marca da transformação do
louco em doente.
Não busco negar a psiquiatria, mas essa medicalização do louco
produziu-se bem tarde historicamente, e não me parece que este
resultado tenha exercido uma influência profunda sobre o status do
louco. Além disso, se essa medicalização produziu-se foi, como eu disse
há pouco, por razões essencialmente econômicas e sociais: foi assim
que o louco foi identificado ao doente mental e que uma entidade
chamada de doença mental foi descoberta e desenvolvida. Os hospitais
psiquiátricos foram criado como alguma coisa simétrica em relação
aos hospitais para as doenças físicas.89
Ao contrário de Foucault e concordando com Romera sobre os benefícios da
utilização de medicamentos, encontramos o médico Deepak Chopra, que une
conhecimentos da medicina conservadora aos saberes indianos. Vemos que, mesmo
adepto da cura mente-corpo, Chopra se pronuncia a favor de terapia medicamentosa
para os doentes mentais.90
A capacidade dos modernos psicotrópicos – as drogas
influenciadoras da mente que aliviam os principais sintomas de
doenças mentais como depressão, manias, ansiedade e alucinações –
é muito maior do que a de qualquer tratamento existente no passado.
A psiquiatria química provavelmente estará alinhada ao lado de sua
oponente, a medicina mente-corpo, formando a revolução médica do
nosso tempo. Ela tem apresentado sérios resultados clínicos para
confirmar isso, inclusive com numerosas indicações de que os
desequilíbrios químicos do cérebro estão diretamente ligados a
doenças mentais.91
89
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.p. 266.
Deepak Chopra é um médico indiano, com clínica nos Estados Unidos, fundador da Associação
Americana de Medicina Védica, baseada nas antigas tradições indianas, que se situa fora da medicina
conservadora.
91
Deepak Chopra. A cura quântica – o poder da mente e da consciência na busca da saúde integral. São
Paulo: Ed. Best Seller. s/d. P. 47.
90
50
Mesmo assim, Chopra afirma a capacidade da força do mundo subjetivo
gerar e curar a doença, como pretende a arte terapia:
O corpo possui muitas substâncias químicas (literalmente, milhares
delas) produzidas em padrões espantosamente complexos, que
surgem e acabam rapidamente, quase sempre em frações de segundo.
O que controla esse fluxo constante? Não podemos desvincular a
mente da união mente-corpo.92
Afora toda a tradição ocidental da separação bipolar de Descartes, tão
intrincada no falar cotidiano, exemplificada na expressão “homem-máquina” em torno
da qual se edificou a medicina, mente-corpo aparecem, nas pesquisas desse médico
indiano estabelecido na América, como partes completamente interligadas que sofrem e
geram conseqüências reciprocamente.
A psicóloga Maria Lúcia C. Romera parece concordar com esse ponto de vista
de que existe uma correlação mente-corpo e que a medicação pode ser utilizada
juntamente a outros procedimentos terapêuticos. Sobre as idas e vindas do modelo
médico, ela cita o período em que interrompeu a atividade docente para seguir os
estudos e outras professoras continuaram o trabalho com os alunos e pacientes. “Aí eu
interrompi essa atividade para fazer o doutorado, acho que em 88, com liberação e
algumas psicólogas continuaram, muitas coisas foram feitas. Houve momentos de
recrudescimento do modelo médico, no sentido de ser eminentemente médico o serviço
e outros momentos em que havia abertura para psicólogo, artista plástico, mas sempre
teve esse movimento de outros profissionais por ali.”
A sua idéia, agora, era de montar atividades terapêuticas em psicologia,
coincidindo com o discurso do movimento de luta antimanicomial: “Quando eu voltei,
achei que deveria instituir um serviço na Psicologia. A idéia inicial era que os
pacientes, depois do período de internação - já começava um questionamento grande
das internações longas, que os pacientes ficavam dois meses no hospital, então tinha
que ter internações mais curtas e serviços ambulatoriais, que hoje é a realidade que se
coloca mais, preferencialmente o atendimento ambulatorial e não a internação.”
Romera aproveitou o espaço da Clínica de Psicologia para criar as oficinas
terapêuticas. “Então eu pensei que seria legal criar um serviço na Psicologia, pensei em
fazer os ateliês terapêuticos. Só que quando eu fui dar esse nome, a clínica de
92
Deepak Chopra. A cura quântica. São Paulo: Ed. Best Seller. s/d. P. 49.
51
Psicologia firmou convênio com o SUS, que não tinha essa nomenclatura, a que tinha
era ‘oficina’. Foi por isso que começou essa história de oficina, que começamos na
clínica de Psicologia da UFU, com intercâmbio com a Psiquiatria, que durou de 91 a
98.”
As atividades desenvolvidas na Clínica de Psicologia se tornaram possíveis
através de repasse de verbas pelo SUS, conforme a legislação que altera o
financiamento das ações e serviços de saúde mental. Como “política pública se faz
conhecer quando se define o seu financiamento”93, os discursos pela introdução de
práticas alternativas à terapia medicamentosa e asilar puderam passar à prática através
desta portaria pela qual foram incluídos na tabela de remuneração do SUS novos
procedimentos na atenção em saúde mental, como os atendimentos em Núcleos de
Atenção Psicossocial e os Centros de Atenção Psicossocial (NAPS e CAPS), além do
atendimento em Oficinas Terapêuticas, definidas como:
Atividades grupais (no mínimo 5 e no máximo 15 pacientes) de
socialização, expressão e inserção social, com duração mínima de 2
(duas) horas, executadas por profissional de nível médio [ou superior],
através de atividades como: carpintaria, costura, teatro, cerâmica,
artesanato, artes plásticas, requerendo material de consumo específico
de acordo com a natureza da oficina. Serão realizadas em serviços
extra-hospitalares, que contenham equipe mínima composta por quatro
profissionais de nível superior, devidamente cadastrados no SAI para a
execução deste tipo de atividade.94
A equipe das Oficinas Terapêuticas era composta por profissionais de diversas
áreas, como os da psicologia, agronomia, artes plásticas, assistência social e música.
Embora não contasse com psiquiatra nas Oficinas, os pacientes continuavam com
atendimento regular ambulatorial, em outros locais. “Era uma oficina para pacientes
neuróticos e psicóticos graves da cidade toda, com uma situação difícil de resolver. Eu
costumava dizer, quando perguntavam que tipo de paciente costumávamos atender, que
eram pacientes que acham difícil levar a vida, que têm um jeito muito diferente de ser.”
Havia reuniões com ministrantes e estagiários de psicologia, agronomia e artes
em que se discutiam as dificuldades enfrentadas na realização das oficinas: “Foi muito
difícil implantar porque os pacientes não tinham esse jeito mais próximo do que a gente
reconhece como normal, então às vezes caíam na cadeira, a secretária me chamava. A
93
94
Anexo I da Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
52
reunião era imprescindível porque o jeito de conduzir a oficina era de acordo com o
que ia aparecendo de resultado e de demandas.”95
Esta característica de uma equipe multiprofissional aliada às demandas
advindas dos próprios pacientes motivou a realização de atividades variadas durante o
período das oficinas: “Nós tínhamos viveiro e vendíamos vasinhos; fizemos oficina de
petiscos, então uma nutricionista da universidade foi ensinar a fazer sanduíche que era
vendido. A oficina era voltada para a necessidade que surgia. Tinha uma goiabeira, a
gente fazia doce de goiaba pois tinha muita goiaba caindo lá e os moleques entrando
pra pegar; precisava de cuidados higiênicos, então fomos chamar a nutricionista.”
Algumas vezes, o estado dos pacientes chamava atenção para que fosse
realizada uma oficina específica:“Aí os pacientes começaram a vir muito sujos, porque
tem esse problema de banho, de cuidado pessoal, então fomos fazer uma oficina de
cuidado pessoal. Aí uma paciente, junto com uma estagiária deu o nome de espelho
mágico. A paciente queria fazer alguma coisa que tivesse a foto do antes e do depois,
mas teria que ter uma cabeleireira de peso. Então fui na D’arc e uma das cabeleireiras
topou. A gente comprou um lavatório e nós fizemos o programa, ela deu o curso numa
semana. A idéia não era transformar o paciente num cabeleireiro, a idéia era dar
noções de higiene dentro de uma qualidade boa. E aí fizeram os cuidados das unhas, a
gente pôs um chuveiro na clínica, o paciente às vezes chegava sujo e a gente via se ele
queria tomar banho, nada forçado. Se ele queria continuar sujo... mas as pessoas
também tinham o direito de falar que estava cheirando mal, agora se ele quisesse tomar
banho, tinha o chuveiro. Então tinha paciente lavando a cabeça dos terapeutas,
cortando cabelo.”
Havia também o risco de se trabalhar com ferramentas e objetos cortantes, que
foi contornado pela equipe: “Essa coisa dos objetos cortantes, tem muito preconceito,
mas a gente tinha cuidado, não só com essa oficina, mas a oficina de agronomia, que
tinha instrumentos mais pesados. Teve episódio de agressão que a gente teve que bolar
um jeito de controlar essa violência que às vezes escapava.”
O trabalho de Romera na coordenação das Oficinas serviu para disseminar
entre os alunos de psicologia a idéia desse tipo de atividade em saúde mental: “Isso
aumentou o número de psicólogos nas UAIs, contratados pela prefeitura, e eles foram
também levando essa idéia, não a partir do modelo da universidade, mas tanto é que
95
Entrevista concedida em 8/12/2005 por Maria Lucia C. Romera.
53
até hoje dá prioridade ao atendimento a psicótico, que é também uma política da saúde
mental de atender os pacientes graves.”
Não foram encontrados maiores dados sobre as oficinas, mas já existem
pesquisas sobre o assunto, segundo Romera: “Então nós tínhamos o trabalho com
família e eu estou fazendo atualmente uma pesquisa pra saber tanto os efeitos da
oficina no aspecto da formação do psicólogo, o quê desse estágio eles aproveitam no
exercício da profissão e quanto ao aproveitamento dos familiares dos pacientes: o que
aconteceu com eles.”
O projeto durou cerca de nove anos; com o tempo, os membros da equipe
foram se distanciando e as oficinas deixaram de existir. Também faltaram recursos e
apoio institucional da Universidade, para a continuidade do projeto, segundo Romera:
“Eu fui ficando sobrecarregada, com uma responsabilidade muito grande, porque os
pacientes eram casos difíceis e não tinha mais a infra-estrutura do começo e decidi
parar até que a faculdade de Psicologia resolvesse investir outra vez nisso, as
condições fossem mais favoráveis na universidade.”
Vale frisar que a atitude reabilitatória em relação ao paciente, numa terapêutica
completa, inclui a preocupação com os fatores psicossociais. Neste item, Romera está
de acordo com a desinstitucionalização, cujo objetivo geral é desospitalizar, ou seja,
“trabalhar para eliminar a realidade e a cultura institucional (manicômio) e suas
conseqüências: violência, miséria, isolamentos, falta de dignidade, injustiça e ampliação
da enfermidade institucional, seja dos pacientes, seja dos que cuidam deles.”96
Nesse momento, 1998, quando estava no auge a campanha pelo fim das
instituições da loucura, Romera preocupou-se com a idéia de que as Oficinas tivessem
criado nos pacientes a noção da obrigatoriedade de se recolherem a uma entidade:
“Fiquei com muito medo, também foi uma experiência complicada essa época, porque
se parar, pra onde esses pacientes vão? Eu até tinha medo que alguns pacientes
tivessem criado a doença do institucionalismo, que eles não fossem deixar de ir pra lá,
como tivesse criado o vício de ir lá. Mas não teve isso não, a gente preparou os
pacientes. Eu tive a idéia de ir espaçando, começar a fazer só duas oficinas por
semana, eram quatro. E aí eles foram cada um pra um lugar mais próximo de sua
residência e eu tenho notícia de alguns, boas notícias, outras não, um que morreu,
96
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001, p. 32.
54
outra está com HIV, outro está trabalhando num comércio da família, notícias de toda
sorte, por isso que eu vou fazer essa pesquisa.”
Para Crowcroft, a história da loucura está ligada aos problemas da religião e
do Estado. Ele cita a própria loucura institucionalizada, quando a psicose é
conseqüência dos antigos hospícios, uma doença acrescentada à doença pela maneira
como os pacientes são tratados. Ao analisar um livro sobre a psicose97, descreve a
aparência dos internos:
... ‘rostos inexpressivos e cabeças caídas’ e mostra como a ‘demência’
(perda das faculdades mentais) é mais aparente do que real.
Denominaríamos esse sintoma agora a conseqüência da
institucionalização. Essa espécie de apatia não faz parte da doença
psicótica, mas é antes a conseqüência de um ambiente letal. É o que
Russel Barton denomina Neurose Institucional98.
Conforme Crowcroft, as pessoas tornam-se objetos porque são tratadas como
objetos, despidas de sua individualidade e valor pessoal, perde-se o interesse pelos
assuntos de natureza impessoal, ocorre a submissão, falta de perspectiva e
individualidade, representada fisicamente por uma postura característica.
Crowcroft cita as observações de Barton sobre a ocorrência da neurose
institucional em outras entidades, como prisões e orfanatos, onde pode haver a cura dos
sintomas citados através de reabilitação e da existência de um corpo clínico consciente,
que deixará de produzir tal neurose e afirma: “Uma má instituição, por conseguinte,
possui dois efeitos negativos: os pacientes podem agravar sua loucura e adquirir uma
neurose.”99
Na instituição Hospital de Clínicas, observa-se que, findas as oficinas, Romera
voltou a realizar as experiências de campo com alunos, com o apoio de uma psicóloga
contratada pelo Hospital: “A gente tem o projeto Aluno Amigo, também nessa
perspectiva do aluno aprender, mas fazendo uma parceria com o paciente; ele vai lá
como um Aluno Amigo que quer aprender e participar do cotidiano da instituição.”
Sobre a importância da arte na terapêutica, Romera cita inclusive o concurso
do laboratório Janssen-Silag, pertencente ao grupo Johnson & Johnson como forma de
promover os trabalhos dos pacientes, embora eles mesmos questionassem a realização
do concurso por uma multinacional da área farmacológica: “Uma vez teve um concurso
97
B. Hart, Psychology of insanity, 5. ed., Cambridge University Press, 1957, p. 32.
Russel Barton, Institucional Neurosis, John Wright & Sons, 1959.
99
Andrew Crowcroft, O psicótico, p. 175. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.Grifos no original
98
55
promovido por um laboratório com um prêmio de três mil o primeiro lugar, 1500 e 800
o terceiro lugar, só que o prêmio era em remédio. Teve um paciente nosso que ganhou
o terceiro lugar. Foi uma discussão muito legal porque quando a gente foi levar pra
oficina que era a promoção de um laboratório, teve o impasse se a gente participaria
ou não, por quê era um laboratório patrocinando isso. Eles tinham a noção que o
laboratório tinha muito lucro com medicação e aí uma turma queria deixar de lado,
achava inadmissível, colocando a importância da resistência, essas coisas e a outra era
favorável, principalmente aqueles que tinham trabalho bonito. Então a gente acabou
ganhando na votação e participou.”
Romera afirma continuar com oficinas esporádicas, em datas especiais, no
ambiente do Departamento de Psicologia: “Hoje eu trabalho com oficinas temáticas,
não tem mais oficinas na clínica de Psicologia. Esse ano nós montamos no dia das
mães, pra confecção de cartões, dia dos namorados. Aí a gente traz o pessoal da
enfermaria para a Psicologia. Também deu um vídeo muito bonito, a gente participou
do dia mundial da luta contra a Aids fazendo uma oficina de prevenção à Aids, mas é
só esporádico.”
Quanto às atividades nas Oficinas 1991-1998, Romera participava das
atividades ligadas à música. “A oficina que eu conduzia era a de música e de canto. Às
vezes fiz umas oficinas de pintura com lápis de cera, mas quem era de pintura era a
professora Aramita. O Luiz Avelino era argila e a Cláudia Lelis era musicoterapeuta. E
a Maria Alice, que era Agrônoma e a Mércia, Assistente Social.”
Conforme Jezler100, na década de 20, Jung passa a fazer uso de imagens e
símbolos que emergiam do inconsciente através dos sonhos, como parte de sua
abordagem de terapia. No mesmo período, no Brasil, Osório Cesar desenvolve estudos
sobre a arte dos internos do Hospital Psiquiátrico do Juqueri, em São Paulo, se
destacando como o pioneiro na análise da expressão psicopatológica.101. A arte terapia
consolidou-se na década de 40, nos Estados Unidos com Florence Cane e Margareth
Naumburg que sistematizaram metodologias de psicoterapia e pedagogia, dando
importância à expressão artística.
A Arte-terapia, que se define como um instrumento terapêutico nãoverbal de auto-análise, leva o indivíduo a elaborar reflexões acerca
100
Ines Novoa Jezler. Um pouco da origem da Arte-terapia.
<http://www.oncoguia.com.br/suportes/01_arteterapia.asp>. Material disponível em 3/12/2005 às 20:00h.
101
Ines Novoa Jezler. Um pouco da origem da Arte-terapia.
<http://www.oncoguia.com.br/suportes/01_arteterapia.asp>. Material disponível em 3/12/2005 às 20:00h.
56
de sua existência através da expressão artística. A Arte-terapia
projeta-se como importante recurso adjunto do tratamento global do
paciente uma vez que o leva à conscientização de si como indivíduo
responsável por sua própria vida e saúde. A Arte-terapia é
reorganizadora de emoções. A vivência com a Arte facilita o
processo de elaboração e reflexão de seus significados. O “fazer
artístico” possibilita um desbloqueio de emoções conscientes e/ou
pouco elaboradas permitindo ao paciente que retome uma nova força
vital bastante benéfica para o seu bem estar geral.102
Romera afirma ser um objeto que intermedia e com isso abre um espaço
comunicacional entre paciente e o exterior: “Ela é a terapêutica, na verdade. A arte é
um objeto transicional, conceito de um psicanalista chamado Winicott, é um objeto de
transição, serve como meio de estabelecer contato. Então qualquer forma de arte é esse
objeto transicional, transição de uma coisa pra outra, de um estado em que não se fala
pra um que pode se falar alguma coisa. Comunicação vem através desses objetos.”
Segundo Philippini apud Carvalho103, arte terapia é um processo terapêutico
que ocorre através da utilização de mediadores expressivos diversos, que resgata
técnicas milenares de prevenção e expansão da saúde; trata-se de um território
terapêutico criativo onde se pode ter novas e livres formas de expressão; assim, é
possível contribuir para construir e reconstruir a subjetividade através da arte de cada
um.
A expressão de si também é importante para a criatividade e o autoconhecimento, segundo Romera: “Então, quando o paciente começa a cantar, ele
começa a pôr emoção. Não é importante fazer ele cantar bem, importante é que ele use
a voz e a música como meios expressivos da emoção.”
Também a Terapia Ocupacional busca, através da atividade, uma
modificação do paciente, no sentido de lhe proporcionar um momento criativo, a ligação
com a realidade e o auto-conhecimento. A arte também tem valor como meio para a
composição de signos, a criatividade que movimenta o psiquismo: “Tudo nesse âmbito
do psiquismo, que congela, petrifica não é bom. Saúde é estar em movimentação, saúde
psíquica. Quanto mais recursos você tem de simbolização, mais saudável você é. Então,
o meu conceito de mente saudável é mente elástica. Não é que ela não tenha limite, o
elástico tem limite. É um conceito que vem principalmente da escola inglesa do
102
Ines Novoa Jezler. Um pouco da origem da Arte-terapia.
<http://www.oncoguia.com.br/suportes/01_arteterapia.asp>. Material disponível em 3/12/2005 às 20:00h.
103
Dina Alice Carvalho. Contribuições da Arte Terapia no Tratamento de pacientes Portadores de
Transtornos Mentais. Goiânia, 2003. (Monografia de Especialização em Arte Terapia Holística –
Universidade Potiguar/RN e Alquimy Art/SP).
57
Maurício Knobel, é a elasticicidade da mente. Então as artes, a música, ela movimenta
isso. A oficina é a própria construção da oficina. E pra mim a arte é um objeto
transicional.”
Esta forma de compreender a arte terapia junto a pacientes psiquiátricos é
muito próxima à da psiquiatra Nise da Silveira, que guiava a produção dos internos no
atelier de Nise da Silveira, pela criatividade e livre expressão, com a ajuda de um
monitor. Também Osório César usava como critério para falar das produções dos
internos a espontaneidade; o que importava era como os pacientes faziam a obras e se
expressavam.
A psiquiatria do século XIX se esforçou para incluir a loucura no modelo
médico, classificá-la e descrevê-la. No século XX, fez-se a contestação disso. Nise da
Silveira concorda com a noção foucaultiana da loucura como de recusa ao exterior e
mergulho no mundo interno, no qual o paciente se perde:
A loucura acontece entre os homens, isto é, na sociedade. O louco é o
inadaptado à ordem social vigente. E a psiquiatria é acusada de
defender a ordem burguesa contra homens que têm uma diferente visão
do mundo. Segundo o novo ponto de vista, a psiquiatria, por assim
dizer, dissolve-se no social. Vêm então ocupar o primeiro plano de
interesse as pesquisas referentes à família, aos grupos, à sociedade. E
sem dúvida seus resultados evidenciam quanto é freqüente que o
indivíduo se sinta acossado de tal maneira no mundo externo que
somente encontre como saída a porta da loucura. Esta porta, porém, se
abre para o mundo intrapsíquico. A saída de volta será difícil, e tanto
mais difícil devido à não aceitação do mundo interno onde ele agora se
debate, não só pelos psiquiatras tradicionais mas também pela maioria
daqueles que os contestam.104
Para identificar os resultados da arte terapia, Romera volta ao discurso da
elasticidade mental através da criatividade e, através disso, possibilitar a melhor
convivência do paciente em seu meio e seu bem-estar nas relações cotidianas, que não
as vinculadas à produção. “O que interessa é se ele teve, através desse recurso, maior
flexibilidade na sua mente. Se ele pôde ser mais feliz com os seus problemas, se ele
conseguiu se relacionar melhor com mulher, com marido, enfim. Mas ele não precisa
entrar no ciclo de produção pra ser considerado reinserido socialmente. Em geral é
esse o critério; então, sobre esse tipo de terapia, dizem: ‘não consegue resultados’.”
104
Nise da Silveira, Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1982. p. 104.
58
PARALELO COM A ARTE TERAPIA EM OUTRAS CIDADES
Sobre a demora da utilização da arte terapêutica na Psiquiatria em Uberlândia
em comparação a outras cidades brasileiras, Romera tem hipótese relacionada ao
sistema capitalista: “Eu acho que é mais essa hegemonia de um modelo exclusivo, que é
o médico, as fichas são apostadas na medicação por razões variadas, desde a questão
desse imperialismo, essa coisa capitalista de produção de lucros e remédio dá lucro,
então acho que até hoje há um constrangimento em usar estes outros meios. Se bem que
agora há muita pesquisa, tem muita gente trabalhando com isso.”
Este nos parece ser um dos motivos para a defasagem entre o início das
práticas em arte terapia em Uberlândia, especificamente no Hospital de Clínicas, como
concordam também outros profissionais de saúde entrevistados. Outros motivos também
foram abordados por eles, como a ocorrência de inovações inicialmente em capitais para
depois se espalharem pelo interior e a característica do Hospital de Clínicas como
instituição ligada à Universidade Federal de Uberlândia.
Mas para a prevalência do modelo biológico conta também o discurso do saber
médico e institucional: “Na enfermaria de Psiquiatria, eu acho que é porque é dentro
de um hospital universitário, então a instituição já chama pra esse tipo de intervenção
médica. Eu às vezes questiono mesmo com os meus alunos: ‘Será que eu estou fazendo
bem mesmo em levar vocês lá?’Eu acho que sim, eu não acho absurdo eles falarem que
têm o modelo médico, acho que o problema dos hospitais é humanizar as relações que
se estabelecem neles.”105
Para Romera, a arte não é apenas humanização, um veículo para o contato
social, mas uma forma de intervenção que produz uma melhora no quadro do paciente:
“Agora, a questão da terapêutica através da arte não é questão só de humanização, eu
acredito piamente que o paciente melhora com a intervenção, não é só pra humanizar a
relação. Em geral, os médicos acham que é só pra humanizar, que o que cura mesmo é
o remédio, entende, e que essas práticas humanizam. Não tá errado, acho até que quem
pensa assim é muito legal. Eu penso que essas práticas curam o homem da sua
desumanização, desumanização essa constituída por uma série de fatores, desde os
orgânicos até os sociais, econômicos, etc.
105
Entrevista concedida em 8/12/2005 por Maria Lucia C. Romera.
59
Talvez a falta de divulgação de outras alternativas terapêuticas faça
permanecer o tratamento medicamentoso; aí se retorna ao discurso capitalista: “Aí se
fala assim ‘mas por que então as pessoas não acreditam nisso?’ Tudo é meio feito para
que os resultados dos avanços medicamentosos sejam mais publicados do que esses
outros, porque as revistas têm que ter patrocinador, o patrocinador é o laboratório,
então tudo o mais... não é que não tenha resultado, tem, mas também não é assim, se eu
fosse pensar o resultado das oficinas nesses oito anos, houve reinserção social do
paciente, ele passou a trabalhar? Não, não é isso que está em jogo, isso que tá em jogo
é dentro de um modelo extremamente capitalista, em que você vale pelo que produz.”
A terapeuta ocupacional Flávia Teixeira compara o desenvolvimento da
psiquiatria do Hospital de Clínicas com o de outros centros de estudo: “Os currículos da
medicina merecem ser vistos, as disciplinas que são dadas em relação à psiquiatria
merecem ser vistos e a gente está vendo uma tentativa das pessoas de fazer isso, mas eu
ainda vejo muito devagar em relação a Ribeirão Preto, com São Carlos, onde tem
hospital escola e tem trabalho de saúde mental, Campinas, na Unicamp. Você chegaria
aqui e falaria “nossa, vocês estão na década de 70.” Agora, hoje, se você me
perguntar, eu sei que tem psicólogos trabalhando dentro da psiquiatria, voltados só
para a psiquiatria e uma terapeuta ocupacional, até por ser uma exigência legal se ter
o profissional.”
Se tivermos como parâmetro outras localidades brasileiras, podemos dizer que
houve demora em se implantar em Uberlândia as mudanças no tratamento de pacientes
psiquiátricos, além da realização de atividades artísticas com finalidade terapêutica, que
começaram na cidade em torno dos anos 80, enquanto que iniciaram nos anos 20 em
São Paulo, com Osório César e na década de 40 no Rio de Janeiro, com Nise da
Silveira. Indagada sobre este atraso no início da aplicação de oficinas para usuários da
rede de saúde mental em Uberlândia, Nascimento106 afirma que esta situação está ligada
às condições do saber e à formação de novos profissionais que sejam adeptos da nova
terapia: “Certamente, as mudanças aconteceram com o surgimento dos cursos
Psicologia, Assistente Social – que é mais antigo; a existência de profissionais de TO
na cidade, que eram duas e agora temos apenas cinco profissionais em TO; a partir do
entendimento da loucura como não só orgânica que fez modificar as ações terapêuticas
106
Entrevista realizada em 12/12/2005 a Maria José de Castro Nascimento, psicóloga da Enfermaria de
Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Uberlândia (HCU)
60
em Uberlândia e no Brasil; e também ligado ao Movimento de Luta Antimanicomial
que já dura mais ou menos trinta anos no Brasil como um todo .”
61
CAPÍTULO II – INSERÇÃO E ADAPTAÇÃO
“A loucura e a demência foram durante muito tempo
palavras emocionalmente sobrecarregadas.
Deveríamos associá-las agora às palavras doença, cuidados e tratamento.
Dessa forma saberemos enfrentar nossa própria angústia
quanto o comportamento de outra pessoa nos parecer mais incompreensível do que o nosso;
dessa forma, teremos ambos uma atitude humana e racional sobre o irracional, e graças a isso
as atitudes sociais começarão a se transformar.”
Andrew Crowcroft
Verifica-se a existência de dois caminhos de entendimento para a loucura
desde a Idade Média, um como transgressão e diferença, outro como exclusão. Assim, a
terapêutica a ser adotada pelos profissionais de saúde vai depender da concepção de
loucura que adotam. Este capítulo trata do segundo campo de entendimento da loucura,
para o qual convergem as falas dos agentes de saúde mental. Estes tendem a tratar a
loucura como manifestação a ser inserida no contexto do mundo social e adaptada nas
diferentes relações, inclusive de produção, com a finalidade de solucionar o caso da
discriminação da diferença, tendo em mente a promoção da cidadania do louco.
O PLANO CULTURAL
A loucura pode ser vista como um problema de ordem moral quando
representa uma ofensa à norma socialmente aceita. Essa visão, segundo Crowcroft,
impede que as pessoas sejam tratadas de sua doença.
O historiador Roy Porter, o psiquiatra e professor universitário Thomas S.
Szasz, e o filósofo Michel Foucault pensam a loucura no aspecto social, pelo qual seria
fabricada. O conceito de loucura está estreitamente ligado à concepção cultural de uma
comunidade: O conceito é complicado porque me parece que as pessoas vêem a
loucura como algo estranho, algo que é diferente do padrão da sociedade, isso ao
longo da história é assim, o louco é aquele que incomoda, é aquele que traz coisas
diferentes e nem sempre ele é um louco, [...] Mas para aquela sociedade, pra aquela
coisa padronizada ele é o grande louco. Agora sobre a loucura como doença, já
existem outras formas de análise. 107
107
Entrevista realizada em 2004 com um profissional da área de saúde que atua no Hospital de Clínicas
da UFU que optou por sua não identificação neste trabalho.
62
Se a loucura for entendida como anormalidade, requer regras morais, correção
e aprendizado. Se entendida como distúrbio orgânico, é objeto de medicalização. “O
conhecimento médico-psiquiátrico oscila entre o orgânico e o psíquico. Mas, de
qualquer modo, a loucura é considerada um distúrbio que pode ser corrigido por meio
de uma intervenção que incida no trajeto desviante das idéias, dos sentimentos e do
organismo.”108 Os hospitais excluíam o indivíduo, limitando o espaço de circulação dele
na sociedade e escondendo-o da sociedade.
Mas essa noção moral de loucura já podia ser descrita no século XIX, como
mostra o livro de Charles Mackay, Ilusões populares e a loucura das massas. Escrito
em 1841, a obra faz um passeio sobre a história das nações, identifica caprichos e
peculiaridades dos indivíduos que se resumem, segundo Mackay, em ilusões populares.
Encontramos comunidades inteiras que fixam de repente suas mentes
em um objeto e enlouquecem à sua procura; que milhões de pessoas se
tornam simultaneamente impressionadas por uma ilusão e correm para
ela, até que sua atenção seja atraída para alguma loucura mais
cativante que a primeira.109
Assim, Mackay elenca os desejos que movem as nações em busca de glória
militar, ou em função de escrúpulo religioso, mania de dinheiro; os exemplos podem ser
vistos seja na luta pela Terra Santa, na ilusão da bruxaria, na busca da pedra filosofal e
na a crença na adivinhação do futuro.
ASPECTO MORAL
O movimento do “tratamento moral” do final do século XVIII se apoiava na
teoria de John Locke do funcionamento da compreensão humana. Para os reformistas da
época, o louco cometia erros; logo, teria que ser punido e ensinado.
Ao indagar sobre os tipos de divergência considerados como doenças
mentais, o professor de psiquiatria Thomas Szasz responde “... uma conduta pessoal que
não está de acordo com regras de saúde mental psiquicamente definidas e impostas.” 110
Para Szasz, o estigma do doente mental assemelha-se ao da caça às bruxas, pois a
108
Sonia Aparecida Moreira França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de
saúde pública, São Paulo, 1994, p. 67.
109
Charles Mackay, Ilusões populares e a loucura das massas, Rio de Janeiro, Ediouro, 2002, p. 7.
110
Thomas Szazs. A fabricação da loucura – um estudo comparativo entre a Inquisição e o movimento de
Saúde Mental. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. P. 27
63
pessoa seria classificada como louca por uma questão de divergência em relação a um
grupo social.
O saber médico desenvolveu-se em torno do reforço da figura do Eu em
detrimento do Outro: “... a Psiquiatria Institucional atende a uma necessidade humana
básica – validar o Eu como bom (normal), mas validar o Outro como mau (mentalmente
doente).”111
A REDE DE SAÚDE EM UBERLÂNDIA
A psicóloga Aparecida Maria de Souza Cruvinel112 participou da implantação
de serviços públicos de saúde mental em Uberlândia, nos anos 80 e reflete, na pesquisa
que realizou com psicólogos da área de saúde mental na região do Triângulo e Alto
Paranaíba, as ações realizadas. Em 1986 foi feita a implantação de serviços de Saúde
Mental na área, que abrange 26 cidades; em 1987 foi realizado concurso público, pelo
Estado, para psicólogo, o que demonstra um novo modelo de orientação e estratégias
para a saúde mental no sistema de saúde. Após esta inclusão na rede pública, Cruvinel
ressalta a existência de serviços substitutivos ao manicômio.
A assistência psiquiátrica assume a posição de adaptação social. Os
métodos de tratamento atuais apresentam-se como diversificados indo
desde a internação com as marcas do asilo, do manicômio, isolamento
social como proposta terapêutica até as atividades comunitárias
envolvendo participação ativa de usuários e trabalhadores. Dentre os
métodos de tratamento temos a medicação (atendimento psiquiátrico),
as psicoterapias (individuais, grupais, familiares), as oficinas
terapêuticas, assembléias, atendimento domiciliar, acompanhamento,
lares abrigados, acompanhamento social, grupos de convivência,
laboratórios, atividades de esporte e lazer etc.113
Em Uberlândia, a rede de saúde está dividida entre Unidades Básicas de Saúde
– UBS, Unidades de Atendimento Integrado – UAIs, Hospital de Clínicas da UFU –
HCU e hospitais particulares com atendimentos conveniados ao SUS. As UBS realizam
o atendimento primário, ou seja, é curativo na medida em que oferece tratamento, e
preventivo, pois conta com grupos operativo-educativos que divulgam à população
111
Thomas Szasz, A fabricação da loucura, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978. p. 28.
Aparecida Maria de Souza Borges Cruvinel. Representações sociais do currículo do curso de Psicologia
no trabalho do psicólogo em saúde mental nas regiões do triângulo mineiro e alto Paranaíba (1980-1990).
Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação. Uberlândia, 2003.
113
Aparecida Maria de Souza Borges Cruvinel. Representações sociais do currículo do curso de
Psicologia no trabalho do psicólogo em saúde mental nas regiões do triângulo mineiro e alto Paranaíba, p.
23.
112
64
hábitos que visem a manutenção da saúde. As Unidades de Atendimento Integrado são
de atenção secundária; além do atendimento básico, contam com equipamentos para
vários tipos de exames. O Hospital de Clínicas é considerado de atenção terciária
“...pois conta com a possibilidade de leitos disponíveis, procedimentos cirúrgicos de
grande porte, maior número de especialistas e UTIs, entre outros serviços.”114
Segundo Marçal, em fins de 2003, a Secretaria Municipal de Saúde iniciou a
transformação de três UBS em Unidades Básicas de Saúde da Família – UBSF,
incluindo o atendimento em saúde mental nesse novo modelo de atenção
descentralizada e de base comunitária. Assim, as equipes das UBSF foram compostas
por médicos, dentistas, enfermeiros, auxiliares de enfermagem e o técnico em saúde
mental de referência - psicólogo.115 Entre as funções desse psicólogo, estão as seguintes:
- reunir-se sistematicamente com as equipes de PSF e de saúde
mental; - oferecer suporte técnico, orientando, acompanhando e
avaliando as ações relativas à saúde mental; - planejar e desenvolver
ações conjuntas para o enfrentamento das questões consideradas
prioritárias; - colaborar para o desenvolvimento de ações
intersetoriais que se façam necessárias; - ajudar na potencialização
de recursos comunitários; - contribuir para a difusão de uma cultura
de assistência não manicomial, diminuindo o preconceito e a
segregação da loucura; - colaborar na capacitação das equipes para
atuação em questões relativas à saúde mental; - favorecer o
intercâmbio entre equipes de PSF e serviços de retaguarda, que
seriam os ambulatórios, CAPS e serviços de internações
psiquiátricas.116
A atividade dos psicólogos parece atualmente estar muito próxima ao modelo
do tratamento social, com maior inserção na comunidade, ao se reunirem com outros
profissionais da saúde para discutir casos e ao fazerem visitas aos pacientes.
Em saúde mental, ainda existem os CAPS que, segundo Campos117, têm a
função de socializar o indivíduo e representam um avanço na luta contra o
encarceramento do portador de sofrimento psíquico, mas para isso precisam ter seu
trabalho analisado constantemente para não cair no erro das práticas manicomiais: “O
114
Viviane Prado Buiatti Marçal. A queixa escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede pública de
Uberlândia: práticas e concepções dos psicólogos. Uberlândia, 2005. Dissertação (mestrado)
Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. p. 79.
115
Viviane Prado Buiatti Marçal. A queixa escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede pública de
Uberlândia, Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação (mestrado) p. 81.
116
Viviane Prado Buiatti Marçal. A queixa escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede pública de
Uberlândia, Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação (mestrado) p. 82
117
Fernanda Nogueira Campos. Contribuições das oficinas terapêuticas de teatro na reabilitação
psicossocial de usuários de um CAPs de Uberlândia-MG. Uberlândia, 2005. (Dissertação de MestradoUniversidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
65
CAPS se propõe a ajudar o usuário a estabelecer um novo contato com o social
intervindo em todas as esferas de sua vida.”118 Trata-se de um auxílio de forma
multidisciplinar que busca combater as formas alienantes de atenção à loucura.
Os usuários são encaminhados para esses centros de atenção por profissionais
de saúde ou membros da comunidade. Conforme Campos, nos CAPS são oferecidos
consultas psiquiátricas, atendimentos individuais e em grupo, oficinas terapêuticas e
alimentação; a freqüência do usuário ao CAPS é definida conforme o acompanhamento
multidisciplinar realizado, podendo ser diária ou variável. Cada usuário pode procurar o
centro de atenção mais próximo de sua residência, uma vez que Uberlândia conta com
quatro CAPS adulto, um infantil e um CAPS Álcool e Drogas.
Observa-se que, no final do século XX, as oficinas terapêuticas se tornam
experiências cotidianas nos CAPS, como uma prática recente que se insere no ambiente
da implantação da reforma psiquiátrica no Brasil, iniciada na década de 70. Entretanto,
oficinas terapêuticas já aconteciam na Clínica de Psicologia, no início dos anos 90.
OFICINAS TERAPÊUTICAS EM UBERLÂNDIA
Como precursora dessa prática institucionalizada extra-hospitalar, as oficinas
terapêuticas ministradas na Clínica de Psicologia da UFU no período de 1991-1998 são
o palco para atividades que posteriormente seriam promovidas pelos CAPS, criados em
Uberlândia a partir de 1994 e espalhados pelo país, juntamente com os NAPS, a partir
da primeira metade da década de 1990, quando haviam sido abertos no Brasil quase cem
serviços de atenção diária, chegando a 275 em 2001119.
Os CAPS começaram com a Portaria nº 336, de 2002. Segundo Maria José de
Castro Nascimento120, “Por essa lei, o repasse de verbas para instituições particulares
foi proibido. Se não houvesse isso, os usuários iriam cair na manicomialização
118
Fernanda Nogueira Campos. Contribuições das oficinas terapêuticas de teatro na reabilitação
psicossocial de usuários de um CAPs de Uberlândia-MG, Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação
(mestrado) p. 63.
119
Conforme Tenório e dados do Ministério da Saúde.
120
Entrevista realizada em 12/12/2005 a Maria José de Castro Nascimento, psicóloga da Enfermaria de
Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Uberlândia (HCU) desde maio de 2004, graduada em Psicologia
em 1982, trabalha com saúde mental há onze anos. Trabalhou até o ano de 2002 na Clínica Jesus de
Nazaré, que atualmente funciona como CAPS. É pesquisadora da área, Mestranda do Programa de Pósgraduação em Psicologia. Orienta estágios de alunos do Curso de Psicologia, dentre os quais um que
investiga a história da Enfermaria do Setor de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal
de Uberlândia (HC UFU)
66
novamente, a institucionalização. Nos CAPS tem as oficinas, atendimento terapêutico,
médico e são servidas três refeições por dia.”
A Clínica de Saúde Mental Jesus de Nazaré, onde Nascimento trabalhou como
psicóloga, foi inaugurada em 1994. Atualmente a Clínica é uma ONG que funciona
como CAPS; “É o CAPS mais antigo e lá teve oficinas sempre. Existia oficinas quando
o ambulatório era na Nicomedes Alves dos Santos e todos os doentes conheciam.”
Segundo Nascimento, alguns usuários participaram do concurso de poesias e pintura em
tela promovido pelo laboratório Janssen-Cilag121, especialmente para usuários da rede
de saúde mental, com premiações em medicamentos. A nosso ver, tais iniciativas de
empresas ligadas ao setor farmacêutico têm o mérito de promover a realização de
trabalhos artísticos pelos usuários, mas, por outro lado, vinculam a própria prática
artística a seu ramo de atividades, dando aí uma espécie de chancela à atividade arte
terapêutica como coadjuvante no tratamento conservador medicamentoso.
As oficinas terapêuticas começaram a ser realizadas com pacientes
psiquiátricos na Clínica de Psicologia da UFU, atualmente chamados de “usuários da
rede de atenção à saúde mental” na década de 90. Pode ser que elas tenham sido
ministradas antes como atividades ocupacionais, de forma não-intencional por auxiliares
de enfermagem ou outros profissionais que tratassem dos pacientes nos ambulatório,
sanatórios ou hospitais da cidade. Esse caráter de realização de um trabalho intencional
e regular, com objetivo terapêutico é que faz considerar a década de 90, como referência
para esta pesquisa, por ser o marco de atividades artísticas voltadas para o bem-estar do
paciente, com acompanhamento especializado, vinculado ao campo do saber, a
Universidade Federal de Uberlândia.
Segundo Tenório Apud Campos (2005)122, as oficinas são atividades em grupo
criadas no âmbito da reforma psiquiátrica. As oficinas podem ser entendidas de três
formas: como espaço de criação, o que por si é terapêutico; atividade de produção que,
segundo Campos, “permite a valoração do produto, as trocas sociais, e a possibilidade
de renda”; e como meio de interação social, que visa resgate e cidadania. Isto significa
um ganho além dos objetivos específicos e exclusivos da clínica, pois nas atividades se
121
O laboratório é um braço da multinacional Johnson & Johnson; informações disponíveis em:
http://www.janssen-cilag.com.br em 2/2/2006.
122
Fernanda Nogueira Campos. Contribuições das oficinas terapêuticas de teatro na reabilitação
psicossocial de usuários de um CAPs de Uberlândia-MG , Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação
(mestrado) p. 23.
67
encontra não só o fazer terapêutico como também a interação, o contato com o exterior,
o social e o afetivo.
As oficinas tornaram-se, em muitos fazeres o próprio ofício, não um
ofício de onde se espera gerar renda, mas o fazer em si de uma
atividade de convivência, prazerosa, peculiar, uma vivência
terapêutica aliada a recursos sadios que estimulam a catarse, a
transformação e a autonomia.123
As oficinas terapêuticas mais comuns nos CAPS de Uberlândia atualmente são
de confecção de tapetes, artesanato, bordado, pintura. Campos exemplifica outros tipos
de oficinas que podem ser ministradas, além de teatro:
... oficinas de beleza (onde os participantes se cuidam, arrumam os
cabelos, se maquiam, etc.), oficinas de marcenaria (produzem
móveis, objetos de madeira, consertam, etc.), oficinas de cerâmica
(produzem vasos, esculturas, etc.), oficinas de jardinagem (plantam e
cuidam de flores, etc), oficinas de hortaliças, oficinas de pintura,
oficinas de silk screen (fazem camisetas, etc), oficinas de desenho,
oficinas de literatura (lêem, ouvem histórias, escrevem, etc), oficinas
de música (fazem corais, criam instrumentos, tocam, ouvem música,
etc.), oficinas de artesanato (produzem artesanato em geral), oficina
de tapetes, oficina de culinária, oficina de dança (são conhecidas
também como oficinas de expressão corporal), oficinas de
convivência (conversam e fazem o que desejarem), oficinas de lazer
(fazem passeios, visitas, chás, etc.)...124
Segundo Nascimento, a produção das oficinas não tem uma destinação, ainda.
Até se poderia realizar um trabalho cooperativo, mas para isso seria necessário um
suporte organizacional que os CAPS ainda não possuem. Isso resulta num grande
volume de material com o qual não se sabe o que fazer: “As produções dos usuários
geram uma quantidade imensa de material e não se tem o que fazer com ela. Existe a
Lei 9867, de 1999 sobre as Cooperativas Sociais, que dá a idéia de gestão do próprio
trabalho. A idéia é difícil nos CAPS, difícil de implantar porque precisa de outros
profissionais.”
123
Fernanda Nogueira Campos. Contribuições das oficinas terapêuticas de teatro na reabilitação
psicossocial de usuários de um CAPs de Uberlândia-MG, Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação (mestrado)
p. 23.
124
Fernanda Nogueira Campos. Contribuições das oficinas terapêuticas de teatro na reabilitação
psicossocial de usuários de um CAPs de Uberlândia-MG, Uberlândia, UFU, 2005. Dissertação (mestrado)
p. 58.
68
ANÁLISE SOBRE A ARTE TERAPIA
Para o arte terapeuta inglês Edward Adamson, a terapia artística não é
distração, diversão, terapia ocupacional e nem aula de pintura unicamente, mas utiliza
elementos dessas atividades. Assim, ela evita os efeitos negativos da ociosidade, entre
outros benefícios:
... impõe uma disciplina que envolve concentração e espírito de
decisão, cooperação e reação contra as limitações dos meios artísticos.
Finalmente, dá ao paciente a satisfação de criar algo. Criação é a
palavra chave da dinâmica da arte, onde o paciente é levado não a
reproduzir mas a recriar, tornando sua satisfação bem maior.125
Conforme Adamson, a arte pode ajudar um paciente esquizofrênico a
estabelecer um sistema, no sentido de estimulá-lo a reajuntar fragmentos da
personalidade desintegrada. Ao exteriorizar o mundo interno do artista, a arte traduz em
objetividade física a fantasia do paciente e pode contribuir para que esse processo de
distanciamento aconteça também no nível mental e facilite o restabelecimento da
sanidade. Quanto à possibilidade de auto-conhecimento através da arte, o paciente pode,
através da atividade, investigar e fantasiar. A obra não é ele próprio e o paciente é livre
para realizar o que quiser, sem censura: “Freqüentemente, os pacientes fazem uma
verdadeira auto-análise em seus quadros, descrevendo, explorando ou fantasiando os
conflitos não-resolvidos de sua vida.”126
A arte também pode gerar a catarse127, através da qual seriam purgados
sentimentos violentos e destrutivos, sem causar danos como culpa ou medo. Pode ainda
assumir um caráter mágico, pelo qual a criação assume uma identidade quase física,
capaz de realizar os desejos do paciente. Pode ser uma forma de comunicação do
paciente para com o mundo exterior, quando não aquele consegue falar e/ou descrever
sensações e sintomas, o que facilita o tratamento e a psicoterapia.
Assim, a pintura é uma atividade pessoal que ajuda na preservação da
identidade do paciente, num ambiente institucional que fatalmente gera esta dissolução
identitária, além do que a pintura pode ajudar na integração do paciente no grupo: “Uma
125
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 126.
126
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 127.
127
Conforme Aristóteles, na Poética, a arte levaria o espectador a um ápice de emoções, com um
desfecho que o faria purgar sentimentos nocivos e aliviá-lo para enfrentar a vida normal.
69
atividade artística comunitária, como a pintura de um mural, freqüentemente ajuda a
integrar personalidades anti-sociais, dando-lhes um objetivo comum.”128
A rede de atenção em saúde mental de Uberlândia atende aos municípios
localizados em sua microrregião através dos CAPS, geridos pela prefeitura municipal e
regulados pela Descentralização da Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais DADS. A Referência do Programa de Saúde Mental da Gerência Regional de Saúde,
Raquel Bambozzi da Silveira, acompanhou algumas das experiências em arte terapia na
década de 90129.
A arte terapia aplicada no acompanhamento a pacientes psiquiátricos da rede
pública de saúde foi regularizada através de um modelo exterior, vindo de Belo
Horizonte em 1996. Os psicólogos existentes nas Unidades Básicas de Saúde atendiam
a uma demanda variada e a partir das supervisões daqueles profissionais, passaram a
atender sob a forma de oficinas terapêuticas e grupos. “E como a Unidade Básica não
comportava esse tipo de atendimento, muitas vezes era feito fora. Eu mesma atendia na
igreja, fazia grupo, dava oficinas na igreja.”
Segundo Silveira, como faltasse espaço para a realização das atividades,
firmou-se uma parceria com a Fundação Maçônica e a Prefeitura de Uberlândia que
possibilitou um atendimento a contento, em local especializado e com profissionais
específicos. “Antes de 98, havia grupos de saúde mental com dinâmicas, onde
provavelmente se utilizava materiais, com atuação livre dos psicólogos. Com a entrada
da Fundação Maçônica como parceira do município, houve a formação de centros de
convivência em 1998/1999, com a compra de casas para centros de convivência dos
pacientes da saúde mental. Então havia equipe nas UAIs, de psicólogos, assistente
social e psiquiatra e uma referência de centro de convivência perto da UAI, onde eram
feitas as atividades terapêuticas pela dificuldade de espaço físico para a realização das
oficinas.”
As atividades nas oficinas eram ministradas por psicólogos e não terapeutas
ocupacionais ou artistas que dominassem as técnicas expressivas. Esta situação
influenciava na condução das atividades, que muitas vezes ficavam nas mãos dos
próprios usuários que tinham algum talento em artesanato.
128
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 128.
129
Entrevista realizada com a psicóloga Raquel Bambozzi da Silveira, que ocupa a função de Referência
do Programa de Saúde Mental da Gerência Regional de Saúde em Uberlândia, uma descentralização da
Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais, em 12/12/2005.
70
A terapia criativa tem uma função complementar junto a outras terapias usadas
em hospitais psiquiátricos. Na experiência do arte terapeuta Edward Adamson, as
atividades de arteterapia são promovidas de modo específico para determinados
pacientes, em um ambiente composto de estúdios diversos e arquivo para as obras.
...O artista encarregado não dá nenhuma sugestão positiva quanto à
escolha do assunto, limitando-se a criar uma atmosfera favorável ao
trabalho. Ele ajuda no que for necessário, e pode também dar
conselhos técnicos quanto à escolha e ao uso dos meios a serem
utilizados.130
Adamson explica que a orientação aos pacientes nem sempre é algo fácil, pois
eles podem ter atitudes preconcebidas em relação à arte, que refletem a estratificação de
papéis, podem encarar a atividade como um retorno aos limites de uma sala de aula,
refugiar-se em sua falta de habilidade com o material. Por outro lado, há casos em que a
própria doença atua na liberação de pressões e expectativas culturais.
Há, entretanto, uma diferença entre o trabalho com arte realizado pelo
terapeuta ocupacional e pelo artista nos hospitais, uma vez que este é um profissional de
artes:
É de importância vital que a pessoa encarregada de encorajar a
expressão artística alheia tenha um background profissional. Um
amador bem-intencionado, sem maior conhecimento das sutilezas da
expressão abstrata e figurativa, jamais teria competência suficiente
para encorajar algo de que possui apenas um conhecimento limitado.
Desde que se considera importante encorajar a criatividade, é preciso
que haja um catalisador criativo. Dessa maneira, evita-se o risco de
transformar a atividade artística em um meio de manter o paciente
ocupado em afazeres inofensivos, ou de se utilizar algo como a ‘pintura
com números’. Pacientes encorajados por psicoterapeutas
freqüentemente demonstram um certo desejo de agradar, o que,
conforme o caso, resulta em símbolos fálicos freudianos ou em signos
junguianos. O psicoterapeuta pode estimular inconscientemente essas
manifestações, sem se dar conta do verdadeiro significado da obra.131
Silveira cita o corporativismo dos psicólogos como prejudicial à condução das
atividades artísticas nas oficinas. “Isso fecha o CAPS e o serviço de forma que acaba
institucionalizando o usuário, enquanto que o CAPS é uma instituição de passagem, ele
deve sair; deve passar por ali num momento de crise mas ele deve ter alta.” Para ela, os
psicólogos são mais voltados para a clínica, mas não para o social ou o artístico, o que
130
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 126.
131
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 125.
71
compromete a abertura da questão da loucura para outros espaços de participação. “O
psicólogo fica muito fechado na clínica, não dá espaço para o social; tem que se pensar
o indivíduo livre. Eu não acho isso bom, acho que fecha. Não se admite na legislação a
presença de outros profissionais, então fica só o psicólogo. Mas já estão aparecendo
sinais de alguma mudança.”
As oficinas de artes que aconteciam nos Núcleos de Atendimento Psicosocial –
NAPS e em alguns CAPS, na segunda metade da década de 90, contavam com
estudantes de áreas alheias ao saber médico, o que, segundo Silveira, foi bastante
proveitoso: “os estudantes voluntários de Belas Artes faziam oficinas a meu ver mais
interessantes porque estimulavam mais o aspecto artístico da prática. A oficina era
terapêutica também, mas buscava uma outra coisa. E eu acho que é muito interessante
essa forma, uma parceria das faculdades com o CAPS pra mudar um pouco essa
conformação da oficina terapêutica que é feita, colocar outro tipo de profissional ali,
tanto na oficina, colocar artesão, o estudante de Belas Artes, o estudante de Teatro,
estudante de Música, dando um estímulo maior. Eu acho que muda a cara do serviço e
da clientela também, dá uma vitalidade. Mas na verdade, não existia essa política de
colocar oficineiros que não sejam da área psíquica.”132
A entrada de estudantes de psiquiatria nos CAPS também viria contribuir para
uma formação que privilegiasse o atendimento extra-hospitalar, segundo Silveira, pois
ainda são encontrados psiquiatras voltados para a hospitalização.
A importância de o CAPS contar com profissionais de outras áreas é relativa
ao próprio objetivo da entidade, como promotora de reinserção do usuário na sociedade
e também no mercado de trabalho. “Então ele deve estar sendo trabalhado pra sair e
essas oficinas, terapêuticas ou não, elas devem ter essa função, algumas podem ser
mais voltadas pra uma produção, de uma atividade que muitos perderam as condições
de trabalho anteriores e para se recolocarem no mercado, que isso é um aspecto
interessante da reabilitação psicossocial prevista na lei, na política de saúde mental,
que é a possibilidade dele ser autônomo, de ele exercer sua autonomia administrando
seu dinheiro. Então o CAPS deve ser agenciador disso, não que tenha que ter tudo isso
no CAPS, mas que ele possa ser essa referência pra jogar a pessoa pra fora, pra
alavancar ela pra fora.”
132
Entrevista realizada com a psicóloga Raquel Bambozzi da Silveira, Referência do Programa de Saúde
Mental da Gerência Regional de Saúde em Uberlândia, em 12/12/2005
72
Aqui se percebe o interesse em se levar o usuário a se tornar um indivíduo
autônomo e útil à sociedade, participante do mercado. Segundo Nascimento, psicóloga
da enfermaria de psiquiatria, a produção das oficinas não tem uma destinação, ainda.
“Já nos CAPS, até se poderia realizar um trabalho cooperativo, mas para isso seria
necessário um suporte organizacional específico e falta interesse dos próprios usuários
em se organizar. Isso resulta num grande volume de material com o qual não se sabe o
que fazer.”133 Vê-se aí uma abordagem sobre o material resultante das oficinas,
enquanto que um trabalho terapêutico teria que levar em conta a experiência do “fazer”.
A carência de orientações e de material específico era visível, segundo
Silveira, nos resultados obtidos nas oficinas iniciais em Uberlândia: “Eram oficinas
variadas, algumas de trabalhos manuais, bordado, vagonite, crochê. Dependia muito
da habilidade de quem estava ali na oficina. Elas eram ministradas por psicólogos que
nem sempre tinham habilidade pra passar pras pessoas e às vezes o próprio usuário
acaba ensinando os outros. Se não, era feito de uma forma bem pouco estruturada. Uns
querem fazer pintura, então era uma pintura sem muita técnica, sem muito
desenvolvimento, sem o psicólogo estar olhando mais pra essa parte. E com material
disponível. Eu lembro que a gente recebia linha pra bordado, algumas tintas mais
próximo de aquarela, lápis de cor, quase um material escolar mesmo. Quem tinha mais
criatividade usava sucata, para produção de porta-retratos, caixinhas com aspecto bem
tosco de acabamento, porque a idéia era muito mais terapêutica e artística e muito
menos voltada pra uma produção que fosse ser colocada à venda.”
Silveira afirma que a arte pode gerar bons resultados, caso a pessoa possua
habilidade, assim como a oficina de artesanato, que possibilitaria ao usuário condições
para sua manutenção: “Eu acho que quando você pensa na arte e na arte terapia, nem
todo mundo vai ser Arthur Bispo, claro, mas você oferece um estímulo e se cair em
boas mãos é uma possibilidade da pessoa sair desse círculo e ganhar autonomia
também como artista, a mesma coisa da oficina de produção, você oferece uma
possibilidade da pessoa sair dessa coisa mais assistencial.”
Silveira participa ainda de uma equipe multidisciplinar, o “Trem de doido”,
criado em Uberlândia em 2004, com o objetivo de fomentar manifestações culturais e
mostrar as atividades de usuários, convidados e profissionais ligados à saúde mental. “A
133
Entrevista realizada em 12/12/2005 a Maria José de Castro Nascimento, psicóloga da Enfermaria de
Psiquiatria do Hospital de Clínicas de Uberlândia (HCU). Trabalhou até o ano de 2002 na Clínica Jesus
de Nazaré, que atualmente funciona como CAPS.
73
equipe até realizou em 2005 na cidade algumas atividades dia 18 de maio, que é o Dia
da Luta Antimanicomial, como forma de chamar a atenção da mídia para a questão.
Tem também o coral da UFU, com usuários e profissionais.” Esta data comemorativa,
em nosso entender, tem o objetivo de chamar a atenção da comunidade para o tema
saúde mental, como uma forma de desmistificação; com os eventos promovidos neste
dia em Uberlândia, que incluem apresentações culturais, também se tenta utilizar a arte
como uma espécie de instrumento para a evolução do conceito de loucura, em termos de
senso comum.
LOUCURA COMO MITO
Segundo Max Weber, o comportamento individual num grupo se coordena de
acordo com normas estabelecidas e expectativas recíprocas, sendo a ação, ou melhor, a
prática social resultado de um conjunto de finalidades, valores e códigos. “Toda a
sociedade cria um conjunto coordenado de representações, um imaginário através do
qual ela se reproduz e que designa em particular o grupo a ele próprio, distribui as
identidades e os papéis, expressa as necessidades coletivas e os fins a alcançar.”134
Na explicação de Ansart, o mito é um “imaginário vivido”, um modo de
relacionamento dos homens entre si e com o mundo. Aplicando este conceito de
imaginário, o mito da loucura, portanto, pode ser entendido como a própria forma em
que se dá o relacionamento dos indivíduos entre si. Tem-se, como ponto de referência,
os códigos relativos a comportamento e raciocínio normais; aqueles que fossem
destoantes desta norma comporiam o grupo dos loucos, com papéis divergentes das
representações aceitas como normais; assim se comporia o mito da loucura, que
agruparia todos os que se encaixassem nas linhas desse imaginário social oposto à
norma.
Nesse ponto, a pesquisa quanto a fontes orais, especificamente quanto a
médicos e profissionais da saúde que lidam com pacientes psiquiátricos, possibilita
compreender o fenômeno segundo esquemas de intelecção, ou seja, estudando as
narrativas médicas pode-se reconstruir o modo como o fenômeno da loucura tem sido
visto e abordado no recorte escolhido e as transformações ocorridas em relação a outros
contextos.
134
Pierre Ansart, Ideologias, conflitos e poder. Rio de Janeiro: Zahar, s/d. p. 21-22.
74
Conforme Ansart, a linguagem mítica constitui-se de um elemento para o
controle social. O próprio mito tem a função de garantir um consenso social:
... um paradigma que designa as posições sociais ao mesmo tempo
em que as justifica. É preciso, na verdade, frisar que a ideologia, à
maneira dos mitos, tece uma imagem das divisões sociais, das
igualdades e desigualdades e proporciona um verdadeiro saber
relativo ao sistema social.135
O HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UFU
Em visita à enfermaria psiquiátrica do Hospital de Clínicas, observamos a sala
de atendimento médico, a enfermaria com alguns leitos e o pátio em que os usuários que
quiserem podem ficar, tomar sol e ouvir música. Os desenhos em papelão, usando
massa corrida, estavam expostos nas salas de atendimento médico e na enfermaria estão
os desenhos mais atuais dos usuários. Havia música ambiente no grande pátio gramado,
onde alguns usuários estavam sentados no chão. Alguns sentados em cadeiras, à sombra
de uma mangueira. A música era um rock, parecia ser música de rádio, o que dava uma
ambientação não de hospital, mas de um lugar comum. As paredes do pátio tinham
algumas pinturas feitas com massa corrida e bisnagas coloridas em tons pastéis. Alguns
internos falaram com a psiquiatra, pedindo pra ir embora. Um deles queria fazer um
teste de QI. Percebemos um ambiente de respeito e atenção para com as falas dos
internos.
Segundo um profissional da área de saúde mental136 existe atualmente um
trabalho de humanização hospitalar que envolve também os pacientes internados no
Hospital de Clínicas, nos quais se inclui a participação das famílias de usuários, de
modo a inserir a comunidade na instituição. “O serviço tem investido mais na
humanização, a família tem sido mais participativa. O acompanhante pode permanecer
na unidade durante todo o período da internação e assim colabora muito com o
cotidiano da enfermaria; os horários de visita foram ampliados e os familiares podem
participar das atividades internas realizadas diariamente, das atividades externas e das
reuniões semanais.”
135
Pierre Ansart, Ideologias, conflitos e poder, Rio de Janeiro: Zahar, s/d. p.41.
Com relação às atividades na enfermaria de psiquiatria do Hospital de Clínicas da UFU, foram
realizadas entrevistas em 2004 com dois profissionais da área de saúde mental do Hospital de Clínicas
que optaram por sua não identificação neste trabalho.
136
75
A Humanização hospitalar é um movimento nacional, segundo a Terapeuta
Ocupacional Flávia Teixeira137. “Onde você está vendo maior retorno disso é nas
pediatrias, nas UTI’s pediátricas, com aqueles projetos “mãe-canguru”, “doutor da
alegria”.138
E sobre a humanização no Hospital de Clínicas da UFU, Teixeira comenta: A
universidade tentou e tenta fazer um trabalho de humanização, mas o processo de
humanização hospitalar não pode ser feito focado num lugar, porque existe um tripé,
que é o paciente, o cuidador e a própria instituição. Então, as condições que a
instituição tem para se humanizar às vezes são muito limitadas. Nós temos médicos de
uma formação muito individualista e aí, se se tem um currículo individualista, que
estimula a competitividade, e se passa seis anos na faculdade fazendo isso, quando o
profissional sai de lá, como vai dar conta de um outro discurso e de uma outra prática?
Segundo Teixeira, a humanização tem verba federal, por isso passou a ser
instituída nos hospitais em geral. “O hospital que for considerado humanizado terá uma
verba diferenciada. Então a política pública tem que estar atrelada à prática
terapêutica e enquanto não esteve, via-se formas isoladas dessa humanização, mas
agora como ela tem um reconhecimento instituído como política pública, e pra isso
destina-se verba – porque você tem que pensar assim, só existem porque interessa a
alguém – então na psiquiatria da UFU, o hospital recebe 25% a mais porque tem
enfermaria psiquiátrica, então é uma forma do governo incentivar que se tenha
enfermaria psiquiátrica dentro dos hospitais escola. A humanização está sendo uma
política construída que só ganha a partir do momento em que o governo reconhece e
reconhecer, para o governo, significa dar verbas.”
O profissional de saúde entrevistado139 aborda a ligação entre a idéia de
humanização dos tratamentos, a multidisciplinaridade e a participação do paciente no
137
Entrevista a Flávia do Bonsucesso Teixeira, graduada em 1991 pela UFMG, especialista em
Sociologia. Trabalha com TO desde 1991. Docente da Uniube de 2000 a 2003 Foi docente de disciplinas
da área de Saúde Mental na UFPR (Terapia Ocupacional aplicada à Saúde Mental) e orientadora de
estágios em 2003 e 2004. Atualmente faz doutorado em Antropologia. Trabalhou como técnicaadministrativa na UFU de novembro/1996 a março de 2000, como TO que trabalhava na Psiquiatria.
138
“A humanização na Saúde, começa em 1999, no Natal, quando um grupo de profissionais da área da
saúde mensal foi chamado pelo Ministério da Saúde, para pensar um projeto de humanização, de âmbito
nacional, que enfrentasse a necessidade, amplamente confirmada por pesquisas qualitativas junto aos
usuários do SUS, de melhorar a qualidade das relações humanas no atendimento à saúde: relações que se
estabelecem entre profissionais de saúde e usuários, entre as diferentes categorias de profissionais de
saúde e entre os hospitais e a comunidade.” http://www.portalhumaniza.org.br/ph/texto.asp?id=30 em
8/1/2005 – 18:00 h.
139
Entrevista realizada em 2004 com um profissional da área de saúde mental do Hospital de Clínicas da
UFU que optou por sua não identificação neste trabalho.
76
processo terapêutico: “Antigamente o tratamento seguia uma linha muito biológica.
Com o passar do tempo, foi-se introduzindo outros tipos de tratamento. Hoje, a
psicologia e a terapia ocupacional também fazem parte deste tratamento, trazendo
outras possibilidades e visões multidisciplinares da doença mental. Desta forma, ele
pode ser ouvido, deixando-se de pensar na doença e buscando-se a saúde mental.
Quando falamos em humanização, pensamos em um sujeito ativo que participa do
tratamento.”
Sobre a influência do meio ambiente e da instituição sobre o indivíduo, o
pesquisador Crowcrof cita o saber-poder, ao qual o louco está por séculos submetido.
Ao paciente, restavam apenas as alternativas de adaptar-se ou perecer, o que consiste
em considerar que ele era sempre visto como errado. Crowcroft considera a necessidade
de transformar o mundo para transformar o ser: “... devemos transformar o ambiente
hospitalar inerte, devemos respeitar o valor pessoal de cada paciente, devemos criar
condições para a esperança.”140
Crowcroft coloca a cultura como meio onde se localiza o início da formação
do estigma da loucura e assinala como o social influencia para que a loucura seja
internada:
A ênfase atual está sendo dada ao comportamento e à interação social.
Nosso objetivo é entender também as experiências do paciente. Uma
crise nervosa grave, ou uma psicose, é a conseqüência de uma rejeição
social complexa e de uma falta de compreensão; o internamento em
hospitais psiquiátricos é conseqüência do insucesso e da isolação
social, mais do que simplesmente o aumento na gravidade dos
sintomas, embora naturalmente uma coisa possa conduzir a outra.141
Assim, as formas da loucura se manifestar são relativas às diferentes maneiras
do paciente lidar com os acontecimentos em sua vida:
Podemos considerar a psicose uma imaturidade emocional, relativa às
normas de uma determinada cultura; o louco, o doido, o lunático são
indivíduos que podem expressar e experimentar a ansiedade numa
forma muito mais primitiva do que nós. As ansiedades psicóticas,
infantis na sua forma, estão relacionadas também com as necessidades
emocionais das crianças. Diferentes espécies de ansiedade são
tratadas por diferentes medicamentos, de sorte que as ansiedades
persecutórias e depressivas, por exemplo, não são apenas termos
140
141
Andrew Crowcroft. O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P, 172.
Andrew Crowcroft. O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P. 213.
77
metafísicos, uma vez que estamos aptos a unir o corpo e a mente, as
palavras e a loucura, os medicamentos e os sintomas.142
A loucura pode ser encarada como doença, quando, na verdade, é uma forma
de reagir aos problemas da vida, como expõe o profissional de saúde entrevistado:
“Atualmente, quando a pessoa tem qualquer quadro de conflito ou de histeria que não
consegue lidar, já chega até com diagnóstico: ‘estou com pânico, estou com medo
disso...’ Aí se observa que aquele medo tem um significado pra ela, tem uma história
dentro do contexto dela e não é o pânico, é uma relação difícil que ela tem ali ou com a
mãe, ou com o pai ou com o namorado ou com ela própria; quando ela lida com as
frustrações dela, o pânico, não dá conta de fazer diferente. Então começa a se tratar
como se fosse uma doença do pânico. E ela se convence disso; também, ela não quer
perceber que se mudar a postura dela, de atuar diante dos problemas, ela mudaria, não
seria uma doente do pânico, não teria essa doença. Mas isso aí tudo é a nível de terapia
que a pessoa conseguirá perceber.”
A música é utilizada atualmente na enfermaria de psiquiatria como meio de
inserção do usuário e participação dele no meio social. “Em termos de atividades,
utilizamos outras formas de expressão, tais como a música, a pintura, a dança e o coral
de usuários; nesta atividade, trabalhamos a reinserção, já que levamos o grupo para
apresentações externas.”
Percebe-se a intenção de também levar a comunidade a
receber o usuário em seu próprio ambiente, num retorno de forma assistida, propondo-se
a aceitação da sociedade e o comportamento do usuário: “Com isso, se trabalha com o
estigma do doente mental. Tem o resgate também da auto-estima do usuário.”
Observamos que a arte do louco é um discurso que choca pela sua beleza e
integração com a realidade, evidenciando a existência de fragmentos compreensíveis em
sua forma de pensamento, um elo entre o usuário e os ditos “normais”. Assim, a arte é
uma forma de inserção social, é ela quem liga os extremos de comportamento aos
medianos, que estão de acordo com o padrão socialmente aceito.
A atividade de pintura é feita por terapeuta ocupacional, mas ocasionalmente
também por voluntários, como os estagiários do curso de Artes em 2003 que
acompanharam os usuários por um ano. Segundo os profissionais de saúde mental, há
outras atividades desenvolvidas na psiquiatria, com voluntários: “Já houve um grupo
espírita, de jovens, que trabalhou com os pacientes atividades de teatro durante oito
142
Andrew Crowcroft, O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P. 214.
78
meses.” Mas, em geral, os voluntários envolvidos nas atividades terapêutica do Hospital
de Clínicas não possuem formação específica.
Para os profissionais de saúde mental entrevistados, a pintura tem como
objetivo auxiliar na expressão dos conteúdos internos a fim de que haja uma
comunicação e os usuários explicitem o que os outros não entendem. Assim, tal
atividade tem a eficácia de possibilitar a verbalização: “Trabalhamos com os pacientes
para que eles falassem dos seus conteúdos internos, antes, durante e depois da pintura.
Fazíamos o fechamento das atividades ouvindo o paciente. Mas nem todos, porque
cada um tem seu momento de crise, então não consegue participar do processo todo;
começa, sai, volta...”
Os materiais utilizados não são próprios para pintura em tela, sendo feitas
adaptações em papel; alguns trabalhos são expostos na enfermaria. “Existe pouco
material. Utilizamos para desenho cartolina, lápis de cor, lápis de cera, papel sulfite,
papelão, massa corrida. Alguns trabalhos foram colocados nas paredes das salas de
atendimento.”
Os profissionais que tratam dos pacientes no Hospital de Clínicas da UFU são
vários: psiquiatra, enfermeira, terapeuta ocupacional, psicóloga, assistente social. Os
resultados observados pelos entrevistados com as atividades de arte terapia seriam
relacionadas ao comportamento dos pacientes, adequado ao funcionamento da
instituição hospitalar, agora adaptada à curta internação: “Um ganho enorme no serviço,
o paciente fica mais tranqüilo no tempo de internação, o risco de fuga é menor, eles
interagem mais. Estas melhorias para o paciente em tratamento auxilima para o menor
tempo de internação.”
Segundo os profissionais entrevistados, a média de pacientes internados por
dia na enfermaria psiquiátrica é de 20 a 25, para uma capacidade de internação de 34
pacientes, com tempo médio de internação de 15 dias. Também existe o paciente
crônico que é um freqüentador costumeiro do hospital: “A gente tenta trabalhar nesse
período com o paciente que sempre volta ao serviço, a gente chama de ‘porta
giratória’, tem feito o atendimento domiciliar com enfermeira, psiquiatra e assistente
social com esses pacientes que sempre retornam ao serviço, verificando porque não
aderem ao CAPS e à medicação.” Esta fala é marcada pelo viés da adequação do
usuário ao mundo social e à rotina hospitalar, com suas atividades, e aceitação do
tratamento medicamentoso.
79
Posteriormente se verá como os medicamentos inauguraram uma nova fase da
medicina mental, possibilitando o recrudescimento dos tratamentos físicos como as
cirurgias de cérebro e os eletrochoques. Segundo Deepak Chopra143, o problema da
medicina seria buscar a cura de todos os desequilíbrios mentais e físicos somente na
esfera química, desprezando as influências do mundo subjetivo da mente.
O profissional de saúde fala sobre a vinculação da arte com a loucura e os
benefícios da arte terapia como meio para a tradução da linguagem da loucura para o
homem normal. A arte, assim, seria um dos meios possíveis para o entendimento
daquilo que o paciente pensa e sente: “Compreendo estar trazendo um novo instrumento
pra trabalhar a loucura de forma que ela possa ser traduzida pela arte, que é uma
tradução dessa desorganização psíquic. Então é mais um recurso que eu vejo para que
a gente possa estar buscando um significado pra esse grande sofrimento que a pessoa
está passando. Para aquele indivíduo, seria qualquer instrumento como recurso, a
música, a argila, a pintura, o teatro, uma dramatização, naquele trabalho a pessoa vai
estar falando de si, fazendo troca, podendo pegar a experiência das outras pessoas, por
mais desorganizada que ela esteja naquele momento, psiquicamente, mas ele consegue
apreender alguma coisa.”
A arte seria, nesta visão, coadjuvante da terapêutica medicamentosa, ao
proporcionar boa adequação ao ambiente hospitalar para retorno à sociedade. “Então eu
acho muito importante, principalmente no ambiente de uma internação psiquiátrica,
onde o paciente está para tratar a crise, tomar a medicação e para voltar mais
adequado pra sociedade, para o seu meio familiar.”144
Segundo o profissional de saúde, a arte terapia promove a interação, pela qual
se torna possível a clínica e a expressão verbal, esta sim, possível de ser captada pelos
cuidadores: “Então nesta fase, às vezes o paciente fica muito ali á mercê do outro, nos
cuidados da enfermagem, nos cuidados do médico e eu acho que essa interação com a
arte vem para facilitar a esse indivíduo a sua expressão, que às vezes ele não consegue
falar em palavras.” Isto porque a concepção de loucura deste entrevistado é vinculada a
comportamento, opção de vida e nível de inteligência.
143
Deepak Chopra. A cura quântica – o poder da mente e da consciência na busca da saúde integral. São
Paulo: Ed. Best Seller. s/d.
144
Com relação às atividades na enfermaria de psiquiatria do Hospital de Clínicas da UFU, foram
realizadas entrevistas em 2004 com dois profissionais da área de saúde mental do Hospital de Clínicas
que optaram por sua não identificação neste trabalho.
80
Ainda, para o profissional entrevistado, as opções pessoais podem ser
consideradas como sintomas de loucura no meio em que o indivíduo vive: “Acho que é
isso, é a expressão do diferente, no familiar, no social, porque muitas vezes, dentro de
uma família extremamente rígida, dependendo da sua opção de vida, a pessoa vai ser
considerado louca.”
A comunicação entre os indivíduos também pode ocorrer de formas
diferentes, conforme o nível de raciocínio, o que pode significar, para alguns grupos,
indício de loucura: “Ao longo da história é assim, o louco é aquele que incomoda, é
aquele que traz coisas diferentes e nem sempre podemos considerar aquilo como
loucura e sim uma capacidade que ele tem de estar expressando de forma diferente os
seus pensamentos, até porque ele pode ser muito diferente mesmo, pode ter um nível de
inteligência muito grande, além daquele grupo com o qual convive, ele vai se tornar
muito diferente.”145
Sobre desvios de comportamento, o seguinte texto de Crowcroft define a
esquizofrenia como não necessariamente uma loucura, mas um desvio comportamental,
observado, portanto, nas redes de relações:
O termo esquizóide foi introduzido na Psiquiatria para descrever o que
era suposto freqüentemente ser a personalidade pré-psicótica do
esquizofrênico. [...] Alguns desvios da personalidade podem produzir,
em inúmeras situações sociais, um sentimento da dificuldade da
comunicação, de uma inadaptação e isolamento crescentes. O
esquizóide sente-se separado das outras pessoas, da mesma forma que
seu comportamento nos parece desajustado. Foi observado, aliás, que
muitos esquizofrênicos eram pessoas fora do comum e não
necessariamente loucas. Talvez se pudesse afirmar que bastaria apenas
uma exageração de alguns traços esquizóides para produzir a
esquizofrenia.146
Foucault contestou a idéia de que, com o progresso das pesquisas, a medicina
irá dominar a doença mental e fazê-la desaparecer, como aconteceu com algumas
doenças físicas, pois permanecerá a relação do homem com sua dor; essa idéia supõe
inalterável a sociedade: “... a relação de uma cultura com aquilo mesmo que ela exclui,
e mais precisamente a relação da nossa com essa verdade de si mesma, longínqua e
inversa, que ela descobre e recobre na folia.147
145
Entrevista realizada em 2004 com um profissional da área de saúde mental do Hospital de Clínicas da
UFU que optou por sua não identificação neste trabalho.
146
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 92.
147
Michel Foucault, Ditos e escritos, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 211-212.
81
Já a compreensão da doença mental148, para Crowcroft. é permeada por
vários obstáculos, entre eles os preconceitos existentes nas várias sociedades. De acordo
com a classificação médica de doenças CID-10, o termo “doença mental” foi substituído
por “transtorno mental”, que envolvem atitudes e comportamentos fora do padrão de
normalidade sócio-cultural. Tais transtornos mentais e de comportamento são
classificados pela psiquiatria biológica de acordo com sinais e sintomas apresentados
pelo sujeito.
Para Foucault, a loucura está estreitamente ligada à cultura, tem valor no
terreno no qual a reconhecem como loucura. Mas a relatividade do mórbido não é clara,
como afirma Foucault. Para Durkheim, um fenômeno seria patológico ao afastar-se da
média, marcando um estágio superado de uma sociedade ou delineando um posterior
estágio de desenvolvimento que ainda mal se esboça. Tal concepção é encarada sob um
aspecto negativo e virtual.
Negativo, já que é definida em relação a uma média, a uma normal,
a um ‘pattern’, e que neste afastamento reside toda a essência do
patológico: a doença seria marginal por natureza, e relativa a uma
cultura somente na medida em que é uma conduta que a ela não se
integra. 149
A concepção da doença é virtual porque seu conteúdo é definido pelas
possibilidades não mórbidas que nela se manifestam. Por outro lado, o lado positivo da
doença, segundo Foucault, encontra-se nas sociedades que a reconhecem como tal e
reservam a ela status e função, como ocorre entre os Zulus com relação aos seus xamãs,
uma cultura que reserva um papel social ao doente. Esta é mais uma demonstração de
que o conceito de loucura tem vinculação com os conteúdos e evolução da sociedade na
qual ela se insere.
A sociedade atual, entretanto, vê na doença o sentido do desvio que
necessita ser excluído, pois foge à norma. A exclusão iniciada no Renascimento
continua na contemporaneidade.
Se Durkheim e os psicólogos americanos fizeram do desvio e do
afastamento a própria natureza da doença, é, sem dúvida, por uma
148
De acordo com a classificação médica de doenças CID-10, o termo “doença mental” foi substituído
por “transtorno mental”, que envolvem atitudes e comportamentos fora do padrão de normalidade sóciocultural. Tais transtornos mentais e de comportamento são classificados pela psiquiatria biológica de
acordo com sinais e sintomas apresentados pelo sujeito.
149
Michel Foucault, Doença mental e psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 73.
82
ilusão cultural que lhes é comum: nossa sociedade não quer
reconhecer-se no doente que ela persegue ou que encerra; no
instante mesmo em que ela diagnostica a doença, exclui o doente. As
análises de nossos psicólogos e sociólogos, que fazem do doente um
desviado e que procuram a origem do mórbido no anormal, são,
então, antes de tudo, uma projeção de temas culturais.150
Para o psicoterapeuta Alexander Lowen, que desenvolveu a bioenergética,
através da qual se busca o equilíbrio interior, com bases biológicas, o entendimento da
psicose está atrelado à ligação com a realidade, tempo e espaço:
O primeiro objetivo do esforço psiquiátrico, tanto no presente como no
passado, é fazer a pessoa mentalmente doente entrar em contato com a
realidade. Se a ruptura com a realidade é grave – isto é, se o paciente
não se orienta segundo a realidade do tempo, lugar ou identidade –
sua condição é descrita como psicótica. Diz-se que ele sofre de ilusões
que distorcem sua percepção da realidade.151
A neurose seria uma distorção da realidade, ligada à ilusão, pois teria uma
concepção da realidade doentia. Mas, para Lowen, não é fácil definir a realidade, pois
todos carregam um pouco de ilusão. O autor considera o corpo como realidade a partir
da qual a doença mental é também ilusão, pois o distúrbio mental também é físico.
Então, o correto seria considerar o distúrbio como doença emocional:
A palavra ‘emoção’ tem uma conotação de movimente e tem, portanto,
um sentido implícito, tanto físico como mental. O movimento acontece
num nível físico, mas sua percepção ocorre na esfera mental. Um
distúrbio emocional envolve ambos os níveis da personalidade. E uma
vez que é o espírito que move a pessoa, o espírito está também
envolvido em todo conflito emocional. O indivíduo deprimido sofre de
um depressão de seu espírito152.
Sobre a loucura como doença, o profissional de saúde entrevistado aborda
suas classificações e explicações médicas e observa-se não haver uma definição acabada
sobre as origens biológicas das doenças mentais: “Do ponto de vista biológico, a gente
ainda não tem uma causa definida pra algumas doenças mentais, mas as pesquisas têm
progredido, colocado as questões das alterações neurobiológicas, neuro-hormônios,
mas isso não é uma grande verdade. Isso é algo que está caminhando, em termos de
pesquisa, mas se você for conversar com um psiquiatra biológico, ele coloca a verdade,
150
Michel Foucault, Doença mental e psicologia, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 74.
Alexander Lowen. O corpo em depressão. São Paulo: Summus, 1983. P. 15.
152
Alexander Lowen. O corpo em depressão São Paulo: Summus, 1983. P. 15.
151
83
que é isso e acabou. O pânico, depressão. A esquizofrenia, a gente ainda tem mais
controvérsia do que o quadro de depressão, por exemplo. Depressão seria uma
alteração neuro-hormonal, noradrenalina, sinapse, etc.”
A noção clássica da origem biológica da loucura encontra sua raiz nas
principais teorias da medicina mental dos séculos XVIII e XIX, as quais argumentavam
que a causa e a essência da enfermidade não era produto de um conflito da mente, mas
era provocado por uma lesão corporal.153
A loucura também parece ser fabricada no capitalismo: “Numa sociedade, se a
gente for avaliar uma sociedade que vive um capitalismo assim, muito intenso, aquela
coisa de estar buscando ter, ter e ter, você vê que essas pessoas têm um consumismo tão
grande que aos olhos daquele que não tem, isso fica como loucura também, essa busca
do satisfazer a qualquer preço, satisfazer imediatamente, rapidamente e aí vai
produzindo pessoas completamente diferente também, dentro desse contexto.” Neste
sentido, o surgimento do Hospital Geral de Paris no século XVII marcou, “para
Foucault, a emergência de uma ética fundada no trabalho como o mais alto dos valores
morais”154.
O próprio psiquiatra Osório César, um dos primeiros a introduzir a arte terapia
no Brasil, também visualiza a inserção no sistema capitalista. Em 1950 começaram a
trabalhar na Sessão de Artes do Juqueri, na região da Grande São Paulo, artistas que
tinham o objetivo de orientar as atividades com os internos e sistematizar a produção
artística. Osório César se especializa em Psiquiatria Social em 1952, na França e volta
para dirigir a Sessão de Artes Plásticas do Juqueri tendo como objetivo a integração do
doente no sistema de produção: “Entende que a finalidade primordial de um
departamento de arte não é apenas terapêutica, mas também preparar os pacientes para
desenvolverem uma profissão, de acordo com suas capacidades, e assim poderem viver
melhor fora do hospital”155. Assim, dedica-se ainda mais à Instituição de Assistência
Social ao Psicopata.
Observamos que os entrevistados, ao abordarem a inserção do paciente através
de sua produção, no mundo capitalista, entendem que a arte poderia servir para a
afirmação pessoal do usuário, na medida em que o faria perceber-se e ser percebido
153
Roy Porter, Uma história social da loucura, p. 46
Noronha, Nelson Matos de. Doença mental e liberdade. Campinas, SP: Unicamp, 2000. (Tese de
Doutorado) p. 71.
155
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 76.
154
84
como indivíduo produtivo. Assim, o “reconhecer-se como pessoa” está vinculado aos
conceitos e padrões da sociedade.
A produção, quando visualizada, materializada, tem um significado para
paciente e sua família, como afirma a terapeuta ocupacional Flávia do Bonsucesso
Teixeira156 sobra a experiência no CAPS Jesus de Nazaré: “Quando eu trabalhei na
Jesus de Nazaré, a horta era dos pacientes; no final, toda sexta-feira eles levavam pra
casa. Então eles passaram a ter um lugar em casa bastante importante porque eles não
eram só o ‘doente que pesava’. Eles começaram a levar a mistura da semana, então
eles levavam na sexta-feira, o trabalho deles, então era muito interessante ver a relação
deles com a horta.”
Segundo o profissional do Hospital de Clínicas, a loucura é vista como
estigma e trabalha-se com a idéia de que é preciso acabar com a diferença para que o
usuário seja inserido na sociedade, em vez de se pensar um trabalho sobre a aceitação da
diferença pela sociedade: “Na saúde mental é trabalhado muito a questão da autoestima, auto-cuidado, cidadania e inserção social, pois a doença mental traz em muitos
casos a apatia, a falta de cuidado consigo, o isolamento, buscamos a resignificação
deste estado.” Entendemos que esse resgate da auto-estima e do cuidado de si ocorre
num momento em que o paciente se vê privado de sua identidade, na instituição
hospitalar.
O profissional explica que são utilizados com alguns pacientes da enfermaria
psiquiátrica os procedimentos de um grupo terapêutico, com trabalhos que começam e
terminam no mesmo dia, tais como desenho, pintura, colagem, recortes, jogos,
atividades de auto cuidado e higiene, além de passeios. Em média, participam da
atividade dez pacientes, por livre adesão à atividade. Para o entrevistado, o trabalho
consiste em buscar estabelecer contato com o paciente e despertar nele a possibilidade
de uma comunicação: “a terapia ocupacional é um espaço de construção e
reconstrução de uma nova história, de conhecimento a respeito dos sentidos e
significados de experiências vividas e de possibilidades de novas configurações de
relacionamentos e inserção social. Os resultados acontecem com os sentimentos
mobilizados, a percepção de suas incapacidades e a valorização de suas capacidades, a
percepção de si levando a melhora da auto-estima e do cuidado.”
156
Entrevista a Flávia do Bonsucesso Teixeira em novembro/2004, graduada em Terapia Ocupacional em
1991 pela UFMG, especialista em Sociologia. Trabalha com TO desde 1991.
85
A atividade também possibilita, segundo o profissional, que os pacientes falem
sobre as atividades realizadas, relacionando-as às próprias questões do cotidiano; ao se
dar conta delas, conseguem expressar-se em grupo e verbalizar, ou seja, tornar possível
ao outro o entendimento do seu drama interno. “A atividade tem o objetivo de
possibilitar a expressão de seus sentimentos, pois muitas vezes o sujeito não dá conta
de falar. Sendo assim, o produto da atividade diz muito deste sujeito.”
Segundo Adamson, as expressões criativas do paciente são uma forma de arte,
mas é discutível a afirmação de que seriam obras de arte, pois, como terapia, interessa o
tema e não a forma da pintura.
Uma verdadeira obra de arte tem como base uma modulação
consciente da técnica. (...) O artista está todo o tempo numa posição de
controle, mas a mente doente normalmente não possui essas
qualidades. A terapia criativa pode até mesmo possibilitar a sua
aquisição.157
A doença pode gerar no paciente, segundo Adamson, uma sensibilização, uma
abertura das portas da percepção e também lhe permitir uma expressão gráfica
espontânea e incontrolável.
Não se pode negar que o artista é motivado pelos níveis inconscientes
de sua mente. Mas é essencial considera-se que isso acontece
sobretudo na área da escolha do tema. (...) Pintores profissionais que
passam a sofrer das dificuldades mentais geralmente perdem o domínio
da técnica. Isso acontece porque perdem as faculdades que
diferenciavam suas obras dos trabalhos de esquizofrênicos. Um
sintoma de recuperação de um artista é o desejo de voltar a pintar.158
Importa, no processo terapêutico, especialmente na terapia ocupacional, a
capacidade funcional do sujeito. Segundo o profissional entrevistado159, “na terapia
ocupacional, a atividade é uma mediadora da relação terapeuta-paciente; para tanto, é
157
Edward Adamson. A arte e a saúde mental In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 133.
158
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 133.
159
Entrevista realizada em 2004 com um profissional da área de saúde mental do Hospital de Clínicas da
UFU que optou por sua não identificação neste trabalho.
86
necessário que se faça a análise da atividade, o histórico do paciente, a capacidade
física requerida para ser executada, a propriedades do material e os sentimentos
mobilizados durante sua execução para se propor um programa terapêutico. Assim,
busca-se proporcionar ao paciente espaço de transformação da estagnação em
crescimento e criação.”
A LIGAÇÃO ESTADO-MEDICINA
A mudança no estatuto médico, relacionada à produção de conhecimento
remete, no século XIX a uma nova percepção do louco, agora ‘doente’. Ao privilegiar o
nível da percepção, Foucault, na História da loucura:
... pode desclassificar os ‘saberes sobre a loucura’ como não
científicos e mostrar que, por detrás das máscaras impostas pelo
Positivismo, há um projeto de intervenção material (porque ao nível do
corpo) e moral (porque ao nível da conduta) na vida dos homens. (...)
Dessa maneira, qualquer referência feita a conceitos na História da
loucura está intimamente relacionada com forma de intervenção,
formas de organização do espaço de reclusão, formas de relação de
autoridade entre médico e doente.160
Estas formas de intervenção têm a representatividade máxima na figura do
Estado como executor das normas definidas pelo poder legislativo. No Brasil, o sistema
de saúde está vinculado diretamente ao Estado.
Nos últimos quarenta anos, o Estado Brasileiro rompe com as práticas
realizadas até então em dois momentos, quando incorpora às ações de saúde a
assistência médica em geral e quando atrela a saúde mental à rede pública de saúde.161
Em 1966 unificam-se o Instituto de Pensão e Aposentadoria e o Instituto Nacional de
Previdência
Social.
Esta
atitude
privilegia
as
indústrias
médico-hospitalar-
farmacêuticas, o que gera grandes questionamentos, fato pelo qual o sistema de saúde é
obrigado a se reorganizar posteriormente.162 A política de assistência regulamentada
seria a responsável, posteriormente, pelo inchaço na contratação de serviços médicos, o
que em saúde mental se compreende pelo crescente número de internações em hospitais
160
Ernani Chaves, Foucault e a psicanálise, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p. 15.
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 42.
162
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 42-43.
161
87
psiquiátricos particulares em que se realiza a sujeição hospitalar a normas
socializadoras, o isolamento do doente do convívio social e uma terapêutica
medicamentosa circunscrita à relação médico-paciente.
Nos anos setenta, é fundado o Instituto Nacional de Assistência Médica da
Previdência Social (INAMPS) e vários estados implantam a Rede Básica de Saúde, da
qual participam estados e municípios. O governo federal, entretanto, não tem o controle
efetivo na destinação de verbas ao setor privado, financiado por ele. No final da década,
o excesso de internações hospitalares no setor privado impacta o sistema nacional de
saúde e se torna urgente a reavaliação dos serviços, da política de saúde e do lugar de
ação da medicina.
A partir dos anos 80, inicia-se a democratização das ações de prevenção e
tratamento.
Tendo em vista esta política, as ações de saúde mental passam a fazer
parte da rede pública, visando o processo de desospitalização dos
pacientes psiquiátricos. São, então, oferecidas formas alternativas de
atendimento através da criação de unidades básicas de saúde mental
em postos de saúde, ambulatórios e hospitais-dia, com o intuito de se
evitar internações desnecessárias.163
Conforme França, são realizadas a partir de então ações no sentido de
adaptarem as instituições que subentendem um novo modo de relacionamento com
saúde e doença. Passa a ser exigido dos profissionais de saúde um novo enfoque sobre o
paciente psiquiátrico, agora usuário, de forma que possa a ser visto como ser humano
integral. A percepção do louco não é mais circunscrita ao campo médico, apreende uma
nova complexidade como parte do todo social. Ocorre, portanto, a modificação na
concepção de corpo, saúde e doença, sobre os quais reside o poder médico, numa visão
orgânica da loucura. No novo contexto, a loucura passa a ser vista como fenômeno
social e inserida no espaço das relações cotidianas: família, trabalho, lazer, discurso.
Passa-se a ter que ouvir a verdade do usuário nos ambientes nos quais ele atua, uma vez
que não está mais encarcerado no manicômio. Para tanto, se fazem necessárias práticas
além do saber médico-psiquiátrico, saberes que versam sobre a inserção social e bemestar subjetivo do usuário da rede de saúde. O corpo do usuário, assim, passa do espaço
hospitalar, no qual é submisso, ao espaço da sociedade, como corpo atuante. Isso exige
163
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 9-10.
88
um novo aprendizado, seja do usuário, da família, da equipe de saúde, seja da sociedade
sobre o campo das relações.
A compreensão do objeto das práticas terapêuticas em seu contexto
histórico pode levar a um entendimento de que o homem processa
incessantemente novas composições de territórios existenciais. Esta
compreensão pode propiciar uma configuração vivificadora do campo
terapêutico.164
Num processo de descentralização administrativa, os recursos federais são
então transferidos para estados e municípios a partir de 1983, com a criação das Ações
Integradas de Saúde, e o INAMPS firma convênios com as Secretarias de Estado de
Saúde e Prefeituras Municipais.
Segundo França, a criação de mecanismos formais de coordenação da saúde
pública nessas outras esferas do poder executivo evidencia a visão medicalizada do
Estado, pois o saber médico, além de prover a cura, também auxilia o Estado a conhecer
o indivíduo e a população, o ser natural e o social. Em 1986, realiza-se a 8ª Conferência
Nacional de Saúde, que trata das diretrizes das Ações Integradas de Saúde e apresenta
uma preocupação do Estado em relação ao indivíduo em diversos aspectos, que podem
ser vistos na concepção de saúde como:
... resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde; (...) é o resultado
das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida; (...) saúde não é um contexto
abstrato. Define-se no contexto histórico de uma determinada
sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser
conquistada pela população em suas lutas cotidianas. (...) Significa a
garantia, pelo Estado de condições dignas de vida e de acesso
universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e
recuperação de saúde, em todos os níveis, a todos os habitantes do
território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano
em sua individualidade.165
Assim, a ciência da saúde passa a ser também uma autoridade que fiscaliza e
intervém no corpo social.166 Essa conferência, ao lado da ampliação do conceito de
164
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 13.’
165
8ª Conferência Nacional de Saúde apud França, Diálogos com as práticas de saúde mental
desenvolvidas na rede de saúde pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado)p. 47-48.
166
Conforme Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de
saúde pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 48.
89
saúde que corresponde a uma ação institucional, constitui a Reforma Sanitária, num
âmbito de gerenciamento e padronização da saúde e dos comportamentos.
Nesse fato político de gerenciar a vida humana, a medicina adquire um
papel normativo e pedagógico que a autoriza a uma ação permanente
no corpo social. Distribuir conselhos, reger relações física e morais do
indivíduo e da sociedade são táticas da racionalidade médica para
assegurar a inserção de ambos a uma série de modelos específicos de
seu campo de ação. (...) É tarefa essencial de tais práticas tratar o
doente e supervisionar a saúde da população – campo, por excelência,
para a produção de indivíduos saudáveis.167
Se há um modelo de homem e estratégias de manutenção do bom
funcionamento do organismo, esta é a verdade do saber médico que deve ser ensinada à
população e ao governo. De posse dessa verdade, o Estado, passa a legislar sobre a área
da medicina, como órgão de controle.
Por outro lado, os profissionais de saúde realizam a primeira Conferência
Nacional de Saúde Mental no Rio de Janeiro em 1987 e discutem a recuperação dos
pacientes crônicos, o fim da reprodução da loucura (por intermédio das práticas de
manicomialização), a prevenção por meio de equipamentos públicos de saúde
localizados próximo a seus domicílios, além de um retorno ao exercício dos direitos de
cidadão, lutando pela participação dos indivíduos na vida social e o acesso aos bens
materiais e culturais da sociedade.
Para que esses direcionamentos da saúde mental fossem colocados em prática,
foi solicitado, durante a I Conferência de Saúde Mental, a transformação de
procedimentos administrativos, técnicos e jurídicos em torno da saúde mental que
visassem assegurar ao paciente as condições de vida extensivas a todos os cidadãos,
como se comprova no item relativo ao fim da interdição forçada: as internações
deveriam ser realizadas em condições em que o indivíduo representar perigo a si ou a
outros e previa-se ainda o fim da internação involuntária, quando seriam cerceados os
direitos de liberdade individual e de opção de vida da pessoa.
Reivindica-se ainda a criação de terapêuticas além da medicação; tem-se por
base teórica a noção de conjunto mente-corpo e da necessidade de abertura do campo
saúde mental a outros profissionais. Segundo França, o que se verifica é “uma
167
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 50.
90
totalização bio-psico-social do homem: um todo harmônico que precisa explicitar-se
para viver sua individualidade.”168
A reforma, ao exigir a desospitalização, pretende fazer o indivíduo retornar à
esfera política pelo resgate de sua cidadania:
“A reforma psiquiátrica passa, antes de mais nada, pela otimização dos
serviços hospitalares e a criação de enfermaria psiquiátricas no Hospital Geral,
inserindo-os em uma Rede de Atenção Psicossocial, orientada por equipes
multiprofissionais integradas em seus procedimentos clínicos. Esse novo estatuto do
doente mental permite não apenas o direito aos bens de saúde, mas o direito á cidadania
e isso significa se reconhecer como participante do mundo político. Não mais submetido
a uma tecnologia que circunscreve sua vida às paredes do hospital.”169
Trata-se, segundo França, de uma mudança que visa a participação do louco na
sociedade, a começar pelo sistema de saúde em seu todo e não apenas um atendimento
nas especialidades psicologia e psiquiatria, o que, por sua vez, exige a formação de
profissionais com noções em psicopatologia e psicofarmacologia.
Com a Conferência de Saúde Mental, ocorre uma interferência do saber dos
profissionais de saúde no âmbito de ação do Estado. Assim, tais reivindicações
culminam na mudança da legislação paulatinamente. Em 1987 é implantado o Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que vincula a saúde mental ao conjunto
que inclui das Unidades Básicas de Saúde aos Hospitais Psiquiátricos.
Urge inventar novos dispositivos e tecnologias de cuidado. Nesse contexto,
inicia-se uma reformulação legislativa sobre a saúde mental. Paulo Delgado (PT-MG)
apresentou o projeto de lei 3657 em 1989, para o qual foi aprovado um substitutivo
somente em janeiro de 2000, tornando-se a Lei da Reforma Psiquiátrica sob o nº 10216
em 6/4/2001. Aprovada mais de dez anos depois do projeto de Delgado, a lei 10216
redirecionou o modelo de assistência psiquiátrica no Brasil e previu punição para
internações involuntárias e/ou desnecessárias.
Pode-se dizer que a lei de reforma psiquiátrica proposta pelo deputado
Paulo Delgado protagonizou a situação curiosa de ser uma ‘lei’ que
produziu seus efeitos antes de ser aprovada. (...) a transformação da
assistência e mesmo do estima social da loucura no Brasil deu-se de
168
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 80.
169
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 74.
91
forma segura e constante, ainda que lenta, ao longo dos dez anos em
que o projeto de lei tramitou sem ser aprovado.170
O projeto de Paulo Delgado serviu para intensificar as discussões sobre a
reforma psiquiátrica em todo o país e levou à edição de várias portarias pelo Ministério
da Saúde e à elaboração e aprovação de oito leis estaduais sobre a substituição asilar.
Em Minas Gerais, o projeto deu origem a Lei nº 11802 de 18/1/1995, que previa a
substituição progressiva do hospital psiquiátrico por outros dispositivos, proibiu as
psicocirurgias e procedimentos que produzam efeitos orgânicos irreversíveis e previu
atenção integral às necessidades dos pacientes que perderam o vínculo com a família,
por meio de políticas sociais, para a integração social do paciente.
A partir da década de 90, os governos dos países da América Latina iniciam
políticas na área de Saúde Mental norteadas pela Declaração de Caracas171, escrita
durante a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no
Continente. Anteriormente, a Organização Mundial de Saúde e a Organização PanAmericana de Saúde haviam estabelecido como estratégia para a meta de Saúde para
Todos, no ano 2000, o Atendimento Primário de Saúde, facilitada por intermédio de
Sistemas Locais de Saúde para atender as necessidades da população de forma
descentralizada, participativa e preventiva.
Dentre os itens listados na Conferência de Caracas para reestruturação da
assistência psiquiátrica dos países participantes, estavam a criação de modelos
alternativos, centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais; a revisão do papel
hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico; a salvaguarda da dignidade
pessoal, dos direitos humanos e civis do paciente e sua permanência no meio
comunitário, garantidos através de legislação pertinente; a capacitação de profissionais
em Saúde Mental e psiquiatria pautados pelo modelo de saúde comunitária.
Em 1990 é promulgada a Lei Orgânica de Saúde e criado o Sistema Unificado
de Saúde (SUS), que passa a reger as ações do setor privado em saúde pública. Os
Escritórios Regionais de Saúde (ERSAS’s) gerenciam, a partir de então, os recursos
financeiros, materiais e técnicos referentes aos equipamentos de saúde da área de
abrangência, como Centros de Saúde, Hospitais, Laboratórios e Ambulatórios de Saúde
Mental.
170
Fernando Tenório. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e
conceito'. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 9(1):25-59, jan.-abr. 2002.
Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em 20/12/2005 20:00h.
171
Elaborada em 14/11/1990.
92
A partir de 1991, o Brasil, tem utilizado o processo legislativo na
implementação das políticas públicas, atendendo às recomendações da Declaração de
Caracas. O Ministério da Saúde iniciou a reestruturação das leis que regulamentam a
assistência psiquiátrica no Brasil, numa iniciativa articulada com os três níveis gestores
do SUS, as esferas federal, estadual e municipal.
Os Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (NAPS) substituem a
internação hospitalar mantêm os pacientes integrados em atividades comunitárias,
contando
para
isso
com
assistência
multiprofissional
e
tratamento
psiquiátrico/psicológico.
A REGULAMENTAÇÃO SOBRE SAÚDE MENTAL
No Brasil, inicialmente tem a Lei de 1934 que dispõe sobre a política nacional
sobre a internação de doente mental, deficiente, alcoólatra, prostituta.
Segundo a psicóloga Maria José de Castro Nascimento, “A Portaria 224 de
1992 veio para organizar o serviço hospitalar e extra-hospitalar. esclarecendo que tipo
de profissional e que tipo de atividade deveria ser executada pelos pacientes, número
de pacientes, como seria até fisicamente os locais de tratamento.”
Os CAPS começaram com a Portaria nº 336, de 2002, que aboliu o hospitaldia e regulamentou o serviço extra-hospitalar. A Lei de 10.216 de 2001 estabelece um
máximo de 45 dias de internação e foi o marco da desospitalização no Brasil, uma vez
que redireciona o modelo de assistência psiquiátrica no país para a forma extrahospitalar, além de se ter extinguido o repasse de verbas do governo a instituições de
assistência psiquiátrica particulares.
O funcionamento dos serviços de saúde mental foi regulamentado pela portaria
224 de 29/1/1992, que proibiu práticas abusivas em hospitais psiquiátricos, como as
celas fortes, e definiu como co-responsáveis em seu cumprimento os níveis estadual e
municipal do sistema de saúde. Também foram definidos os profissionais específicos
para atendimento nos NAPS/CAPS: médico psiquiatra, enfermeiro, profissionais de
nível superior (psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional e/ou outro
profissional necessário à realização dos trabalhos) e profissionais de nível médio e
elementar. Já os leitos/unidades psiquiátricas em hospital geral, como é o caso da
enfermaria de psiquiatria no Hospital de Clínicas da UFU, deveriam contar com médico
psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, profissionais de nível superior (psicólogo, assistente
93
social e/ou terapeuta ocupacional) e profissionais de nível médio e elementar para o
desenvolvimento das atividades.
As atividades desenvolvidas na Clínica de Psicologia se tornaram possíveis
através de repasse de verbas pelo SUS, conforme a Portaria 189 do Ministério da Saúde,
datada de 19/11/1991, que altera o financiamento das ações e serviços de saúde mental.
Como “política pública se faz conhecer quando se define o seu financiamento”172, os
discursos pela introdução de práticas alternativas à terapia medicamentosa e asilar
puderam passar à prática através desta portaria pela qual foram incluídos na tabela de
remuneração do SUS novos procedimentos na atenção em saúde mental, como os
atendimentos em Núcleos de Atenção Psicossocial e os Centros de Atenção Psicossocial
(NAPS e CAPS), além do atendimento em Oficinas Terapêuticas, definidas como:
Atividades grupais (no mínimo 5 e no máximo 15 pacientes) de
socialização, expressão e inserção social, com duração mínima de 2
(duas) horas, executadas por profissional de nível médio [ou superior],
através de atividades como: carpintaria, costura, teatro, cerâmica,
artesanato, artes plásticas, requerendo material de consumo específico
de acordo com a natureza da oficina. Serão realizadas em serviços
extra-hospitalares, que contenham equipe mínima composta por quatro
profissionais de nível superior, devidamente cadastrados no SAI para a
execução deste tipo de atividade.173
172
173
Anexo I da Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
94
CAPÍTULO III – TERAPIAS E MODIFICAÇÕES INSTITUCIONAIS
Neste capítulo são apresentadas discussões acerca da loucura juntamente com
um breve histórico sobre as modificações institucionais ocorridas na psiquiatria.
Completam esse cenário as reflexões acerca das terapêuticas utilizadas junto ao paciente
psiquiátrico no século XX, com atenção especial para a arte terapia, foco deste trabalho.
Também são acompanhados alguns relatos das fontes sobre a reforma psiquiátrica no
Brasil e discutida a introdução das oficinas terapêuticas em Uberlândia.
CLASSIFICAÇÕES DA LOUCURA
O trabalho de descrição de sintomas e a classificação de doenças mentais
empreendidos pelos médicos resultaram em conceitos instáveis do ponto de vista
epistemológico e possuidores de elementos tanto da fisiologia quanto da moral, como
observa Foucault em A arqueologia do Saber e em várias passagens de História da
Loucura.
Ao final do século XVII, as práticas terapêuticas para a loucura passam a ter
autonomia; ocorre uma tentativa de classificar as doenças, no século XVIII, como se fez
com o reino vegetal. A doença, no período, é vista como uma forma de punição divina;
as tramas do razoável se mesclam às do racional.
A nosologia174 obedece à ordem da razão. A loucura foi classificada, segundo
Paracelso, em quatro classes, pela seguinte ordem de causas: mundo exterior (influência
da lua), hereditariedade e nascimento, defeitos da alimentação e perturbações internas.
Outros classificadores, no século XVIII, rejeitando esta organização, tentaram
trabalhar sobre a natureza da loucura a partir de si própria, em consonância com a
“natureza total de toda doença possível”, rejeitando as determinações externas.
Ao procurar por aspectos mórbidos, as nosografias encontravam as deformações
da vida moral. Neste percurso, a noção de doença se alterou, “... passando de uma
significação patológica para um valor puramente crítico.”175
Ao longo do século XVIII, as classificações das formas de loucura diferem das
demais por carregarem em si temas terapêuticos, iniciando na medicina o diálogo entre
o doente, que anuncia o mal, e o médico, que imagina como suprimi-lo. O louco sabe
174
175
Nosologia é a classificação das doenças.
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 198
95
que foi atingido. Tem dificuldade de utilizar a razão, mas seus sentidos parecem estar
intactos. Ele possui uma sabedoria e uma verdade.
São feitas observações sobre a fisiologia humana para embasar as causas e os
efeitos da loucura pelos classificadores. Enquanto que nos séculos XVII e XVIII, a
loucura é entendida como questão que conjuga alma e corpo, no século XIX ambos
estão separados.
Alguns patologistas entendem a loucura como tendo sua causa no sistema
nervoso, órgão mais próximo da alma. As pesquisas pairavam sobre o estudo da
anatomia, em autópsias. Deixou-se, no século XVIII, de considerar a relação alma e
corpo, mas de concentrar no cérebro a identificação das causas da loucura. Fatores
externos representarão causas distantes, que influenciam a loucura: o ar, o clima, o
movimento dos astros, os espetáculos, a leitura.
Foucault afirma que a paixão, no século XVIII, é mais uma forma de loucura, e
uma de suas causas distantes; está no ponto de convergência corpo e alma. Admite-se a
existência de doenças como a loucura, que afetam corpo e alma conjuntamente, sendo
da mesma qualidade, origem e natureza essas afecções. Seguindo esse raciocínio, a
loucura era vista pelos moralistas como castigo da paixão, se torna possível pela paixão
e, ainda, seqüela desta.
A loucura se apresenta como verdade total e absoluta. O louco prefere
silogismos, usa de sua lógica particular que lhe confere a perfeição discursiva, embora
sob a estrutura interna do delírio.
A razão da “linguagem fundamental” da loucura ser chamada delírio é o caráter
quase onírico da loucura como tema clássico. Ela é comparada ao conjunto sono e
sonho, abarcando toda essa negatividade que tira o homem da vigília e de suas verdades
sensíveis. “A loucura começa ali onde se perturba e se obnubila o relacionamento entre
o homem e a verdade”176. O sonho é ilusório, mas não errado; aqui se tem a brecha para
o respeito à fala da loucura, que vem inicialmente com a psicanálise e sua prática de
ouvir o paciente. A loucura se posta no ponto de contato “entre o onírico e o erro”. A
loucura tornou-se, na era clássica, a manifestação do não-ser. Por isso, o internamento
suprime a manifestação da loucura como revelação do não-ser e “a restitui à sua verdade
de nada.”
176
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 241
96
A loucura possui vários nomes, que variam conforme a época. “A demência é
reconhecida pela maioria dos médicos dos séculos XVII e XVIII, entretanto, permanece
indefinida em seu ‘conteúdo positivo e concreto’”. É dentre as formas de doença do
espírito a mais próxima da essência da loucura em seu sentido negativo, ligada aos
discursos da não-razão: “... desordem, decomposição do pensamento, erro, ilusão, nãorazão e não-verdade.”177 A demência não apresenta “... sintomas propriamente ditos, é
antes a possibilidade aberta de todos os sintomas possíveis da loucura.”178
Outra classe de manifestações aparentadas à demência e seus sinônimos é
composta pelos termos: estupidez, imbecilidade, idiotice e patetice. Ao fim do século
XVIII, imbecilidade e demência serão diferenciadas pela existência, no indivíduo, de
imobilidade ou movimento mental. “A demência é o mais simples dos conceitos
médicos da alienação”179, e que menos se presta aos mitos e valorizações morais.
A noção de melancolia na era clássica prende-se aos humores. As qualidades são
expressas por Fernel, segundo Foucault: “... o humor melancólico, aparentado à Terra e
ao Outono, é um suco ‘de consistência espessa, frio e seco de temperamento.”180
As qualidades organizam a noção de melancolia, a patologia de uma idéia. O
melancólico gosta de isolar-se, apresenta tristeza e medo.
A mania diferencia-se pelo uso da imaginação e fantasia, pela audácia e furor;
movimento contínuo. Sua causa seria a água infernal. Durante o século XVIII, a
imagem fisiológica evoca tensão nas fibras orgânicas.
Histeria e hipocondria teriam a evolução diferenciada em três etapas: uma
dinâmica da penetração orgânica e moral; uma fisiologia da continuidade corporal; uma
ética da sensibilidade nervosa.
Posteriormente, as manifestações da loucura passam a ser vistas como “o efeito
psicológico de uma falta moral”181 a ser castigado. No século XX, o louco será
conhecido como paciente psiquiátrico, portador de transtorno mental ou usuário dos
serviços de atenção à saúde mental.
177
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 252
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 253
179
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 262
180
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 263
181
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 294
178
97
A CLÍNICA
No século XVIII, os internos recebiam castigos e purgativos como práticas
correcionais e não eram destinados cuidados médicos adequados aos residentes comuns
do asilo: loucos, epiléticos, paralíticos, havendo apenas um médico para as unidades do
Hospital Geral de Paris. Não havia remédios, apenas a visita médica, assim, era como
uma casa de detenção. Na França, comumente encontrava-se loucos nas prisões; todos
sob o regime correcional.
Somente em alguns casos os loucos eram encarados como doentes, prenunciando
o tratamento hospitalar que se instalará para os doentes mentais no século XIX. Na era
clássica, o louco perde a individualidade ao ser encerrado junto a outros tipos a-sociais.
Sobre a teoria do aprisionamento devido à possibilidade de a situação escapar do
controle médico, é preciso pensar sobre a mudança da consciência de loucura para o
âmbito das casas de correção.
Na Europa do século XVII, por vezes o internamento era decidido na justiça,
contra homens que realizaram algum delito, para manter a ordem ou para livrá-lo do
escândalo. Faziam-no sem recorrer a exames médicos. O internamento, então, é uma
interdição social feita a partir do juízo de incapacidade e irresponsabilidade do cidadão.
O louco não é reconhecido como afastado “para as margens do normal” pela doença,
mas como um interno por decreto social, afirmado incapaz.
A confusão clássica da loucura com o crime, da prisão com o hospital é
explicada, na era clássica, pelo vínculo da razão com a ética. No século XIX, esta
ligação será convertida num relacionamento entre razão e moral e o tratamento dado aos
loucos se compreenderá ser inumano.
Os loucos são, na Idade Média, monstros a serem mostrados. Sofrem violências
nas prisões, não apenas como castigo, mas pela violência animal de seus algozes, em
jaulas, acorrentados, presos a barras de ferro por dezenas de anos; a loucura, no
classicismo, é a própria relação do homem com a sua animalidade. A loucura abole a
natureza humana e transforma-se em animalidade, exaltada no internamento. Tal
situação, no Brasil, permanece até por volta da década de 70, quando os maus-tratos nos
hospícios são divulgados pela imprensa.
Como uma viagem anátomo-patológica-histórica, O nascimento da clínica é
uma obra crítica que tenta desembaraçar na linguagem os traços de uma ciência a se
98
fazer sobre todo um conteúdo subjetivo, no qual une saber e sofrimento, através da
faculdade do olhar que objetiva.182
Foucault afirma que o nascimento da medicina moderna, datada do século
XVIII, foi marcado pela diferente configuração da linguagem como discurso racional, a
situação e a postura entre o que fala e aquilo de que se fala. Antes, uma reciprocidade
no discurso entre coisas e palavras, entre o modo de ver e o modo de dizer; a articulação
da linguagem médica com seu objeto, a estrutura falada do percebido. O espaço da
experiência se abre para o olhar médico que pode trazer à luz uma verdade na passagem
do “Iluminismo” para o século XIX.
A apreciação sobre encontro do par “médico-doente”, visto na clínica como
contrato e pacto entre homens, o domínio da experiência junto à estrutura da
racionalidade; o jogo do significante e do significado. A clínica aparece para o médico
como um novo perfil do perceptível e do enunciável e traz uma nova distribuição dos
elementos discretos do espaço corporal (partes), a reorganização dos elementos que
constituem o fenômeno patológico (sintomas), a definição das séries lineares de
acontecimentos mórbidos e a articulação da doença com o organismo (particularização).
O nascimento da clínica trata de extrair as condições da história da medicina a
partir da espessura do seu discurso; portanto, uma tarefa transdisciplinar, colocada por
Foucault no domínio da história das idéias. Conhecer a história da clínica é importante
para se situar e se entender como se transforma o discurso sobre a loucura.
O corpo, espaço de origem e repartição da doença, é uma das formas de
espacializar o mal; os vírus escapam à geometria sobre a lâmina do microscópio. A
configuração primária da doença se dá, segundo os médicos do século XVIII, em uma
experiência histórica em oposição ao saber filosófico, ou seja, o estudo do fenômeno em
vez da busca de origem, princípio e causas da doença183. É um espaço em que as
analogias definem as essências, no qual se busca semelhanças, forma pela qual se
pretende descobrir a ordem natural da doença, num modelo classificatório botânico de
pensamento médico que define espécies naturais e ideais.
182
Este é o tom desta obra de alto teor fisiológico, que em seus detalhamentos científicos deixa o leitor
em suspenso, como a descrição da cura de ressecamento do sistema nervoso através de banhos diários de
10/12 horas, a resultarem no desprendimento do organismo da paciente de membranas semelhantes a
pergaminho molhado, ou do objeto de saber obtido como fruto aberto com um como que similar de
quebra-nozes: sob a casca fendida, envolvida por peles viscosas com nervuras de sangue, surge a triste
polpa frágil em que ele resplandece, liberado. Michel Foucault. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro:
Forense, 1998.
183
Conforme Michel Foucault, O nascimento da clínica, Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 3
99
Embora a doença se manifeste no corpo, o espaço de um e de outro pode se
movimentar, não sendo necessária a identificação da doença em apenas um determinado
órgão e nem há para ambos um tempo específico. O tempo do corpo não determina o
tempo da doença. A percepção da doença no doente supõe um olhar qualitativo, sensível
às modulações, atento ao indivíduo singular, em contrapartida às noções gerais de até
então.
Foucault afirma que, segundo a medicina das espécies, a doença possui formas
e momentos estranhos ao espaço da sociedade; no século XVIII, junto ao pensamento
classificatório, se pode ter uma consciência histórica e geográfica da doença, pois a
constituição é um conjunto de acontecimentos naturais.
Enquanto que os classificadores preocupavam-se em demarcar o sintoma em
uma doença e esta no plano geral do mundo patológico, o espaço médico pode coincidir
com o espaço social, o qual atravessa e penetra.
Numa utopia, embalada pela Revolução, ao entender a ligação das doenças às
condições de existência e às formas de vida dos indivíduos, o médico teria como tarefa
primeira e, portanto, política, a luta contra os maus governos. Mesmo assim, a medicina
fez aparecer a significação positiva por meio das figuras da virtude, da saúde e da
felicidade, envolveu a experiência do homem são e do modelo de homem, enquanto a
medicina do século XIX regula-se mais pela normalidade do que pela saúde.
Convergem as exigências da ideologia política e as da tecnologia médica; clama-se pela
supressão do que poderiam ser obstáculos para a constituição desse novo espaço.
Instauram-se o questionamento das estruturas hospitalares e reformas sobre o
exercício e ensino da medicina, de forma a instaurar “um império sem limites do olhar”.
Além de ligada ao Iluminismo, com o qual a maioria dos espíritos a aparenta, a clínica
nasce de uma estrutura discursiva própria desse período. “E, em proveito dessa história
que liga a fecundidade da clínica a um liberalismo científico, político e econômico,
esquece-se que ele foi, durante anos, o tema ideológico que serviu de obstáculo à
organização da medicina clínica.”184
Segundo Foucault, para compreender o sentido e a estrutura da experiência
clínica é preciso reescrever a história das instituições em que ela se organizou, para
evitar a redução e a simplificação do método clínico, uma vez que a narrativa ideal fala
184
Michel Foucault, O nascimento da clínica, Rio de Janeiro: Forense, 1998.p. 58
100
de um desenvolvimento histórico contínuo, em que os acontecimentos foram de ordem
negativa, mascarando uma história muito mais complexa.
Assim, Foucault preconizou a percepção em vez do conhecimento e colocou
em questão até mesmo a idéia de um progresso da razão, isto porque seu projeto
arqueológico se baliza não pela crença num discurso científico como critério de
verdade, como afirma Ernani Chaves185, mas pelas inter-relações conceituais dos
diferentes saberes sobre o homem e as práticas discursivas que o produzem:
... a história arqueológica caracteriza-se pela tentativa de demarcar
as condições de existência dos discursos, dos objetos que eles
constituem, dos sujeitos que os enunciam, em especial dos discursos
que tomam o homem como seu objeto e que habilitam determinados
tipos de sujeitos para conhecê-los.186
Algumas constatações sobre a clínica mostram que ela deve reunir e tornar
sensível o corpo organizado da nosologia; enquanto no hospital o doente é sujeito, na
clínica ele é o objeto transitório de que a doença se apropriou; a clínica é uma
determinada maneira de dispor a verdade adquirida e apresentá-la para que se desvele
sistematicamente; a clínica duplicará a arte de demonstrar, mostrando; a clínica organiza
uma forma do discurso médico, sem o inventar.
Posteriormente, separada do contexto teórico em que nascera, a clínica vai se
reestruturando rumo ao campo de aplicação não mais limitado ao dizer do saber, para
compor com a totalidade da experiência médica.
A formação médica se modifica no sentido de uma maneira de aprender e de
ver. No século XVIII, a pedagogia se articulava com a teoria da representação e do
encadeamento das idéias. A reestruturação da medicina, organizada em torno da clínica,
significa a necessidade do verdadeiro que se impõe ao olhar para definir as estruturas
institucionais e científicas que lhe são próprias. A nova definição da clínica (onde se
formam médicos) vincula-se a uma reorganização do domínio hospitalar (em que se
tratam pobres), sobre o qual reza contrato específico entre riqueza e pobreza, esta como
fornecedora de doentes, “objetos de instrução”.
A clínica é como uma estrutura lingüística do signo e aleatória do caso. A
doença se apresentava ao observador segundo sintomas como forma de apresentação do
visível e próxima do essencial; e signos, pelos quais se fazia a anamnese, diagnóstico e
185
186
Ernani Chaves, Foucault e a psicanálise, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988. p. 11.
Ernani Chaves, Foucault e a psicanálise, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988 p. 12.
101
prognóstico. Distanciado da doença, o signo, quando muito, esboça um reconhecimento
dela, é a sua representação. “A formação do método clínico está ligado à emergência do
olhar do médico no campo dos signos e dos sintomas.”187
Pode-se dizer acerca de signo e sintoma que os sintomas constituem uma
camada primária indissoluvelmente significante e significada; é a intervenção de uma
consciência que transforma sintoma em signo; o ser da doença é inteiramente
enunciável em sua verdade.
Os privilégios que a clínica reconhece na observação são mais numerosos e
diversos dos privilégios concedidos pela tradição. A observação clínica supõe os
domínios hospitalar e pedagógico. O lugar de “encontro” do médico com o doente é
determinado pela clínica por alternância dos momentos falados e dos momentos
percebidos em uma observação e esforço para definir uma forma estatutária de
correlação entre o olhar e a linguagem.
A experiência clínica representa um equilíbrio entre a palavra e o espetáculo. O
olhar clínico opera sobre o ser da doença uma redução minimalista e sobre os
fenômenos patológicos uma redução química. Além disso, a experiência clínica se
identifica com uma bela sensibilidade.
Foucault trata da investigação médica a partir do estudo em cadáveres, ou seja,
da anatomia patológica, que precedia a observação dos doentes. A febre é o último
processo pelo qual a percepção anátomo-clínica encontra a forma de seu equilíbrio.
O novo espírito médico é “a reorganização epistemológica da doença, em que
os limites do visível e do invisível seguem novo plano”188. No método anátomo-clínico
se articulam o espaço, a linguagem e a morte, inaugurando a medicina positiva, baseada
numa ciência imperiosa. Os estudos sobre os corpos dissecados encontram uma
explicação antropológica.
O ser do homem como objeto de saber positivo e a forma metodológica da
medicina a tornam importantes para a constituição das ciências do homem; a mudança
na disposição fundamental do saber vem com possibilidade do indivíduo ser ao mesmo
tempo sujeito e objeto do conhecimento.
Essa mudança vai além do que se pode decifrar à primeira vista no positivismo,
com a fenomenologia. Foucault afirma que a estrutura construída no final do século
XVIII ainda não foi desatada.
187
Michel Foucault, O nascimento da clínica, Rio de Janeiro: Forense, 1998 p. 102
188
Michel Foucault, O nascimento da clínica, Rio de Janeiro: Forense, 1998 p. 225
102
No século XIX, a loucura passou a significar doença e adquiriu um novo
sentido de contemplação e verdade para o homem, segundo Frayze-Pereira.
Com o advento do asilo, o louco e o não-louco encontram-se
mais próximos. A barreira das grades é abolida. No entanto,
mais do que nunca a loucura adquire o estatuto de algo a olharse ... Isto é, o louco ganhou o estatuto de um documento vivo.
Através dele, pode-se chegar a um conhecimento do homem. E
essa condição é enigmática, pois ao mesmo tempo que é objeto
de conhecimento, a loucura oferece ao homem a possibilidade de
um autoconhecimento.189
No começo do século XIX, quebrando a unidade do desatino, o filantropo
Royer-Collard aparece como “... um dos primeiros homens que quis fazer da loucura
uma experiência positiva, isto é, fazer calar os propósitos do desatino para ouvir apenas
as vozes patológicas da loucura”190 e prega a necessidade de prender Sade por seu
comportamento excessivamente devasso no hospício, vício que deveria ser reprimido
noutro lugar.
Conforme Foucault191, o hospital é o lugar artificial em que a doença corre o
risco de perder seu aspecto essencial: adquire complicações próprias do ambiente e se
torna alterada e menos legível em razão da convivência com outros doentes, pois seu
lugar natural é a família.
Além de a loucura ser de difícil conceituação, o próprio hospital, como lugar
artificial, leva qualquer doença a perder o seu aspecto essencial e adquirir a
configuração específica do mundo patológico. O hospital geral cumpriria os papéis de
proteção dos sadios contra as moléstias e proteção dos doentes contra as práticas nãocientíficas. Ao estabelecer a essência da loucura como doença mental, tem-se a forma
positiva de banimento do louco do espaço social.
FORMAS DE DIAGNÓSTICO
Em psiquiatria contemporânea, foi editado no Brasil o Manual de saúde mental
- Guia básico para atenção primária, elaborado pelos psiquiatras italianos Saraceno e
Asioli e pelo farmacólogo Tognoni, com o intuito de auxiliar as equipes de saúde
189
Frayze-Pereira, Olho D'agua: arte e loucura em exposição, São Paulo, Escuta, 1995. p. 153-4.
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 108
191
Michel Foucault, O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
190
103
mental e equipes gerais dos centros de saúde. Este livro dá prosseguimento ao trabalho
de Franco Basaglia de reformulação da prática psiquiátrica. Um ponto a ressaltar na
obra é a preocupação em realizar uma concatenação lógica entre as teorias, as hipóteses
e o que se faz na prática dos serviços de atenção psiquiátrica.
Os autores de Manual de saúde mental192 consideram que as categorias
diagnósticas podem se referir, a uma vertente conflitiva do sujeito em relação a si
mesmo ou ao meio social (neuroses, transtornos da personalidade, distúrbios
psicossomáticos, alcoolismo e abuso de fármacos e de drogas), ou uma vertente de
desintegração, caracterizada pela ruptura entre si e a realidade (esquizofrenia e psicoses
afetivas). Todos os transtornos mentais, segundo Saraceno, Asioli e Tognoni, são
caracterizados pela presença de ansiedade, podendo-se acompanhar de insônia. A
depressão pode ser sintoma ou manifestação de um transtorno, devendo ser investigados
outros elementos e informações para saber de que tipo de depressão se trata.
Oligofrenias193 e psicoses orgânicas, por senilidade ou fármacos, por exemplo, não são
consideradas primariamente psiquiátricas, mas fazem parte desta área médica.
Assim, a pintura é uma atividade pessoal que ajuda na preservação da
identidade do paciente, num ambiente institucional que fatalmente gera esta dissolução
identitária, além do que a pintura pode ajudar na integração do paciente no grupo: “Uma
atividade artística comunitária, como a pintura de um mural, freqüentemente ajuda a
integrar personalidades anti-sociais, dando-lhes um objetivo comum.”194
As obras de arte também contribuem para diagnósticos e prognósticos
psiquiátricos, pois são documentos permanentes da atividade interna do paciente.
Segundo Adamson, é comum as pinturas dos doentes mentais revelarem sonhos, o que
se torna útil aos adeptos da psicanálise na interpretação das fantasias do paciente.
Entretanto, há que se ter o cuidado de não se analisar as obras isoladamente. “Existe
também a possibilidade de que algumas pinturas, em vez de ajudar no diagnóstico do
192
Benedetto Saraceno; Fabrizio Asioli; Gianni Tognoni. Manual de saúde mental. Guia básico para
atenção primária. Trad. Willians Valentini. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001. 81 p. (Saúde loucura 9). Esta
obra é um condensado psiquiátrico que possibilita ao leigo o entendimento das categorias diagnósticas,
alguns itens de sintomatologia, estratégias de intervenção, informações sobre psicofarmacologia, além de
capítulos específicos sobre alcoolismo, epilepsia e atitude epidemiológica. A obra é parte dos resultados
obtidos durante o projeto de Cooperação Internacional desenvolvido por três anos pelo Instituto “Mario
Negri” de Milão, através da Unidade de Psiquiatria, com o governo da Nicarágua.
193
Quociente de Inteligência abaixo de 70
194
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 128.
104
paciente, ajam como o teste de Rorschach (manchas de tinta usadas em diagnósticos),
trazendo à tona elementos do inconsciente do observador que está analisado a obra.”195
Em alguns casos, relata Adamson, quando o paciente parece incapaz de
progredir, pode-se sugerir o tema da obra, numa psicoterapia direta: “Estritamente sob a
direção de um psiquiatra ou psicoterapeuta, o desenvolvimento da pintura pode ser
sugerido ao paciente, ou implantado em sua mente, a fim de facilitar a diminuição de
um bloqueio psíquico.”196
As pinturas ainda podem revelar o estado do paciente, até mesmo através da
sua escolha de cores, e o modo como ele se percebe:
...podem fornecer dados sobre as fantasias de um paciente antes,
durante e após uma situação experimental ou uma nova forma de
tratamento. Os efeitos de uma operação de lobotomia pré-frontal foram
estudados dessa maneira. Um psiquiatra pode também obter
informações sobre a concepção que um paciente tem de sua própria
identidade.”197
Saraceno, Asioli e Tognoni chamam a atenção para o fato de que o diagnóstico
sem a descrição dos sintomas, a coleta de dados a respeito do contexto familiar e social
do paciente torna-se insuficiente porque não permite reconhecer os problemas por detrás
dos sintomas e nem estabelecer uma estratégia de intervenção articulada.
Isoladamente, o diagnóstico serve principalmente para estabelecer a estratégia
de intervenção psicofarmacológica. O Manual de saúde mental relaciona o diagnóstico
da OMS198 onde se enquadram, para a surpresa dos leigos, as categorias: alcoolismo,
abuso de fármacos e drogas, transtornos da personalidade (em que se enquadram
desvios e transtornos sexuais), epilepsia e perturbações das emoções da infância e da
adolescência. Ou seja, a caracterização moral da loucura permanece nas classificações
médicas século XX. “As alterações bioquímicas dos neurotransmissores, as alterações
195
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 129.
196
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 130.
197
Edward Adamson. A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 130.
198
Apesar de a mais conhecida classificação em psiquiatria seja a do DSM III, os autores definem que o
sistema de classificação mais simples e útil na prática clínica é a Classificação Internacional de Doenças,
CID-10, utilizada em vários países e também Brasil, sendo aceito inclusive pelo SUS como forma de
padronização de procedimentos. Segundo a psicóloga Maria José de Castro Nascimento, “O DSM-4
contém apenas tipos de doenças mentais é utilizado apenas nos Estados Unidos, embora alguns médicos
e estudantes utilizem a sua nomenclatura, que não é muito diferente do que tem na CID, utilizada em 31
países.”
105
psicológicas, as alterações das relações familiares e das relações sociais constituem um
conjunto de modificações causais.” 199
Os pacientes que apresentam alcoolismo são uma porcentagem importante que
utiliza os serviços psiquiátricos. Entretanto, o tratamento deve ser feito principalmente
na comunidade, em conexão com os familiares, vizinhos, os profissionais de saúde e
organizações de apoio.200 Em seguida, sugere o tratamento farmacológico e estratégias
de aversão farmacológica do alcoolismo.
A epilepsia leva ao isolamento psicológico e social do paciente, embora esta
não seja uma enfermidade psiquiátrica, mas “...afecção crônica do Sistema Nervoso
Central, caracterizada por acessos repetidos – crises – devidos a uma excitação neuronal
anormal”201. O paciente adequadamente tratado pode desenvolver normalmente suas
atividades sociais e de trabalho.
A psiquiatria do final do século XX trabalha com a existência de múltiplos
fatores para o entendimento do fenômeno da loucura e a partir disso, uma terapêutica
que atenda aos aspectos físico, psíquico e social.
A psiquiatria está caracterizada por muitas hipóteses, às vezes simples
modelos que se traduzem muito freqüentemente em uma intervenção
prática limitada em medidas terapêuticas, realizada de maneira
repetitiva e estereotipada, nunca controlada e avaliada com respeito à
eficácia dos resultados. (...) O que se pode tentar fazer é selecionar o
que se pode afirmar com relativa segurança, e com essa bagagem de
conhecimento e experiências construir um trabalho prático, único e
verdadeiro ‘laboratório’ de experiência científica.202
AS TERAPÊUTICAS NO TEMPO
Os primeiros hospitais verdadeiramente para loucos foram fundados no mundo
árabe no século VII; “neles se pratica uma espécie de cura da alma na qual intervêm a
música, a dança, os espetáculos e a narração de narrativas fabulosas.”203 Na Europa, eles
iniciaram no século XV na Espanha, onde possivelmente as atividades dos internos
eram ao ar livre, ligadas à agricultura.
199
Benedetto Saraceno; Fabrizio Asioli, Gianni Tognoni, Manual de saúde mental, p. 16.
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 65.
201
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001p. 71.
202
Benedetto Saraceno; Fabrizio Asioli, Gianni Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo:
Hucitec, 2001 p. 11.
203
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 120
200
106
Nos séculos XVII e XVIII, a teoria médica, através da análise fisiológica e da
observação dos sintomas, não controla com exatidão os princípios do mundo da cura.
No século XVII, ainda havia o mito da panacéia, segundo o qual “é a própria natureza
que atua e que apaga tudo aquilo que pertence a contranatureza.” 204 No século XVIII, o
tema persiste, com discussões sobre o antimônio e o ópio, a fim de “intervir nas funções
gerais do organismo”, para manter o equilíbrio entre sólidos e líquidos.
O mundo da cura é o mundo, no século XVIII, dos medicamentos naturais: sais e
ervas. A loucura tem sua terapêutica também nos segredos da natureza presentes em
pedras e no reino humano – a essência sutil presente em cabelos, excrementos e
excrescências, em desprezo às concepções médicas. Crendices. Assim, a água é usada
em procedimentos inesperados pelo louco, com fins morais, para induzir a dor,
humilhar, silenciar e castigar.
Ao final do século XVIII se inaugura uma diferenciação entre os tratamentos
físicos e os morais, e a cura muda de sentido. Desde a Renascença se observava o
reencontro das virtudes de cura da música, conhecidos na Antigüidade, agora com
qualidades de harmonia. As paixões, como o medo e a cólera, também foram utilizadas
à época clássica, mas sob forma mista, “metáfora das qualidades e dos movimentos”, no
caminho do corpo para a alma. A diferença no uso de medicamentos físicos e morais
“só começará a existir em profundidade (...) quando o século XIX, ao inventar os
famosos ‘métodos morais’, tiver introduzido a loucura e sua cura no jogo da
culpabilidade.”205
A cura será, no século XVIII, a transformação das qualidades – quando se
considera a loucura como natureza e doença – e retorno à verdade – discurso onde “a
loucura vale como desatino”.206
TERAPÊUTICAS FÍSICAS
Para Crowcroft, o primeiro golpe contra a apatia e o niilismo terapêutico dos
hospitais psiquiátricos do século XX veio do aparecimento de novas técnicas físicas de
tratamento. “Graças ao choque de insulina, ao eletrochoque e à lobotomia pré-frontal, o
corpo médico percebeu finalmente que sua tarefa era tratar dos pacientes, e não apenas
204
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 298
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 325
206
Michel Foucault, História da loucura, 2ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. 337
205
107
observá-los e vigiá-los; por sua vez, os pacientes começaram a se recuperar graças a
esses novos tratamentos”207. Mas as formas de tratamento do corpo para atingir a
loucura representam “invasões” que impedem a expressão do paciente e muitas vezes
deixam marcas indeléveis no corpo ou na psique.208
Crowcroft afirma o pequeno avanço da terapêutica psiquiátrica na Inglaterra,
até meados do século XX; a partir de 1930, na Inglaterra, o indivíduo doente pôde se
internar voluntariamente, embora depois disso a maioria continuasse sendo interditado
legalmente, o que permaneceu nas décadas de 1940 e 1950.
O objetivo principal desses hospitais era manter o paciente sob
custódia, mais do que tratá-lo. Não havia durante a maior parte do dia
nenhuma ocupação para os pacientes, e eles eram dirigidos por uma
rígida hierarquia de enfermeiras e alguns poucos médicos – cujas
tarefas eram mais administrativas do que clínicas.209
O Arteterapeuta Edward Adamson afirma que, desde que foram instituídos os
tratamentos físicos, os choques e os medicamentos aumentaram o número de
recuperações em hospitais.
Algumas pessoas argumentam que esses métodos muitas vezes
eliminam os sintomas sem atingir as verdadeiras causas da doença,
que constituem o objetivo da Psicanálise. Esse argumento tem sido
contestado por médicos que utilizam pinturas para ilustrar as
mudanças na sintomatologia de seus pacientes após o tratamento
químico.210
Segundo Crowcroft, a partir da década de 1930 foram descobertos os métodos
físicos de tratamento da psicose; eles englobam a eletroconvulsoterapia ou eletroplexia,
mais conhecida por terapia de convulsões causadas pela passagem de corrente elétrica
através de eletrodos afixados à cabeça do paciente; tratamentos por medicamentos e por
neurocirurgia. Também nesta década surgiram tanto a terapia eletroconvulsiva quanto a
insulinoterapia “... no qual profundos estados de inconsciência eram provocados nos
pacientes por injeções de insulina”211
207
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.p. 175.
Vide a experiência de Austregésilo Carrano em Canto dos malditos, livro em que foi baseado o filme
Bicho de 7 cabeças.
209
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.p. 150.
210
Edward Adamson, A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p. 131.
211
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971.p. 160.
208
108
Os tratamentos físicos se encontram na contramão da terapêutica ocupacional
e da arte terapia, que respeitam o ser do paciente. Quanto às formas de tratamento físico
da loucura, Nise da Silveira cita o depoimento de Antonin Artaud relativo ao terror da
experiência com o eletrochoque212:
O eletrochoque me desespera, apaga minha memória, entorpece meu
pensamento e meu coração, faz de mim um ausente que se sabe ausente
e se vê durante semanas em busca do seu ser, como um morto ao lado
de um vivo que não é mais ele, que exige sua volta e no qual ele não
pode mais entrar. Na última série, fiquei os meses de agosto e setembro
na impossibilidade absoluta de trabalhar, de pensar e de sentir-me...213
A psicocirurgia, ou lobotomia pré-frontal, foi muito utilizada para o tratamento
de esquizofrenia aguda, segundo Crowcroft. Através de um documentário disponível no
Museu do Centro Hospitalar de Barbacena, pudemos observar os efeitos nocivos dessa
operação sobre a vontade do paciente, que se torna praticamente nula. Tem-se um
indivíduo que vegeta, sem emoções, pois foi retirada do cérebro a porção que as
comandava.
Sobre a lobotomia ou psicocirurgia, a psiquiatra afirma ser um procedimento
em que “... a substância cerebral é atingida de maneira irreversível”.
Criada por Egas Moniz, seccionava as fibras nervosas que ligam os
lobos frontais a partes subjacentes do cérebro. (...) Segundo Moniz,
para obtermos a cura de pacientes que apresentam idéias fixas e
comportamentos repetitivos ‘temos que destruir os arranjos mais ou
menos fixos das conexões celulares que existem no cérebro , e
particularmente aqueles que se relacionam com os lobos frontais’.214
Os efeitos da neurocirurgia são irreversíveis, transformando o paciente não
somente num ser mais calmo, mas numa espécie de autômato: “Ficavam muito
prejudicadas a capacidade de abstração e imaginação. Suas produções, segundo veremos
adiante, tornavam-se pueris e decadentes. As famílias e o ambiente hospitalar, porém,
passavam a gozar de cômoda tranqüilidade.”215
212
Choques elétricos levam a convulsões/crises convulsivas, corrente transcerebral. “Tanto o coma
insulínico quanto o eletrochoque provocam profunda regressão fisiológica e psicológica, apagando
naqueles que são submetidos a esse tipo de tratamento as funções psíquicas superiores. Essa
desmontagem da estrutura psíquica seria seguida, segundo seus adeptos, de uma reconstrução sadia.” Nise
da Silveira, Mundo das Imagens, p. 12.
213
Artaud, Antonin, Ouevres completes XI 1974, p. 13. In: Nise da Silveira, O mundo das imagens, São
Paulo: Ática, 2001. p. 12
214
Freeman apud Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001 p. 12
215
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 12
109
Segundo Crowcroft, em 1957, os primeiros agentes antidepressivos eficazes,
ou timolépticos, foram empregados na Psiquiatria. Os medicamentos utilizados no
tratamento das manias são derivados de fenotiazina, tal como a cloropromazina
(largactil), sendo esta tranqüilizante. Os tranqüilizantes servem para moderar a agitação
de pacientes maníacos. O método da insulinoterapia acabou sendo abandonado, tanto
por seus efeitos como pelo advento dos tranqüilizantes.
O tranqüilizante é um produto que acalma, sem provocar sono, os pacientes
considerados destrutivos ou superativos:
Eles são por conseguinte de grande utilidade na esquizofrenia aguda
quando o paciente pode excitar-se violentamente em virtude de uma
repentina crise de alucinação ou delírio. Eles não possuem, contudo,
apenas um efeito calmante; algumas vezes tornam os pacientes
apáticos e anérgicos mais alertas.216
Mas os tratamentos químicos podem resultar em pacientes esquizofrênicos
crônicos, como ressalta Crowcroft, que passam, então, a serem consumidores por tempo
indeterminado dos medicamentos. Por outro lado, eles transformaram os hospitais em
instituições não apenas protetoras, mas efetivamente voltadas para a terapêutica dos
pacientes. “E é possível acreditar, com uma igual convicção, que as transformações na
organização social da comunidade possam também possuir um valor terapêutico.217”
O uso de medicamentos para o controle psiquiátrico pode ser observado em
várias instituições da loucura. O efeito da sedação proveniente de seu uso ainda é visível
nos rostos, na maneira de andar e no comportamento dos atuais usuários do sistema de
saúde mental.
Ainda conforme Crowcroft, os produtos antidepressivos possibilitam aos
pacientes superar os processos anormais de depressão:
... permitem que os pacientes enfrentem, seja quando estejam
acordados ou dormindo, alguns de seus confusos amores e ódios
primitivos, reduzindo a ansiedade depressiva a níveis mais baixos de
intensidade, de forma a poderem tolerar mais facilmente as “tristezas
anormais’. Por outro lado, os principais tranqüilizantes me parecem
capazes, algumas vezes, de atuar sobre a ansiedade persecutória e, ao
diminuir a intensidade dela, reduzir ou afastar a necessidade da
divisão, da projeção, da alucinação etc.218
Sobre a quimioterapia e o uso da chlorpromazina, Nise da Silveira afirma:
216
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 160-161.
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 162.
218
Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 162.
217
110
Os tratamentos citados perderam muito de seu prestígio com o advento
da quimioterapia a partir do início da década de 50. As pesquisas do
cirurgião Laborit o levaram à descoberta de uma substância próxima
dos antialérgicos, possuidora de curiosa ação de ‘desconexão
cerebral’, capaz de produzir ‘uma hibernação artificial’.219
Os efeitos colaterais dos tratamentos químicos, como a rigidez, muscular e
tremores, teriam que ser combatidas com outros medicamentos, num “curioso jogo
químico”.
E como se sentem os doentes submetidos a essas drogas? Queixam-se
de entorpecimento das funções psíquicas, dificuldade de tomar
decisões, sonolência permanente. Verificamos nos doentes submetidos
a neurolépticos, nos diferentes setores de atividade da Seção de
Terapêutica Ocupacional e Reabilitação (STOR), redução ou perda
total da capacidade criativa, como se pode verificar em documentos
existentes em nossos arquivos. (...) Essas descobertas químicas de ação
sobre o sistema nervoso ocasionaram importantes transformações no
tratamento das doenças mentais. O problema agora era reduzir ou
anular as manifestações delirantes e as expressões motoras que as
acompanhavam. Estavam criadas camisas-de-força químicas.220
Com a revolução na prática psiquiátrica, o período que os pacientes passam
nos hospitais diminuiu, embora a reincidências tenham aumentado. Nise da Silveira cita
o estudioso de física Capra a respeito do entusiasmo criado pelos neurolépticos pela
redução no tempo de internação, mas, segundo as estatísticas, aumentando as
reinternações:
O tratamento por meio de substâncias químicas ‘controla os sintomas,
mas não os cura. E está ficando cada vez mais evidente que esse tipo
de tratamento é contraterapêutico (...) Os sintomas de um distúrbio
mental refletem a tentativa do organismo de curar-se e atingir um novo
nível de integração. A prática psiquiátrica corrente interfere nesse
processo de cura espontânea ao suprimir os sintomas. A verdadeira
terapia consistiria em facilitar a cura, fornecendo ao indivíduo uma
atmosfera de apoio emocional.’221
Também o médico Luiz Cerqueira afirma que se as drogas e as psicocirurgias
curassem, a loucura já teria sido exterminada.222 Em vez disso, novos rostos da loucura
aparecem. Segundo Nise da Silveira, o que acontece na sociedade é a rotulação do
diferente:
219
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. 13.
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p.13.
221
Capra apud Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 13
222
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 14
220
111
A psiquiatria, na sua atitude face ao doente, invalida sumariamente os
que não se adaptam às normas sociais vigentes, sem investigar os
motivos que os levaram àquela atitude – problemas afetivos,
familiares, econômicos. Apressam-se os psiquiatras em rotulá-los de
esquizofrênicos e a hospitaliza-los. Será quase impossível escapar.
Uma vez nas malhas do hospital psiquiátrico, ora entrando, ora
saindo, ora reentrando, o indivíduo não é mais uma pessoa; é um
paciente, torna-se uma peça na engrenagem dessa fábrica de loucura.
223
Como se verá, foi preciso um grande esforço, não só dos profissionais de
saúde, mas também dos usuários e seus familiares a fim de que se extinguisse parte do
sistema de fabricação da loucura, que consistia nas longas internações sem
acompanhamento terapêutico adequado.
OS PSICOTRÓPICOS224
No final do século XX, a prática psiquiátrica se modifica mais uma vez, como
se a loucura cobrasse seu direito de existência sobre a razão. Segundo o crítico das
teorias do comportamento Felix Guattari225, a loucura psicanalítica invadiu todos os
setores e está presente na fala do homem comum, se banalizou e é comum o ato de
rotular pessoas como deprimidas, neuróticas ou psicóticas. O psiquiatra Jorge Alberto
da Costa e Silva, ex-dirigente da divisão de saúde mental, comportamento e
toxicomania da Organização Mundial de Saúde (OMS), também pensa assim:
... há uma psiquiatrização ocorrendo na sociedade. Já existem quase
500 tipos descritos de transtorno mental e de comportamento. Com
tantas descrições, quase ninguém escaparia de um diagnóstico de
problemas mentais. (...) Coisas normais da vida estão sendo
encaradas como patologias.226
A explosão de novos diagnósticos, segundo Costa e Silva227, aconteceu com o
desenvolvimento das neurociências, a partir das décadas de 70 e 80. Para se adequar à
lógica capitalista, houve um retorno à psiquiatria farmacológica, beneficiando a
223
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 15.
Medicamentos com efeito sobre o comportamentos do paciente.
225
Félix Guattari. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
226
VEJA. Psiquiatria S.A., edição 1706, ano 34, nº 25, 27/6/2001. p. 11
227
VEJA. Psiquiatria S.A., edição 1706, ano 34, nº 25, 27/6/2001. p. 11
224
112
indústria farmacêutica, substituindo-se as relações sociais por relações do homem com
as mercadorias228.
Hoje a ordem estabelecida já não é questionada pelo marxismo e nem pela
psicanálise.
O marxismo e o freudismo, cuidadosamente neutralizados pelos
corpos constituídos do movimento operário, do movimento
psicanalítico e do meio acadêmico em geral, não atrapalham mais
ninguém. Além disso esses mesmos grupos sociais tornaram-se os
guardiões da ordem estabelecida.229
A expansão da indústria farmacêutica contribuiu para o esvaziamento dos
asilos, com a maciça difusão dos neurolépticos, fármacos de atuação no sistema
nervoso, através dos psiquiatras, dos clínicos gerais e mesmo da imprensa. Com a
propagação das ações medicamentosas e seu uso, desaparecem algumas manifestações
de ruptura social. Mas a década de 80 também foi marcada por movimentos dos
profissionais de saúde a favor de uma reforma no sistema psiquiátrico. São do final
desta década as primeiras iniciativas que culminam na realização das Oficinas
Terapêuticas em Uberlândia.
O efeito farmacológico é a ação comprovável que um medicamento produz no
organismo humano, em um ou mais de seus órgãos, expressável a nível bioquímico ou
funcional. Os psicofármacos têm a propriedade de produzir efeitos farmacológicos,
bioquímicos e funcionais.
Eficácia terapêutica sintomática significa controlar ou suprimir um sintoma
incômodo para o paciente ou que impeça a interação com o meio. “Somente em uma
minoria de condições a medicina tem conhecimentos suficientes para praticar uma
intervenção não-sintomática, porém curativa.”230 Eficácia terapêutica curativa significa
a modificação radical do curso de uma enfermidade com a eliminação de suas raízes.
Assim, as terapêuticas se sucedem no tempo, chegando ao que é hoje um
sistema de saúde, composto por uma rede de atenção em saúde mental. E a loucura
continua fruto das condições sócio-históricas e econômicas do indivíduo.
228
Karl Marx, O manifesto comunista. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
Felix Guattari, Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
P. 76.
230
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 36. O livro
traz tabelas com balanços entre benefício e risco da utilização de psicofármacos: antipsicóticos ou
neurolépticos (indicados para crises ou estado psicótico que contenham manifestações de delírio,
alucinação, surto maníaco e agitação); ansiolíticos – hipnóticos (para ansiedade e insônia);
antidepressivos; lítio (para psicoses maníaco-depressivas).
229
113
O INÍCIO DA PRAXISTERAPIA
Após o tratamento por insulina ter sido desacreditado, surge espaço para a
inserção de alternativas menos “invasivas”, como a arteterapia, a terapia pelo trabalho e
a musicoterapia, em combinação a tratamentos físicos231:
A terapia ocupacional foi redescoberta como forma física de
tratamento. Por exemplo, pacientes que haviam sofrido a lobotomia
pré-frontal apresentavam progressos muito rápidos se recebiam
posteriormente uma intensiva terapia ocupacional. Muitos psiquiatras
perceberam que essa situação era idêntica à que ocorrera com o uso
da insulina, e que era a atenção dada aos pacientes pelos terapistas
ocupacionais que explicava a melhora, mais do que o próprio
tratamento.232
Crowcroft fala da transformação ocorrida na Inglaterra com a inserção das
terapêuticas alternativas:
Graças aos tratamentos adequados, às atividades programadas e aos
divertimentos, os distúrbios do comportamento diminuíram. Verificouse que muitos dos antigos problemas relacionados com os pavilhões
fechados decorriam das reações dos psicóticos ao tédio e à frustração.
O drama do aumento dos sintomas psicóticos era assim uma reação às
condições que eram intoleráveis para qualquer criatura humana...”233
A partir de 1950, segundo Crowcroft, quase todos os hospitais ingleses
progressistas abriram suas portas e programaram terapia artesanal e industrial, com
vistas a ensinar ao paciente atividades para se manter após a saída do hospital. Esta
abertura a práticas não conservadoras ocorreu no Brasil em locais específicos, como é o
caso dos hospitais do Rio de Janeiro e de Franco da Rocha. Somente a partir dos anos
80, com a reforma psiquiátrica, é que vai ser cobrada a participação de profissionais de
outras áreas, com outras práticas e discursos, no ambiente psiquiátrico.
O ESTUDO PSIQUIÁTRICO DA ARTE
Até o século XIX, os médicos observavam os esboços feitos por
esquizofrênicos apenas com curiosidade e para auxiliar no diagnóstico. Após a obra do
231
Segundo Andrew Crowcroft, O psicótico, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. p. 176 “... há provas
antigas do valor desses métodos, por exemplo Hermann Simon, 1927, ‘M.P.A.’, edição especial, 1930.
Esse testemunho antigo foi geralmente ignorado.”
232
Andrew Crowcroft, O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P. 176.
233
Andrew Crowcroft, O psicótico. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1971. P. 176-177.
114
médico francês Ambroise Tardieu (1872), psiquiatras passaram a tentar identificar
doenças mentais a partir das produções artísticas dos loucos. Seguiram-se os trabalhos
de Max Simon (1879) e de Cesare Lombroso sobre a arte esquizofrênica.
Conforme Ferraz, Geraldo Lafora234 observa nos desenhos dos doentes
mentais existência de dissociações mentais nas suas construções fragmentadas,
inscrições simbólicas, condensações, estereotipias e perseverações gráficas. Nesse
período, a psicanálise foi importante para identificar a arte como uma possibilidade na
terapêutica da doença mental:
O impacto da psicanálise, através dos estudos de Sigmund Freud,
trouxera uma nova dimensão ao estudo da arte, particularmente em
relação ao conceito de inconsciente. Esse aspecto foi abordado pelo
próprio Freud, em seu famoso estudo sobre as obras de Leonardo
(1909-10). Ele admitia possibilidade da existência de um considerável
conteúdo latente de sexualidade inconsciente na criação artística. C.
G. Jung já estava usando a arte de uma forma mais dinâmica no
tratamento de seus pacientes.235
Segundo Ferraz, no início do século XX, os estudos realizados sobre as obras
dos loucos sinalizavam para a sua aproximação com desenhos infantis, quando
demonstravam regressão gráfica ou para a compreensão da doença, através da análise da
vida e obra de grandes artistas acometidos por distúrbios mentais.
O crítico de arte Marcel Réja236 procurou compreender a natureza da criação
espontânea dos insanos e comparou-as aos trabalhos de crianças, primitivos e
prisioneiros.
Para alguns autores, Réja considerava os trabalhos dos loucos como
‘formas mais ou menos embrionárias de arte’ – não obras de arte – e
até em certa medida elementares, pois, para ele, não existiria a
intenção consciente de elaboração artística, e no geral a técnica era
pouco desenvolvida. No entanto, ao mostrar que essa criação
espontânea contrapunha-se às concepções estéticas tradicionais, com a
noção de beleza, a arte dos loucos adquire uma nova leitura e
interpretação.237
A partir de então, passou-se a reconhecer a expressividade do doente mental.
Um dos estudiosos que contribuiu para isso foi o médico Hans Prinzhorn238.
234
Lafora reedita as observações de Fritz Mohr em Estúdio Psicológico del Cubismo y Expresionismo.
Edward Adamson, A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.p. 122.
236
Obra L’art chez les fous. (A arte dos loucos), 1907.
237
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 21.
238
Hans Prinzhorn, Expressão da loucura, 1922.
235
115
Empregando um método de investigação psicológica derivado da
fenomenologia, da Gestalt e da teoria estética da empatia239, ele
procura explicar como emerge o impulso criador e como se concretiza
a produção artística da humanidade. Inovador, afirma que os doentes
mentais, sobretudo os esquizofrênicos, podem produzir obras cuja
qualidade permite incluí-las no domínio da ‘arte séria’. Essa
abordagem expõe ao mundo uma leitura estética integradora e mais
abrangente das obras dos loucos.240
Em 1922 também se inicia o “teatro terapêutico” em Viena, através dos irmãos
Moreno. “Eles usavam uma técnica atualmente conhecida como ‘psicodrama’, na qual
os pacientes são levados a representar seus próprios problemas em grupo.”241 Nesse
período, segundo Ferraz, psicologia e arte confluem através da proposição de novas
formas interpretativas.
Em vista disso, conceitos como a evolução dos desenhos infantis, a
função do jogo na vida da criança e do adulto, a emoção estética e o
ato criador aparecem nas discussões de psiquiatrias, psicólogos e
educadores como Vygotsky, Piaget e Delacroix, entre outros. Há
grande preocupação por parte desses autores em explicar as relações
entre as emoções e a fantasia, e a gênese destas na criação artística e
na vida do ser humano.242
Permanecem as analogias das obras de doentes mentais com as de crianças e
primitivos, quanto à estilização, proporção, movimento e ausência de perspectiva e,
especificamente em semelhança aos povos primitivos, no que se refere aos aspectos
arcaicos das formas plásticas e a simbologia presente nestas produções.
Surgem novas abordagens no campo da filosofia, psicologia e estética que,
junto aos novos movimentos artísticos, levam a um aumento do interesse pelas obras
dos insanos, como na analogia com o expressionismo, além do surrealismo e o cubismo,
que representam uma ruptura estética com os modelos neoclássicos.
Construções fragmentadas, distorcidas, desestruturação espacial e
formal, a presença do insólito, do primitivo e aspectos de abstração
não fogem às observações dos médicos Schilder (1918), Pfister (1921),
Lafora (1922), Bichowski (1922), além do filósofo e psiquiatra Karl
Jaspers (1922).243
239
“A teoria da empatia baseia-se na projeção de sentimentos e emoções que se fazem presentes no ato de
perceber, permitindo uma identificação imaginativa com os objetos percebidos.” Ferraz, p. 24.
240
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 22.
241
Edward Adamson, A arte e a saúde mental, In: CREEDY, Jean. O contexto social da arte. Trad.
Yvonne Alves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1975 p. 122.
242
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 23.
243
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 27-28.
116
A vanguarda artística gera perplexidade no público, como na primeira
exposição de cubistas, em Madri, em 1915. As semelhanças observadas levam
psiquiatras, como G. Lafora a recorrer a filósofos e artistas como Apollinaire,
Kandinsky, Burger e Worringer para entender “... a estética, a atuação dos artistas e das
‘escolas ultra-modernas de pintura’ para explicar a produção dos doentes mentais.”244
Ferraz indica que, até a Primeira Guerra Mundial, havia cerca de seis museus
na Europa dedicados às obras de doentes mentais internados em hospitais psiquiátricos e
há registros de exibições de arte dos alienados a partir de 1913, em Londres e Berlim.
No período entre-guerras, os seguidores de Jung utilizaram os aspectos terapêuticos do
desenho, da pintura e da modelagem em gesso. Nas décadas de 30 e 40, segundo
Ferraz245, era evidente o interesse dos médicos pelas obras artísticas dos alienados, com
estudos dedicados em especial às interpretações diagnósticas. “As inovações são os
estudos de garatujas e desenhos automáticos presentes em obras de loucos ou análises
dos grafismos após intervenções psicoterápicas ou cirúrgicas (lobotomias)”.246
Segundo Ferraz, contemporaneamente a produção plástica dos doentes mentais
tem sido analisada por várias linhas terapêuticas, além das concepções filosóficas,
artísticas e estéticas sobre o seu sentido, com autores que discutem as obras como
resultado de uma produção delirante ou que buscam seus aspectos simbólicos e formais.
Os surrealistas, iniciando por André Breton, Paul Eluard e Max Ernst, buscaram as
produções dos doentes mentais como fonte de estudos para a criação desse movimento
artístico marcado pela liberdade de expressão, livre associação de idéias e
representações oníricas.
Ferraz lembra a observação de Vigotsky sobre a aplicação prematura da
psicanálise à arte, uma vez que esta contém aspectos do todo do indivíduo: “... o autor
lembra a importância do conhecimento e a valorização da consciência como um dado
ativo e autônomo, que atua na ação e forma artística. Incorpora-se, dessa maneira, toda a
vida humana e não apenas os conflitos primários.”247 Os estudos sobre as obras dos
loucos se expandem para além do objeto clínico de diagnóstico e interpretação e
invadem o processo de criação, renovando a instância terapêutica que liga arte e ciência.
244
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 28.
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 25.
246
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 25.
247
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 34.
245
117
Segundo Edward Adamson, a terapia criativa é um termo genérico usado para
designar a utilização terapêutica das manifestações artísticas através de música, teatro,
dança, cerâmica, escultura, desenho e pintura; tais atividades são empregadas como
auxílio no tratamento de doenças físicas e mentais.
Embora o desenvolvimento da terapia criativa na Inglaterra continuasse lento
após a Segunda Guerra Mundial, na América e na Europa continental ela já era uma
realidade. O trabalho em hospitais britânicos do pioneiro em Arteterapia Edward
Adamson, ex-diretor do Departamento de Arte dos Hospitais de Netherne e Frairdene,
na Inglaterra, iniciou-se em 1946 com o objetivo de conversar com os pacientes sobre
quadros e continuou com sua atuação como artista praticante, a fim de criar um atelier
para os pacientes. Entrementes, “em 1950 é organizada a ‘Exposição de Arte
Psicopatológica’ durante o 1º Congresso Internacional de Psiquiatria, realizado em Paris
e com a participação de 17 países, incluindo o Brasil, e em 1959 é fundada, em Verona,
a Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expressão.”248
PSIQUIATRIA E EQUIPE MULTIPROFISSIONAL
O Manual de saúde mental enfoca a necessidade de uma atenção difusa da
equipe de saúde mental em relação a indícios geralmente desconsiderados para se adotar
uma metodologia de trabalho eficaz. Como que seguindo a experiência de Franco
Basaglia, que implantou no Hospital Psiquiátrico de Gorizia, de 1961 a 1968, um
projeto de comunidade terapêutica, e começou em 1971, em Trieste, a verdadeira
destruição do aparato manicomial, com vistas a propugnar a construção de novas
possibilidades, novas formas de entender, de lidar e de tratar a loucura249, Saraceno,
Asioli e Tognoni sugerem que a equipe, constituída de profissionais portadores de
conhecimentos diferentes, incluindo psiquiatra, psicólogo, assistente social e terapeuta
ocupacional, busque um ponto de vista unitário. Desse modo, mais do que uma soma de
partes independentes, “... uma correta intervenção psiquiátrica é a resultante de
contribuições de diversas coordenadas e entre elas integradas.”250
248
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 26.
Franco Rotelli; Paulo Amarante. Reformas psiquiátricas na Itália e no Brasil: aspectos históricos e
metodológicos. In: BEZERRA J., Benilton; AMARANTE, Paulo (orgs.) Psiquiatria sem hospício:
contribuições ao estudo da reforma psiquiátrica. P. 43-44.
250
Saraceno, Asioli e Tognoni. Manual de saúde mental. 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 12.
249
118
Conforme Saraceno, Asioli e Tognoni251, e de acordo com a hipótese da
constituição histórica da loucura252, as variáveis “extraclínicas” são importantes para
determinar a estratégia de intervenção. Além das variáveis tradicionais, consideradas
como fundamentais para determinar a evolução e a intervenção clínica, como
diagnóstico, idade, cronicidade do quadro e história da enfermidade, Há variáveis
“sombra”, que são os recursos individuais do paciente; recursos do contexto do
paciente; recursos do serviço de atenção.
Essas variáveis são geralmente consideradas irrelevantes. “Entretanto, é
provável que um paciente piore muito mais pela falta de todos (ou alguns) desses
recursos do que pelo tipo de enfermidade (Diagnóstico)!”253
Saraceno, Asioli e Tognoni afirmam a necessidade de integração entre as
terapêuticas, como medicamentos, psicoterapias e técnicas de reabilitação, e o contexto
histórico-social do paciente.
Assim, as atitudes básicas em relação a todo o contexto envolvido visam aos
objetivos gerais da intervenção:
§ o incremento da consciência do paciente a respeito dos seus
problemas: pessoais, familiares, de trabalho, econômicos, sociais,
culturais;
§ o incremento da autonomia afetiva-material-social do paciente;
§ o incremento da incorporação do paciente na vida de relação social
e política.254
TERAPÊUTICAS NO BRASIL
Não se pretende fazer a história da psiquiatria no Brasil, mas a recorrência a
ela, através de autores como Alan Índio Serrano, Fernando Tenório e Maria Clementina
Pereira Cunha, tem muito a dizer sobre os caminhos e contextos que circundaram a
atuação das fontes no meio psiquiátrico em Uberlândia, especialmente na promoção das
Oficinas Terapêuticas. Por meio do conhecimento sobre a formação do movimento dos
profissionais de saúde mental e sobre a edição de leis para regulamentar o setor
consegue-se entender a configuração do momento em que se passa a aplicar as
terapêuticas artísticas aos usuários dos serviços de saúde mental no município.
251
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 21-22.
Michel Foucault, Doença mental e psicologia.Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.
253
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 22. Grifos no
original.
254
Saraceno, Asioli e Tognoni, Manual de saúde mental, 3ª ed. São Paulo: Hucitec, 2001 p. 25.
252
119
A mudança no estatuto médico, relacionada à produção de conhecimento
remete, no século XIX, a uma nova percepção do louco, agora ‘doente’. Ao privilegiar o
nível da percepção, Foucault, na História da loucura:
... pode desclassificar os ‘saberes sobre a loucura’ como não
científicos e mostrar que, por detrás das máscaras impostas pelo
Positivismo, há um projeto de intervenção material (porque ao nível do
corpo) e moral (porque ao nível da conduta) na vida dos homens. (...)
Dessa maneira, qualquer referência feita a conceitos na História da
loucura está intimamente relacionada com forma de intervenção,
formas de organização do espaço de reclusão, formas de relação de
autoridade entre médico e doente.255
Estas formas de intervenção têm a representatividade máxima na figura do
Estado como executor das normas definidas pelo poder legislativo. No Brasil, o sistema
de saúde está vinculado diretamente ao Estado.
No Brasil, a reforma psiquiátrica contém estágios de insatisfação com o asilo
psiquiátrico no início do século XX, com a implantação de algumas colônias agrícolas.
Por outro lado, a consolidação da estrutura manicomial do Estado ocorre na era Vargas.
Nas décadas de 60 e 70 ocorre o movimento da psiquiatria comunitária.256 Na segunda
metade da década de 70, a reforma ganha expressão junto ao movimento pela
redemocratização do país, quando se clama pelos direitos do cidadão e, por conseguinte,
pela cidadania do louco. Conforme Tenório, a reforma é um campo heterogêneo que
abrange a clínica, a política, o social, o cultural e as relações com o jurídico, conjuga a
posição de vários atores de origens diferentes; embora questionasse a clínica, a reforma
psiquiátrica não pôde deixá-la, pois ela representa, o “... principal dispositivo
historicamente construído pela sociedade para se relacionar com o fato da loucura.257” A
reforma psiquiátrica no Brasil, então, é um movimento que combina a atuação em
clínica com o desenvolvimento da política em torno da saúde. No Brasil, com a
legislação, aproximou-se a teoria sobre a reforma psiquiátrica da prática de atenção à
saúde mental. Observa-se um movimento marcado por manifestações dos profissionais
de saúde, em reflexo aos fatos que se desenrolavam na Europa em torno dos anos 60,
255
Ernani Chaves, Foucault e a psicanálise, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988 p. 15.
Fernando Tenório, A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais In: História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em
20/12/2005 20:00h.
257
Fernando Tenório, A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais. In: História,
Ciências, Saúde – Manguinhos, Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em
20/12/2005 20:00h.
256
120
mas que acontece no Brasil com atraso, em final do século XX. Como referências
teóricas para o estudo do movimento de reforma psiquiátrica, existem as obras de
Foucault sobre a antipsiquiatria e a clínica, a antipsiquiatria de Szasz, as iniciativas de
Laing e Cooper quanto às alternativas ao modelo biológico e a psiquiatria democrática
de Basaglia, baseada nas exigências da classe trabalhadora na Itália. Os loucos são os
mais desviantes da norma socialmente aceita, por isso os mais excluídos nas quatro
esferas sociais: o trabalho, a família, o discurso e os jogos.258
Em 1830, os médicos do Rio de Janeiro reivindicam um asilo para sanar a
situação dos loucos que vinham sendo internados na Santa Casa de Misericórdia
daquele estado. A partir desse protesto foi assinado em 1841 o decreto para construção
do primeiro asilo de loucos no Brasil, o Hospício de D. Pedro II, inaugurado em 1852,
no Rio de Janeiro, seguindo os moldes franceses de tratamento moral pela exclusão dos
desviantes e organização das cidades. A instituição asilar precede o desenvolvimento do
saber psiquiátrico no país, pois somente em 1881 passa-se a lecionar doenças nervosas e
mentais nas escolas de medicina do Rio de Janeiro e Bahia.
A segregação da loucura teve como finalidade principal livrar a cidade da
ameaça “à estrutura de uma sociedade ordenada, eficiente, progressista, racional”259 que
assistia ao desenvolvimento de campos ditos racionais como ciência, tecnologia,
burocracia, legislação, economia de mercado e educação. Haveria que se criar normas
sociais, a fim de que o progresso fosse assegurado. E foi o que se fez durante a chamada
“limpeza das cidades” no século XX, quando se colocou no mesmo espaço
desocupados, prostitutas e loucos.
Esse foi o banimento dos loucos do espaço das cidades. Sem falar dos “trens
de doidos”, expressão que se tornou característica do vocabulário mineiro, ao designar
os trens que levavam para hospícios, como o de Barbacena, loucos das mais diversas
regiões do país.
Como instituição moralizadora, o hospício repete a forma européia de
internação, a qual os médicos só passam a presidir no início do século XX, numa forma
político-médica de intervenção, através de Decreto-lei.
258
Segundo Foucault (A loucura e a sociedade, 1970, conferência publicada em Ditos e escritos, p. 259267), as atividades humanas podem ser divididas em quatro categorias: produção, família, linguagem e
jogos. Em todas as sociedades, há indivíduos que vão se diferenciar do grupo social, em relação a cada
uma desses quatro grupos de relações e situam-se à margem, como os não participantes do mundo do
trabalho, os celibatários, os poetas, os excluídos das festas como bodes expiatórios; entretanto, o louco é
excluído por ter comportamento diferente do de outros nas quatro áreas.
259
Roy Porter, Uma história social da loucura, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990. p. 23.
121
Em 1903 impõe-se a obrigatoriedade do exercício de direção dos
hospícios para os médicos alienistas. Desde seu início, o hospício é
marcado pela superlotação, pela violência e a disputa de poder entre
as religiosas dirigentes da Santa Casa e os médicos. A diversidade
da população, mendigos, deficientes físicos, órfãos dentre outros, que
habito o hospício também caracteriza seu início. Após a
Proclamação da República (1889), o Hospício ganha autonomia com
a desvinculação da Santa Casa, o Estado passa a administrá-lo e as
freiras expulsas do mesmo.260
Em Minas Gerais, as Santas Casas também recebiam os loucos. Em 1900 foi
criada por determinação legal a Assistência aos Alienados de Minas Gerais e indicada a
cidade de Barbacena para sediar o hospital, utilizando o prédio de um sanatório
particular fechado anos antes.
Em 1923 surge a Liga Brasileira de Higiene Mental, primeira organização de
psiquiatras que defende higiene das paixões e o ideal eugênico, ou seja, a retirada da
sociedade dos membros anômalos, com um trabalho educativo e preventivo.
O primeiro grande e mais abrangente processo de integração das
áreas médica, social e educativa está associado ao Movimento de
Higiene Mental, que propõe uma ampliação da idéia de bem-estar
social e promove programas cuja responsabilidade compete a toda a
comunidade. A saúde psíquica passa a se constituir num objetivo a ser
alcançado pelos psiquiatras e psicólogos em conjunto com os cientistas
sociais, educadores e administradores públicos.261
O hospício é tido como lugar de reclusão, no qual se separa os loucos do
convívio com os normais; exclusão, como isolamento; e custódia, que significa vigiar
atitudes para o interno não oferecer perigo a si e aos outros. A Liga Brasileira de
Higiene Mental é criada no Rio de Janeiro em 1922. Segundo Serrano, estudioso de
psiquiatria, essa é a época do “manicomialismo posivitista”.
Conforme Cunha, tem-se no Brasil uma psiquiatria higiênica após os anos 20,
quando se deixa de tratar o indivíduo para cuidar da sociedade enferma. Daí o
entrelaçamento Estado-medicina, a fim de promover uma sociedade ordeira e estável, já
que a loucura era vista como desordem social.
260
Aparecida M. S. B. Cruvinel. Representações sociais do currículo do curso de Psicologia no trabalho
do psicólogo em saúde mental nas regiões do triângulo mineiro e alto Paranaíba (19801990),Uberlândia, UFU, 2003 (Dissertação de Mestrado) p. 22
261
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 35.
122
A arte terapia começa no Brasil neste período. Conforme Ferraz262, o médico
psiquiatra, músico e crítico de arte paraibano Osório Thaumaturgo César foi o primeiro
brasileiro a organizar observações sobre a arte dos loucos e divulgá-las à sociedade,
num trabalho à frente do Hospital do Juqueri, onde ingressou como estudante em 1923 e
tornou-se diretor, tendo se aposentado em 1965 por pressões que sempre existiram em
sua trajetória de ativista político.
Osório César publicou em 1925 o artigo A arte primitiva nos alienados, no
qual compara as obras dos loucos com a estética futurista. Em 1929, edita o livro
ilustrado A expressão artística nos alienados, considerado importantíssimo, segundo
Ferraz, “... onde analisa psicanaliticamente desenhos, pinturas, esculturas e poesias de
pacientes do Hospital do Juqueri e que foi considerada obra de maior importância sobre
a questão da arte dos loucos no Brasil.”263
No Brasil, é criado em 1930 o Departamento de Assistência Geral aos
Psicopatas, com o objetivo de unificar os serviços. “O novo órgão contemplou a
necessidade de gerir e fiscalizar um novo fenômeno que se inicia desde os anos 20: o
crescimento de uma rede privada de psiquiatria...”264 O Departamento é entregue ao
psiquiatra Antônio Carlos Pacheco e Silva, diretor do Juquery e fundador da Liga
Brasileira de Higiene Mental, que também participou ativamente da política, inclusive
da Assembléia Nacional Constituinte de 1934.
A fala médica, neste sentido, responde à conjuntura plítica, marcada
pela combustão da luta de classes, com a autoridade do discurso
científico, transferindo para a esfera social a perspectiva que
imprimiam à abordagem dos desvios individuais e medicalizando
relações e práticas sociais.265
A psiquiatria cumpria com os paradigmas em vigor de purificação da raça
humana, tendo como padrão o modelo étnico europeu. “A cultura era vista como
fenômeno psíquico. Havia muita preocupação com a formação étnica do povo
brasileiro, achando-se que a boa saúde mental vinha da raça, por questões
hereditárias.266” Assim, a Liga Brasileira de Higiene Mental trabalhava com
preconceitos, conformes ao ideal de controle, como se fosse educação médica.
262
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998.p. 45.
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 46.
264
Clementina Pereira Cunha, O espelho do mundo – Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1986. P. 173.
265
Clementina Pereira Cunha, O espelho do mundo – Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1986. P. 177.
266
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982.p. 33.
263
123
No século XX, com o desenvolvimento da psiquiatria, passa-se a adotar
algumas práticas médicas conhecidas como terapias biológicas. Entre 1936 e 1954, o
asilo do Juquery, em São Paulo, utiliza a malarioterapia (inoculação de sangue
contaminado por malária) e o eletrochoque, ao lado de atividades como a terapia
ocupacional, a laborterapia
e
a arteterapia. O internamento prosseguiu de forma
maciça; segundo Cruvinel, em 1948, o Brasil já contava com 280 hospícios. Desta
época são o Sanatório Espírita e a Casa de Saúde Moral, ambos de Uberlândia.
Entrementes, em 1943 surge a oficina de pintura no Juqueri. “Osório César
estrutura o acompanhamento artístico junto aos pacientes com base na expressão
individual, ou seja, por meio da escolha livre de temas ou da cópia do natural, evitando,
de sua parte, interferências tanto de ordem técnica quanto nas representações.”267 Este
procedimento teria influenciado a prática dos ateliês de arte na maioria dos hospitais
psiquiátricos brasileiros, como conclui Ferraz a partir de um depoimento de Nise da
Silveira sobre a conduta de Osório no acompanhamento dos pacientes.
Na Europa, em torno dos anos 60, o saber médico atinge os estágios, segundo
Foucault, de “despsiquiatrização” e antipsiquiatria, durante os quais ocorreram
mudanças do saber-poder sobre a loucura. A “despsiquiatrização” tratou de pasteurizar
o hospital psiquiátrico ao deslocar o poder de produzir a verdade da doença no espaço
hospitalar, que pertencia ao médico, para um saber mais exato, composto pela
psicocirurgia, na qual se insere a lobotomia (retirada do lobo cerebral relacionado ao
controle das emoções), e pela psiquiatria farmacológica. A antipsiquiatria, por outro
lado, trata de transferir ao doente o poder sobre a própria loucura.268
Em 1965, inicia-se um movimento em forma de associação, na Europa,
comandada por Laing, Cooper e Esterson. “As bases teóricas do novo movimento foram
estabelecidas por Laing, que propõe realmente uma mutação com embasamento
psicológico e social. Uma proposta completa, na qual a pessoa humana é vista em sua
totalidade.”269 Tratava-se de modificações na forma de tratar o louco, de modo a vê-lo
como pessoa humana, capaz de expressar-se e com direitos de viver em sociedade.
Nos últimos quarenta anos, o Estado Brasileiro rompe com as práticas
realizadas até então em dois momentos, quando incorpora às ações de saúde a
267
Maria Heloísa C. T. Ferraz, Arte e loucura, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 58.
Michel Foucault, Resumo dos cursos do Collège de France (1970 – 1982), Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
1997. p. 50-52
269
Nise da Silveira, Mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 14.
268
124
assistência médica em geral e quando atrela a saúde mental à rede pública de saúde.270
Em 1966 unificam-se o Instituto de Pensão e Aposentadoria e o Instituto Nacional de
Previdência
Social.
Esta
atitude
privilegia
as
indústrias
médico-hospitalar-
farmacêuticas, o que gera grandes questionamentos, fato pelo qual o sistema de saúde é
obrigado a se reorganizar posteriormente.271 A política de assistência regulamentada
seria a responsável, posteriormente, pelo inchaço na contratação de serviços médicos, o
que em saúde mental se compreende pelo crescente número de internações em hospitais
psiquiátricos particulares em que se realiza a sujeição hospitalar a normas
socializadoras, o isolamento do doente do convívio social e uma terapêutica
medicamentosa circunscrita à relação médico-paciente.
Enquanto o movimento pelo fim dos manicômios explodia na Europa, o Brasil
estava sob a ditadura militar, que não admitia atividades contestatórias; houve uma
“defasagem temporal entre o aparecimento das formulações antipsiquiátricas na Europa
dos anos de 1960 e a adoção de medidas equivalentes no Brasil em 1980.”272 Assim, a
década 70 foi marcada pela internação em massa, com o financiamento de hospícios
particulares pelo Instituto Nacional de Previdência Social - INPS.
Em 1971, uma nova linha psiquiátrica firmou-se em Arezzo na Itália, com
Agostino Pirella e Vieri Marzi; foram destruídos os muros de um hospício e aplicou-se a
experiência de Franco Basaglia de inserir os loucos na comunidade, preparada para
recebê-los tanto no aspecto social quanto no produtivo e atendê-los em seu próprio
território; era a Psiquiatria Democrática. Em 1978, o Parlamento Italiano, por pressão
popular, aprovou a nova lei psiquiátrica, a mais avançada no mundo, na época.
No Brasil, os debates sobre a necessidade de transformação das instituições da
doença mental iniciaram com alguns psicanalistas. A médica Dra. Nise da Silveira,
conhecida por seu trabalho no hospício Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, cita a situação
brasileira na década de 70:
...a indústria da loucura é uma lucrativa
poderosas multinacional produtoras de
demonstram. é suficiente ressaltar que no
estabelecimentos psiquiátricos são de
enquanto o número de seus ambulatórios,
aplicação de capital. As
psicofármacos bem o
Brasil 78 por cento dos
propriedade particular,
que poderiam contribuir
270
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 42.
271
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 42-43.
272
Eleonora Haddad Antunes; Lucia Helena Siqueira Barbosa; Lygia Maria de França Pereira,
Psiquiatria, loucura e arte: Fragmentos da História Brasileira, p. 27.
125
para manter pelo menos por algum tempo o paciente fora da
instituição, é apenas de 27,6 por cento. O que interessa, portanto, é o
lucro proporcionado pelo indivíduo internado e reinternado. Quanto
mais vezes, melhor.273
Nos anos setenta, é fundado o Instituto Nacional de Assistência Médica
da
Previdência Social (INAMPS) e vários estados implantam a Rede Básica de Saúde, da
qual participam estados e municípios. O governo federal, entretanto, não tem o controle
efetivo na destinação de verbas ao setor privado, financiado por ele. No final da década,
o excesso de internações hospitalares no setor privado impacta o sistema nacional de
saúde e se torna urgente a reavaliação dos serviços, da política de saúde e do lugar de
ação da medicina.
Em torno de 1978, segundo Serrano, as denúncias sobre a situação precária e
repressiva dos serviços públicos começou a ser denunciada. As condições de
funcionamento do Hospício de Barbacena, por exemplo, eram precárias e perduraram
por muitas décadas. Os maus tratos contra internos, a superlotação e os abusos foram
denunciados pela imprensa, o que levou a uma mudança no tratamento:
Calcula-se que cerca de 60 mil pessoas lá faleceram, em geral de
causas como diarréia, sífilis ou fome - nunca de loucura. Somente na
década de 70 uma forte reação de médicos, jornalistas e intelectuais
de diversas áreas levou a uma reavaliação das condições de
tratamento então vigentes. Em 1979, o psiquiatra italiano Franco
Basaglia visitou o Hospital Colônia e o comparou a "um campo de
concentração nazista.274
No final dos anos 70, em pleno “combate ao Estado autoritário”, emergem as
críticas ao sistema de saúde, aos excessos e desvios da psiquiatria; denúncias de fraude
no financiamento dos serviços e de maus tratos e violência nos manicômios275. Toma
forma o movimento da reforma psiquiátrica, no Brasil, e em prol de melhores condições
de trabalho e salário para uma classe que começava a se mobilizar.
“No bojo da
mobilização popular do fim dos anos setenta, veio a discussão sobre as relações entre
psiquiatria e democracia. E sobre psiquiatria e classes sociais. Mas a grande
movimentação de médicos e psicólogos deu-se em torno de reivindicações nos seus
empregos.”276
273
Nise da Silveira, O mundo das imagens, São Paulo: Ática, 2001. p. 14.
http://www.cultura.mg.gov.br/museu/museus_mineiros/loucura.htm Disponível em 4/9/2005 às
17:00h.
275
Fernando Tenório, A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais.. Disponível em
http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em 20/12/2005 20:00h.
276
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 96.
274
126
Os profissionais da área como médicos, psicólogos, TO, assistentes sociais,
enfermeiros e sociólogos começam também a se reunir em encontros específicos e
estouram algumas greves no setor de saúde mental, muitas vezes apoiadas pelas
associações profissionais. Segundo Serrano, o movimento quase nacional tomou
conotação política de contestação ao regime. “Organizou-se o Movimento Nacional do
Trabalhador na Saúde Mental, fortemente ligado às lutas gerais do povo em torno da
participação democrática.”277
No V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em 1978, em Camboriú, a
Associação Brasileira de Psiquiatria criticou a estrutura do sistema psiquiátrico
nacional, “a medicina elitista e o modelo repressor”, num marco da liberalização da
psiquiatria brasileira. A partir de então, surgem pelo país centros de estudos de saúde
mental que refletem as dificuldades enfrentadas pelas equipes de saúde. Em 1979,
Franco Basaglia realizou conferências em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.
A TO se modifica junto com a reforma psiquiátrica, segundo Teixeira278: “Eu
acho que a Terapia Ocupacional vai engrossar o movimento da reforma psiquiátrica no
Brasil em 79. Quando Basaglia veio ao Brasil, o jornal Estado de Minas fez aquela
reportagem imensa, que chamava “Nos porões da loucura”, que é um marco da
reforma psiquiátrica em Minas, pelo menos, e no Brasil também teve uma repercussão
muito grande. E de lá pra cá se percebe uma mudança muito importante,
principalmente nos equipamentos de atenção à saúde. Começam os centros de
convivência, as casas-dia, as casas-abrigo, então se começa a ver que existe uma
possibilidade maior de conviver com a loucura, esses equipamentos é que asseguram
isso. Uberlândia tem uma rede interessante de equipamentos, ela tem um bom arsenal,
eu diria que ela supre.”
Embora as denúncias psiquiátricas ocorridas no final dos anos 70, Serrano
afirma que a população não foi tão envolvida nesse problema, pois enfrentava outros
mais urgentes, como os direitos políticos; portanto a reforma psiquiátrica teve um cunho
corporativista, essencialmente ligado, nos anos 70, aos interesses dos profissionais de
saúde.
Neste período ocorreu a tomada de consciência da questão da
psiquiatria como parte da questão nacional. A psiquiatria atual
também representa e também serve ao pensamento dominante. O
277
278
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982.p. 97.
Entrevista à terapeuta ocupacional Flávia do Bonsucesso Teixeira em dezembro/2004.
127
movimento feito na época tinha conotações corporativistas, isto é,
girava principalmente em torno de reivindicações salariais e de
condições de trabalho para os profissionais da saúde mental.279
Poucas experiências alternativas foram desenvolvidas; segundo Serrano,
muitas das que buscavam renovação foram temporárias ou se resumiram a contestações
teóricas, embora tenham tido o valor de anunciar a necessidade de novas terapêuticas.
Uma dessas experiências foram as de comunidades terapêuticas, que
aconteceram no final da década de 60 e início da de 70 em alguns manicômios, com
aplicação da psicanálise para leitura dos pacientes, da instituição e dos profissionais. A
tentativa não teve sucesso e foi incorporada pelos hospitais privados.
Já a psiquiatria comunitária e preventiva consistia em formas de detectar e
resolver situações críticas para evitar a internação por intermédio de práticas que
visavam a adaptação do doente ao grupo, transformando-o em sujeito imerso na rede
social. Segundo Tenório, a prerrogativa de que a doença mental vem de desajustamento
denota o caráter “adaptacionista e normalizador da noção de saúde mental”, além do que
a transferência do campo de intervenção da clínica para a comunidade produz a
tendência de “psiquiatrização do social, em que o psiquiatra deve ‘controlar’ os agentes
não-profissionais, como vizinhos, líderes comunitários, agentes religiosos, etc.”
Serrano afirma que as alternativas em saúde mental dependem do processo
democrático. “Só a solidariedade dos poderes comprometidos com interesses populares
poderá mudar a política de saúde mental e promover uma abertura científica. Só a
democracia produz uma ciência humanista.”280
Em 1979, o país passa pelo período de Anistia dos presos políticos, exilados
no exterior. Continuam os governos militares e o clamor pela democratização aumenta.
Inicia-se a transição para os governos democráticos na década de 80, junto com ações
que afetam politicamente o país, como o movimento das Diretas Já em 1984, a
Assembléia Constituinte 1987/1988 e a nova Constituição da República de 1988, que
estabelece itens de cidadania importantes que comporão as próximas leis para a saúde
mental.
Neste cenário, viria o desenvolvimento da teoria psicanalítica e o da indústria
de medicamentos, o que trouxe efeitos no tratamento psiquiátrico e também psicológico
da população.
279
280
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 100-101.
Alan Índio Serrano, O que é psiquiatria alternativa, São Paulo: Brasiliense, 1982. p. 104.
128
A REFORMA PSIQUIÁTRICA NOS ANOS 80 e 90
A partir dos anos 80, o paciente psiquiátrico passa a ser visto como um ser
humano completo, passa a fazer parte do corpo social e seu tratamento é entregue a uma
equipe de profissionais de variadas áreas. A loucura naturalizada passa a ser encarada
como fenômeno social, a ser inserido nas relações cotidianas em que o sujeito aparece,
findo o manicômio. Há que se pensar a inserção social do sujeito político e o seu bemestar subjetivo. O louco passa a sujeito atuante, com percepções de mundo diferentes
que precisam ser respeitadas. Isso exige nova aprendizagem sobre a realidade da
loucura por parte do sujeito, da família, dos profissionais de saúde e da sociedade.
Inicia-se a democratização das ações de prevenção e tratamento.
Tendo em vista esta política, as ações de saúde mental passam a fazer
parte da rede pública, visando o processo de desospitalização dos
pacientes psiquiátricos. São, então, oferecidas formas alternativas de
atendimento através da criação de unidades básicas de saúde mental
em postos de saúde, ambulatórios e hospitais-dia, com o intuito de se
evitar internações desnecessárias.281
Conforme França, são realizadas a partir de então ações no sentido de
adaptarem as instituições que subentendem um novo modo de relacionamento com
saúde e doença. Passa a ser exigido dos profissionais de saúde um novo enfoque sobre o
paciente psiquiátrico, agora usuário, de forma que possa a ser visto como ser humano
integral. A percepção do louco não é mais circunscrita ao campo médico, apreende uma
nova complexidade como parte do todo social. Ocorre, portanto, a modificação na
concepção de corpo, saúde e doença, sobre os quais reside o poder médico, numa visão
orgânica da loucura. No novo contexto, a loucura passa a ser vista como fenômeno
social e inserida no espaço das relações cotidianas: família, trabalho, lazer, discurso.
Passa-se a ter que ouvir a verdade do usuário nos ambientes nos quais ele atua, uma vez
que não está mais encarcerado no manicômio. Para tanto, se fazem necessárias práticas
além do saber médico-psiquiátrico, saberes que versam sobre a inserção social e bemestar subjetivo do usuário da rede de saúde. O corpo do usuário, assim, passa do espaço
hospitalar, no qual é submisso, ao espaço da sociedade, como corpo atuante. Isso exige
281
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 9-10.
129
um novo aprendizado, seja do usuário, da família, da equipe de saúde, seja da sociedade
sobre o campo das relações.
A compreensão do objeto das práticas terapêuticas em seu contexto
histórico pode levar a um entendimento de que o homem processa
incessantemente novas composições de territórios existenciais. Esta
compreensão pode propiciar uma configuração vivificadora do campo
terapêutico.282
Num processo de descentralização administrativa, os recursos federais são
então transferidos para estados e municípios a partir de 1983, com a criação das Ações
Integradas de Saúde, e o INAMPS firma convênios com as Secretarias de Estado de
Saúde e Prefeituras Municipais.
Segundo França, a criação de mecanismos formais de coordenação da saúde
pública nessas outras esferas do poder executivo evidencia a visão medicalizada do
Estado, pois o saber médico, além de prover a cura, também auxilia o Estado a conhecer
o indivíduo e a população, o ser natural e o social. Em 1986, realiza-se a 8ª Conferência
Nacional de Saúde, que trata das diretrizes das Ações Integradas de Saúde e apresenta
uma preocupação do Estado em relação ao indivíduo em diversos aspectos, que podem
ser vistos na concepção de saúde como:
... resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio-ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade,
acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde; (...) é o resultado
das formas de organização social da produção, as quais podem gerar
grandes desigualdades nos níveis de vida; (...) saúde não é um contexto
abstrato. Define-se no contexto histórico de uma determinada
sociedade e num dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser
conquistada pela população em suas lutas cotidianas. (...) Significa a
garantia, pelo Estado de condições dignas de vida e de acesso
universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e
recuperação de saúde, em todos os níveis, a todos os habitantes do
território nacional, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano
em sua individualidade.283
Assim, a ciência da saúde passa a ser também uma autoridade que fiscaliza e
intervém no corpo social.284 Essa conferência, ao lado da ampliação do conceito de
saúde que corresponde a uma ação institucional, constitui a Reforma Sanitária, num
âmbito de gerenciamento e padronização da saúde e dos comportamentos.
282
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 13.
283
8ª Conferência Nacional de Saúde apud França, p. 47-48.
284
Conforme Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de
saúde pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 48.
130
Nesse fato político de gerenciar a vida humana, a medicina adquire um
papel normativo e pedagógico que a autoriza a uma ação permanente
no corpo social. Distribuir conselhos, reger relações física e morais do
indivíduo e da sociedade são táticas da racionalidade médica para
assegurar a inserção de ambos a uma série de modelos específicos de
seu campo de ação. (...) É tarefa essencial de tais práticas tratar o
doente e supervisionar a saúde da população – campo, por excelência,
para a produção de indivíduos saudáveis.285
Se há um modelo de homem e estratégias de manutenção do bom
funcionamento do organismo, esta é a verdade do saber médico que deve ser ensinada à
população e ao governo. De posse dessa verdade, o Estado, passa a legislar sobre a área
da medicina, como órgão de controle.
No início dos anos 80, os hospitais psiquiátricos foram abertos e a maioria das
celas onde os loucos eram presos foram retiradas. Foi o que aconteceu no Juqueri, onde
educadores, sociólogos, antropólogos e psicólogos foram convidados a participar e a
discutir a situação do hospital e as possibilidades de intervenções possíveis. Entretanto,
“Falta de recursos humanos, inadequação nos tratamentos e problemas técnicos de toda
ordem demonstravam que o sistema organizacional pouco evoluíra desde a década de 30
até esse período.”286
Teixeira287 se posiciona a favor da reforma psiquiátrica: “Eu trabalho dentro
da reforma psiquiátrica e não da antipsiquiatria, eu acho que não é tirar um pra pôr o
outro no lugar. Eu acho que a psiquiatria é muito importante, uma disciplina
importante como qualquer outra porque as doenças são como qualquer outra coisa,
elas afetam o ser humano. E agora, a reforma psiquiátrica, aí sim você pode pensar nas
condições de vida que esse espaço estava oferecendo para as pessoas, de vida e
tratamento.” Essa reforma prevê a democratização da psiquiatria: “É uma revisão,
olhar de novo as formas de tratamento que estavam sendo oferecidas, porque até 79 há
os grandes hospitais psiquiátricos, não se tem nem psiquiatra em posto de saúde, tudo
em sanatório. Então todo o tratamento era feito em regime fechado. Então é essa a
discussão que existe quando a gente fala “vamos romper com os muros”.
Foram vários anos entre a institucionalização do serviço extra-hospitalar e o
início da luta pela reforma psiquiátrica, no final dos anos 70, uma vez que não havia
285
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 50.
286
Maria Heloísa Ferraz. Arte e loucura, 1998, São Paulo: Lemos Editorial, 1998. p. 15-16.
287
Entrevista à terapeuta ocupacional Flávia do Bonsucesso Teixeira em dezembro/2004
131
alternativas ao modelo asilar, como afirma a referência em saúde mental no município
de Uberlândia, Raquel Bambozzi288: “Falava-se em desospitalização desde a vinda de
Franco Basaglia, mas não havia dispositivo legal sobre saúde mental no Brasil anterior
a 1990 para substituir o hospital psiquiátrico e a gente não sabia o que dizer para
quem indagava se “ia colocar os doidos na rua”. Falava-se em pensão abrigada, mas
se não existisse um serviço de acordo, ficariam elas por elas, uma casa pra abrigar o
louco sem o atendimento adequado.”
Na década de 80, observa-se ao mesmo tempo, “aperfeiçoamento da
instituição psiquiátrica e da gestão pública.” Conforme Tenório, amadurecem as críticas
ao sistema asilar e ampliam-se os membros envolvidos no processo, com a I
Conferência Nacional de Saúde Mental em 1987, que marcou o processo de
desinstitucionalização da loucura e o II Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde
Mental. Neste período encerra-se a trajetória sanitarista, de higienização da cidade, e
inicia-se uma preocupação com o meio imediato que cerca o sujeito: a cultura, o
cotidiano, as mentalidades. Passa-se a questionar os saberes médicos, as práticas e as
instituições na perspectiva da cidadania do louco. O Movimento da Luta
Antimanicomial age na cultura para discutir com a sociedade a sua relação com a
loucura e o louco. Os ‘usuários’- termo que se usará deste período em diante para
definir os chamados pacientes psiquiátricos - e seus familiares passam a participar de
discussões e eventos, como as manifestações do dia 18 de maio, escolhido como dia de
luta para “aglutinação de maiores parcelas da sociedade em torna da causa.”289
Posteriormente, a data passa a ser comemorada em Uberlândia, contando inclusive com
a realização de atividades culturais e educativas promovidas pelo grupo Trem de Doido,
composto por profissionais da área de saúde mental.
Por outro lado, os profissionais de saúde realizam a primeira Conferência
Nacional de Saúde Mental no Rio de Janeiro em 1987 e discutem a recuperação dos
pacientes crônicos, o fim da reprodução da loucura (por intermédio das práticas de
manicomialização), a prevenção por meio de equipamentos públicos de saúde
localizados próximo a seus domicílios, além de um retorno ao exercício dos direitos de
cidadão, lutando pela participação dos indivíduos na vida social e o acesso aos bens
materiais e culturais da sociedade.
288
Entrevista realizda em dezembro de 2005.
Fernando Tenório, A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais. Disponível em
http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em 20/12/2005 20:00h.
289
132
Para que esses direcionamentos da saúde mental fossem colocados em prática,
foi solicitado, durante a primeira Conferência de Saúde Mental, a transformação de
procedimentos administrativos, técnicos e jurídicos em torno da saúde mental que
visassem assegurar ao paciente as condições de vida extensivas a todos os cidadãos,
como se comprova no item relativo ao fim da interdição forçada: as internações
deveriam ser realizadas em condições em que o indivíduo representar perigo a si ou a
outros e previa-se ainda o fim da internação involuntária, quando seriam cerceados os
direitos de liberdade individual e de opção de vida da pessoa.
Reivindica-se ainda a criação de terapêuticas além da medicação; tem-se por
base teórica a noção de conjunto mente-corpo e da necessidade de abertura do campo
saúde mental a outros profissionais. Segundo França, o que se verifica é “uma
totalização bio-psico-social do homem: um todo harmônico que precisa explicitar-se
para viver sua individualidade.”290
A reforma, ao exigir a desospitalização, pretende fazer o indivíduo retornar à
esfera política pelo resgate de sua cidadania:
A reforma psiquiátrica passa, antes de mais nada, pela otimização dos
serviços hospitalares e a criação de enfermaria psiquiátricas no Hospital
Geral, inserindo-os em uma Rede de Atenção Psicossocial, orientada
por equipes multiprofissionais integradas em seus procedimentos
clínicos. Esse novo estatuto do doente mental permite não apenas o
direito aos bens de saúde, mas o direito à cidadania e isso significa se
reconhecer como participante do mundo político. Não mais submetido a
uma tecnologia que circunscreve sua vida às paredes do hospital.291
Trata-se, segundo França, de uma mudança que visa a participação do louco na
sociedade, a começar pelo sistema de saúde em seu todo e não apenas um atendimento
nas especialidades psicologia e psiquiatria, o que, por sua vez, exige a formação de
profissionais com noções em psicopatologia e psicofarmacologia.
Com a Conferência de Saúde Mental, ocorre uma interferência do saber dos
profissionais de saúde no âmbito de ação do Estado. Assim, tais reivindicações
culminam na mudança da legislação paulatinamente. Em 1987 é implantado o Sistema
Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), que vincula a saúde mental ao conjunto
que inclui das Unidades Básicas de Saúde aos Hospitais Psiquiátricos.
290
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 80.
291
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 74.
133
Urge inventar novos dispositivos e tecnologias de cuidado. Nesse contexto,
inicia-se uma reformulação legislativa sobre a saúde mental. Paulo Delgado (PT-MG)
apresentou o projeto de lei 3657 em 1989, para o qual foi aprovado um substitutivo
somente em janeiro de 2000, tornando-se a Lei da Reforma Psiquiátrica sob o nº 10216
em 6/4/2001. Aprovada mais de dez anos depois do projeto de Delgado, a lei 10216
redirecionou o modelo de assistência psiquiátrica no Brasil e previu punição para
internações involuntárias e/ou desnecessárias.
Pode-se dizer que a lei de reforma psiquiátrica proposta pelo deputado
Paulo Delgado protagonizou a situação curiosa de ser uma ‘lei’ que
produziu seus efeitos antes de ser aprovada. (...) a transformação da
assistência e mesmo do estima social da loucura no Brasil deu-se de
forma segura e constante, ainda que lenta, ao longo dos dez anos em
que o projeto de lei tramitou sem ser aprovado.292
O projeto de Paulo Delgado serviu para intensificar as discussões sobre a
reforma psiquiátrica em todo o país e levou à edição de várias portarias pelo Ministério
da Saúde e à elaboração e aprovação de oito leis estaduais sobre a substituição asilar.
Em Minas Gerais, o projeto deu origem a Lei nº 11802 de 18/1/1995, que previa a
substituição progressiva do hospital psiquiátrico por outros dispositivos, proibiu as
psicocirurgias e procedimentos que produzam efeitos orgânicos irreversíveis e previu
atenção integral às necessidades dos pacientes que perderam o vínculo com a família,
por meio de políticas sociais, para a integração social do paciente.
Sobre a institucionalização da reforma e a antipsiquiatria de Foucault, a
terapeuta ocupacional Flávia Teixeira293 explica: Foucault fala da antipsiquiatria, em
História da Loucura. Eu sempre cito Basaglia e a chegada dele no Brasil porque ele
estava reestruturando toda a perspectiva na Itália. Inclusive, o livro que trata disso
chama “Jardins de Abel”, autora Denise Barros, uma terapeuta ocupacional que vai
trabalhar com Basaglia na Itália, um tempo, acho que é a dissertação de mestrado
dela.”
Maria José de Castro Nascimento, psicóloga da Enfermaria do Hospital de
Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia,294 explica que na década de 80 já
aconteciam modificações no tratamento psiquiátrico no eixo Rio-São Paulo: “Em 80
292
Fernando Tenório. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e
conceito'. Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm em 20/12/2005 20:00h.
293
Entrevista realizada em dezembro/2004.
294
Entrevista realizada em 12/12/2005
134
existia a Rádio Tantã, em Santos e um movimento de modificações no tratamento dos
pacientes em São Paulo e Rio de Janeiro.” Vale lembrar que “tantã” é um termo
coloquial para designar pessoas que não raciocinam normalmente. Esses movimentos
deram início aos primeiros Núcleos de Atenção Psicosocial - NAPS, iniciativas de
sucesso que se espalharam pelo país na década de 90. O Centro de Atenção Psicosocial CAPS Luiz Cerqueira, de São Paulo, aberto em 1987, inspirou a criação de outros
Centros de Atenção Psicossocial no país e o Programa de Saúde Mental de Santos,
nascido da intervenção pública municipal sob a égide do Partido dos Trabalhadores, em
1989, pelo qual houve a substituição da Casa de Saúde Anchieta, alvo de denúncias de
maus-tratos, violência e superlotação por uma rede de cuidados em torno dos Núcleos
de Atenção Psicossocial (NAPS). Ambos os casos referem-se a serviços diversificados
de atendimento ao usuário que não a internação.
No Brasil, de acordo com as determinações do Sistema Único de Saúde, em
1991, os hospitais brasileiros deixaram de realizar a longa internação, destinada apenas
a centros especializados, e devolveram os doentes às suas famílias.
A partir da década de 90, os governos dos países da América Latina iniciam
políticas na área de Saúde Mental norteadas pela Declaração de Caracas295, escrita
durante a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica no
Continente. Anteriormente, a Organização Mundial de Saúde e a Organização PanAmericana de Saúde haviam estabelecido como estratégia para a meta de Saúde para
Todos, no ano 2000, o Atendimento Primário de Saúde, facilitada por intermédio de
Sistemas Locais de Saúde para atender as necessidades da população de forma
descentralizada, participativa e preventiva.
Dentre os itens listados na Conferência de Caracas para reestruturação da
assistência psiquiátrica dos países participantes, estavam a criação de modelos
alternativos, centrados na comunidade e dentro de suas redes sociais; a revisão do papel
hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico; a salvaguarda da dignidade
pessoal, dos direitos humanos e civis do paciente e sua permanência no meio
comunitário, garantidos através de legislação pertinente; a capacitação de profissionais
em Saúde Mental e psiquiatria pautados pelo modelo de saúde comunitária.
Em 1990 é promulgada a Lei Orgânica de Saúde e criado o Sistema Unificado
de Saúde (SUS), que passa a reger as ações do setor privado em saúde pública. Os
295
Elaborada em 14/11/1990.
135
Escritórios Regionais de Saúde (ERSAS’s) gerenciam, a partir de então, os recursos
financeiros, materiais e técnicos referentes aos equipamentos de saúde da área de
abrangência, como Centros de Saúde, Hospitais, Laboratórios e Ambulatórios de Saúde
Mental.
A partir de 1991, o Brasil, tem utilizado o processo legislativo na
implementação das políticas públicas, atendendo às recomendações da Declaração de
Caracas. O Ministério da Saúde iniciou a reestruturação das leis que regulamentam a
assistência psiquiátrica no Brasil, numa iniciativa articulada com os três níveis gestores
do SUS, as esferas federal, estadual e municipal.
Os Núcleos e Centros de Atenção Psicossocial (NAPS) substituem a
internação hospitalar e mantêm os pacientes integrados em atividades comunitárias,
contando
para
isso
com
assistência
multiprofissional
e
tratamento
psiquiátrico/psicológico.
O OUTRO LADO DA DEMOCRATIZAÇÃO DA SAÚDE
Segundo França, a ligação entre Estado e medicina é ambígua, pois leva tanto
à democratização das ações de saúde, como amplia os espaços de enunciação de um
discurso racional e legitima a intervenção na vida do cidadão296 Essa democratização
seria, portanto, parcial, pois se oferece acesso à saúde sem que, em contrapartida, haja
espaço para a intervenção do cidadão no discurso científico produzido pelas instituições.
A participação da sociedade e a ampliação dos setores envolvidos no processo
da reforma psiquiátrica no Brasil foram marcantes, principalmente durante a II
Conferência Nacional de Saúde Mental, de 1992, na qual 20% dos delegados presentes
eram representantes de usuários e de seus familiares.
O relatório final da conferência foi publicado pelo Ministério da Saúde
e adotado como diretriz oficial para a reestruturação da atenção em
saúde mental no Brasil. São estabelecidos ali dois marcos conceituais:
atenção integral e cidadania. Segundo essa referência, são
desenvolvidos o tema dos direitos e da legislação e a questão do
modelo e da rede de atenção na perspectiva da municipalização.297
296
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado) p. 64
297
Fernando Tenório. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e
conceito'. Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm
136
Tenório considera relevante o fato de que a “ação oficial não se tenha feito à
margem da incorporação dos atores sociais”, que por sua vez não dependeram da
iniciativa oficial, tanto que o próprio governo afirma a reforma psiquiátrica brasileira
como de caráter “híbrido e singular”298, com a participação de profissionais e usuários
do setor Saúde.
Sobre a legislação da reforma, Teixeira afirma a demora entre a montagem do
projeto de fim dos manicômios e a aprovação pelo Legislativo: “Quando Paulo Delgado
propõe que a reforma psiquiátrica aconteça, ela vai ser amplamente aplaudida no
plenário, ela vai passar, mas vai ficar doze anos na gaveta dos senadores. Ela leva um
tempo enorme pra ser votada. Em Minas – eu posso falar de minas porque eu conheço
– tinha um movimento mais forte, mais estruturado nesse sentido. Aí, na minha
graduação eu já via hospital-dia e dentro do Raul Soares.”
O resultado do projeto de Paulo Delgado, a Lei de 10.216 de 2001, que
estabelece um máximo de 45 dias de internação, foi o marco da desospitalização no
Brasil, uma vez que redirecionou o modelo de assistência psiquiátrica no país para a
forma extra-hospitalar, além de se ter extinguido o repasse de verbas do governo a
instituições de assistência psiquiátrica particulares. O CAPS foi colocado como espaço
primordial da convivência e das oficinas terapêuticas no século XXI, embora eles já
existissem nos anos 90.
Tenório afirma que em seu surgimento, o termo “saúde mental” estava ligado a
adaptação social, o que subentende uma noção de normalidade além do sujeito e da
clínica. Atualmente, a mesma expressão, no contexto da reforma, se relaciona a um
afastamento da figura médica da doença “...que não leva em consideração os aspectos
subjetivos ligados à existência concreta do sujeito assistido...” e também marca “...um
campo de práticas e saberes que não se restringem à medicina e aos saberes psicológicos
tradicionais.” Ao se propor atualmente a volta do paciente à comunidade não se
pretende normalizar o social, mas fazer o louco habitar o social, num projeto de atenção
psicossocial. Assim, pretende-se fazer da rede social “...um instrumento de aceitação da
diferença”. Pensa-se, ainda a comunidade, ou melhor, o território – inspirado na
psiquiatria democrática italiana – como um local de regionalização da assistência,
298
Esses termos constam da apresentação à 1ª edição da coletânea Legislação em Saúde Mental 19902002, publicada pelo Ministério da Saúde, destinada à distribuição na rede de atenção em saúde mental,
para fomentar a participação de gestores da rede, profissionais e usuários.
137
constituído por elementos socioculturais e econômicos que moldam o cotidiano do
sujeito.
O HOSPITAL DE CLÍNICAS
Segundo entrevista com o psiquiatra Dr. Guilherme Gregório299 sobre a
reforma do tratamento psiquiátrico, este setor, que é um anexo dependente da
infraestrutura do hospital geral da UFU, desde o seu nascimento conviveu com a
reforma, trabalhando com poucos leitos, enviando pacientes para internação longa aos
manicômios das cidades de Uberaba/MG e Brodowski/SP. Em 2003, dos 483 leitos
existentes no hospital, apenas 30 eram da psiquiatria.
Dr Guilherme Gregório entende que o desasilamento que se observa
atualmente não somente no Hospital de Clínicas, mas no Brasil foi o resultado da luta
antimanicomial, ou seja, do movimento de antipsiquiatria iniciado no final dos anos 60.
Pretende-se, com ele, abandonar os tratamentos à base de corrente elétrica, drogas para
a indução de febre, hibernação e convulsões, a fim de realizar um tratamento mais
humanizado, retornando o paciente para a família e para a vida.
Para o Dr. Guilherme Gregório, o movimento da antipsiquiatria no Brasil tem
um caráter econômico e não somente humanitário, pois o governo não mais custeia as
estruturas de internação psiquiátrica como antes. Em 1989, o Sistema Único de Saúde
(SUS) fechou os convênios com hospitais particulares e instalou comissões
interventoras, que analisam prontuários e a necessidade de internação, com a finalidade
de liberar leitos públicos.
O destino dos doentes mentais no País mudou em abril de 2001 com a
aprovação da Lei 10.216, que na realidade regulamentou o que já era
uma prática em várias instituições, pois a proposta já vinha sendo
discutida desde 1979. A lei pretendia regulamentar o atendimento aos
doentes mentais; a partir de sua publicação, foi proibida a criação de
novos leitos públicos, de outros hospitais e a internação por mais de
45 dias, fora algumas exceções.300
299
A entrevista com o psiquiatra Dr. Guilherme Gregório foi realizada em setembro/2003, época em que
era Diretor Administrativo do HCU.
300
Correio do triângulo, 27/7/2003, p. B2.
138
Os centros especializados existentes no país recebem os pacientes para
internação longa. Já no Hospital de Clínicas da UFU, a internação tem uma duração
média de seis dias.
Segundo o Dr. Guilherme Gregório, o modelo asilar do hospital tem
características semelhantes às de um presídio no que se refere ao uso da laborterapia e
das técnicas de ressocialização. Por outro lado, o tratamento psiquiátrico é
acompanhado de terapia ocupacional e medicalização, ou seja, utilização de fármacos.
A partir da década de 90 passou-se a empregar também a arteterapia como forma de
tratamento coadjuvante no Setor Psiquiátrico do Hospital de Clínicas. Esta prática está
vinculada, a partir de 1996, com a contratação de terapeuta ocupacional.
O Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia – HC UFU é uma
organização hospitalar pública com objetivos de assistência, ensino e pesquisa,
incorporado à Universidade Federal de Uberlândia em 1974. Conforme Martins301, o
Hospital foi inaugurado em 1970 com o propósito de atender ao ciclo profissionalizante
da Ex-Escola de Medicina e Cirurgia de Uberlândia e era mantido pela Fundação da
Escola de Medicina e Cirurgia de Uberlândia. Em 1972 foi firmado convênio com o
Instituto Nacional de Previdência Social atual Instituto Nacional de Seguridade Social –
INSS. Federalizado em 1978, o hospital funciona com verbas do SUS desde 1988.
Como se trata de um hospital geral, o HCU conta com especialidades ligadas às clínicas
cirúrgica, médica, pediátrica, obstétrica e psiquiátrica, entre outras.
O curso de Psicologia foi iniciado na UFU em 1975, segundo a psicóloga
Maria José de Castro Nascimento, que trabalha na Enfermaria de Psiquiatria do
Hospital de Clínicas de Uberlândia – HC-UFU302, naquela época havia alguns hospitais
particulares que atendiam ao paciente psiquiátrico na região, sendo um deles encampado
pelo Hospital de Clínicas para a finalidade de ensino universitário: “O Hospital de
Psiquiatria da Dra. Miriam Andraus foi “encampado”, como se falava que o governo
fazia naquela época, para que os alunos do curso de Medicina pudessem aprender
sobre psiquiatria. Tinha o hospital do Dr. Sinval, também, que depois fechou e o
Sanatório Espírita. O Hospital de Uberaba também é espírita, parece que hoje está
passando por uma mudança também pra se adequar às leis e está funcionando como
301
Vidigal Fernandes Martins. Desenvolvimento de modelo de resultados em serviços hospitalares com
base na comparação entre receitas e custos das atividades associadas aos serviços. Florianópolis, UFSC,
2002. (Dissertação de Mestrado). P. 73 e ss.
302
Entrevista realizada em 12/12/2005.
139
CAPS. Me parece que o Hospital Santa Genoveva era Santa Casa para atendimentos
clínicos, e não de saúde mental.”
O Sanatório Espírita, atual Casa Transitória Espírita foi visitado no decorrer
desta pesquisa; foram ouvidos relatos e observou-se a arquitetura em forma de
panóptico, ou seja, uma estrutura circular que facilita a vigilância dos internos, e as
celas individuais onde os loucos ficavam. O uso das celas foi abolido, assim como o
funcionamento do asilo, que hoje abriga, como uma “casa transitória”, cerca de quatro
moradores que eram antigos internos e um assistido que recebe ali alimentação, pois
tem moradia própria. A instituição funciona através de doações da comunidade e
também é utilizada como centro espírita, com sessões de passes, das quais os moradores
participam silenciosamente; eles contam com visitas médicas periódicas, alimentação e
cuidados de higiene, mas sem o uso de terapêuticas específicas.
Segundo a psicóloga Maria José de Castro Nascimento, a primeira residência em
Psiquiatria no Hospital universitário da UFU foi na década de 90, assim como a entrada
de terapeuta ocupacional, que passou a utilizar a arte como terapêutica regular com os
pacientes. Como explica Nascimento, a enfermaria do HC-UFU abrange vários setores,
que vão de atendimento ambulatorial e regular, até que o paciente tenha alta e seja
direcionado para os CAPS. Esses atendimentos também ocorrem de forma didática, para
o ensino dos residentes em psiquiatria: “A Enfermaria é dividida nos setores de Serviço
Social; Terapia Ocupacional; Enfermagem; Psicologia; Administrativo; Médicos
clínicos e psiquiatras; Interconsultas (que ocorrem quando os psiquiatras vão fazer
atendimento em outras enfermarias da UFU); Ambulatório Didático, onde são feitas as
consultas, que ocorrem pós-alta, até que o doente vá ser atendido somente nos CAPS,
vindo ao hospital só em caso de crise; e Residência Médica, que é onde o aluno de
Medicina irá aprender durante dois anos sobre Psiquiatria, com aulas, e atender aos
pacientes e saíra como especialista. São poucas vagas, esse ano foram duas.”
Conforme Nascimento, não existem documentos escritos sobre a história da
Enfermaria de Psiquiatria; portanto, a história desta área do hospital universitário da
UFU está sendo escrita por uma de suas estagiárias a partir de entrevistas com
funcionários mais antigos da instituição ou aposentados. “Também não existem
trabalhos escritos sobre as oficinas terapêuticas realizadas na Enfermaria. Houve
apresentação de trabalhos em congressos e está sendo feito levantamento da produção
científica da Enfermaria. Antes da admissão da Terapeuta Ocupacional, trabalhavam
na enfermaria psicólogas contratadas que foram para a divisão de Psicologia prestar
140
serviço para o HC-UFU”. Esta falta de fontes escritas sobre as terapêuticas no Hospital
de Clínicas constituíram-se numa agravante para a realização desta pesquisa.
Nascimento explica que havia atividades manuais esporádicas antes da entrada
da TO na enfermaria; entretanto, também faltam registros sobre este fato: “No início,
quem fazia as atividades manuais, festas e passeios com os pacientes eram os
enfermeiros. Isso é a fala deles; eles faziam naturalmente, não era regular, organizado
como oficina.” Segundo Nascimento, existe mesmo uma dificuldade em conseguir
pessoas para falar da história do hospital, talvez pelo estigma da loucura que atinge
inclusive os profissionais que lidam com ela diariamente.
Vale lembrar que o Hospital de Clínicas é um dos equipamentos de saúde
existentes no município.
Segundo a psicóloga Maria José de Castro Nascimento, o serviço hospitalar e
extra-hospitalar foi organizado pela Portaria 224 de 1992, em relação ao tipo de
profissional, tipo de atividade que deveria ser executada pelos pacientes, número de
pacientes e as características dos locais de tratamento. Essa lei proibiu práticas abusivas
em hospitais psiquiátricos, como as celas fortes, e definiu como co-responsáveis em seu
cumprimento os níveis estadual e municipal do sistema de saúde. Também foram
definidos os profissionais específicos para atendimento nos NAPS/CAPS: médico
psiquiatra, enfermeiro, profissionais de nível superior (psicólogo, assistente social,
terapeuta ocupacional e/ou outro profissional necessário à realização dos trabalhos) e
profissionais de nível médio e elementar. Já os leitos/unidades psiquiátricas em hospital
geral, como é o caso da enfermaria de psiquiatria no Hospital de Clínicas da UFU,
deveriam contar com médico psiquiatra, psicólogo, enfermeiro, profissionais de nível
superior (psicólogo, assistente social e/ou terapeuta ocupacional) e profissionais de
nível médio e elementar para o desenvolvimento das atividades.
O SABER E O FAZER
O objetivo da terapêutica pela arte, assim, é a atividade, não o seu resultado.
Aqui, não se lida com índices mensuráveis, mas com uma atividade prazerosa para o
indivíduo, independente de quem seja, paciente ou não. Resta entender a prática em
torno da “loucura” e o seu significado no que envolve o paciente, o terapeuta, os
médicos, a equipe de enfermagem, a família, o Estado.
141
O acesso a conteúdos sobre a arte terapia não era fácil em Uberlândia nos anos
90. A psicóloga Maria José Nascimento fala da dificuldade em encontrar material de
pesquisa para a realização das oficinas na Clínica em que trabalhava: “Quando eu entrei
na Clínica Jesus de Nazaré, na década de 90, procurava livros sobre arte terapia e não
encontrava, pois precisava de material para conduzir a oficina mas não tinha.”
Para Raquel Bambozzi, referência em Saúde Mental do município de
Uberlândia, a lei 336 de 2002 foi um marco importante para saúde mental porque criou
a possibilidade de financiamento para um serviço que de fato iria substituir o hospital
psiquiátrico. “Tanto é que a partir daí houve um investimento muito grande na
expansão dos serviços do CAPS. Em Uberlândia, como a possibilidade de
financiamento era pra esse tipo de serviço, os centros de convivência foram
transformados em CAPS. Na verdade, eles já funcionavam mais ou menos como um
Centro de Atenção porque eles mantinham as modalidades todas de atendimento do
CAPS, só foi reformulado o projeto deslocando o psiquiatra para o Centro, embora não
simplesmente dessa forma, é claro.”
As atividades desenvolvidas na Clínica de Psicologia se tornaram possíveis
através de repasse de verbas pelo SUS, conforme a Portaria 189 do Ministério da Saúde,
datada de 19/11/1991, que altera o financiamento das ações e serviços de saúde mental.
Como “política pública se faz conhecer quando se define o seu financiamento”303, os
discursos pela introdução de práticas alternativas à terapia medicamentosa e asilar
puderam passar à prática através desta portaria pela qual foram incluídos na tabela de
remuneração do SUS novos procedimentos na atenção em saúde mental, como os
atendimentos em Núcleos de Atenção Psicossocial e os Centros de Atenção Psicossocial
(NAPS e CAPS), além do atendimento em Oficinas Terapêuticas, definidas como:
Atividades grupais (no mínimo 5 e no máximo 15 pacientes) de
socialização, expressão e inserção social, com duração mínima de 2
(duas) horas, executadas por profissional de nível médio [ou superior],
através de atividades como: carpintaria, costura, teatro, cerâmica,
artesanato, artes plásticas, requerendo material de consumo específico
de acordo com a natureza da oficina. Serão realizadas em serviços
extra-hospitalares, que contenham equipe mínima composta por quatro
profissionais de nível superior, devidamente cadastrados no SAI para a
execução deste tipo de atividade.304
303
304
Anexo I da Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
Portaria/SNAS 189 de 19/11/1991.
142
REAVALIAR A VERDADE DA LOUCURA E REINSCREVE-LA NA SOCIEDADE
O conceito de homem que permeia cliente e profissional é o de um
homem portador de um germe, do vírus, do vício, da loucura e de
sintomas renitentes. Esta suposta natureza tem como destino ser
adormecida por remédios, consultas, sessões, conselhos,
interpretações: uma espécie de anestesia medicinal.305
Com a desospitalização, anuncia-se um espaço para a fala da loucura no qual
ele será reinserido na multiplicidade das relações sociais e, por outro lado, atendido por
equipes multidisciplinares.
Com a criação das Unidades Básicas de Saúde Mental na rede pública têm
início as ações extra-hospitalares, que vão se revelar em novas formas terapêuticas e na
entrada de outros profissionais para lidar com a saúde mental. A ênfase passa para ações
de atenção primárias. Conforme França, a nova política de recursos humanos, hospitalar
e ambulatorial viria reconstruir o objeto saúde mental e colocar em questão a existência
dos pacientes e da sociedade. “Esta política de saúde implica mudanças profundas no
trabalho e nos códigos psiquiátricos, jurídicos e culturais que circunscrevem a
loucura.”306
A psiquiatria se desloca para o pólo preventivo e se debruça, segundo França,
sobre as inter-relações humanas, como objeto privilegiado de intervenção. A
transformação na rede de saúde mental segue o saber originado a partir nos anos
sessenta na França, Itália e Inglaterra que visa desarticular os manicômios, o que exige o
entendimento, no Brasil, da normatização sobre a loucura e as suas instituições.
Doravante, o desafio é a reinserção do doente mental na sociedade.
Cada instituição, mesmo a familiar, tem seus procedimentos que, no contexto
da reforma psiquiátrica, precisam ser desmontados. Conforme França, trata-se de uma
conquista política, social e teórica, pois rompe com o paradigma psiquiátrico da relação
médico/paciente sustentado em ações que visam a cura.
Não se visa mais a questão da cura mental, mas a possibilidade de convivência
do usuário no meio familiar e social, participar do ambiente das trocas materiais,
emocionais e assumir os próprios papéis sociais. Com o fim dos manicômios, a
305
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 93
306
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 70.
143
necessidade do fim do estigma da loucura, um longo trabalho a ser realizado com as
instituições da loucura, com os familiares, a sociedade, os profissionais da saúde e com
o próprio ex-interno.
Ora, fala-se agora de relacionamento com o corpo social, não mais de cura do
corpo físico. Daí a necessidade de mobilização da sociedade, do paciente e de todo o
sistema de saúde, além de uma ampliação das possibilidades de vida.
O trabalho terapêutico encaminha-se no sentido de produzir outras
quantidade e qualidades de trocas sociais, e de assumir responsabilidades
na produção de novo projeto institucional. Tal fato visa ampliar os campos
de existência dos pacientes e entende que estes são sujeitos ativos e não
meramente objetos da ação institucional. São atores sociais com direitos
jurídicos que podem movimentar papéis e inventar espaços onde possam se
expressar e se fazerem sujeitos livres.307
Conforme França, no processo de recuperação social dos doentes mentais, as
estratégias institucionais vão destinar mais poder à medicina, no projeto medicalizador
da sociedade, de modo a controlar o comportamento desviante.308 Há uma remodelação
do objeto da prática psiquiátrica, uma redefinição de seu conteúdo e de sua condição de
verdade. A problematização da prática incide ao mesmo tempo no repensar do objeto –
ainda mais a loucura, objetivizada pelas práticas institucionais desde há séculos.
Há o reordenamento do poder e do saber sobre os corpos no século XX, com o
biopoder
309
, novas práticas se iniciam mas é preciso repensar a racionalidade que define
o atual status da doença mental, que, afinal, não mudou tanto assim, como observa
França. A forma de atuação da medicina mudou, mas para permanecer sua soberania
sobre os corpos.310
Esse modo de ação na rede pública estende o espaço de atuação médico
psiquiátrica, mas novamente se tem em foco a normalização social. A vigilância dos
comportamentos sob o nome de prevenção. Dá-se à loucura um novo espaço e a
psiquiatria abre nova etapa de validação, vinculada à modernidade, para não ser
esmagada pelo estigma de prática exclusiva.311
307
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 71.
308
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 78
309
Segundo Foucault, o biopoder é uma forma de afirmação de soberania do Estado sobre o corpo dos
indivíduos, o poder sobre a vida.
310
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 79.
311
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 80.
144
Segundo França, essa reordenação das práticas psiquiátricas em torno de
outros discursos e objetos visa a sua manutenção legal. A expansão da psiquiatria para o
espaço social, visando adaptá-la a novos discursos, leva à convivência com outras
disciplinas, como a psicologia e a terapia ocupacional, o que exige novas práticas, a
incorporação de conceitos, o entendimento também dos sofrimentos da alma.
A psicologia surge como disciplina para reger o espaço das inter-relações
humanas. Com a multiplicidade de profissionais e discursos envolvidos nas atividades
da rede de atenção à saúde mental, também aumentam as “instâncias de regulação dos
corpos”312 e desenvolvem-se outros saberes sobre a existência da loucura; esta, por si,
recebe outros espaços para expressar a sua verdade, avaliados de forma diferenciada, em
diferentes momentos de atendimento.
Os princípios para a ação humana continuam sendo ditados pela instituição de
saúde. Segundo França, a multiplicidade de atendimentos por profissionais e ambientes
variados, como o CAPS, a centros de atendimento de saúde e a enfermaria no hospital
geral se sustentam na idéia de individualização dos corpos. “Assim, produzem-se
práticas institucionais que objetivam organizar o múltiplo a fim de dominá-lo, criando
campos de assujeitamento para um modelo de constituição de si mesmo fundamentado
no conhecimento científico e em códigos morais universalizantes.”313
Com o ambulatório, modifica-se a forma de tratar, ou seja, as práticas que
objetivam a loucura. Segundo França, a psiquiatria também deve reconhecer que no
mundo da loucura existe a participação econômico-política e inconsciente-libidinal, o
que exige projetos institucionais que visem o mundo dos afetos e das relações sociais.314
Outros profissionais passam a pensar a loucura, como os psicólogos,
sociólogos e antropólogos, e a problematizam em suas dimensões de análise, diversas
do ato clínico, que vão ter um olhar para com o louco, não como um corpo, mas um
sujeito com uma história singular. Neste ponto, há divergência quanto ao pensamento
de Foucault sobre a subjetividade, construída a partir das relações do sujeito, ou seja, ele
se preocupa com as práticas que constituem a loucura e não com o louco em si.
312
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 82.
313
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 88.
314
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 100.
145
A fim de evitar a volta dos modelos anteriores de tratamento da loucura como
doença é necessário que os profissionais de saúde produzam novos usos do espaço
institucional e entendam o seu objeto na dimensão política.315
O próprio usuário – como o próprio nome sugere, ao que substitui o termo
“paciente”, aquele que sofre a ação – passa a ter participação decisiva no momento da
utilização dos serviços de atenção à saúde mental. É uma modificação terminológica, ao
lado de uma modificação social e de atitudes para com a loucura.
A medicação, a partir da reforma psiquiátrica no Brasil, representa a
alternativa de domínio do racional, quando a loucura lhe escapa, com o fim do cárcere.
A lógica em vigor passa a ser a das relações. Permanece a medicação, que media as
relações do louco com o mundo. Assim, de algum modo ainda silenciada, a diferença
continua não se expressando como na época crítica.
MUDANÇAS NAS PRÁTICAS TERAPÊUTICAS PSIQUIÁTRICAS
As práticas médicas relativas à loucura no Brasil parecem desde o início
ocorrer com grande atraso temporal com relação às práticas existentes na Europa. O
mote da internação maciça com a função de limpeza moral da cidade acontece, no
Brasil, a partir da metade do século XIX, seguindo o modelo francês. A própria
construção do saber médico sobre a loucura no Brasil só foi iniciada após a constituição
dos asilos em 1881.
Tem-se, portanto determinações legais que se adiantam ao desenvolvimento do
saber e da prática médica no Brasil, prática que permanece no século XX, salvo raras
exceções, nas capitais dos estados. Em Uberlândia, observa-se a mesma tendência de
efetivação das reforma psiquiátrica a partir da lei.
O início das terapêuticas voltadas para a expressão por meio da arte foi
relativamente tardio, se comparado à aplicação da arte terapia em São Paulo, na década
de 1920 e Rio de Janeiro em torno de 1940. Vários fatores contribuíram para isso, como
o caráter institucional diferenciado, a localização da cidade, a situação sócio-políticoeconômica do município, sua história, a história do saber, além do histórico da atuação
de profissionais voltados para esta vertente terapêutica.
315
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental ..., São Paulo, PUC, 1994 (Tese de
Doutorado) p. 131.
146
Segundo o Instituto Franco Basaglia e as normas internacionais, o parâmetro
designa a necessidade de um CAPS para cada 250 mil habitantes316, o que coloca
Uberlândia numa situação privilegiada em termos de rede de atenção psicossocial, pois
conta, para uma população em torno de 600 mil habitantes, com quatro Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS) Adulto, um CAPS infantil e também um CAPS de
atendimento à Dependência Química e Álcool (CAPS-AD). “Nessas unidades trabalham
equipes interdisciplinares: psicólogos, assistentes sociais, psiquiatras, enfermeiros,
técnicos de enfermagem, auxiliares administrativos e auxiliares de serviços gerais.”317
Segundo a professora Maria Lúcia Romera, as oficinas terapêuticas tinham
como objetivo a comunicação do usuário/paciente com o exterior, a expressão de sua
vida interna. Eram um espaço de manifestação e câmbio. Na linguagem da entrevistada,
tratava-se de pacientes, talvez por serem, na época, pessoas que eram internadas
repetidas vezes na enfermaria psiquiátrica ou que acorriam aos ambulatórios, em
períodos de crise, participando das oficinas em situações de comportamento mais
acessível.
As condições que ensejaram o início do uso da arte terapêutica parecem ser
relativas ao desenvolvimento do campo de saber da psicologia na cidade de Uberlândia:
o curso de Psicologia na UFU, o Doutorado de Maria Lúcia C. Romera, que a fez ter
contato com terapêuticas diferenciadas em psiquiatria, a atuação dos profissionais
ligados à Oficina de Psicologia.
A permissão da fala da loucura, através das terapêuticas extra-hospitalares,
influi na construção da subjetividade da loucura. As oficinas terapêuticas, como espaço
de convivência/relação, são experiências cotidianas nos CAPS. Entretanto, também se
constituem numa prática muito nova que se insere no ambiente da implantação da
reforma psiquiátrica no Brasil, iniciada na década de 1970 num movimento de
conotação corporativista dos profissionais de saúde. Como precursora desta prática
institucionalizada por lei na rede extra-hospitalar está a experiência realizada na Clínica
de Psicologia da UFU, de 1991 a 1998.
316
Fernando Tenório. A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e
conceito'. Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/hscience/index_port.htm
317
Viviane Prado Buiatti Marçal. A queixa escolar nos ambulatórios de saúde mental da rede pública de
Uberlândia: práticas e concepções dos psicólogos, p. 80.
147
A seguir, são elencados fatores que levaram a essa relativa demora na
utilização da arte como terapêutica com pacientes psiquiátricos em Uberlândia318, em
vista do contexto histórico-social e suas determinações.
Ao examinar as fontes orais sobre as oficinas terapêuticas na Clínica de
Psicologia da UFU, entre 1991 e 1998, teve-se o intuito de identificar o contexto em que
o campo de saber sobre a arte terapia pôde se desenvolver na instituição e como foi
possível promover essa prática da arte. Tem-se, como hipótese, que as oficinas que
deram espaço à verdade da loucura foram criadas por iniciativa pessoal, ligada a
condições sócio-históricas de abertura institucional, de desenvolvimento do saber
psicológico e de recepção de recursos através de determinação legal.
Paralelamente ao saber médico em vigor, a chamada medicina conservadora,
encontram-se as oficinas terapêuticas realizadas no período 1991-1998, imediatamente
antes da edição da Lei Federal 10.216 de 2001319, o que pode ser considerado como
prova de que a atuação de profissionais com intenção de oferecer terapêuticas
alternativas ao modelo biológico antecipa-se à determinação oficial também em
Uberlândia; um aparte refere-se ao fato de que a Clínica de Psicologia somente tenha
iniciado as oficinas com usuários amparada no dispositivo de financiamento da rede de
saúde mental, representado pela Portaria 189 de 1991.
A PRÁTICA DA ARTE TERAPIA NA CLÍNICA DE PSICOLOGIA
DISCUSSÃO DOS ELEMENTOS
Neste momento de discussão das fontes em confronto com o espectro teórico
envolvido, chega-se a compreender, dentro do emaranhado de posições em torno da
loucura, que a realização das oficinas passa pelo campo epistemológico da ação de um
grupo de sujeitos interessados na sua realização – a construção de subjetividade, pelo
318
A pesquisa sobre a utilização da arte como forma terapêutica para os pacientes psiquiátricos, no
Brasil, iniciou-se com Osório César, no final da década de 20. Nos anos 40, foi a vez de Nise da Silveira
iniciar o trabalho nacionalmente conhecido no Hospital de Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Houve
outras pesquisas, como de Ulisses Pernambucano, pelo Brasil e a arte terapia avançou muito. Entretanto,
ela só se instala em Uberlândia a partir de um contexto específico, mas principalmente motivada pela
municipalização da rede de atenção à saúde mental e da legislação que destina verbas específicas do SUS
para a realização de oficinas terapêuticas, através da Portaria de 1991. Segundo Serrano, antes de
conhecer a psiquiatria, as pessoas tentavam resolver seus conflitos através de rituais e solidariedade, na
sua própria cultura. Esta forma de lidar com os conflitos naturais das relações foi fragilizada com a
introdução de outras culturas.
319
Lei que desarticula oficialmente o sistema asilar no Brasil, pela redução das verbas destinadas aos
hospitais psiquiátricos particulares e regulamentação e redireciona o modelo assistencial à saúde mental
no país.
148
desenvolvimento do campo de saber da psicologia e da arte terapia, e pela chancela do
Estado.
Este trabalho, assim, é a reconstrução de uma experiência terapêutica ocorrida
nos anos 90, retratada através de entrevistas com médicos, terapeutas ocupacionais e
psicólogos. Sobre o uso da arte como terapêutica nos diferentes equipamentos de saúde,
há os discursos da coordenadora das oficinas terapêuticas; o discurso oficial do diretor
administrativo do hospital de clínicas nos quais os usuários das oficinas eram atendidos
em situações de crise; o discurso médico dos profissionais de saúde que os atendia no
hospital; o discurso terapêutico da terapeuta ocupacional que ministrava oficinas
durante os períodos de internação no hospital; e o discurso da referência em saúde
mental do governo do estado, encarregada de vistoriar os atendimentos aos pacientes
psiquiátricos na rede de atenção à saúde mental. Soma-se a eles a coletânea da
Legislação em Saúde Mental, um discurso que às vezes corrobora o que dizem as fontes
e as práticas; noutras, as institui.
Pode-se medir a distâncias entre esses discursos, tal como sugere Foucault320,
confrontá-los, analisar as definições existentes nos depoimentos, reencontrar seu jogo e
encontrar neles os indícios das relações de poder e de saber já expressos na relação
medicina-Estado anunciados no capítulo sobre a análise da legislação sobre a psiquiatria
no Brasil.
As entrevistas foram, em sua totalidade, realizadas com pessoas de formação
educacional superior, detentoras de cargos relacionados às áreas de saúde e/ou
educação. Portanto, refletem com perfeição a hipótese que se mantém, da vinculação
saber-poder e da tese de França321 sobre a existência de práticas psiquiátricas em
atendimento à legislação pertinente. Já segundo Cunha, a psiquiatria também teve
influência sobre a política nacional, principalmente nos anos 30.
Em meio a uma quase ausência de documentos escritos, pois a investigação
resultou em entrevistas sobre o foco da pesquisa, o que se pôde averiguar foi relativo à
sujeição do objeto à legislação. A entrevista é a narração do fato. Entre o fato e o dizer
dele há uma lacuna, o discurso do fazer e o discurso do que foi feito são etapas
diferentes que compõe a memória e o agir.
320
Michel Foucault, Eu, Pierre Rivière. Rio de Janeiro: Graal, 1977. p. XII-XIII
Sonia A. M. França, Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de saúde
pública, São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado)
321
149
O discurso sobre a loucura é analisado tendo por base entrevistas que
ocorreram sete anos após o fim das oficinas, o que constitui tempo para elaborar e
reelaborar a memória sobre o fato presenciado, o que gera um tipo de discurso mais
refinado – estando algumas fontes ligadas ao ensino e à pesquisa – vinculadas ao campo
de saber.
Em História, estuda-se o ato e o seu significado. A produção de significado
depende do sujeito que o elabora. Discute-se a produção de significado na instituição
hospitalar, com suas práticas terapêuticas diversas, a prática da terapia ocupacional
através da pintura e as oficinas terapêuticas 1991-1998. Pensa-se a produção de
significado dos pacientes ao realizarem as suas gravuras. Segundo a fala das fontes,
compreende-se a atividade dos pacientes em arte terapia não a partir de uma teoria
estética, ou psicanalítica ou como índices para diagnóstico fisio-patológico; pensa-se a
imagem como expressão de sensibilidade, a expressão do ser humano aliado aos
mecanismos que ele possui no momento em que pinta/age e que lhe são, ali,
conscientes. Não se pensa unicamente na inserção psico-social; investiga-se esta forma
de expressão a ocupar um momento da existência do usuário, como possibilidade
terapêutica “não-invasiva” que possibilita a sua comunicação com o exterior.
No século XX, com a liberdade de manifestação artística, permanece a
discussão em torno da construção das subjetividades levantada por Foucault a partir dos
anos 50.
A produção de significado do paciente sobre o material que transforma e pode
ser chamado de obra de arte é uma experiência estética espontânea, um momento de
elaboração íntima e de contato com objetos reais do mundo.
O louco não categoriza a arte; sobre o conteúdo que nela estará disposto, há
uma elaboração de conteúdos internos dele; é uma ação intencional, espontânea que se
faz por instrumentos físicos, o que comunica uma realidade interna – que pode ser uma
realidade, uma representação do paciente ou apenas uma fantasia, que por seu turno
pode ser uma crença dele como verdade, ou apenas algo que ele propõe como elemento
de criatividade.
150
CONCLUSÃO
É muitas vezes mediante uma atitude não-moralista
e não-convencional no tratamento dos psicóticos
que podemos ser de maior utilidade.
Andrew Crowcroft
Segundo Foucault, a fala do louco foi interditada, a princípio, com o
nascimento da crítica, representada pelo racionalismo de Descartes e depois com o
desenvolvimento do saber médico, através a psiquiatria, a quem os loucos foram
entregues, oficialmente. Esse discurso da loucura estava presente nos asilos, mas não
era ouvida; após o advento da psicanálise, passou a ser aceita, em sessões de análise
verbal e de terapêuticas diversas, por diferentes profissionais. Observa-se que, com as
transformações sócio-históricas ocorridas no final do século XX, a fala da loucura
encontra expressão pela arte e é convidada a voltar ao palco, à tragédia da vida
cotidiana; este fato parece ocorrer no Hospital de Clínicas da Universidade Federal de
Uberlândia especificamente através de modificações ocorridas na legislação sobre a
loucura no Brasil, enquanto que em instituições não vinculadas diretamente ao hospital
universitário, como a Clínica de Psicologia, a sua expressão ocorre previamente à
obrigatoriedade prevista em lei.
Chama a atenção o processo de exclusão social da loucura ser sedimentado em
decorrência do desenvolvimento do saber-poder psiquiátrico vinculado à determinação
oficial do Estado desde as suas origens na França do século XVII, e hoje questionado
pelas diversas ciências, como a psicologia, a filosofia e mesmo pelo movimento da antipsiquiatria.
As oficinas terapêuticas com utilização da arte para pacientes psiquiátricos em
Uberlândia corroboram a teoria de França322, de que o discurso oficial, no Brasil, define
as práticas médicas. Para entender a legitimação da psiquiatria pela legislação no Brasil,
importa visualizar o objeto das ações de saúde mental na dimensão política – uma vez
que o objeto não existe sem a prática – em vez de naturalizá-lo como doença, o que abre
novas inscrições para a prática clínica. As práticas engendram os saberes articulados a
regime de verdade. Os profissionais de saúde estabelecem um modo de relação com a
322
Sonia Aparecida Moreira França. Diálogos com as práticas de saúde mental desenvolvidas na rede de
saúde pública. São Paulo, PUC, 1994 (Tese de Doutorado)
151
verdade, a fim de legitimarem suas práticas e daí a mudança na psiquiatria, para
adaptar-se à Reforma no Brasil.
As práticas médicas-psiquiátricas de saúde produzem ações e discursos. Por
sua vez, essas práticas podem ser direcionadas ideologicamente para o controle ou para
a multiplicidade do ser.
Conforme França, há que se entender esse intercâmbio do poder sobre os
corpos dos doentes como regulado tanto por leis como por um campo de saber; por
outro lado, a medicina seria o instrumento pelo qual o Estado espalharia sua presença
pelo país. Ambos, Estado e medicina, comunicam-se pelo eixo da saúde da população a
partir do momento em que o Estado assume a saúde como questão pública.
Como discutido nos capítulos anteriores, as mudanças ocorridas na área de
saúde levaram à municipalização das ações de saúde mental, na década de 90.
Entendemos que a configuração da rede de atenção à saúde mental hoje existente foi
tecida através de um movimento conjunto de profissionais, usuários e familiares, o que
parece ter sido importante para a consolidação de terapêuticas mais humanizadoras e
para a luta por melhorias no atendimento em saúde mental.
A legislação da saúde mental no Brasil é a expressão positiva da teoria
reformista de Basaglia, embora não tenha advindo de sindicatos de trabalhadores e da
comunidade, como foi na reforma italiana, mas do movimento de profissionais de saúde
a partir dos anos 70, quando o psiquiatra italiano fez uma série de conferências no país.
Tal movimento levou a luta antimanicomial para a sociedade e teve por meta a
reintegração do agora, usuário de serviços ao corpo social, em todas as suas nuances:
cultural, educacional, familiar, laboral e política.
Além disso, ainda se pode destacar o desenvolvimento interno do usuário, a
troca com o exterior, o social, o dinamismo das atividades, as quais a arte integra.
Pesquisou-se a arte por ser a atividade divulgada pela mídia na época como
desenvolvida com os pacientes psiquiátricos. Tinha-se como foco o Hospital de Clínicas
e, com o desenvolvimento da pesquisa, percebemos a importância das oficinas na
Clínica de Psicologia na implementação cotidiana destas mudanças.
Foi um percurso diferente, mas como se fosse necessário só encontrar o que se
procurava no final da trajetória. Não fosse isso, talvez não tivesse sido feita a grande
pesquisa bibliográfica e a gama de entrevistas, tendo o hospital como espaço
privilegiado da constituição do objeto da loucura.
152
As oficinas aqui estudadas prenunciaram a forma de atendimento que
posteriormente viria se instalar na rede de atenção à saúde mental, que é o oferecimento
de atividades terapêuticas nos CAPS, por determinação de lei federal. Foram, portanto,
iniciativa pioneira de profissionais fora do círculo médico, no intuito de oferecer um
espaço para reelaboração de conteúdos internos e convivência ao paciente psiquiátrico,
na época.
Por fim, abordou-se o aspecto de o quão determinante foi a legislação na
experiência com oficinas terapêuticas em Uberlândia, enquanto forma de destinação de
recursos para sua efetiva realização. O saber sobre a loucura abre brechas para a
realização/aceitação no Brasil de novas práticas que abram espaço para a fala da
loucura. Esse espaço é garantido pela entrada de outros profissionais da área de saúde,
que vão discutir a questão da loucura na II e III Conferências Nacionais de Saúde
Mental. Esta última marcou a efetivação da reforma psiquiátrica brasileira; foram
movimentos de luta por modificações no tratamento e melhores condições de trabalho,
seguindo o modelo antimanicomial italiano e os teóricos franceses Guattari, Foucault e
Derrida.
Como instituição de ensino, vinculada à produção de saber, a prática da arte
terapia somente passou a ser praticada regularmente na enfermaria psiquiátrica do
Hospital de Clínicas após alterações na legislação regulamentadora dos serviços de
saúde mental, com a entrada de uma terapeuta ocupacional na instituição, em 1996.
A reinserção da loucura na sociedade se dá, no Brasil, por meio da legislação,
quando proíbe as internações involuntárias, corta o pagamento aos hospitais
psiquiátricos privados e determina as condições para o funcionamento de serviços de
atenção á saúde mental, inclusive abrindo espaços para profissionais de outras áreas.
As oficinas 1991-1998 ocorreram antes da lei de 2001, que extinguiu o sistema
asilar no Brasil com o corte de verbas públicas às instituições; portanto, se constituíram
numa prática pioneira, antecipando o que aconteceria em instituições como o CAPS.
Elas foram uma alternativa ao modelo biológico de entendimento e tratamento da
loucura. As oficinas se iniciaram também antes dos trabalhos de terapia ocupacional no
Hospital de Clínicas, o que pode ser entendido pelo entrave burocrático que preside as
instituições públicas.
As oficinas e as mudanças introduzidas pela legislação na rede de saúde
mental propiciaram o retorno do reconhecimento da verdade da loucura, seja pelos
concursos de arte realizados por empresas e entidades; pelas atividades sociais
153
organizadas por médicos e terapeutas, e nos quais os usuários exercitam a sua
participação no mundo social; no retorno à família, às atividades cotidianas na medida
do possível, com acompanhamento psiquiátrico, medicamentoso, mas também pela
atenção de outros campos de saber à sua existência; pelas atividades do ex-interno
Austregésilo Carrano no Congresso, pelo Movimento de Luta Antimanicomial; pelas
manifestações artísticas do Trem de Doido em Uberlândia.
Percebe-se que a verdade da loucura é a sua expressão por meio do convívio, é
a volta da tragédia em seu grupo cotidiano. Nesse retorno da verdade da loucura, ela
pode ser vista novamente pela sociedade nas obras de arte – para as quais há que se
refletir sobre a validade da exposição como divulgadora de um sofrimento ou de efeito
pedagógico para com o mundo “normal” – como quadros, poesias, textos, esculturas,
teatro, música e participação política nos meios de discussão legislativa.
A loucura também volta como objeto de saber, tanto é que aumentou o número
de produções sobre a loucura no final do século XX nas universidades brasileiras.
Um dos temas suscitados por este trabalho refere-se à condição de
reconhecimento do ‘louco’ como pessoa, o qual pode ser tema de investigação futura,
como “loucura aparente”, posto que esvaziada ao se relacionar convenientemente com a
noção de produtividade capitalista.
A loucura se constitui nas relações e na cultura. Com a mudança destas,
modifica-se a concepção e as terapêuticas da loucura; portanto, a forma contemporânea
das terapias psiquiátricas segue a forma polifônica da cultura, com a multiplicidade de
formas de expressão e de discursos sobre a aceitação da diferença, em prol da inclusão
social e da cidadania como direito de todos, resguardado pelo Estado. Talvez por isto o
Estado venha a se pronunciar, movido pelos movimentos sociais, antes das mudanças
em instituições como o Hospital de Clínicas.
O fato é que a arte só foi introduzida regularmente como atividade terapêutica
no Hospital de Clínicas em 1996, com a contratação da terapeuta ocupacional. Antes, o
que existia era irregular e sem registros. Nos anos 90 há iniciativas pela cidade, da parte
de psicólogos, sem estrutura de apoio, até que sejam constituídos os CAPS, que
atendem a legislação específica sobre a prática artística. Nesses casos, vê-se que a
determinação estatal anuncia a mudança, ou através do Estado ela se torna possível. Já a
iniciativa da Clínica de Psicologia se adianta às atividades nos CAPS pela influência
obtida pela coordenadora no contato com um grupo que utilizava a abordagem
alternativa ao modelo médico, no sul do país, contato esse mantido por intermédio de
154
pesquisa realizada em curso de doutorado. Portanto, essa iniciativa teve ponto de partida
no interesse profissional do sujeito em incentivar a nova terapêutica em Uberlândia.
Esta iniciativa constitui-se em uma forma de dar espaço ao louco para que se
expresse e seja possível a comunicação dele com o mundo exterior e consigo mesmo. É
uma atitude em consonância com os discursos já citados de construção de subjetividade,
em contraste ao modelo médico que isola o paciente através da via medicamentosa
agressiva e inibe seus canais de expressão.
Hoje se entende o louco como diferente, assimilável dentro da cultura desde
que os equipamentos de saúde, as famílias e a sociedade estejam preparados para
entender as peculiaridades de sua atuação. As condições de vida do louco – o sujeito da
loucura – dependem do acesso aos serviços; logo, é necessário que o Estado facilite a
locomoção e meios de subsistência a ele.
Pudemos perceber como a prática psiquiátrica foi influenciada e mesmo
alterada através das interações e dos movimentos sociais, uma vez que passou a integrar
equipes multiprofissionais de atendimento à saúde mental, não sendo mais a única voz
legitimada no discurso sobre a loucura. Esta que representa uma grande diferença,
também é alvo de manifestações de vários grupos nacionais em prol da aceitação da
diferença e da inserção social, numa franca demonstração de que existe, por intermédio
de algumas partes da sociedade, o interesse de caminhar para a integração social.
Enfim, o trabalho desenvolvido foi sobre a tragédia, a loucura reinserida no
drama da vida, no cotidiano, com suas vicissitudes e desafios, mas entregue à vida
completamente, em todas as suas tonalidades e não mais aos silêncios do manicômio.
No final do século XX, a crítica silencia para que a tragédia retorne ao palco.
155
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A cela
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Bicho de 7 cabeças
Contos proibidos do marquês de Sade (Quills)
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