Desenvolve 21 Coluna do Centro de Altos Estudos Brasil Século

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Desenvolve 21
Coluna do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI*
Brasil e China parceiros – parte 1
A lição chinesa que o Brasil precisa aprender (para lidar com a
própria China)
Apesar de os laços diplomáticos terem sido reatados em 1974, após o
rompimento durante a Guerra Fria, Brasil e China só se aproximaram de
fato a partir dos anos 1990. Foi nesta década que a economia chinesa
começou a apresentar um dinamismo excepcional e foi em busca de novos
mercados, capitais, tecnologias, recursos energéticos, commodities. O
Brasil não poderia ignorar essa ascensão e os negócios entre os dois países
se avolumaram, a ponto de, em 2009, o país asiático se tornar o principal
parceiro comercial brasileiro, destronando os EUA.
Em 2014, o fluxo de importações e exportações entre China e Brasil atingiu
nada menos que US$ 77,9 bilhões (com superávit brasileiro de US$ 3,3
bilhões). Porém, o grande marco nas relações bilaterais ocorreu em maio
deste ano: a presidente Dilma Rousseff e o primeiro-ministro chinês Li
Keqiang assinaram o Plano de Ação Conjunta de 2015 a 2021 envolvendo
35 acordos de cooperação, com investimentos de mais de US$ 53 bilhões.
Os acordos contemplam áreas de infraestrutura, energia, transportes,
ciência e tecnologia, comércio, planejamento estratégico, agricultura,
mineração, entre outras. Um dos principais diz respeito a estudos de
viabilidade para a construção de uma ferrovia que ligará a região CentroOeste ao Pacífico, atravessando o Peru – o chamado Projeto Ferroviário
Transcontinental. O objetivo é facilitar o escoamento de produtos
brasileiros para a China.
Outros acertos referem-se a grandes empresas brasileiras, como a
Petrobras, objeto de dois acordos-quadros para financiamento de projetos
no total de US$ 7 bilhões, que vêm se somar a um contrato recente com o
Banco de Desenvolvimento da China (CDB) de US$ 3,5 bilhões e outro
mais antigo, de 2009, no valor de US$ 10 bilhões.
Dilma ainda anunciou um fundo de US$ 50 bilhões da Caixa Econômica
Federal e do Banco Industrial e Comercial da China (ICBC) para investir
em infraestrutura no Brasil.
São números, como se vê, estratosféricos. Pode-se dizer que exemplificam
a avidez com que a China, que se tornou a segunda maior economia do
mundo – uma superpotência econômico-financeira e militar –, avança sobre
todos os continentes em busca de novos negócios. Para alguns setores de
países “escaldados” com o apetite de parceiros poderosos, como é o caso
do Brasil e dos vizinhos latino-americanos, tal ímpeto pode soar
ameaçador.
Em O "efeito China" e alguns dos principais desafios para o
desenvolvimento brasileiro (capítulo 3 do Vol. I da publicação Dimensões
Estratégicas do Desenvolvimento Brasileiro, que pode ser acessado na
íntegra, no site do Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI (link), José
Carlos Braga, Giuliano Contento de Oliveira e Paulo José Whitaker Wolf
analisam as transformações estruturais significativas na economia mundial
– Brasil incluído – provocadas pela aceleração da economia chinesa.
Por exemplo, a alta nos preços das commodities e a redução dos preços dos
produtos manufaturados nos mercados internacionais – causador do
fenômeno da “mundialização do consumo de massas”. ?? está solto
Os autores mostram que, no caso da América Latina, a importância dos
produtos chineses na pauta de importações passou de 1,2% para 14,7% do
total, entre 1995 e 2011, e, no caso do Mercosul, de 1,3% para 15,1% do
total, no mesmo período. Uma ampliação esperada, já que as exportações
chinesas para a região e o bloco latino-americano cresceram, em média,
30% e 32% no período, respectivamente.
Segundo Braga, Oliveira e Wolf, a aproximação da China significa, para o
Brasil, oportunidade e risco ao mesmo tempo. De fato, o País é capaz de
produzir e exportar aquilo que os chineses mais precisam para sustentar seu
ritmo de crescimento, como soja, minério de ferro e petróleo. Porém,
observam, as transações entre os dois países seguem um típico padrão
Norte-Sul: a China exporta produtos manufaturados cada vez mais
sofisticados para o Brasil, ao passo que o Brasil exporta produtos primários
para a China.
Ameaça de desindustrialização
Outra questão é que as exportações chinesas e brasileiras não são
complementares em mercados estratégicos, como os Estados Unidos, a
Europa e até mesmo a América Latina – ou seja, competem entre si, com
desvantagem para o Brasil. Daí se intensificarem os debates em torno das
ameaças de “especialização regressiva” e até “desindustrialização”, que
podem significar retrocessos na capacidade de gerar mais produto e renda,
além de mais e melhores empregos.
No caso do Brasil, que detém um parque industrial mais complexo, as
perdas podem ser maiores do que em economias em que a indústria “é
apenas um enclave”, como dizem os autores.
Para Braga, esse risco, porém, não significa que não se deva fazer parceria
com o país que responde hoje por cerca de 8% do PIB mundial (US$ 3,9
trilhões). Ao contrário, ela é uma “oportunidade de elevar a taxa de
investimento como proporção do PIB brasileiro, que se encontra em nível
baixo”. Mas é fundamental, ressalta, que os acordos tenham cronograma
firme e sejam efetivamente executados, e que os investimentos sejam
promotores da retomada da industrialização no Brasil em vez de acelerar a
substituição da produção local por importações de bens de capital, partes e
componentes.
‘Pulo do gato’ chinês
Olhar com atenção para a forma como os chineses deram o seu salto de
desenvolvimento nas últimas décadas, e têm lidado com os outros países
mais desenvolvidos e suas empresas transnacionais, pode ser a chave para o
Brasil encontrar o melhor meio de lidar com a própria China e ainda
descobrir soluções para enfrentar seu problema de baixo crescimento.
Salta aos olhos, por exemplo, o fato de a China manter uma das maiores
taxas de investimento dentre os países emergentes e desenvolvidos:
superior a 45%. Esse volume alto de investimento foi a base da política
expansionista nos 1990 e 2000 e atuou como política anticíclica depois da
crise de 2007-2008, permitindo que não houvesse uma forte desaceleração
da economia. Grande parte desses investimentos foi direcionada à
infraestrutura associada ao processo de urbanização, o que pode ser uma
boa saída para o Brasil.
Enquanto destinamos US$ 150 bilhões para infraestrutura por ano, os
chineses investem mais de US$ 1 trilhão. Tal volume gerou uma demanda
que foi fundamental para o desenvolvimento industrial e tecnológico
chinês. São mais de US$ 4 trilhões em demanda por bens e serviços
industriais ao ano atendida, principalmente, pela indústria local, hoje
responsável por 35% do PIB. Nesse ponto esbarramos em outra estratégia
importante chinesa: uma bem definida política industrial e tecnológica, que
garante que esses recursos revertam para a própria economia. Vale destacar
que os chineses sempre fizeram parcerias do tipo joint-ventures, com
transmissão de conhecimento tecnológico, e vêm estimulando fortemente
as atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação.
“Ao contrário [de alguns países asiáticos], que adotaram uma política
industrial mais passiva aos fluxos de Investimento Direto Estrangeiro
(IDE), resultando num crescente descompasso entre o crescimento das
exportações e do valor adicionado industrial, a China combinou a estratégia
do processamento de exportações com a busca de maior autonomia
doméstica, permitindo manter uma concomitante expansão do valor
adicionado industrial”, escrevem os autores.
A fase “made in China” (feito na China) está em transição para a fase
“created in China” (criado na China). Para isso, o país vem investindo mais
em mão de obra qualificada, na ampliação do acesso à educação básica e
superior, na elevação da qualidade do ensino.
Os produtos chineses não são mais apenas produtos de terceiros ou itens de
baixa qualidade. Há marcas sendo consolidadas internacionalmente, como
é o caso da Lenovo (computadores) e Huawei (equipamentos de
telecomunicações), entre outras.
Com seu “capitalismo de Estado”, a China passou por uma transformação
da estrutura produtiva que não seria possível sem o esforço sistemático de
planejamento do governo chinês. Os autores da publicação do Centro de
Altos Estudos sugerem que a capacidade de enfrentamento da concorrência
chinesa pelo Brasil, tanto no mercado interno, como no mercado
internacional, exige a implementação de um amplo conjunto de iniciativas
orientado para a competitividade da economia brasileira.
Para lidar com o avanço dos chineses e tirar o maior proveito possível da
parceria, recolocando o Brasil de volta ao trilho do desenvolvimento
produtivo, deve-se ficar atento ao que a própria experiência chinesa pode
ensinar.
* O Centro de Altos Estudos Brasil Século XXI é uma associação civil sem fins
lucrativos que desenvolve estudos e pesquisas de caráter interdisciplinar e visão de
longo prazo em temas estratégicos para o desenvolvimento nacional, além de
contribuir para a formação de alto nível de agentes públicos.
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