a prescrição da ação civil pública por dano causado ao erário

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A PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO CAUSADO AO
ERÁRIO
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior1
Palavras chaves: prescrição; ação civil pública; ressarcimento ao erário.
Resumo: a prescrição é um instituto típico das tutelas condenatórias, e como tal,
amplamente utilizável nas ações civis públicas promovidas para reparação dos
danos causados ao erário. Muito embora haja o disposto no art. 37, § 4 o, da
Constituição Federal, que dá margem a uma interpretação gramatical e simplista,
no sentido de serem as ações ressarcitórias de danos ao erário imprescritíveis, a
proposta desta pesquisa é demonstrar que se faz necessário uma interpretação
conglobante, lógica, histórica, sistemática, e, sobretudo razoável, no sentido de se
considerar tais ações como igualmente a mercê da prescrição.
Sumário: 1. Introdução; 2. O que é prescrição?; 2.1. Do fundamento da
prescrição; 2.2. As diferenças entre prescrição e decadência; 2.3. Das ações
imprescritíveis; 3. As ações de reparação de danos causados ao erário; 3.1. Da
Imprescritibilidade das ações civis públicas ressarcitórias ao erário; 3.2. Da
prescritibilidade das ações civis públicas ressarcitórias do erário, num prazo de 05
anos; 4. Considerações finais; 5. Bibliografia.
1. Introdução
1
Advogado; Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; Pós-Graduado em Direito das
Relações Sociais; Pós-Graduado em Direito Contratual; Prof. de Direito Civil e Processual Civil da
Associação Educacional Toledo e da FEMA/IMESA; Prof. de Processo Civil Constitucional do curso de PósGraduação da PUC/PR; Prof da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná; Prof. da Escola Superior da
Advocacia de Assis/SP e de Presidente Prudente/SP.
O tema da prescrição, em qualquer ambiente jurídico, é extremamente
complexo e discutível. Não sem razão Washington de Barros Monteiro2 pondera
que “dentre todos os institutos jurídicos, o da prescrição foi provavelmente o que
mais se prestou às especulações filosóficas. Já na antiguidade, divergiram a seu
respeito os pontos de vista”.
Instituto disciplinado em regra pelo Direito Civil3, repercute em todas as
matérias jurídicas, inclusive quando se fala de interesse da Fazenda Pública.
Deveras, as ações que a Fazenda pode promover, e as ações que podem lhe ser
promovidas, contam sempre com prazos prescricionais.
No entanto, há várias posições, sobretudo nos quadros do Ministério
Público nacional, notadamente em arrazoados de ações civis públicas de
indenização por atos de improbidade causadores de danos ao erário, entendendo
que tais pedidos são imprescritíveis. Sustentam essa tese por uma interpretação
literal da Constituição Federal, que no seu art. 37, § 5º, prevê:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
........
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por
qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas
as respectivas ações de ressarcimento.
A tese defendida pelos adeptos da teoria da imprescritibilidade das ações
de danos causados ao erário, em casos de improbidade administrativa, é
aparentemente simples: a Constituição disse que a lei estabeleceria os prazos de
prescrição para atos ilícitos, “ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
Logo, todo ato de improbidade administrativa seria passível de prescrição,
cujos prazos seriam fixados em lei infraconstitucional. No entanto, ressalva-se “as
respectivas ações de ressarcimento”. Portanto, estas ações seriam imprescritíveis.
2
Curso de direito civil, 39ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 331.
Com essa afirmação não nos esquecemos que o tema da prescrição é tratado também pelo Direito Penal,
pelo Direito Tributário etc.
3
A proposta deste trabalho é demonstrar que a intenção do constituinte não
foi criar uma ação imprescritível. Neste passo, as ações indenizatórias por danos
causados ao erário, em razão de atos de improbidade administrativa, são, sim,
passíveis de prescrição.
Para tanto, num primeiro momento haverá a busca dum conceito de
prescrição, diferenciando-a dos demais institutos similares.
Após isso, far-se-á uma análise dos atos de improbidade administrativa que
podem causar danos ao erário.
E, finalmente, conjugando os dois institutos, defender-se-á a tese da
prescritibilidade das ações deste tomo.
2. O que é prescrição?
A palavra prescrição procede do vocábulo latino praescriptio, derivado do
verbo praescribere, formado de prae e scribere, com a significação de escrever
antes ou no começo (LEAL, 1939, p. 09).
Sua origem aparentemente remonta à romana Lei Aebutia, no ano 520 D.C.
Nesta época4, quando um litigante levava uma pretensão para ser resolvida ao
pretor romano, este designava um magistrado para solucionar o litígio, que
predeterminava a orientação do julgamento de acordo com as fórmulas
preordenadas. Pela Lei Aebutia, o pretor foi investido do poder de criar ações e
fórmulas que não tivessem previsão no direito honorário, fixando, contudo, um
prazo para sua duração, dando origem as chamadas ações temporárias. Antônio
Luiz da Câmara Leal (1939, p. 10) explica:
4
Esta fase corresponde à segunda época da evolução da processualística romana, denominada de período
formulário. As formas processuais romanas não foram uniformes no tempo, pois houve basicamente 03 (três)
estágios evolutivos, quais sejam: “o sistema da ação das leis”, ou “legis actiones”; o “sistema formulário”; e o
sistema da “cognitio extraordinária”, cada um com características diferentes entre si.
Ao estatuir a fórmula, e a ação era temporária, ele fazia preceder de uma parte
introdutória, em que determinava ao juiz a absolvição do réu, se estivesse extinto
o prazo de duração da ação. Essa parte preliminar da fórmula, por anteceder a
esta, se dava a denominação de praescriptio
Como se vê, esse termo praescriptio nenhuma relação direta tinha com o
conteúdo da determinação do pretor, mas derivava do caráter introdutório dessa
determinação, porque era escrita antes, ou o começo da fórmula.
Deste modo, caso um litigante demandasse uma “ação temporária” cujo
prazo estivesse expirado, o pretor sequer enviava a questão para o magistrado,
“pré-escrevendo” a inexistência da ação. Eis o embrião da prescrição extintiva de
direitos moderna.
Modernamente, em linhas gerais, entende-se a prescrição extintiva como a
exceção que alguém tem contra aquele que não exercitou durante certo tempo
fixado em regra jurídica a sua pretensão5. Contudo, esse conceito é recente.
Muito se discutiu sobre as conseqüências advindas pela prescrição. A doutrina
civilista alemã do início do século XX, por exemplo, advogava a tese de que a
prescrição fulminava o direito às ações judiciais, como direito público, subjetivo,
autônomo e abstrato. Já os civilistas italianos e franceses eram adeptos da tese
de que a prescrição aniquilava o próprio direito em tese.6
Todavia, Pontes de Miranda (1971, v. VI, p. 131) já alertava que prescrição
atingia, na verdade, a pretensão a uma ação válida. A propósito:
5
Neste trabalho nos preocuparemos apenas com a prescrição extintiva de direitos. Mas, sabe-se, há as
denominas prescrições aquisitivas de direito, em que o decurso do prazo fixado em lei leva ao prescribente a
aquisição de direitos, como, v.g., a usucapião. No entanto, Antônio Luiz da Câmara Leal (1939, p. 11-14)
refuta a tese de que a usucapião seja prescrição. Leciona que no direito romano inicialmente fora criada a
prescrição das ações reivindicatórias de propriedade, concedendo ao possuidor com justo título e boa fé,
exceção obstativa da reivindicação do proprietário se sua posse datava dez anos entre presentes ou vinte anos
entre ausentes. A isso se deu o nome de praescriptio, semelhante ao que sucedia com a exceção extintiva da
ação temporária pelo decurso do prazo de sua duração. No entanto, a usucapião estava prevista
autonomamente na Lei das XII Tábuas, conferindo aos cidadãos romanos a aquisição da propriedade pelo uso
da coisa pelo prazo de dois anos, se imobiliária. Logo, vê-se que eram assuntos diversos. A usucapião,
originariamente, não era praescriptio. Isso só se modificou com Justiniano, que unificou os institutos,
concedendo à longa duração da posse extintiva da reivindicatória o mesmo efeito da usucapião, havendo
confusão dos termos praescriptio e usucapiones. Para o citado autor, usucapião e prescrição não podem ser a
mesma coisa. A primeira tem por objeto apenas a propriedade, na esfera estritamente civil, sem repercussão
comercial, com elementos próprios como justo título e boa-fé. Já a prescrição tem objeto pretensões diversas,
estendendo-se por isso a todos os departamentos do direito. Suas condições elementares são a inércia e o
tempo, e seu principal objetivo é “extinguir as ações”.
6
Entre os adeptos da primeira corrente encontra-se Planch, Zachariae, Mackeldey, Barassi e, entre nós, Alves
Moreira, Espínola e Clóvis Bevilácqua. Já entre os sectários da corrente ítalo-francesa tem-se Ruggiero, Colin
e Capitant, e entre nós Carvalho Mendonça (apud LEAL, 1939/16).
A prescrição não atinge, de regra, somente a ação; atinge a pretensão, cobrindo
a eficácia da pretensão e, pois, do direito, quer quanto à ação, quer quanto ao
exercício do direito mediante cobrança direta (aliter, alegação de compensação,
que depois estudaremos), ou outra manifestação pretensional.
Portanto, a prescrição não fulmina nem o direito, nem o exercício de uma
ação, posto que pode haver ações de direitos prescritos, que embora “inválidas”,
são possíveis. Tanto é assim que se alguém paga judicialmente uma dívida
prescrita, o juiz não pode conhecer de ofício essa prescrição7, nem tampouco
aquele que pagou a dívida prescrita poderá recobrá-la8. Neste passo, mesmo
tendo havido prescrição, houve ação, e inclusive com efeitos concretos no mundo
fático.
Ademais, conforme o Código Civil brasileiro (Lei 10.406, de 10-01-2002),
“violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela
prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”9. Neste desdobramento, o
legislador, categoricamente, disse que a prescrição fulmina a pretensão à
preservação de um direito.
Essa proposta legislativa vem ao encontro da melhor doutrina, que
reconhece na prescrição a perda à pretensão10 valida do exercício judicial de um
direito pelo decurso do prazo fixado em lei.
2.1. Do fundamento da prescrição
Muito se discute sobre o fundamento jurídico da prescrição. Para Coviello,
seu principal fundamento é a força destruidora do tempo, ao passo que Savigny
7
Salvo se se tratar de interesse de incapaz, nos termos do art. 194, do Código Civil brasileiro (Lei 10.406, de
10-01-2002): “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente
incapaz.”
8
Código Civil brasileiro, art. 882: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou
cumprir obrigação judicialmente inexigível.”
9
Lei 10.406, de 10-01-2002, art. 189.
10
Por pretensão entenda-se o poder de exigir de outrem, coercitivamente, o cumprimento de um dever
jurídico. Em outras palavras, pode-se dizer que pretensão é a possibilidade conferida ao credor de exigir do
devedor o cumprimento da prestação. É o que os alemães chamam de Anspruch (STOLZE, 2002/478)
estabelece que a prescrição se fulcra no castigo à negligência (apud LEAL, 1939,
p. 21).
Outros, como Carvalho Mendonça, preferem a tese de que na prescrição
ocorre a presunção de abandono ou renúncia do direito (LEAL, op. cit., p. 22).
Essa negligência temporal equiparar-se-ia à renúncia da própria pretensão, pois
as relações humanas devem ter caráter temporal (VALLE, 1918, p. 06). Neste
sentido as lições de Numa P. do Valle (op. cit., p. 06):
Eis como a prescripção tende a legitimar o que é normalmente contrário ao
direito. Ella suppõe no titular do credito a inércia e o abandono de seu direito.
Estabelece-se, então, uma contradição entre o prescribente e o sujeito activo da
obrigação, de modo tal que o direito d’aquelle augmenta á medida que o deste
decresce e attinge o seu maximum quando o do outro se anulla inteiramente.
Poder-se-ia argumentar também, ainda que empiricamente, que a
prescrição visa proteger o devedor ou mesmo diminuir as demandas.
Antônio Luiz da Câmara Leal (1939, p. 23) preconiza que os fundamentos
da prescrição no direito romano eram basicamente três: “necessidade de fixar as
relações jurídicas incertas, evitando as controvérsias; castigo à negligência; e
interesse público”.
Ao nosso sentir, a prescrição, discutida de há muito, tem inegável e
especial efeito pacificador. O seu fundamento maior é a necessidade e a ordem
social (VALLE, 1918, p. 07). Conforme o já citado Pontes de Miranda (Loc. cit), os
prazos prescricionais existem para garantir a paz social:
Os prazos prescricionais servem à paz social e à segurança jurídica. Não
destroem o direito, que é; não cancelam, não apagam as pretensões; apenas,
encobrindo a eficácia da pretensão, atendem à conveniência de que não perdure
por demasiado tempo a exigibilidade ou a acionabilidade. Qual seja essa
duração, tolerada, da eficácia pretensional, ou simplesmente acional, cada
momento da civilização o determina. Os prazos do Código Comercial
correspondem a concepção da vida já ultrapassada; porém o mesmo já se pode
dizer de alguns prazos do Código Civil. A vida corre célere, — mais ainda na era
da máquina.
No mesmo sentido Maria Helena Diniz (1991, p. 202)11, para quem “esse
instituto foi criado como medida de ordem pública para propiciar segurança às
relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade oriunda do
fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado.”
Segundo Planiol (apud VALLE, 1918, p. 11), o motivo que levou a se
introduzir a prescrição extintiva foi o desejo de impedir processos difíceis de serem
julgados, pois no interessa da ordem e da paz social convém liquidar o passado e
evitar contestações sobre contratos e fatos cujos títulos se perderam e cuja
lembrança se acha apagada da memória.
Assim, a rigor, a prescrição existe para garantir a paz social. Portanto, a
existência de prazos imprescritíveis é temerária, na medida em que isso traz ínsita
a insegurança jurídica.
O exercício de um direito não pode ficar pendente indefinidamente. Deve
ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Não ocorrendo isso, perde o
titular a prerrogativa de exigir uma pretensão válida de seu direito (VENOSA,
2002. v. I., p. 611).
2.2. As diferenças entre prescrição e decadência
Instituto similar, porém inegavelmente distinto, é a decadência. Há inegável
confusão entre estes tipos jurídicos. Tanto é assim que o antigo Código Civil
brasileiro (Lei 3071, de 01-01-1916) tratava de ambos sob o nome comum de
prescrição, sequer fazendo menção sobre a decadência.
No entanto, a prescrição não é o mesmo que a decadência.
O vocábulo decadência provém do verbo latino cadere, que significa cair. É
formado pelo prefixo de, que implica dizer de cima; também pela fórmula verbal
cadere, que como visto significa cair; e, finalmente, pelo sufixo entia, que denota
ação ou estado. Deste modo, literalmente, decadência significa dizer ação de cair
ou estado daquilo que caiu.
11
Curso de direito civil brasileiro, 8ª ed., São Paulo: Saraiva, 1991, p. 202
Conforme a linguagem jurídica, foi introduzida para indicar a queda ou o
perecimento do direito pelo decurso do prazo fixado ao seu exercício, sem que
seu titular o tivesse exercido. Apresenta um ponto em comum com a prescrição:
ambas se fundam na inércia continuada de seu titular durante certo lapso de
tempo. Daí serem muitas vezes confundidas.
No entanto, a prescrição extingue a pretensão ao direito de ação válida, ao
passo que a decadência extingue o próprio direito.
Outrossim, o prazo decadencial, que não se suspende, interrompe e nem
possui óbices, inicia-se desde o momento em que o direito nasce; já a prescrição,
cujos prazos são passíveis de impedimentos12, suspensões13 e óbices14, somente
inicia-se quando o direito é violado, ameaçado ou desrespeitado, porque esse
será o momento em que nasce o direito à pretensão válida, contra a qual a
prescrição se dirige.
Um terceiro aspecto que merece consideração: a decadência supõe um
direito que, embora nascido, não se tornou efetivo pela falta de exercício; ao
passo que a prescrição supõe um direito nascido e efetivo, mas que pereceu pela
falta de proteção pela ação, contra a violação sofrida (LEAL, 1939, p.123).
Ainda é digno de nota que os prazos decadenciais podem ser estipulados
livremente pelas partes15, ao passo que os prazos prescricionais estarão sempre
fixados em lei, sendo que se não houver prazo específico aplicar-se-á a regra
geral do art. 205, do Código Civil, que prevê: “a prescrição ocorre em dez anos,
quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.”
Quanto à atuação judicial, o juiz poderá conhecer de ofício a prescrição
somente no interesse de incapaz16; já no respeitante à decadência, o juiz poderá
decretá-la oficiosamente quando o prazo estiver fixado em lei17.
Cabe destaque o fato de que a prescrição não corre contra determinadas
pessoas (ex: entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal18; entre
12
CCB, art. 197 e 198.
CCB, art. 199.
14
CCB, art. 202.
15
Como, por exemplo, os prazos de garantia para aquisição de produtos.
16
CCB, art. 194.
17
CCB, art. 210.
18
CCB, 197, I.
13
ascendentes e descendentes, durante o poder familiar19; contra os menores de
dezesseis anos20; contra os que, por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos21 etc.). Por seu
lado, a decadência corre contra todos, indistintamente.
Admite-se, no entanto, ser extremamente difícil no caso concreto
reconhecer-se quando o prazo é prescricional, ou quando é decadencial, o que,
com o advento do novo Código, restou um pouco mais facilitado.
Agnelo Amorim Filho22 partiu da premissa de que para se reconhecer se um
prazo é decadencial ou não, basta verificar qual a tutela judicial que o protege.
Assim, são prescritíveis as ações condenatórias, sendo que as desconstitutivas
ficam a mercê da decadência, e as declaratórias livres dos dois institutos.
Deste modo, se o direito é protegido mediante uma ação com carga
predominantemente declaratória, seria imune à prescrição ou à decadência.
Fosse o direito protegido mediante tutela condenatória por excelência, falarse-ia de prescrição, ao passo que se o direito fosse defendido mediante tutela
constitutiva ou desconstitutiva, o instituto era a decadência.
Todavia, desde o Código Civil de 2002, há forte tendência em se admitir
que os prazos prescricionais estariam dispostos numerus clausus no art 206,
deste texto. Todo e qualquer outro prazo que estivesse lançado fora deste rol seria
prazo decadencial23.
19
CCB, 197, II.
CCB, 198, I, cc 3º, I.
21
CCB, 198, I, cc 3º, II.
22
Critério científico para distinguir a prescrição da decadência, in RT 300/8
23
A decadência tem suas regras gerais previstas na Parte Geral do Código Civil (arts. 207 a 211, d), mas sem
um rol de hipóteses de causas decadenciais, como ocorre com a prescrição e seu respectivo art. 206. Assim, os
prazos decadenciais estão lançados a esmo no Código: para se anular o casamento se encontram no artigo
1560, já os prazos para redibição do contrato em razão do vício oculto se encontram no artigo 445. Cada
prazo acompanha o instituto ao qual se refere. Conclui-se, que há apenas uma hipótese de decadência prevista
na Parte Geral do Código Civil de 2002 (artigo 178) e que todas as demais vêm previstas nos livros da Parte
Especial. No campo das obrigações, pode-se exemplificar, como hipótese de decadência, o prazo que o
adquirente tem para reclamar pelos vícios redibitórios da coisa (artigo 445), bem como para anular um
contrato que padeça do vício do dolo (artigo 178). Quanto ao direito de família, mencionam-se os prazos para
anulação de casamento (art. 1560) e, no tocante às sucessões, os prazos para a ação de exclusão de herdeiro da
sucessão em razão da indignidade (art. 1815, §4º) ou deserdação (art. 1965, § único).
20
2.3. Das ações imprescritíveis
Pontes de Miranda (Op. cit, p. 132), ao tratar da eventual possibilidade da
imprescritibilidade de ações, disse que tal expediente é exceção excepcional,
cabendo apenas em casos muito sui generis. A propósito:
Imprescritibilidade. (1) São imprescritíveis: a) as pretensões de direito de família,
sempre que tenham por fim restabelecer, ou estabelecer para o futuro situação
que corresponda a relações jurídicas de família (...); pretensão dos cônjuges
para a posse das coisas que entraram na comunhão; b) a pretensão para dividir
a coisa comum; c) a pretensão oriunda de direitos registrados no registro de
imóveis, exceto a pretensão à reparação do dano (art. 177, P parte), a pretensão
de enriquecimento injustificado (arts. 967 e 968) e as pretensões a juros ou
outros interesses (arts. 178, § 10, II e III); d) as pretensões que nascem das
relações de vizinhança (arts. 554-588), exceto as de indenização nos casos dos
arts. 561, 570, 579, 580-583 e 587; e) a ação de regulação do exercício de
direito, em caso de concorrência; fl a ação de demarcação (...) A ação de
retificação do registro de imóveis é imprescritível; o que se pode dar é que
cesse, por estar prescrita a ação do titular do direito. Não se pode dizer que,
prescrita a ação do titular do direito, esteja prescrita a ação de retificação; essa
desaparece, o que é mais, porém ressurge com a renúncia à prescrição. Não se
trata de pretensão acessória, mas de pretensão que nasce da inexatidão do
registro em relação ao estado da pretensão do titular do direito. (II) São
imprescritiveis: a) as pretensões declarativas (não pela razão, que muitos
apontam, de se tratar de ações a que não corresponde a pretensão); b) as
pretensões à decretação da nulidade; e) as pretensões do direito formativo
gerador, modificativo, ou extintivo, se bem que possa haver, na espécie, prazo
de preclusão; d) as pretensões à cessação da comunhão (pretensão divisional,
síricto sensu) e à partilha; e) as pretensões a fazer terminar confusão de limites
e as demais pretensões concernentes a direitos de vizinhança; fl as pretensões à
retificação do registro de imóveis, de aeronaves e de navios. (...) A ação de
investigação da paternidade ilegítima é imprescritivel. Trata-se de ação
declaratória, com limitação legal de pressupostos de direito material; as ações
declaratórias são imprescritíveis. Quando nas leis se entende limitar a duração
da pretensão relativa a status, cria-se prazo preclusivo (art. 178, §§ 3º e 42,1);
se não foi criado tal prazo, não há cogitar-se dele.
Com o perdão da extensão da citação, extrai-se desse posicionamento
importantes questões, como a de que são imprescritíveis apenas as pretensões
declaratórias. Note, por exemplo, que ele diz: “(são imprescritíveis) a pretensão
oriunda de direitos registrados no registro de imóveis, exceto a pretensão à
reparação do dano (art. 177, 1a. parte).”
Note-se,
ademais,
que
mesmo
admitindo
a
pretensão
da
imprescritibilidade da ação declaratória em sede de registro público, ele opõe
como exceção a essa prescrição a reparação do dano (ação indenizatória).
Em outro momento, Pontes de Miranda propõe: “(são imprescritíveis): d)
as pretensões que nascem das relações de vizinhança (arts. 554-588), exceto as
de indenização nos casos dos arts. 561, 570, 579, 580-583 e 58724;”
Outra vez mais o autor deixa de fora a pretensão indenizatória
(reparatória de danos) do rol das ações imprescritíveis.
Ao debruar-se sobre o tema da imprescritibilidade, Silvio de Salvo Venosa
(2002, V. I., p. 617.) advoga a tese de que há, sim, relações jurídicas
incompatíveis, inconciliáveis por sua própria natureza com a prescrição. E cita
exemplos referentes aos direitos da personalidade (vida, honra, nome, liberdade
etc) e as chamadas ações de estado de família. Inclui, ainda, os chamados
direitos facultativos ou potestativos25. Em nenhum momento arrolou nenhum
interesse reparatório da Fazenda Pública como imprescritível, ou mesmo questões
de fundo reparatório.26
Cabe repetir que com o advento do novo Código ficou ainda mais clara a
distinção entre prescrição e decadência27. Conforme Agnelo Amorim Filho28, são
prescritíveis as ações condenatórias, sendo que as desconstitutivas ficam a mercê
da decadência, e as declaratórias livres dos dois institutos.
Concluiu o autor, então, que estão sujeitas à prescrição “todas as ações
condenatórias e somente elas” (op. cit., p. 12). Neste diapasão, todas e
quaisquer ações que tenham cunho condenatório estão sujeitas aos prazos
prescricionais.
Por outro lado, todas as pessoas, naturais ou jurídicas, privadas ou
públicas, estão sujeitas aos efeitos da prescrição. Claro está que qualquer pessoa
24
Os artigos citados por Pontes de Miranda são do antigo Código Civil brasileiro (Lei 3071, de 01-01-1916)
Como, por exemplo, o direito de exigir a divisão de coisa comum ou pedir sua venda.
26
No mesmo sentido Maria Helena Diniz, op. cit., que traz exatamente os mesmos exemplos, sendo
acompanhada por Carlos Roberto Gonçalves (2003, v. I., p. 467)
27
A prescrição é a perda da pretensão ao direito de ação, ao passo que a decadência é a perda do próprio
direito.
28
Critério científico para distinguir a prescrição da decadência, in RT 300/8
25
pode ter a condição de prescribente; a ninguém se concede o privilégio de estar
imune aos efeitos da prescrição (GOMES, 1971/453).
No mesmo pensar Washington de Barros Monteiro (op. cit., p. 339), para
quem a prescrição também atinge as pessoas jurídicas de direito público:
...a prescrição aproveita realmente, de modo indistinto, tanto às pessoas físicas
como às jurídicas, quer as de direito público, quer as de direito privado. Nenhum
privilégio outorga o direito nesse particular. Não existem entidades imunes aos
seus efeitos, como sucedia outrora com a Ordem de Malta, que pretendia não
estar sujeita a qualquer prescrição.
Para Hely Lopes Meirelles (1995, p. 627), essas regras civis devem ser
aplicadas ao Direito Administrativo: “A prescrição das ações da Fazenda Pública
contra o particular é comum da lei civil ou comercial, conforme a natureza do ato
ou contrato a ser ajuizado.”
Por conseguinte, salta à vista, num primeiro momento, a possibilidade da
prescrição das ações civis públicas reparatórias dos danos causados ao erário.
Todavia, há quem pregue em contrário. Pois veja-se:
3. As ações de reparação de danos causados ao erário.
3.1. Da Imprescritibilidade das ações civis públicas ressarcitórias ao erário
Em que pese os argumentos acima expendidos, há teses exponenciais no
sentido de se admitir a imprescritibilidade das ações civis públicas quanto tenham
por objeto a reparação de danos causados ao erário. Para os adeptos da
imprescritibilidade destas ações, a Constituição Federal, no artigo 37, § 5º, dispôs
claramente neste sentido:
CF, art. 37...
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados
por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário,
ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.
Pondera-se ademais que a Lei 7.347, de 24-07-8529, é silente no tocante a
prescrição das ações civis públicas. Lacunosa que é, estaria delegando a função
de estabelecer os prazos prescricionais das ações civis públicas para outras leis
específicas.
Neste passo, a Lei 8.249, de 02-06-9230, no seu artigo 23, propõe a
prescrição nas ações por ato de improbidade administrativa. Todavia, tal
prescrição somente se aplicaria às ações destinadas a levar a efeito as sanções
previstas nesta Lei. A propósito:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta
Lei podem ser propostas:
I - até 5 (cinco) anos após o término do exercício de mandato, de cargo
em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas
disciplinares puníveis com demissão à bem do serviço público, nos casos
de exercício de cargo efetivo ou emprego.
“Sanção ao infrator” e “reparação de danos que esse viesse a causar” são
situações distintas. Por conseguinte, quando se falasse de reparação dos danos
causados ao erário não haveria que se impor a regra do artigo 23, mas sim
aplicar-se in integrum a Constituição, no artigo 37, § 5º. Sim, pois a regra
constitucional seria de solar clareza, na medida em que sustenta que a “lei
estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente,
servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento” – grifos intencionais.
Neste desiderato, a lei fixaria prazos apenas para prescrição das sanções
dos ilícitos, ressalvado porém os casos de ressarcimento de danos. Ora, se
ressalvado está, restaria concluir que as ações de ressarcimento de danos ao
erário não se incluem no rol das ações prescritíveis.
29
Essa lei disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e dá outras
providências
30
Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de
mandato cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras
providências.
Sustenta-se, inclusive, que qualquer interpretação destoante deste quilate
seria negar vigência à norma constitucional. Waldo Fazzio Júnior (2001, p. 309) é
neste pensar:
Dessa norma de eficácia contida complementável, desde logo, é possível
inferir que é imprescritível a ação de ressarcimento de danos causados ao
erário, mercê da ressalva estabelecida em sua parte final. Assim, o prefeito
que, mediante ato de improbidade administrativa, carrear danos ao erário não
se livrará da ação de ressarcimento, com apoio na prescrição. Claro que, em
relação às outras sanções cominadas para as condutas tecidas no artigo 10 da
LIA, o prazo prescricional incindirá.
Tem-se, pois, como conclusão lógica, que a regra prescritiva do qüinqüênio
vale para todas as sanções previstas na LIA, exceto para as ações de
ressarcimento de danos.
Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2002. p. 420-9) também
possuem tese semelhante:
Repisando o que já fora anteriormente dito, é voz corrente que o art. 37,
§ 5º, da CF dispõe sobre o caráter imprescritível das pretensões a serem
ajuizadas em face de qualquer agente, servidor ou não, visando ao
ressarcimento dos prejuízos causados ao erário.
Justifica-se tal posicionamento, além da eventual clareza do texto
constitucional, ao fato de que o constituinte foi sensível ao problema da dificuldade
da apuração dos danos causados ao erário.
José Afonso da Silva (2002, p. 574) é um ardoroso crítico dessa tese da
imprescritibilidade. Contudo, ao cabo de suas explanações sobre o artigo 37, § 5º,
da CF, acaba por reconhecer que, de fato, essa era a intenção do constituinte:
Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas
a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da administração ao
ressarcimento, à indenização do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva
constitucional e, pois inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios
jurídicos que não socorrem quem fica interte.
Encontram-se nos mananciais da jurisprudências arestos que perfilham
essa tese. O Tribunal de Justiça de São Paulo31, num acórdão cujo relator fora o
Desembargador Magalhães Coelho, decidiu pela imprescritibilidade destas ações:
PRESCRIÇÃO - Inocorrência - Ação civil pública - Demanda que tem por objeto
a anulação de contrato administrativo, celebrado entre particulares e empresa
integrante da administração pública indireta - Aplicação do prazo prescricional
previsto no art. 178, § 9.º, V, b, do CC - Inadmissibilidade - Imprescritibilidade
das ações de ressarcimento ao Erário, afastando a incidência de princípios e
normas de direito privado - Inteligência do art. 37, § 5.º, da CF.
Ementa da Redação: Não se aplica o prazo prescricional previsto no art. 178, §
9.º, V, b, do CC, à ação civil pública que tem por objeto a anulação de contrato
administrativo, celebrado entre particulares e empresa integrante da
administração pública indireta, uma vez que o art. 37, § 5.º, da CF estabelece a
imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao Erário, afastando a incidência
de princípios e normas de direito privado.
Contudo, não obstante os ponderáveis e sérios argumentos ora
alinhavados, temos que essa tese não pode prosperar. De fato, as ações civis
públicas para ressarcimento de danos causados ao erário são, sim, prescritíveis.
3.2. Da prescritibilidade das ações civis públicas ressarcitórias do
erário, num prazo de 05 anos.
A lei não pode contrariar a natureza das coisas. Com efeito, a lei não tem
força, no tratar as categorias jurídicas, de contrariar a natureza das coisas. A
palavra final não é a do legislador, mas a da ciência do direito. Neste passo,
repugna aos princípios informadores do nosso sistema a prescrição indefinida.32
Nem se diga que a autoridade da Constituição fez nascer a
imprescritibilidade destas ações. A Constituição é igualmente norma. Konrad
Hesse (1991, p. 14), contrariando Fernando Lassale - que a entendia como
elemento meramente político e sociológico -, disse que a Constituição é
31
Ap 153.528-5/0-00 - 3.ª Câm. - j. 19.12.2000 - rel. Des. Magalhães Coelho, in Revista dos Tribunais, V.
788, p. 245
32
Fazemos aqui paráfrase do Ministro José Delgado, que no julgamento do STJ/AgREsp 443971/PR, 1ª T., J.
01.10.2002., do qual foi relator, decidiu: “repugna aos princípios informadores do nosso sistema tributário a
prescrição indefinida”.
documento eminentemente jurídico. E, como tal, não pode divorciar o “ser” do
“dever ser”; o mundo real do mundo normativo-jurídico. E completa:
A norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A
sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação por ela regulada
pretende ser concretizada na realidade. Essa pretensão de eficácia não pode ser
separada das condições históricas de sua realização, que estão, de diferentes
formas, numa relação de interdependência criando regras próprias que não pode
ser desconsideradas. Devem ser contempladas aqui as condições naturais,
técnicas, econômicas e sociais. A pretensão da norma jurídica somente será
realizada se levar em conta essas condições.
Muito se disse que o poder constituinte originário é soberano, absoluto,
ilimitado (SILVA, 2000, p. 67 e 82). No entanto, esse conceito deve ser matizado
em face da conjugação do “ser” com o “dever ser”. A “Constituição real” e a
“Constituição jurídica” devem estar numa relação de coordenação (HESSE, op.
cit., p. 15). E, mais uma vez citando-se Konrad Hesse (op. cit., p. 18):
Se não quiser permanecer eternamente estéril, a Constituição não deve procurar
construir o Estado de forma abstrata e teórica. Ela não logra produzir nada que
já não esteja assente na natureza singular do presente. Se lhe faltam esses
pressupostos, a Constituição não pode emprestar “forma e modificação” à
realidade; onde inexiste força a ser despertada – força essa que decorre da
natureza das coisas – não pode a Constituição emprestar-lhe direção; se as leis
culturais, sociais, políticas e econômicas imperantes são ignoradas pela
Constituição, carece ela do imprescindível germe de sua força vital. A disciplina
normativa contrária a essas leis não logra concretizar-se
Segundo Hesse, a Constituição não pode contrariar a realidade, nem ferir
as leis culturais, sociais, e a formação histórica de um povo. Não sem razão
leciona Dalmo de Abreu Dallari (1985, p. 53) que “a Constituição não deve conter
preceitos de aplicação impossível ou que contrariem a realidade social”.
Por conseguinte, o constituinte e a Constituição não podem desrespeitar a
realidade histórica jurídica de que as ações condenatórias são imprescritíveis.
Aliás, Canotilho (1998, p. 1100) ensina que uma norma, mesmo a norma
constitucional, possui dois elementos: a) o programa normativo, que é resultado
de um processo parcial de concretização assente na interpretação do texto
normativo. É o enunciado lingüístico da norma, ponto de partida da interpretação;
b) domínio normativo, que éo resultado de um processo parcial assente nos
elementos empíricos (dados da realidade). Assim, a norma constitucional seria
constituída por uma medida de ordenação, expressa através de enunciados
lingüísticos e por um campo e dados reais. Destarte, o enunciado lingüístico da
norma constitucional sempre deve estar ligada à realidade fática.
A prescrição é um fenômeno inerente à própria existência e validade do
direito, sendo que a quantidade de tempo necessária para a consumação da
prescrição decorre de disposição legal.
Historicamente, bem como pela filosofia jurídica reinante, verifica-se a
incidência da prescrição naqueles casos em que a demanda formulada em juízo
tem por escopo exigir uma “prestação” por parte de alguém, nas quais se revela
prevalente função condenatória da tutela jurisdicional, quando está presente a
denominada “crise de adimplemento”.
Neste desiderato, o artigo 37, § 5º, da Constituição Federal, ressalvou as
ações de ressarcimento, sem, contudo, pretender ou conseguir consagrar a regra
da imprescritibilidade33.
Como se sabe, apenas as ações declaratórias são imprescritíveis34, nunca
as ações condenatórias. E no caso de uma ação para ressarcimento ao erário,
tem-se, inegavelmente, um pleito condenatório. Logo, prescritível
Tanto é assim que a própria CF, no artigo 37, § 5º, dispõe, in verbis:
CF, art. 37...
§ 5º. A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por
qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas
as respectivas ações de ressarcimento.”
Portanto, o próprio constituinte disse ser prescritível a ação de reparação
de danos causados ao erário, cabendo ao legislador infraconstitucional dispor a
33
TJPR - Ag Instr 0144859-3 - (24351) - Maringá - 2ª C.Cív. - Rel. Des. Antonio Lopes de Noronha - DJPR
29.11.2004) JCCB.177 JCF.37 JCF.37.5 JCPC.177, in Porto Alegre: Síntese Publicações, 2005, CD-Rom n.
55. Produzida por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
34
A imprescritibilidade das pretensões declaratórias está diretamente ligada à modalidade de direitos que
tutela, geralmente irrenunciáveis, inalienáveis, não transacionáveis. A ação declaratória protege, v.g., a tutela
da família, da vida, da dignidade da pessoa humana. Atributos de grande vulto e, com razão, imprescritíveis.
Já a tutela condenatória visa diretamente o recebimento de um crédito, direito este que por razões de
segurança das relações jurídicas, não podem se eternizar.
respeito tão-somente quanto aos prazos. Nesse diapasão já decidiu, entre outros,
o Tribunal mineiro:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESSARCIMENTO – PRESCRIÇÃO – A
responsabilidade civil do servidor público apura-se em caso de dano causado ao
estado ou de dano causado a terceiro. Em se tratando de dano causado ao
estado, a ação de improbidade submete-se à prescrição fixada em lei. (TJMG –
AC 000.237.752-1/00 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Almeida Melo – J. 16.05.2002)”35
O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 406.545,
esposou tese semelhante:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA – Ministério Público. Legitimidade. Prescrição. (...) A ACP
não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação
Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte
de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a
moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua
de previsão do prazo prescricional para a propositura da ACP, inafastável a
incidência da analogia legis, recomendando o prazo qüinqüenal para a
prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a
prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem
legis dispositio. O STJ sedimentou o entendimento no sentido de que o
julgamento antecipado da lide (art. 330, I, CPC) não implica cerceamento de
defesa, se desnecessária a instrução probatória. (STJ – REsp 406.545 – SP – 1ª
T. – Rel. Min. Luiz Fux – DJU 09.12.200212.09.2002)36 (não há grifos no original)
Num caso onde se discutia o acumulo indevido de cargos, o Tribunal de
Justiça do Rio Grande do sul, em lapidar acórdão relatado por Araken de Assis,
pontificou:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. CUMULAÇÃO INDEVIDA DE CARGOS.
PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL.
O prazo de cinco anos, consistindo o ato de improbidade na cumulação indevida
de cargos, empregos ou funções públicos, fluirá da data em que cessar tal
cúmulo, ou seja, do desligamento de um dos cargos, empregos ou funções
públicas, a teor do art. 23, II, da Lei 8.429/92. A preclusão é fenômeno que não
atinge os poderes do juiz. 2. APELAÇÃO PROVIDA.37
35
In Jurisprudências. Porto Alegre: Síntese Publicações, 2002, CD-Rom n. 40. Produzida por Sonopress
Rimo Indústria e Comércio Fonográfico Ltda.
36
in Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, 21/101.
37
Disponível em: < http://www.tj.rs.gov.br/site_php/jprud/rpesq.php>. Acesso em: 16 dez. 2003.
Neste aresto, o relator deu provimento à apelação para pronunciar a
prescrição, e, portanto, aceitar a tese de que o acúmulo de cargos públicos está
sim sujeito aos rigores do transcurso do prazo.
A analogia para determinação do prazo prescricional, na hipótese, deve
ainda ser estabelecida com o direito administrativo, que sempre teve por regra,
ainda quando não expressamente positivada, o prazo de prescrição máximo de 05
(cinco) anos. Sim, verifica-se que o direito administrativo adotou como regra,
desde sempre, o prazo máximo de prescrição de 05 (cinco) anos, tanto em favor
da Administração, como contra ela.
Acompanhe-se a demonstração do
argumento, começando por exemplos legislativos:
a) Código Tributário Nacional, art. 174: prazo prescricional de 5 anos para
cobrança de crédito tributário;
b) Código Tributário Nacional: prazo decadencial de 5 anos para
constituição do crédito tributário;
c) Código Tributário Nacional, art. 168: prazo prescricional de 5 anos para
ação de restituição de indébito;
d) Lei 8.884/94 (Lei do Cade), art. 28: infrações da ordem econômica
prescrevem em 5 anos;
e) Decreto 20.910/32: prazo prescricional de 5 anos contra a Fazenda
Pública.
f) Lei 8.112/90, art. 142: ação disciplinar contra funcionário público
prescreve, no máximo, em 5 anos (no mesmo sentido dispunha a Lei 1.711/52,
antigo Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União). Também os prazos
prescricionais para punição disciplinar previstos nas Leis Complementares 75/93 e
80/94 (Ministério Público Federal e Defensoria Pública) nunca são superiores a 5
anos;
g) Lei 8.429/92, art. 23: atos de improbidade administrativa prescrevem, no
máximo, em 5 anos;
h) Lei 6.838/80, art. 1.º: infrações disciplinares de profissionais liberais
prescrevem em 5 anos. Também a Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), art. 43, prevê
o prazo prescricional máximo de 5 anos para punição.
De todos esses prazos, há de se destacar o contido no artigo 21, da Lei
4.717, de 29-06-65, que trata da ação popular, e dispõe quanto à prescrição: “A
ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.”
Como se sabe, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação
popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas
judiciais e do ônus da sucumbência.38
Logo, essa ação visa, dentro outras coisas, preservar a moralidade, a
probidade administrativa, e está sujeita a prazo prescricional de 05 (cinco) anos.
A ação civil pública com o objetivo de ressarcimento ao erário,
indisfarçavelmente, tem o mesmo condão. E conforme os ensinamentos de Maria
Sylvia Zanella Di Pietro(2000, p. 640)39,
Da mesma forma que a ação popular e o mandado de segurança coletivo, a
ação civil pública foge aos esquemas tradicionais do direito de ação, estruturado
para proteger o direito subjetivo, o direito individual. Nas três hipóteses são os
interesses metaindivuduais, os chamados interesses públicos, que abrangem
várias modalidades: o interesse geral, afeto a toda a sociedade; o interesse
difuso, pertinente a um grupo de pessoas caracterizadas pela indeterminação e
indivisibilidade; e os interesses coletivos, que dizem respeito a um grupo de
pessoas determinadas e determináveis.
Sendo assim, tanto a ação civil pública quanto a ação popular, uma vez
que abordem atos de moralidade administrativa, terão similitude de objeto, e
igualmente ficarão a mercê das regras de substituição processual. Seu tratamento,
destarte, deve ser rigorosamente o mesmo, inclusive no tocante aos aspectos
prescricionais.
Por outro lado, e em face de um tratamento isonômico, muito bem vindo
ante o princípio constitucionalizado da igualdade, o que vale para a Fazenda
também vale contra ela. Neste sentido, a Lei 9494, de 10-09-1997, com a redação
dada pela Medida Provisória 2180-35, de 24-09-2001, afirmou, no seu artigo 1º -C,
que “prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos
38
39
Constituição Federal, art. 5º, LXXIII
Direito administrativo, 12ª ed., São Paulo: Saraiva,.
causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas
jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos”.
Ora, se o prazo conta a favor da Fazenda, também deverá ser contado
em seu desfavor.
4. Considerações finais
A interpretação gramatical – e por conseguinte simplista – leva a
indubitável conclusão de que as ações de indenização por danos causados ao
erário são imprescritíveis.
No entanto, ao cabo do exposto, forçoso concluir que essa não é a melhor
hermenêutica. A Constituição dogmática não pode ser desvencilhada da realidade
social e jurídica. A palavra final não é a do legislador – mesmo do constituinte -,
mas a da ciência do direito. A “Constituição real” e a “Constituição jurídica” devem
estar numa relação de coordenação. Neste passo, repugna aos princípios
informadores do nosso sistema a prescrição indefinida.
Como se viu, apenas as ações declaratórias são imprescritíveis, nunca as
ações condenatórias. E no caso de uma ação para ressarcimento ao erário, temse, inegavelmente, um pleito condenatório. Logo, prescritível.
Ademais, é da tradição do direito pátrio a regra da prescrição das ações
condenatórias, sobretudo em face da exigência da segurança jurídica, que não
pode dar guarida aos credores inertes. Não se conhece nenhuma situação em que
a tutela condenatória pudesse se perenizar sem a atuação do interessado. E não
poderia haver, neste momento, a quebra deste dogma secular – e, aliás, muito
bem vindo.
Por outro lado, a histórica jurídica brasileira mostra que, em regra, as
ações contra o Poder Público, bem como aquelas que são promovidas em seu
favor, prescrevem num prazo de 05 (cinco) anos.
Sendo assim, tem-se que a melhor exegese do texto constitucional,
consentânea com a tradição jurídica brasileira, é no desiderato de se considerar
as ações indenizatórias de danos causados ao erário prescritíveis num prazo de
05 (cinco) anos.
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