Ano do dragão

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Ano 1 | Número 11 | Terça, 19 de maio de 2015
Istoé Dinheiro
Ano do dragão
Megacomitiva de autoridades e empresários da China chega ao Brasil de olho em
investimentos de R$ 160 bilhões. Saiba o que isso significa para o País
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A figura ameaçadora e imponente do dragão multicolorido pode ser vista com facilidade em qualquer parte do
mundo na época de comemorações do Ano Novo Chinês. Entre seus diversos significados identificados ao
longo da história, o símbolo costuma a ser associado ao poder, sobretudo no período imperial. Em visita ao
Brasil, nesta semana, em conjunto com uma comitiva de quase 200 empresários, o primeiro-ministro chinês
Li Keqiang representará a simbologia do ícone milenar, ao trazer na bagagem um megapacote de
investimentos de US$ 53,3 bilhões (cerca de R$ 160 bilhões).
O foco dos aportes será voltado para a área de infraestrutura, que concentra as necessidades mais urgentes do
Brasil atualmente e é a principal aposta do governo brasileiro para garantir a retomada do crescimento. A
cifra compreende negócios em ferrovias, portos, aeroportos, energia, estaleiros, serviços e autopeças, entre
outros. A passagem do mandatário se dá menos de um ano após o encontro entre os presidentes Xi Jiping e
Dilma Rousseff, em Fortaleza, em julho passado, no dia seguinte à final da Copa do Mundo e antes da cúpula
dos Brics.
Na época, foram assinados mais de 50 acordos bilaterais, entre investimentos e protocolo de intenções.
Alguns devem ser concretizados nesta semana, como a venda de ao menos 40 aviões da Embraer para a Tiajin
Airlines e a abertura definitiva do mercado de carne bovina. O curto intervalo de tempo entre as duas visitas é
interpretado por analistas como um sinal da disposição dos chineses em aprofundar e dar mais relevância à
parceria. Durante muito tempo, o crescimento de dois dígitos da China vinha contribuindo para elevar o preço
de matérias-primas como o minério de ferro e estimular economias emergentes pelo mundo.
Com um modelo econômico baseado em investimentos internos em infraestrutura, os chineses desbancaram
os EUA como principal parceiro de comércio do Brasil, contribuindo para sustentar saldos positivos na
balança comercial nos últimos anos. Em 2013, porém, o governo chinês reconheceu a necessidade de alterar o
modelo de crescimento, e adotar um foco mais voltado ao consumo interno. A decisão consagrou uma série
de reformas, entre as quais a ampliação da “diplomacia econômica” e uma postura ofensiva de investimentos
no exterior. “A China tem muito dinheiro e está disposta a usar seu poder no mundo”, afirma o professor John
Mearsheimer, cientista político da Universidade de Chicago (leia a entrevista no final da reportagem).
Na outra ponta, o Brasil sofre com a escassez de capital e uma série de problemas. Com a desaceleração
chinesa, o preço das commodities desabou e levou o País a ter, no último quadrimestre, o primeiro déficit
bilateral em ao menos cinco anos. Faltam recursos e investidores para tocar adiante os projetos de
infraestrutura para aprimorar a logística do País e melhorar a competitividade. Esse quadro é o que torna a
aproximação com a China interessante, por conta do seu conhecimento técnico e liquidez. “É o único país do
mundo que tem disponibilidade e disposição para investir no Brasil”, afirma Charles Tang, presidente da
Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China.
A expectativa é de uma cooperação financeira ambiciosa, com crédito suficiente para sustentar os projetos.
Um aporte de US$ 50 bilhões na Caixa Econômica Federal deve ser anunciado para estruturar um fundo
voltado para infraestrutura. Entre os projetos, o de maior magnitude é a construção da ferrovia Transoceânica,
em parceria com o Peru, para escoar mercadorias brasileiras pelo Pacífico. O empreendimento ajudará a
garantir o fornecimento de commodities que os chineses precisarão no futuro, como a soja e o minério de
ferro. “A relação bilateral está transitando do comércio, que hoje é muito grande, para investimentos mais
intensos”, afirma o embaixador Sérgio Amaral, presidente emérito do Conselho Empresarial Brasil-China.
Em janeiro, a China estimou em US$ 250 bilhões o volume de recursos que devem ser destinados para a
América Latina, nos próximos dez anos. A ofensiva inclui companhias do setor de financeiro e as voltadas
para o consumo. Segundo DINHEIRO apurou, a visita do premiê pode marcar o anúncio da compra de um
banco brasileiro por um chinês e a aquisição de uma empresa de tecnologia. A Chery anunciará a construção
de um polo automotivo ao lado de sua fábrica, em Jacareí (SP). Há negociações avançadas com ao menos sete
fornecedores chineses.
A BYD, que vai produzir ônibus elétricos em Campinas, apresentará um plano de uma fábrica de painéis
solares. Os dirigentes brasileiros responsáveis pelas operações dizem perceber a preferência por países dos
Brics no contato com a matriz. “Na diretoria da BYD, é comum eles citaram o ponto de vista estratégico, de
que a China encara o Brasil como um grande parceiro”, afirma Adalberto Maluf, diretor da empresa. Entre os
investimentos realizados pelo grupo no exterior, o Brasil só fica atrás dos EUA. Na Chery, a fábrica de
Jacareí é o principal destino dos aportes fora da China.
“Na época em que o projeto estava em estudos, eu ouvia a palavra Brics com uma frequência incrível”, afirma
o vice-presidente Luis Curi. “Viam com muito otimismo o futuro do Brasil.” Em setores como o de energia,
há mais razões para supor uma cooperação maior entre os dois países. Um deles é a complexidade dos
projetos, dadas as dimensões continentais de ambos. Foi um dos motivos para transformar a State Grid,
gigante estatal de energia na China, em potencial investidora no Brasil.
Com a compra de transmissoras, o grupo se instalou no País, em 2010, e desde então vem mostrando um
apetite crescente por projetos. A companhia arrematou a linha de transmissão da usina de Belo Monte e
afirma estar avaliando oportunidades em geração e distribuição. “A China está demonstrando que tem
recursos para investir no exterior, tem capacidade técnica e interesse, principalmente nos países com os quais
tem ótima relação comercial”, afirma Ramom Haddad, vice-presidente da subsidiária brasileira da State Grid.
“O Brasil é um dos destinos preferenciais.”
CONTRAPARTIDAS Se, por um lado, a posição chinesa está muito clara nos acordos que serão fechados no
encontro com o premiê Li Keqiang, por outro, há uma apreensão acerca dos termos e contrapartidas a serem
apresentadas. Embora reconheçam uma provável flexibilização do governo brasileiro em aceitar algumas
condicionantes nos investimentos, tais como a compra de maquinário chinês, analistas e empresários
nacionais alertam que é preciso negociar com firmeza os limites, buscando compreender também o interesse
de empresas locais no mercado chinês.
“Os investimentos em infraestrutura têm de estar atrelados à estratégia de adicionar valor também para o
Brasil”, afirma Marcos Jank, vice-presidente de assuntos corporativos da BRF na Ásia. A companhia espera
que o governo brasileiro aproveite o encontro para discutir a facilitação das operações no mercado do
parceiro, entre as quais a aprovação de licenças para abertura de mais fábricas, que costumam demorar a sair.
“Durante muito tempo, a gente adicionou valor no Brasil e exportou só a commodity”, afirma Jank.
“Acreditamos que é possível adicionar valor também lá fora do Brasil.” Com tantas discussões econômicas
em pauta, é até surpreendente que o primeiro ministro do gigante asiático encontre tempo para visitar uma
exposição no Rio de Janeiro, de onde segue viagem para a Colômbia, Peru e Chile, para mais anúncios de
investimento. Entre os empresários, segue agora a expectativa de que a visita seja retribuída por uma viagem
da presidente Dilma Rousseff à China, para selar de vez o novo patamar da relação com o dragão oriental.
---“A China tem muito dinheiro e está disposta a usar o seu poder no mundo”
O professor de Ciência Política da Universidade de Chicago, John Mearsheimer, está convencido de que os
Estados Unidos não permitirão que a China continue a ocupar espaço nas Américas. Na contramão da maioria
dos analistas, acredita, inclusive, que a tensão entre os dois países pode acabar em conflito armado, apesar da
interdependência entre as duas maiores economias do mundo. “Há uma impressão de que o crescimento
chinês é uma ameaça”, diz. Ele reconhece, porém, que a expansão é benéfica para vários países, como o
Brasil. Confira a entrevista à DINHEIRO:
Em seu livro, A Tragédia da Política das Grandes Potências, o senhor menciona a possibilidade de uma
guerra entre Estados Unidos e China. Acha caminhamos para isso?
Estados Unidos e China vão se engajar numa intensa competição de segurança. Isso já envolve os vizinhos
dos chineses, como Vietnã, Japão e Índia. É difícil dizer com certeza que haverá um conflito, mas existe uma
séria possibilidade de que isso aconteça.
Os dois países parecem ter se tornado mais parceiros nos últimos anos.
Eles fizeram muitas coisas juntos em termos econômicos. No entanto, nos últimos anos, começaram a
competir na questão da segurança. A política americana na Ásia é desenhada para conter a China e eu acho
que Pequim compreende isso. Os Estados Unidos não estão interessados em ver a China dominando a Ásia. A
China, por sua vez, tem a intenção de dominar a Ásia, da mesma maneira que os Estados Unidos dominam o
hemisfério americano. A parceria é apenas econômica. Existe um profundo conflito entre a dimensão
econômica da relação com a China e seus interesses de segurança. Isso também vale para o sudeste asiático.
Em lugares como Austrália, Coreia do Sul e Japão, existe um sentimento forte de que, do ponto de vista
econômico, o crescimento da China é uma coisa maravilhosa, bom para todo mundo, pelo aumento da
riqueza. Por outro lado, há uma impressão de que o crescimento é uma ameaça, em termos de segurança.
Existe uma disputa entre as dimensões econômica e de segurança?
Correto. Quando falo que a China não pode crescer pacificamente e que existe um grande risco de conflito, o
argumento contrário que eu mais ouço é que a interdependência econômica vai evitar uma guerra. Minha
visão é de que quando as considerações econômicas e as de segurança entram em conflito, em quase todos os
casos prevalece a visão de segurança. Segurança é a sobrevivência do Estado.
A China deve se tornar em breve a maior economia do mundo. Isso não deve mudar o equilíbrio entre os
países?
Esse equilíbrio vem mudando desde os anos 1980, quando a China abandonou o comunismo e adotou o
capitalismo. A questão interessante não é o tamanho da economia chinesa, mas quando o PIB per capita irá se
igualar ao de lugares como Hong Kong, Coreia do Sul ou Taiwan. Quando a China chegar a esse ponto, será
muito mais poderosa do que os Estados Unidos. Pode levar muito tempo. Muitos especialistas dizem que isso
não vai acontecer, que a China não vai conseguir crescer por muito tempo, porque tem muitos problemas
econômicos e políticos. Eu espero que a China não continue a crescer indefinidamente. Acho que vai ser um
desastre se o país se tornar um Hong Kong gigante.
Não é bom para o mundo se eles aumentarem o PIB per capita?
Depende do país. É bom para o Brasil. Do ponto de vista econômico, é fantástico. Mas não é bom para os
Estados Unidos.
Qual será o papel dos Estados Unidos na economia mundial, depois da crise?
O problema dos Estados Unidos é que estão perdendo poder para a China, que tem muito dinheiro e está
disposta a usar seu poder no mundo - exatamente como os americanos fizeram por muitas décadas. Se a
economia chinesa continuar a crescer, veremos esse problema com mais intensidade. E os Estados Unidos
vão lutar contra isso. Não posso afirmar com certeza que haverá um conflito armado. Mas haverá, certamente,
uma competição na área de segurança, mesmo com a cooperação econômica. Para ilustrar essa situação,
podemos pensar na Europa antes da Primeira Guerra. Havia uma grande cooperação econômica e
interdependência entre os diferentes países, e ainda assim houve a guerra. A segurança sempre fala mais alto
do que a economia. Os Estados Unidos não vão tolerar nenhuma potência entrando no hemisfério americano.
Qual será o papel dos Brics?
Difícil falar sobre os Brics, porque os países são muito diferentes.
A Índia, que nas últimas décadas ficou para trás, enquanto a China crescia, começou a crescer de forma
acelerada. Que futuro o senhor vê para o país?
Não acredito que a Índia vá crescer como a China cresceu. A democracia é um obstáculo para um
crescimento desse tipo. Não acho que a Índia será uma nova China.
Que cenário o senhor vê para o Brasil e para a América Latina?
O Brasil é o país, na região, que tem meios de se tornar uma grande potência e desafiar os Estados Unidos.
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