425 Artigo de Revisão Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. Neurobehavioral impairments in aneurysmal subarachnoid hemorrhage before and after surgery: case report and review of literature. Patricia Bozzetto Ambrosi1 Caroline Bozzetto Ambrosi2 Ivana Alencar3 Hildo Azevedo Filho4 RESUMO ABSTRACT Os prejuízos neurocognitivos após uma hemorragia subaracnóide (HSA) aneurismática, bem como as classificações de resultados neurocirúrgicos, vêm em processo de reavaliação. O tratamento endovascular dos aneurismas intracranianos, que inicialmente foi introduzido para a oclusão dos aneurismas mais difíceis, vem se tornando um método de escolha por ser menos invasivo, porem não se conhece o impacto neurocognitivo do tratamento da HSA aneurismática seja ele cirúrgico ou endovascular. Sabe-se que a HSA isoladamente também está associada com alterações cognitivas a longo prazo. Alguns fatores clínicos associados, como vasoespasmo, ressangramento, hidrocefalia, ruptura intra-operatória também podem agravar essas alterações cognitivas. Os estudos correlacionando essas variáveis foram iniciados há pouco tempo e não existe consenso a partir de estudo controlado na literatura. O objetivo deste relato visa demonstrar a aplicação clínica e neuropsicológica direcionada para analisar o estado cognitivo pré e pós-operatório em uma paciente que foi internada após duas hemorragias subaracnóideas (HSA) aneurismáticas, cujo aneurisma da artéria cerebral média esquerda foi clipado. São analisados o estado pré e pós- operatório tentado-se delimitar a disfunção dentro de padrão de comportamento individual, os distúrbios pré-operatórios e a seqüelas pós-operatórias quando ela foi averiguada mais tarde, analisando-se o impacto de ambas, hemorragia e cirurgia sobre o funcionamento cognitivo e funções afetivas. The neurocognitive damage after aneurysmal subarachnoid hemorrhage (SAH) and the classification of neurosurgical results are in a process of renovation. After the introduction of endovascular treatment of intracranial aneurysms, which was initially used for the treatment of the most difficult ones, it has become a method of choice because of its less invasiveness. However, it is not known the neurocognitive impact of two methods: endovascular and microsurgical, but the SAH itself is also associated with cognitive changes in the long term follow-up. Some other factors like vasospasm, rebleeding, hydrocephalus, intra-operative rupture can also lead to or increase the cognitive changes. Studies correlating these variables have started recently and until now there is no consensus in the literature due to the lack of controlled trials. The objective of this report is to demonstrate the clinical application of examining the neuropsychological cognitive status pre and post-operatively in a patient who was hospitalized after an aneurysmal SAH and who had her left middle cerebral aneurysm clipped after the second bleeding. The study aimed to determine the pattern of dysfunction caused by the bleeding and by the surgery. Key words: Intracranial aneurym, subarachnoid haemorrhage, neuropsychology, microsurgery, therapeutic embolization Palavras-chave: Aneurisma intracraniano, hemorragia subaracnóide, neuropsicologia, microcirurgia, embolização. 1 Ex-Residente do Serviço de Cirurgia Neurológica, Hospital da Restauração, Universidade de Pernambuco, Recife, Mestranda em Neurocirurgia da Universidade Federal de Pernambuco 2 Acadêmica de medicina da Universidade de Santa do Sul, Santa Cruz do Sul 3 Neuropsicóloga 4 Professor Titular de Cirurgia Neurológica da Universidade de Pernambuco e Chefe do Serviço Recebido em Julho de 2009, Aceito em Agosto de 2009 Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 426 Artigo de Revisão Introdução O aumento dos sobreviventes entre os pacientes com hemorragia subaracnóidea (HSA) tem sido acompanhado por um interesse crescente nos fatores que podem interferir com a autonomia funcional e os resultados da qualidade de vida (QV), principalmente os prejuízos cognitivos. Mesmo entre aqueles que conseguem uma boa recuperação funcional e são independentes para atividades do cotidiano, muitas experiências mostram acentuadas seqüelas neurocomportamentais, as quais podem persistir por muitos anos após a HSA3,5,14. Ainda não está claro, contudo, se a extensão do ictus por si mesmo, ou outros tipos de danos cerebrais secundários estão associados com essas sequelas cognitivas5,17. Outro desafio seria saber se pacientes que tiveram seus aneurismas operados são mais propensos a desenvolver os distúrbios acima mencionados do que aqueles que foram embolizadas14,18. Uma adequada análise pré-operatória é difícil de se obter em larga escala, pois atualmente a maioria dos pacientes têm o seu tratamento estabelecido de forma precoce, não se podendo obter, por conseguinte, uma conclusão definitiva se o sangramento per si ou o tratamento são a causa do déficit cognitivo. O objetivo deste relato é apresentar o caso de uma paciente de 41 anos que apresentou ruptura de aneurisma da artéria cerebral média esquerda e analisar o seu estado cognitivo antes da cirurgia e comparar com os achados encontrados após a clipagem do aneurisma. Esses estudos são importantes para que se possa estabelecer uma base conceitual necessária para o desenvolvimento de testes de triagem neuropsicológica para pacientes com HSA aneurismática. Revisão de Literatura Aspectos clínicos e diagnósticos da HSA A principal causa de HSA não-traumática é a ruptura de um aneurisma intracraniano, representando aproximadamente 80% dos casos26. Ela responde por 2 a 5% novos acidentes vasculares cerebrais e afeta 21.000 a 33.000 pessoas anualmente nos Estados Unidos. Em torno de 46 % dos pacientes que sobrevivem a uma HSA aneurismática apresentam complicações cognitivas a longo prazo com conseqüência no estado geral e na qualidade de vida26. O sangramento em lide apresenta distintas características demográficas e fatores de risco. Estima-se que perfaz 2 a 5 % dos casos de acidente vascular encefálico anualmente no Brasil20. A incidência tem permanecido estável nos últimos anos, embora possa variar de região para região. A incidência aumenta com idade, sendo a média de idade para apresentação de 55 anos. O risco para mulher é 1.6 maior em relação ao homem e o risco para negros é 2.1 maior em relaçâo aos brancos. A proporção de fatalidade para HSA é de 51 por cento com aproximadamente um terço dos pacientes sobreviventes necessitando de tratamento a longo prazo26. A maioria das mortes ocorrem dentro de duas semanas após o ictus, com percentual de dez por cento antes de receber tratamento médico e 25 por cento dentro das 24 horas após o evento26. Os fatores mais importantes para pior prognóstico são o nível de consciência do paciente na admissão, idade e quantidade de sangue na tomografia computadorizada de crânio (TC) inicial26. Varias classificações têm sido usadas para descrever as características clinicas da HSA26. As mais amplamente usadas são as de Hunt and Hess e a da World Federation of Neurosurgical Societies (WFNS). A última é preferencialmente mais usada atualmente por se basear na escala de coma de Glasgow (ECG) e na presença de sinais neurológicos focais. Quanto maior o valor numérico, pior o prognóstico. A quantidade de sangue vista na tomografia inicial pode ser facilmente avaliada. A presença de coágulo subaracnóide ou hemorragia ventricular são fatores de pior prognóstico. Os fatores de risco mais importantes identificados incluem consumo de cigarros, hipertensão, uso de drogas e uso abusivo de álcool26. Pacientes com história familiar de parentes em primeiro grau com HSA aneurismática também apresentam risco maior de um pior prognóstico. Doenças hereditárias do tecido conjuntivo estão associadas com maior presença de aneurismas intracranianos, como doença policística renal, síndrome de Ehlers-Danlos (tipo IV), pseudoxanthoma elasticus e a displasia fibromuscular. O risco de rompimento do aneurisma depende do tamanho e da localização do mesmo. De acordo com o International Study of Unruptured Intracranial Aneurysms (ISUIA), em pacientes sem história de HSA, o risco cumulativo em cinco anos de ruptura de aneurismas localizados na carótida interna, artéria comunicante anterior, artéria cerebral anterior ou artéria cerebral média é praticamente zero para aneurismas menores do que 07 mm, 2,6% para aqueles entre 07 e 12 mm, 14,5% para os com diâmetro máximo entre 13 e 24 mm, e 40% para os que são maiores do que 25 mm1. O diagnóstico da HSA deve ser sempre suspeitado em pacientes com uma apresentação caracterizada por cefaléia de inicio súbito e com incomum, acompanhada por naúseas, vômitos , dor nucal , fotofobia e perda de consciência. O exame físico revela hemorragias retinianas, meningismo, nível diminuído de consciência e sinais neurológicos focais. Os sinais neurológicos focais incluem paralisia do terceiro nervo (nos casos associados com aneurismas da artéria comunicante posterior), paralisia do sexto nervo (aumento da pressão intracraniana), déficit motor nas extremidades inferiores (artéria comunicante anterior) ou abulia ou combinação de hemiparesia e afasia e heminegligência (artéria cerebral média). As hemorragias retinianas devem ser diferenciadas das hemorrragias pré-retinianas da síndrome de Terson que indica aumento abrupto da pressão intracraniana e estão associadas com aumento da mortalidade26. Na ausência Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 427 Artigo de Revisão dos sinais clássicos, pode ser subdiagnosticada e a freqüência dessa falha diagnóstica pode chegar até 50%, por ocasião da primeira consulta, podendo ser confundida com cefaléia migranosa ou tensional. Esses pacientes podem ter o exame neurológico completamente normal. Contudo as complicações podem ocorrer posteriormente26. A TC é o exame de eleição para todo paciente com suspeita de HSA. Os achados característicos são extravasamento do sangue no espaço subaracnóideo que se apresenta hiperdenso. Uma TC de boa qualidade pode diagnosticar 100 por cento dos casos de HSA dentro das primeiras 12 horas do inicio dos sintomas e 93% dentro das primeiras 24 horas. Além disso, demonstra a presença de hematomas intraparenquimatosos, hidrocefalia, edema cerebral e pode ajudar na localização do local da ruptura do aneurisma. Todavia, a sensibilidade cai para 50 % após 07 dias, devido à rápida absorção do sangue no espaço subaracnóideo 26. A punção lombar deve ser realizada em todo paciente com suspeita de HSA com TC negativa. Achados consistentes incluem uma pressão de abertura elevada, elevada contagem de hemácias que se mantém no teste dos tubos e presença de xantocromia. Nos pacientes cujo diagnóstico é confirmado tanto pela TC como pela punção, o próximo passo é a realização de uma angiografia cerebral. A angiografia cerebral por subtração digital é considerada o padrão ouro em detrimento a outros. Um estudo minucioso de todos os vasos cerebrais deve ser realizado uma vez que 15 % dos pacientes tem aneurismas múltiplos. Pacientes com estudo angiográfico inicial negativo deverão repetir o exame após 15 dias. A reconstrução tridimensional é extremamente útil. Uma segunda opção de avaliação é através da ressonância magnética para identificar presença de possível malformação arteriovenosa encefálica associada e que pode também fornecer informações quanto ao tamanho do aneurisma26. Resultados neurológicos Os fatores que podem predizer os distúrbios cognitivos também estão relacionados com a localização do aneurisma, como também a presença de vasoespasmo sintomático (46 % dos pacientes), hidrocefalia (20 % dos pacientes) e ressangramento (07-10 % dos pacientes)3,9,17. Os pacientes com ressangramento têm alto risco de sequelas neurológicas e a mortalidade alcança 50%17. A grande maioria dos pacientes desenvolve alguma complicação médica que pode ser severa em até 40% dos pacientes. A complicação mais comum é o edema pulmonar que pode estar presente em até 23% dos pacientes (síndrome da angústia respiratória cardiogênica ou neurogênica), arritmias cardíacas podem chegar a 35% e distúrbios eletrolíticos se observa em um terço dos pacientes. Hiponatremia pode ser causada pela SIADH (com volume intravascular normal ou aumentado) ou síndrome perdedora de sódio (baixo volume intravascular)26. Resultados cognitivos Estima-se que mais de 50% dos pacientes que sobrevivem a HSA aneurismática tenham seqüelas relacionadas com as funções neuropsicológicas, com permanentes reflexos na reabilitação social. Apenas metade dos pacientes que sobrevivem retornam ao trabalho29. As seqüelas neuropsicológicas afetam principalmente as funções de memória, atenção, percepção, noção visuoespacial e função executiva. Não existe consenso com relação a quais fatores clinicos ou cirúrgicos poderiam ser responsáveis por essas seqüelas3,6,29. Em várias publicações, a localização do aneurisma não é considerada importante, contudo em outras ela é considerada. Tem sido observado que os AI situados na circulação posterior apresentam melhor prognóstico no que concerne a memória verbal e visual, do mesmo modo que a ruptura de aneurismas da artéria comunicante anterior, assim como a oclusão temporária das artérias cerebrais anteriores durante a intervenção cirúrgica, relaciona-se com maiores déficits na memória e nas funções executivas13. Quando se analisa a situação neurológica e a extrensão da hemorragia, os dados são contraditórios5,6,10,9,21. Quando da admissão (escala da WFNS ou escala de Hunt- Hess) ou gravidade da hemorragia (escala de Fisher), há relatos que não estabelecem correlação com distúrbios da função neuropsicológica4,21. Hadjivassiliou e col realizaram estudo com 40 pacientes com aneurismas cerebrais submetidos a tratamento endovascular versus 40 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico. O grupo alocado para tratamento endovascular apresentou um melhor funcionamento neuropsicológico quando comparado com o grupo cirúrgico. A tendência foi estatisticamente mais significante no que concerne a memória visual, funções executivas e no teste para vocabulário de Weschler. Nesse mesmo trabalho, o autores encontraram maior presença de encefalomalácia nas imagens por ressonância magnética entre os tratados cirurgicamente1. Chan, estudando somente os aneurismas de comunicante anterior, através de uma pequena série com nove pacientes, mostrou 30% dos pacientes tratados cirurgicamente apresentaram deterioração neurológica, o que não aconteceu no grupo tratado através de embolização9. Fontanella e col não encontraram diferenças estatisticamente significantes entre os pacientes tratados cirurgicamente ou por via endovascular12. Nos estudos relatados na literatura correlacionando HSA aneurismática e as modalidades de tratamento, cirúrgico ou endovascular, a grande dificuldade tem sido determinar se os distúrbios cognitivos são causados pela própria HSA ou pelo procedimento cirúrgico, como também suas complicações. A maior parte dos estudos concorda que grande parte das seqüelas cognitivas são ocasionadas pela própria HSA. O exame neuropsicológico deveria ser inseparável do exame neurológico em geral; um esclarece o outro. No entanto, a avaliação neuropsicológica deve conter testes específicos e sensíveis que possibilitem a diferenciação entre as funções cognitivas preservadas e comprometidas. Existe uma variabilidade grande de escalas que podem ser utilizadas, isso muitas vezes esta na dependência da experiência do examinador e de cada serviço. Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 428 Artigo de Revisão A escala de Inteligência de Wechsler para adultos (Wechsler Adult Intelligence Scale) ou WAIS é um teste geral de inteligência (QI), publicado em fevereiro de 1995 como uma revisão do teste Wechsler-Bellevue (1939) é uma bateria de testes que é composta dos subtestes Wechsler “adotados” dos testes do Exército26,27.Weschler definiu inteligência como “a capacidade global de uma pessoa agir resolutamente, pensar racionalmente e se relacionar eficazmente com o seu ambiente”. O WAIS é um dos mais importantes testes para avaliação clínica da capacidade intelectual dos adultos na faixa etária entre 16 e 89 anos. Embora apresente as características essenciais de seus predecessores, o WAIS-III fornece dados normativos atuais, tanto da amostra original americana como da brasileira, e também material e procedimentos de aplicação atualizados. Os subtestes do WAIS-III são agrupados de acordo com os índices. O WAISIII oferece a possibilidade de se obter medidas para as seguintes Escalas e Índices. • QI Verbal • QI de Execução • QI Total • Índice de Compreensão Verbal • Índice de Organização Perceptual • Índice de Memória Operacional • Índice de Velocidade de Processamento Através dos QIs (quociente de inteligência) e dos índices se pode avaliar a capacidade intelectual e a memória .Incluem subtestes de atenção,orientação, evocação imediata e tardia verbal e visual, aprendizagem e reconhecimento. O Inventário de Depressão de Beck é uma escala de auto-avaliação amplamente utilizada na clínica e em pesquisa2. Não é um instrumento de diagnóstico por si, apenas sendo utilizado como complemento da avaliação clínica de pacientes já diagnosticados com depressão. Os itens do inventário se referem à tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sentimento de culpa, sensação de punição, autodepreciação, auto-acusação, idéias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio do sono, fadiga, perda do apetite, perda de peso, preocupação somática e diminuição da libido. Os critérios de corte para os diferentes níveis de depressão sugeridos no BDI são os seguintes: <10 = sem depressão ou depressão mínima; 10-18 = depressão leve a moderada; 19-29 = depressão moderada a grave; 30-63 = depressão grave. A escolha do WAIS-III foi baseada na rotina clínica em nosso departamento e foram considerados suficientemente capazes de estimar tanto atributos verbais como funções executivas.Foram calculados os três QIs: QI total, QI verbal (V-IQ) e de execução QI (E-IQ) e os percentis. Esses últimos são calculados através de escores brutos. Os seguintes subtestes verbais foram utilizados: vocabulário, semelhanças, aritmética, dígitos e seqüência de letras e números (tabela 1). Os subtestes de execução abrangeram completar figuras, códigos, cubos e procurar símbolos. Para obter o QI verbal e de execução os quatro seguintes índices foram obtidos: O Índice de Compreensão Verbal (ICV) calculado a partir de subtestes como vocabulário e semelhanças, o Índice Perceptual de Raciocínio (IOP) obtido a partir de completar figuras e cubos, o Índice Memória de Trabalho (IMO) determinado por meio da aritmética, análise de dígitos e seqüência de letras e números29. Relato do Caso Uma paciente, destra, com 41 anos de idade, foi admitida na emergência do Hospital da Restauração devido a HSA não-traumática, encaminhada 72 horas após o ictus. Os seus sintomas iniciais foram cefaléia explosiva e vômitos. Na admissão, tinha uma pontuação de 15 na Escala de Coma de Glasgow e presença de sinais de irritação meníngea. De profissão lavadeira , tinha cinco anos de escolaridade. Tratamento irregular para hipertensão arterial. Fumante em média meio maço de cigarros por dia durante 30 anos e bebia 3 garrafas de vinho nos finais de semana. Não havia história pregressa de transtornos psiquiátricos ou antecedentes familiares para doenças cerebrovasculares. Havia pequena quantidade de sangue na cisterna silviana esquerda que de início gerou dúvidas quanto ao diagnóstico (figura 1A), contudo a punção lombar demonstrou líquor hemorrágico com xantocromia. A angiografia cerebral revelou um aneurisma sacular da Artéria Cerebral Média (ACM) esquerda, causa do sangramento, e um aneurisma incidental fusiforme da artéria pericalosa (figura 2). Três dias após sua admissão, ela apresentou ressangramento, mais localizado ao nível da fissura silviana esquerda (figura1B). Material e Método O exame neuropsicológico foi realizado utilizando subtestes do WAIS-III adaptado e validado para a população brasileira por uma neuropsicologa do nosso departamento em 4 entrevistas: no pré-operatório e no pós-operatorio: 1 mês, 6 meses e 1 ano após. Figura 1: 1A-Imagem tomográfica com pequena quantidade de sangue na fissura silviana esquerda. 1B- Presença de sangue na fissura silviana e no parênquima cerebral a esquerda. Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 429 Artigo de Revisão uma prova escrita e apresentava um pronunciado déficit motor na mão direita. Ela não foi capaz de compreender e cooperar nos exames. Os resultados dos testes neuropsicológicos antes da craniotomia estão detalhados na tabela 1, na qual podemos verificar os escores brutos em cada subteste e os respectivos índices. Os quocientes foram V-IQ = 41, E-IQ = 29, IQ = T-7, e o percentil foi de 6,0. Figura 2: 2A-Imagens angiográficas em posição obliqua evidenciando o aneurisma sacular de M1 esquerdo causador das hemorragias e aneurisma fusiforme incidental da artéria pericalosa. Trinta e oito dias após o icuts, a paciente foi submetida a craniotomia pterional esquerda, que incluiu aplainamento da fissura orbitária e da fossa anterior, a fim de dar mais espaço para expor o segmento M1 da ACM. Durante a abertura da fissura silviana, sempre realizada de medial para distal, houve ruptura do aneurisma, sendo necessárias três clipagens temporárias de M1. A duração total das clipagens foi 13 minutos, com dois períodos de cinco minutos. O pós-operatório imediato foi sem intercorrências. Angiografia cerebral pós-operatória mostrou exclusão do aneurisma e preservação da anatomia vascular da região (figura 3). Ela recebeu alta 28 dias após a cirurgia, permanecendo em uso de fenobarbital. A primeira entrevista pós-operatório foi realizada 27 dias após o tratamento cirúrgico. Ela apresentou melhora quanto ao déficit motor da mão direita, mas permanecia com dificuldade articulatória e perturbação da fala, que é característica da disartria. Os escores brutos foram 31/66 (vocabulário), 6/38 (semelhanças), 7/22 (aritmética), 6/16 (dígitos direto), 4/14 (dígitos inverso), 7/21 (seqüenciamento de letras e símbolos), 9/25 (completar figuras), 0/133 (símbolos), 6/68 (cubos), 17/60 (procurar símbolos) (tabela 2). As pontuações foram V-IQ = 53, E-IQ = 33, IQ = 89 e o valor do percentil foi de 19,0. (tabela 1) A entrevista subseqüente foi realizada seis meses após o ictus. A paciente não havia ainda retornado ao seu emprego, contudo já estava realizando algumas atividades domésticas. Sua condição familiar era estável, era casada e vivia em harmonicamente com a família. A avaliação neuropsicológica foi a seguinte: 39/66 (vocabulário), 6/38 (semelhanças), 9/22 (aritmética), 6/16 (dígitos direto), 5/14 (dígitos inverso), 8/25 (completar figuras), 0 /133 (símbolos), 7/68 (cubos), 10/60 (procurar símbolos). Os QIs foram V-IQ = 59, E-IQ = 39, IQ = T-93, com percentil de 32. A última entrevista foi realizada 12 meses após o sangramento. Permanecia com boa condição social, no entanto, ainda demonstrava dificuldades com a memória. Os escores brutos foram 32/66 (vocabulário), 11/38 (semelhanças), 9/22 (aritmética), 7/16 (dígitos diretos), 5/14 (dígitos inverso), 8/25 (figuras), 16/133 (símbolos), 12/68 (cubos), 11/60 (procurar símbolos). Continuava casada, todavia, não havia retornado ao trabalho como lavadeira, em virtude da hemiparesia que apresentava sinais de melhora. TABELA 1 Figura 3: 3A- Controle angiográfico com a exclusão do aneurisma e presença dos clipes metálicos. Resultados Quantitativos dos Testes Subtestes do WAIS-III A paciente foi entrevistada em quatro momentos por uma neuropsicóloga após assinar o termo de consentimento. No préoperatório, 37 dias após a HSA, ela relatou dificuldades na memória e não foi capaz de fazer o subteste códigos, porque é QI/índices Factoriais QIV QIE QIT P ICV IOP IMO IVP Pré-op 34 23 57 6 9 14 25 9 Pos-op 1-m 44 26 70 19 18 16 26 10 Pos-op 6-m 49 31 80 32 20 16 29 15 Pos-op 1a 50 33 83 37 19 16 31 17 Inventário de Ansiedade e Depressão de Beck Avaliou-se o estado de humor utilizando o auto-inventário de Beck como rastreio. Os resultados foram: BDI de 0 (pré-opertório), 10 (1º pós-operatório), 18 (2º pós-operatório), 14 (3º pósoperatório) e o BAI foi 34 (pré-operatório), 14 (1º pós-operatório), 16 (2º pós-operatório), 34 (3º pós-operatório) (tabela 2). Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 430 Artigo de Revisão TABELA 2 QI/índices Factoriais BAV BDI Pré-op 34 0 Pos-op 1-m 14 10 Pos-op 6-m 16 18 Pos-op 1a 34 14 Discussão O objetivo do relato deste caso está principalmente direcionado no sentido de enfatizar a análise das funções cognitivas, comparando os achados pré-operatórios com aqueles obtidos após a craniotomia para clipagem do aneurisma da artéria cerebral média esquerda. De acordo com parte da literatura específica, os distúrbios neuropsicológicos parecem ser causados preponderantemente pelo ato cirúrgico e pelos eventos relacionados com o mesmo, resultando em danos fronto-temporais15,17. Em contrapartida, alguns autores também acreditam que os prejuízos neuropsicológicos fundamentalmente podem estar relacionados com as complicações da HSA14,17. É importante ressaltar que alguns autores também apontam que os déficits neuropsicológicos aparecem com mais freqüência em pacientes com HSA aneurismática e não com a pós-traumática. Hoje, apesar da abundante literatura disponível, é difícil definir o causa exata dos déficits neurocomportamentais, essencialmente devido à pouca concordância entre os estudos. Esta variabilidade relevante decorre de problemas metodológicos relacionados com o vasto leque de investigações, mas também no reconhecimento da complexidade e avaliação entre os resultados17. Há evidências recentes que os déficits cognitivos se manifestam como resultado da HSA aneurismática, onde a disseminação do sangue ocorre primordialmente nas cisternas basais anteriores, alcançando posteriormente o compartimento intracerebral e ou intraventricular11. O período pré-operatório pode ser crucial para definir o perfil neuropsicológico de cada paciente. Por outro lado, o estudo desses distúrbios trouxe novas interrogações para o contemporâneo debate de se o tratamento endovascular se prenuncia como um melhor método, induzindo menor comprometimento cognitivo do que clipagem microcirúrgica2. É evidente que na atualidade quando se discute os resultados operatórios, comparando cirurgia e embolização, já não se aceita com um bom resultado quando o paciente passa no teste “walk and talk”. Por conseguinte, não importando o qual o tipo de tratamento, deve-se verificar sempre os achados pré e pós-operatórios, não só para analisar os efeitos da hemorragia, mas também e sobretudo para se compreender as conseqüências dos dois tipos de tratamento. Neste relato de caso, uma vez que a paciente não poderia ser tratada precocemente após a HSA, os QIs pré-operatórios foram utilizados como referência aos valores de QIs pós-operatórios. Observou-se que, na avaliação pré-operatória, a paciente apresentava comprometimento principalmente no sistema de atenção em curto prazo, memória operacional e raciocínio perceptivo. As habilidades como categorização, captação e velocidade de trabalho foram menos afetadas que as funções mencionadas acima. Todos esses fatores foram considerados independentes do déficit motor direito. É importante enfatizar que a nomeação se manteve preservada embora houvesse déficit da articulação da fala. As alterações detectadas no exame pré-operatório indubitavelmente apresentaram melhoras progressivas nas três análises pós-operatórias subseqüentes. Vinte e sete dias após a cirurgia, a paciente melhorou as competências relativas à nomeação, perceptivo, correlação de detalhes, atenção e abstração. No entanto, a memória de curta duração e a velocidade de processamento se mantiveram inalteradas. Noventa dias após a clipagem do aneurisma, verificou-se involução do déficit motor e na capacidade de verbalização das palavras. Esse fato é relevante para o desempenho em diversos testes utilizados e pode ter confundido os primeiros achados. Além disso, a melhora no desempenho pode ter sido associada a um melhor enfrentamento com sua vida cotidiana. Doze meses depois, a paciente demonstrou maior capacidade de categorizar os acontecimentos e progressos na abstração. A escolha do WAIS-III é deveras problemática, uma vez que muitos dos seus subtestes são impróprios para re-administração, mas tivemos de lançar mão de testes disponíveis no serviço. Pacientes que não têm graves problemas de memória são susceptíveis de se beneficiar de familiaridade como, por exemplo, os subtestes como cubo e complemento. Ademais, dada a localização do aneurisma poderia ter sido feita uma maior utilização de testes específicos para a disfunção linguagem e afasia. A BAI e do BDI foram escolhidos com base na nossa experiência. Eles são considerados como instrumentos de rastreio para depressão e ansiedade 24. A literatura cita como melhor indicador de seus transtornos do humor a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS), como medidas alternativas aos auto-relatos inventários (como o BAI e do BDI), em que a pontuação pode ser exagerada ou minimizada pela pessoa a ser investigada. Outro teste importante que poderia ter sido utilizada para tentar controlar o emocional é o Green Word Memory Test. (Green P) O grande desafio observado no caso em lide é que, curiosamente, esperava-se que a paciente após craniotomia no lado dominante poderia apresentar piora progressiva no desempenho cognitivo Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e revisão de literatura. J Bras Neurocirurg 20 (4): 425-432, 2009 431 Artigo de Revisão e os testes neuropsicológicos não confirmaram essa presunção. Os escores QI foram melhorando significativamente, quando comparados com a análise pré-operatória. Sua pontuação no período pré-operatório foi considerada como média baixa (QI = 77), tendo aumentado posteriormente para 95. Linguagem e funções executivas sinalizaram para uma recuperação e parece que a recuperação se mantem na investigação realizada um ano após o sangramento. Obtendo-se a avaliação cognitiva em duas fases diferentes ajuda a levantar novas perspectivas para o papel desempenhado pelo inquérito neuropsicológico. Poderia ser possível descobrir a etiologia dos prejuízos cognitivos subjacentes e elaborar a principal causa dessas disfunções, seja a HSA ou o tratamento. Há relatos em que se descreve que pacientes com HSA aneurismática são afetados quando investigados, porém como quase todos eles são tratados precocemente, nos primeiros três dias após o sangramento, não tem sido então possível então identificar o principal agente determinante. Conclusão Devido à introdução da microcirurgia e mais refinados cuidados intensivos o prognóstico dos pacientes com aneurismas intracranianos rotos tem melhorado substancialmente. Os estudos neuropsicológicos, no entanto, mostram acentuada discrepância com os achados da investigação cognitiva em pacientes que obtiveram pontuação 4 e 5 Escala de Resultados de Glasgow. No caso apresentado, foram reconhecidas diversas limitações, parte importante do nosso projeto de investigação acerca das seqüelas neuropsicológicas ou prejuízos cognitivos após HSA aneurismática. Testes neuropsicológicos que possam abranger as funções de atenção e memória de curto prazo parecem ser particularmente sensíveis para a avaliação do estado após HSA. Por essa razão, tais testes devem ser incluídos em todas as baterias, por meio das quais pacientes após HAS deverão ser investigados. Na nossa paciente faltaram testes mais relacionado com a linguagem, todavia essa linha de pesquisa vem sendo processada por outro profissional. A comparação entre o pré e o pós-operatório dessa investigação sugerem fortemente que a HSA deve ser o principal fator que responsável pela lesão funcional cerebral. Ansiedade e depressão após HSA são condições importantes e quase certamente podem ter um impacto no status funcional e QV. Novos estudos, com relação às alterações neurocomportamentais, deverão ser realizados em diferentes estágios do tratamento, a fim de ajudar a explicar os distúrbios cognitivos associados à HSA aneurismática. Referências 1. Ausman JI. 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Corresponding Author Patricia Bozzetto Ambrosi Rua Ramiro Barcelos,245 ap 1004 Bento Gonçalves RS 95700-000 + 55 54 3452 9365 [email protected], [email protected] LISTA DE ABREVIATURAS Hemorragia Subaracnóide (HSA) Liquido Céfalo-Raquidiano (LCR) Tomografia computadorizada de crânio (TC) Escala de Coma de Glasgow (ECG) International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT) International Study of Unruptured Intracranial Aneurysms (ISUA) Sindrome Inapropriada de Hormônio Anti-Diurético (SIADH) Escala de Inteligência de Wechsler para adultos III (WAIS-III) Beck Depression Inventory (BDI) Beck Ansiety Inventory (BAI) Qualidade de vida (QV) WFNS (World Federation of Neurological Surgeons) Pre-operatório (preop) Pós-operatório 1 mês (pós-op 1-m), Pós-operatório 6 meses (pós-op 6-m) Pós-operatório 1 ano (pós-op 1-a) QI (quociente de inteligência) QI verbal (V-IQ) QI execução (E-IQ) Indice de Compreensão Verbal (ICV) Indice Perceptual de Raciocínio (IOP) Memória de Trabalho (IMO) Indice de velocidade de processamento (IVP) Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS) 25. 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