Edição nº 1243/1244/1245: A economia do Comércio

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Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP
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CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA
EDIÇÃO ESPECIAL Nº 1243/1244/1245 – Ano 29; 4 ª Semana de Junho/1ª e 2ª Julho 2015.
A Economia do Comércio Internacional
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Tudo cai no mercado mundial. Do petróleo ao trigo. Dos aviões aos
automóveis. Só alguns bens de luxo se salvam. Por enquanto. A economia
internacional sente o baque da superprodução de capital e apresenta nos
dois últimos trimestres claros sinais de inédita derrocada.
JOSÉ MARTINS.
Nenhuma esfera econômica exprime melhor o processo de deflação ou de inflação
dentro do ciclo periódico do que a do comércio internacional de importações e
exportações. O que está a ocorrer neste início de 2015 ilustra este fato. Não é só o preço
do barril de petróleo que cai no mercado mundial; nem só na China que as
importações/exportações estão a cair. Essa versão corrente da atual situação do
comércio e do crescimento desigual das diferentes áreas e economias nacionais é
altamente limitada. Falando educadamente. Serve de álibi para os economistas de
Estado justificar, por exemplo, a precoce desaceleração das economias dominadas dos
Briics (Brasil, Rússia, Índia, Indonésia e China). Entretanto, o que ocorre é uma queda
simultânea e generalizada dos preços das principais mercadorias e, consequentemente,
do valor das importações/exportações das principais economias mundiais. Não
confundir com queda do volume (quantidade) de mercadorias comercializadas; este está
a aumentar, e muito, nos últimos anos. O mundo está abarrotado de mercadorias,
insumos, matérias primas, máquinas, etc. O que está em queda é o preço unitário das
mercadorias. E essa queda, que não é pequena, também anuncia uma inédita condição
de crise do capital. Vejamos os dados.
Comércio de Mercadorias em US$ bilhões
(preços e taxas de cambio correntes sazonalmente ajustados)
Estes gráficos foram retirados do mais recente relatório “OCDE Estatísticas
Internacionais do Comércio”, referente aos dados do 1º trimestre de 2015, publicado em
28/Maio/2015. Apresentando os gráficos: as colunas verdes referem-se ao net trade
(saldo comercial, exportações menos importações) medido no eixo à direita, com escala
variando de US$300 bilhões negativos a US$ 300 bilhões positivos. O que mostra a
1
evolução deste net trade no longo prazo? No gráfico das economias dominantes do G-71
ocorre permanente déficit comercial, sempre um pouco abaixo ou um pouco acima de
US$200 bilhões anuais. No gráfico das economias dominadas dos Briics, ao contrário,
ocorre permanente superávit comercial, particularmente nos trimestres mais recentes.
Esses dados tomados isoladamente são bastante enganosos, pois grande parte das
importações dos países dominantes G7 é de mercadorias produzidas (montadas, melhor
dizendo) e exportadas por empresas destes próprios países, deslocadas para economias
dominadas da periferia. A norte-americana Nike e a alemã Adidas montam seus tênis no
Vietnã, China, Argentina, Haiti, etc., e os exportam para os EUA ou para a Alemanha.
Na contabilidade internacional essa operação aparece como receita de
exportação para as mencionadas economias dominadas e despesa de importação para os
EUA e Alemanha. Isso aumenta contabilmente o déficit destes últimos e o superávit
comercial dos dominados. Geram fluxo positivo de moedas conversíveis das economias
dominantes para os cofres das dominadas. Mas aumenta ao mesmo tempo a remessa do
lucro destas empresas exportadoras para seus países de origem e a miséria dos países
onde elas estão instaladas. Então estes idiotas da periferia da civilização anunciam
orgulhosamente “enormes reservas internacionais”, “enormes conteúdos tecnológicos
no comércio” e outras enganações do imperialismo e sua economia do livre comércio.
Lembre-se também que grande parte do superávit comercial de países
exportadores de matérias primas agrícolas e minerais – como Brasil, Chile, Peru, Africa
do Sul, e tantos outros espalhados pela periferia do imperialismo – é originado pela
exploração de empresas das economias dominantes nestes pobres países e que também
remetem essas commodities para suas metrópoles. Isso gera “superávits comerciais” nas
transações correntes com o exterior do Brasil, Chile, etc. enquanto nos EUA, Inglaterra,
Japão, etc. contabilizam-se déficits comerciais e, off course, enormes lucros coloniais.
Do ponto de vista monetário e financeiro internacional, o que sustenta
racionalmente essa esdrúxula contabilidade e faz o sistema comercial se mover sempre
na direção dos interesses imperialistas é que as economias dominantes não precisam ser
mercantilistas, quer dizer, basear o crescimento econômico nacional na expansão das
exportações, redução das importações, e... superávits comerciais. Mercantilismo é coisa
de economia pobre. Ademais, para o conjunto das economias ricas os déficits
comerciais não provocam nenhuma instabilidade nas suas contas nacionais e muito
menos nos fluxos macroeconômicos internos – juro, crédito, investimento, imposto, etc.
Nas economias dominadas ocorre exatamente o contrário. Aqui, déficit comercial é pura
nitroglicerina. Só podem ter “moeda” e circularem (timidamente, claro) pelo mercado
mundial caso orientem seu crescimento econômico pelo neomercantilismo dos tontos,
característico do modo de produção especificamente capitalista do século 21. O
neomercantilismo deve gerar permanente fluxo de divisas fortes, conversíveis, das
economias dominantes (dólar, euro, yen...) para alavancar, servir de muleta para suas
“moedas” e seus estéreis sistemas de crédito nacional...
As curvas na cor azul apresentadas nos gráficos da página 1 representam as
exportações e as curvas em vermelho as importações. São medidas no eixo à esquerda,
com escala variando de US$800 bilhões a US$2 trilhões no gráfico do G-7, e de
US$200 bilhões a US$1 trilhão no gráfico dos Briics. Observa-se, então, outra
característica estrutural do moderno comércio internacional. Verifica-se que no G-7 as
1
EUA, Alemanha, Japão, França, Inglaterra, Itália e Canadá.
2
importações caminham sempre acima das exportações. Corresponde àqueles
permanentes déficits comerciais que observamos acima. Na curva dos Briics, ao
contrário, as exportações caminham permanentemente acima das importações, com
permanentes superávits comerciais. Observe-se que no período de expansão cíclica
atual, iniciado em 2009, as exportações das economias dominantes situaram-se acima de
US$1.4 trilhão. As exportações dos Briics cresceram bastante no mesmo período, bem
acima do pico (3º trimestre 2008) do ciclo anterior, mas mesmo assim estabilizaram-se
abaixo de US$900 bilhões – cerca de um terço abaixo das exportações das economias
do G7. Portanto, mesmo com aquelas distorções contábeis já descritas na página
anterior, observa-se que o valor das exportações dos países imperialistas é
permanentemente superior ao dos países dominados. É estrutural. Observando-se as
importações, essa superioridade do G7 é ainda mais flagrante – cerca de US$1.7 trilhão
contra US$ 800 bilhões dos Briics.
O que conta no comércio internacional, portanto, não é o net trade, mas a
relação entre volume e valor das mercadorias comercializadas. As economias
dominantes importam uma quantidade maior e valor contábil menor, e exportam
quantidade menor e valor maior. Ganha mais quem produz menos. Assim, a
superioridade produtiva das economias dominantes sobre as economias dominadas
exprime-se no comércio internacional como vantagem comparativa também muito
superior. Desmente a tese da economia política dos capitalistas (Ricardo) que a
observância das vantagens comparativas do livre comércio levaria naturalmente à
equalização dos benefícios entre seus participantes e à generalização do
desenvolvimento econômico, bem-estar em todas as nações e outras ideologias
claramente desmentidas pelos fatos.
Mas essa vantagem comparativa superior das economias dominantes confirma a
tese da economia política dos trabalhadores, como Marx e Engels nomeavam sua
teoria, de que no comércio internacional o trabalho mais produtivo conta também como
trabalho mais intenso (peso específico superior), criando assim um superlucro e
transferência de valor da periferia para o centro do sistema: “Capitais empregados no
comércio exterior podem conseguir taxa mais alta de lucro, antes de mais nada, porque
enfrentam a concorrência de mercadorias produzidas por outros países com menores
facilidades de produção, de modo que o país mais adiantado vende suas mercadorias
acima do valor, embora mais baratas do que as dos países competidores. Na medida em
que o trabalho do país mais adiantado se valoriza como trabalho de peso específico
superior, aumenta a taxa de lucro, pois trabalho que não é pago como trabalho de peso
especifico superior, como tal é vendido”. 2
O moderno comércio internacional é produto da própria evolução do modo de
produção capitalista. Não tem nada a ver com o antigo comércio herdado do regime
colonial. Desenvolveu-se nos últimos duzentos anos como poderoso fator de luta do
2
Karl Marx, O Capital, Livro 3, volume 4 (O Processo Global de Produção Capitalista- capítulo XIV:
fatores contrários à lei, Comércio Exterior), Editora Civilização Brasileira, S.Paulo, pg. 273.
3
capital para refrear a queda tendencial da taxa de lucro nas economias dominantes e da
necessidade de mercados globais cada vez mais amplos. A elevação da taxa de lucro
(superlucro) conseguida no comércio internacional pelas economias imperialistas, como
visto acima, é a forma mais evidente deste produto da expansão capitalista. Ao contrário
de suas formas pré-capitalistas, o comércio internacional especificamente capitalista é
resultado da produção e da superprodução do capital. Ele atua simultaneamente como
elemento interno da acumulação – barateamento do capital constante e do variável – e
como remédio para evitar que as crises periódicas globais de superprodução
transbordem de crises parciais para crises gerais e catastróficas:
“O comércio exterior, ao baratear elementos do capital constante e meios de
subsistência necessários em que se converte o capital variável, contribui para elevar a
taxa de lucro, aumentando a taxa de mais valia e reduzindo o valor do capital
constante. De modo geral, atua nesse sentido, ao permitir que se amplie a escala da
produção. Assim, acelera a acumulação, mas faz o capital variável decrescer em
relação ao constante e, por conseguinte, cair a taxa de lucro. Ademais, a expansão do
comércio exterior, base do modo capitalista de produção em seus primórdios, torna-se,
com o desenvolvimento deste regime, o próprio produto deste modo de produção,
impelido por necessidade interna e pela exigência de mercado cada vez maior. De novo
patenteia-se a mesma duplicidade de efeitos (Ricardo não considerou esse aspecto do
3
comércio exterior)”.
Só os diamantes são eternos. E nada é infalível. Nem mesmo esse poderoso
antivírus contra as crises representado pelo comércio internacional. Como agora, neste
início de 2015, em que se verifica uma situação inédita nos últimos setenta anos: depois
de uma recuperação cíclica normal até o 2º trimestre/2011, a corrente de comércio
(exportações mais importações) do G7 e dos Briics ficou praticamente estagnada até o
3º trimestre/2014. Discreta elevação, como se pode observar nos gráficos da pag.1 deste
boletim. Importa salientar que a “forte queda” do valor das importações da China,
sempre vendida à inerte opinião pública como a grande vilã e fator de crise no sistema
depois da crise de 2008/2009, na verdade continuou apresentando taxas historicamente
elevadas. Observe nos gráficos que a corrente de comércio dos Briics é
significativamente mais elevada neste ciclo, iniciado no 2º trimestre/2009, do que no
ciclo anterior (2002/2008). A China é quem puxa essa expansão comercial: suas
importações subiram de US$421 bilhões no 2º trimestre/2011 para US$494 bilhões no
3º trimestre/2014. Mais de 17% em três anos. Não é pouco. Não pode ser tratada,
portanto, como fator da “crise de demanda” no mercado mundial, em geral, e nos países
exportadores de matérias primas, em particular. Essa análise superficial que coloca o
comércio como o determinante da crise de produção de capital nos diferentes países,
incluindo os da periferia, não leva em conta a diferença entre o atual comércio
internacional especificamente capitalista e o comércio da era das caravelas.
O forte desempenho dos Briics no atual período de expansão não foi
acompanhado pelo G7, que se limitou a recuperar o nível do pico do ciclo anterior (1º
3
Karl Marx, idem, pg. 272.
4
trimestre/2008) e manter este patamar até 2014. Só os EUA apresentaram pálida
expansão da corrente de comércio (8,3% entre 2011 e 2014), enquanto Alemanha e
Japão sofreram fortes reduções. Essa letargia comercial não se refere, repetimos, a uma
diminuição do volume do comércio, mas dos preços das mercadorias comercializadas.
A deflação que atinge o comércio mundial é expressão de forte elevação da
produtividade (exploração) da classe operária nas principais economias imperialistas.
Nestas últimas, a elevação da taxa de mais-valia relativa é impulsionada em grande
parte pelo barateamento do capital constante (petróleo, minérios, etc.) e do capital
variável (soja, açúcar, banana, etc.), que se realiza através do comércio com as
economias da periferia, onde predomina a mais-valia absoluta. Mas, como já observado,
esse aumento da exploração da classe operária em todo mundo, que faz acelerar a
acumulação, também faz o capital variável decrescer em relação ao capital constante,
elevando assim a tendência à queda da mesma taxa de lucro. Essa duplicidade de
efeitos, de que fala Marx, exprime-se como pesado processo deflacionário nos números
do comércio internacional do atual ciclo.
Tudo cai no mercado mundial. Do petróleo ao trigo. Dos aviões aos
automóveis. Só alguns bens de luxo se salvam. Por enquanto. Finalmente, o sistema
comercial mundial sente o baque e apresenta nos últimos trimestres claros sinais de
derrocada. Os superlucros estruturais desaparecem abruptamente do comércio mundial.
Este último deixa de agir como fator anticíclico. Como acontece com as taxas de juros
dos bancos centrais, mergulhadas na armadilha da liquidez, com os enfraquecidos
créditos públicos das principais economias, etc. São particularidades do ciclo que se
encerra. O enfraquecimento do comércio internacional como fator anticíclico é
muitíssimo importante para se antever a profundidade e a forma do próximo choque.
Os primeiros sinais da derrocada já se apresentam. Verifica-se pelos gráficos da
página 1: no 1º trimestre deste ano, o total do comércio internacional de mercadorias
desabou pesadamente frente ao trimestre anterior – tanto para as maiores economias
dominadas do Briics quanto para as economias dominantes do G-7. As exportações
caíram 7.1% e as importações 9.5%. No trimestre anterior (4º trimestre 2014) as
exportações já tinham caído 3.0% e as importações 3.7%. As precárias informações do
2º trimestre/2015, que está a se encerrar neste mês de Junho, indicam que essa
derrocada se aprofunda mais velozmente. Teremos estes dados oficialmente no próximo
mês. O próximo passo é a própria retração do volume das exportações e importações. O
inaudito distanciamento atual dos preços e das quantidades no comércio internacional
coincidirá com a explosão da crise e a derrocada da acumulação do capital em todo o
mundo. Que Marx seja Louvado!
Em 2015, estamos completando 28 ANOS DE VIDA.
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