- Academia Brasileira de Neurocirurgia

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Artigo de Revisão
Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide
aneurismática no pré e pós operatório: relato de caso e
revisão de literatura.
Neurobehavioral impairments in aneurysmal subarachnoid hemorrhage
before and after surgery: case report and review of literature.
Patricia Bozzetto Ambrosi1
Caroline Bozzetto Ambrosi2
Ivana Alencar3
Hildo Azevedo Filho4
RESUMO
ABSTRACT
Os prejuízos neurocognitivos após uma hemorragia subaracnóide (HSA) aneurismática, bem como as classificações de
resultados neurocirúrgicos, vêm em processo de reavaliação.
O tratamento endovascular dos aneurismas intracranianos,
que inicialmente foi introduzido para a oclusão dos aneurismas mais difíceis, vem se tornando um método de escolha por
ser menos invasivo, porem não se conhece o impacto neurocognitivo do tratamento da HSA aneurismática seja ele cirúrgico ou endovascular. Sabe-se que a HSA isoladamente também está associada com alterações cognitivas a longo prazo.
Alguns fatores clínicos associados, como vasoespasmo, ressangramento, hidrocefalia, ruptura intra-operatória também podem agravar essas alterações cognitivas. Os estudos
correlacionando essas variáveis foram iniciados há pouco
tempo e não existe consenso a partir de estudo controlado
na literatura. O objetivo deste relato visa demonstrar a aplicação clínica e neuropsicológica direcionada para analisar
o estado cognitivo pré e pós-operatório em uma paciente que
foi internada após duas hemorragias subaracnóideas (HSA)
aneurismáticas, cujo aneurisma da artéria cerebral média
esquerda foi clipado. São analisados o estado pré e pós- operatório tentado-se delimitar a disfunção dentro de padrão de
comportamento individual, os distúrbios pré-operatórios e a
seqüelas pós-operatórias quando ela foi averiguada mais tarde, analisando-se o impacto de ambas, hemorragia e cirurgia
sobre o funcionamento cognitivo e funções afetivas.
The neurocognitive damage after aneurysmal subarachnoid
hemorrhage (SAH) and the classification of neurosurgical results are in a process of renovation. After the introduction of
endovascular treatment of intracranial aneurysms, which was
initially used for the treatment of the most difficult ones, it
has become a method of choice because of its less invasiveness. However, it is not known the neurocognitive impact of
two methods: endovascular and microsurgical, but the SAH
itself is also associated with cognitive changes in the long
term follow-up. Some other factors like vasospasm, rebleeding, hydrocephalus, intra-operative rupture can also lead to
or increase the cognitive changes. Studies correlating these
variables have started recently and until now there is no consensus in the literature due to the lack of controlled trials. The
objective of this report is to demonstrate the clinical application of examining the neuropsychological cognitive status pre
and post-operatively in a patient who was hospitalized after
an aneurysmal SAH and who had her left middle cerebral aneurysm clipped after the second bleeding. The study aimed to
determine the pattern of dysfunction caused by the bleeding
and by the surgery.
Key words: Intracranial aneurym, subarachnoid haemorrhage, neuropsychology, microsurgery, therapeutic embolization
Palavras-chave: Aneurisma intracraniano, hemorragia subaracnóide, neuropsicologia, microcirurgia, embolização.
1 Ex-Residente do Serviço de Cirurgia Neurológica, Hospital da Restauração, Universidade de Pernambuco, Recife, Mestranda em Neurocirurgia da Universidade
Federal de Pernambuco
2 Acadêmica de medicina da Universidade de Santa do Sul, Santa Cruz do Sul
3 Neuropsicóloga
4 Professor Titular de Cirurgia Neurológica da Universidade de Pernambuco e Chefe do Serviço
Recebido em Julho de 2009, Aceito em Agosto de 2009
Ambrosi PB, Ambrosi CB, Alencar I, Filho HA - Prejuízos neurocognitivos na hemorragia subaracnóide aneurismática no pré e pós operatório:
relato de caso e revisão de literatura.
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Artigo de Revisão
Introdução
O aumento dos sobreviventes entre os pacientes com hemorragia subaracnóidea (HSA) tem sido acompanhado por um
interesse crescente nos fatores que podem interferir com a autonomia funcional e os resultados da qualidade de vida (QV),
principalmente os prejuízos cognitivos. Mesmo entre aqueles
que conseguem uma boa recuperação funcional e são independentes para atividades do cotidiano, muitas experiências
mostram acentuadas seqüelas neurocomportamentais, as quais
podem persistir por muitos anos após a HSA3,5,14.
Ainda não está claro, contudo, se a extensão do ictus por si
mesmo, ou outros tipos de danos cerebrais secundários estão
associados com essas sequelas cognitivas5,17. Outro desafio
seria saber se pacientes que tiveram seus aneurismas operados
são mais propensos a desenvolver os distúrbios acima mencionados do que aqueles que foram embolizadas14,18.
Uma adequada análise pré-operatória é difícil de se obter em
larga escala, pois atualmente a maioria dos pacientes têm o seu
tratamento estabelecido de forma precoce, não se podendo obter, por conseguinte, uma conclusão definitiva se o sangramento per si ou o tratamento são a causa do déficit cognitivo. O
objetivo deste relato é apresentar o caso de uma paciente de 41
anos que apresentou ruptura de aneurisma da artéria cerebral
média esquerda e analisar o seu estado cognitivo antes da cirurgia e comparar com os achados encontrados após a clipagem
do aneurisma. Esses estudos são importantes para que se possa
estabelecer uma base conceitual necessária para o desenvolvimento de testes de triagem neuropsicológica para pacientes
com HSA aneurismática.
Revisão de Literatura
Aspectos clínicos e diagnósticos da HSA
A principal causa de HSA não-traumática é a ruptura de um
aneurisma intracraniano, representando aproximadamente 80%
dos casos26. Ela responde por 2 a 5% novos acidentes vasculares
cerebrais e afeta 21.000 a 33.000 pessoas anualmente nos Estados Unidos. Em torno de 46 % dos pacientes que sobrevivem a
uma HSA aneurismática apresentam complicações cognitivas
a longo prazo com conseqüência no estado geral e na qualidade de vida26. O sangramento em lide apresenta distintas características demográficas e fatores de risco. Estima-se que perfaz
2 a 5 % dos casos de acidente vascular encefálico anualmente
no Brasil20. A incidência tem permanecido estável nos últimos
anos, embora possa variar de região para região. A incidência
aumenta com idade, sendo a média de idade para apresentação
de 55 anos. O risco para mulher é 1.6 maior em relação ao homem e o risco para negros é 2.1 maior em relaçâo aos brancos.
A proporção de fatalidade para HSA é de 51 por cento com
aproximadamente um terço dos pacientes sobreviventes necessitando de tratamento a longo prazo26. A maioria das mortes
ocorrem dentro de duas semanas após o ictus, com percentual de dez por cento antes de receber tratamento médico e 25
por cento dentro das 24 horas após o evento26. Os fatores mais
importantes para pior prognóstico são o nível de consciência
do paciente na admissão, idade e quantidade de sangue na
tomografia computadorizada de crânio (TC) inicial26. Varias
classificações têm sido usadas para descrever as características
clinicas da HSA26. As mais amplamente usadas são as de Hunt
and Hess e a da World Federation of Neurosurgical Societies
(WFNS). A última é preferencialmente mais usada atualmente por se basear na escala de coma de Glasgow (ECG) e na
presença de sinais neurológicos focais. Quanto maior o valor
numérico, pior o prognóstico. A quantidade de sangue vista na
tomografia inicial pode ser facilmente avaliada. A presença de
coágulo subaracnóide ou hemorragia ventricular são fatores de
pior prognóstico. Os fatores de risco mais importantes identificados incluem consumo de cigarros, hipertensão, uso de drogas e uso abusivo de álcool26. Pacientes com história familiar
de parentes em primeiro grau com HSA aneurismática também
apresentam risco maior de um pior prognóstico. Doenças hereditárias do tecido conjuntivo estão associadas com maior presença de aneurismas intracranianos, como doença policística
renal, síndrome de Ehlers-Danlos (tipo IV), pseudoxanthoma
elasticus e a displasia fibromuscular. O risco de rompimento do
aneurisma depende do tamanho e da localização do mesmo. De
acordo com o International Study of Unruptured Intracranial
Aneurysms (ISUIA), em pacientes sem história de HSA, o risco cumulativo em cinco anos de ruptura de aneurismas localizados na carótida interna, artéria comunicante anterior, artéria
cerebral anterior ou artéria cerebral média é praticamente zero
para aneurismas menores do que 07 mm, 2,6% para aqueles
entre 07 e 12 mm, 14,5% para os com diâmetro máximo entre
13 e 24 mm, e 40% para os que são maiores do que 25 mm1. O
diagnóstico da HSA deve ser sempre suspeitado em pacientes
com uma apresentação caracterizada por cefaléia de inicio súbito e com incomum, acompanhada por naúseas, vômitos , dor
nucal , fotofobia e perda de consciência. O exame físico revela
hemorragias retinianas, meningismo, nível diminuído de consciência e sinais neurológicos focais. Os sinais neurológicos focais incluem paralisia do terceiro nervo (nos casos associados
com aneurismas da artéria comunicante posterior), paralisia do
sexto nervo (aumento da pressão intracraniana), déficit motor
nas extremidades inferiores (artéria comunicante anterior) ou
abulia ou combinação de hemiparesia e afasia e heminegligência (artéria cerebral média). As hemorragias retinianas devem
ser diferenciadas das hemorrragias pré-retinianas da síndrome
de Terson que indica aumento abrupto da pressão intracraniana
e estão associadas com aumento da mortalidade26. Na ausência
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dos sinais clássicos, pode ser subdiagnosticada e a freqüência
dessa falha diagnóstica pode chegar até 50%, por ocasião da
primeira consulta, podendo ser confundida com cefaléia migranosa ou tensional. Esses pacientes podem ter o exame neurológico completamente normal. Contudo as complicações podem ocorrer posteriormente26. A TC é o exame de eleição para
todo paciente com suspeita de HSA. Os achados característicos
são extravasamento do sangue no espaço subaracnóideo que se
apresenta hiperdenso. Uma TC de boa qualidade pode diagnosticar 100 por cento dos casos de HSA dentro das primeiras 12
horas do inicio dos sintomas e 93% dentro das primeiras 24 horas. Além disso, demonstra a presença de hematomas intraparenquimatosos, hidrocefalia, edema cerebral e pode ajudar na
localização do local da ruptura do aneurisma. Todavia, a sensibilidade cai para 50 % após 07 dias, devido à rápida absorção
do sangue no espaço subaracnóideo 26. A punção lombar deve
ser realizada em todo paciente com suspeita de HSA com TC
negativa. Achados consistentes incluem uma pressão de abertura elevada, elevada contagem de hemácias que se mantém no
teste dos tubos e presença de xantocromia. Nos pacientes cujo
diagnóstico é confirmado tanto pela TC como pela punção, o
próximo passo é a realização de uma angiografia cerebral. A
angiografia cerebral por subtração digital é considerada o padrão ouro em detrimento a outros. Um estudo minucioso de
todos os vasos cerebrais deve ser realizado uma vez que 15 %
dos pacientes tem aneurismas múltiplos. Pacientes com estudo
angiográfico inicial negativo deverão repetir o exame após 15
dias. A reconstrução tridimensional é extremamente útil. Uma
segunda opção de avaliação é através da ressonância magnética
para identificar presença de possível malformação arteriovenosa encefálica associada e que pode também fornecer informações quanto ao tamanho do aneurisma26.
Resultados neurológicos
Os fatores que podem predizer os distúrbios cognitivos também
estão relacionados com a localização do aneurisma, como também a presença de vasoespasmo sintomático (46 % dos pacientes), hidrocefalia (20 % dos pacientes) e ressangramento (07-10
% dos pacientes)3,9,17. Os pacientes com ressangramento têm alto
risco de sequelas neurológicas e a mortalidade alcança 50%17.
A grande maioria dos pacientes desenvolve alguma complicação médica que pode ser severa em até 40% dos pacientes. A
complicação mais comum é o edema pulmonar que pode estar
presente em até 23% dos pacientes (síndrome da angústia respiratória cardiogênica ou neurogênica), arritmias cardíacas podem
chegar a 35% e distúrbios eletrolíticos se observa em um terço
dos pacientes. Hiponatremia pode ser causada pela SIADH (com
volume intravascular normal ou aumentado) ou síndrome perdedora de sódio (baixo volume intravascular)26.
Resultados cognitivos
Estima-se que mais de 50% dos pacientes que sobrevivem a
HSA aneurismática tenham seqüelas relacionadas com as funções neuropsicológicas, com permanentes reflexos na reabilitação social. Apenas metade dos pacientes que sobrevivem
retornam ao trabalho29. As seqüelas neuropsicológicas afetam
principalmente as funções de memória, atenção, percepção, noção visuoespacial e função executiva. Não existe consenso com
relação a quais fatores clinicos ou cirúrgicos poderiam ser responsáveis por essas seqüelas3,6,29. Em várias publicações, a localização do aneurisma não é considerada importante, contudo em
outras ela é considerada. Tem sido observado que os AI situados
na circulação posterior apresentam melhor prognóstico no que
concerne a memória verbal e visual, do mesmo modo que a ruptura de aneurismas da artéria comunicante anterior, assim como
a oclusão temporária das artérias cerebrais anteriores durante a
intervenção cirúrgica, relaciona-se com maiores déficits na memória e nas funções executivas13. Quando se analisa a situação
neurológica e a extrensão da hemorragia, os dados são contraditórios5,6,10,9,21. Quando da admissão (escala da WFNS ou escala
de Hunt- Hess) ou gravidade da hemorragia (escala de Fisher),
há relatos que não estabelecem correlação com distúrbios da
função neuropsicológica4,21. Hadjivassiliou e col realizaram estudo com 40 pacientes com aneurismas cerebrais submetidos a
tratamento endovascular versus 40 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico. O grupo alocado para tratamento endovascular
apresentou um melhor funcionamento neuropsicológico quando
comparado com o grupo cirúrgico. A tendência foi estatisticamente mais significante no que concerne a memória visual, funções executivas e no teste para vocabulário de Weschler. Nesse
mesmo trabalho, o autores encontraram maior presença de encefalomalácia nas imagens por ressonância magnética entre os tratados cirurgicamente1. Chan, estudando somente os aneurismas
de comunicante anterior, através de uma pequena série com nove
pacientes, mostrou 30% dos pacientes tratados cirurgicamente
apresentaram deterioração neurológica, o que não aconteceu no
grupo tratado através de embolização9. Fontanella e col não encontraram diferenças estatisticamente significantes entre os pacientes tratados cirurgicamente ou por via endovascular12.
Nos estudos relatados na literatura correlacionando HSA aneurismática e as modalidades de tratamento, cirúrgico ou endovascular, a grande dificuldade tem sido determinar se os distúrbios
cognitivos são causados pela própria HSA ou pelo procedimento cirúrgico, como também suas complicações. A maior parte
dos estudos concorda que grande parte das seqüelas cognitivas
são ocasionadas pela própria HSA.
O exame neuropsicológico deveria ser inseparável do exame
neurológico em geral; um esclarece o outro. No entanto, a avaliação neuropsicológica deve conter testes específicos e sensíveis que possibilitem a diferenciação entre as funções cognitivas
preservadas e comprometidas. Existe uma variabilidade grande
de escalas que podem ser utilizadas, isso muitas vezes esta na
dependência da experiência do examinador e de cada serviço.
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A escala de Inteligência de Wechsler para adultos (Wechsler
Adult Intelligence Scale) ou WAIS é um teste geral de inteligência (QI), publicado em fevereiro de 1995 como uma revisão
do teste Wechsler-Bellevue (1939) é uma bateria de testes que é
composta dos subtestes Wechsler “adotados” dos testes do Exército26,27.Weschler definiu inteligência como “a capacidade global de uma pessoa agir resolutamente, pensar racionalmente e se
relacionar eficazmente com o seu ambiente”.
O WAIS é um dos mais importantes testes para avaliação clínica
da capacidade intelectual dos adultos na faixa etária entre 16 e
89 anos. Embora apresente as características essenciais de seus
predecessores, o WAIS-III fornece dados normativos atuais, tanto da amostra original americana como da brasileira, e também
material e procedimentos de aplicação atualizados. Os subtestes
do WAIS-III são agrupados de acordo com os índices. O WAISIII oferece a possibilidade de se obter medidas para as seguintes
Escalas e Índices.
• QI Verbal
• QI de Execução
• QI Total
• Índice de Compreensão Verbal
• Índice de Organização Perceptual
• Índice de Memória Operacional
• Índice de Velocidade de Processamento
Através dos QIs (quociente de inteligência) e dos índices se pode
avaliar a capacidade intelectual e a memória .Incluem subtestes
de atenção,orientação, evocação imediata e tardia verbal e visual, aprendizagem e reconhecimento.
O Inventário de Depressão de Beck é uma escala de auto-avaliação amplamente utilizada na clínica e em pesquisa2. Não é um
instrumento de diagnóstico por si, apenas sendo utilizado como
complemento da avaliação clínica de pacientes já diagnosticados
com depressão. Os itens do inventário se referem à tristeza, pessimismo, sensação de fracasso, falta de satisfação, sentimento
de culpa, sensação de punição, autodepreciação, auto-acusação,
idéias suicidas, crises de choro, irritabilidade, retração social, indecisão, distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho,
distúrbio do sono, fadiga, perda do apetite, perda de peso, preocupação somática e diminuição da libido. Os critérios de corte
para os diferentes níveis de depressão sugeridos no BDI são os
seguintes: <10 = sem depressão ou depressão mínima; 10-18
= depressão leve a moderada; 19-29 = depressão moderada a
grave; 30-63 = depressão grave.
A escolha do WAIS-III foi baseada na rotina clínica em nosso
departamento e foram considerados suficientemente capazes de
estimar tanto atributos verbais como funções executivas.Foram
calculados os três QIs: QI total, QI verbal (V-IQ) e de execução
QI (E-IQ) e os percentis. Esses últimos são calculados através
de escores brutos. Os seguintes subtestes verbais foram utilizados: vocabulário, semelhanças, aritmética, dígitos e seqüência
de letras e números (tabela 1). Os subtestes de execução abrangeram completar figuras, códigos, cubos e procurar símbolos.
Para obter o QI verbal e de execução os quatro seguintes índices
foram obtidos: O Índice de Compreensão Verbal (ICV) calculado a partir de subtestes como vocabulário e semelhanças, o Índice Perceptual de Raciocínio (IOP) obtido a partir de completar
figuras e cubos, o Índice Memória de Trabalho (IMO) determinado por meio da aritmética, análise de dígitos e seqüência de
letras e números29.
Relato do Caso
Uma paciente, destra, com 41 anos de idade, foi admitida na
emergência do Hospital da Restauração devido a HSA não-traumática, encaminhada 72 horas após o ictus. Os seus sintomas
iniciais foram cefaléia explosiva e vômitos. Na admissão, tinha
uma pontuação de 15 na Escala de Coma de Glasgow e presença
de sinais de irritação meníngea. De profissão lavadeira , tinha
cinco anos de escolaridade. Tratamento irregular para hipertensão arterial. Fumante em média meio maço de cigarros por dia
durante 30 anos e bebia 3 garrafas de vinho nos finais de semana.
Não havia história pregressa de transtornos psiquiátricos ou antecedentes familiares para doenças cerebrovasculares. Havia pequena quantidade de sangue na cisterna silviana esquerda que de
início gerou dúvidas quanto ao diagnóstico (figura 1A), contudo
a punção lombar demonstrou líquor hemorrágico com xantocromia. A angiografia cerebral revelou um aneurisma sacular da Artéria Cerebral Média (ACM) esquerda, causa do sangramento, e
um aneurisma incidental fusiforme da artéria pericalosa (figura
2). Três dias após sua admissão, ela apresentou ressangramento,
mais localizado ao nível da fissura silviana esquerda (figura1B).
Material e Método
O exame neuropsicológico foi realizado utilizando subtestes do
WAIS-III adaptado e validado para a população brasileira por
uma neuropsicologa do nosso departamento em 4 entrevistas: no
pré-operatório e no pós-operatorio: 1 mês, 6 meses e 1 ano após.
Figura 1: 1A-Imagem tomográfica com pequena quantidade de sangue na fissura
silviana esquerda. 1B- Presença de sangue na fissura silviana e no parênquima
cerebral a esquerda.
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uma prova escrita e apresentava um pronunciado déficit motor
na mão direita. Ela não foi capaz de compreender e cooperar
nos exames. Os resultados dos testes neuropsicológicos antes
da craniotomia estão detalhados na tabela 1, na qual podemos
verificar os escores brutos em cada subteste e os respectivos
índices. Os quocientes foram V-IQ = 41, E-IQ = 29, IQ = T-7,
e o percentil foi de 6,0.
Figura 2: 2A-Imagens angiográficas em posição obliqua evidenciando o aneurisma sacular de M1 esquerdo causador das hemorragias e aneurisma fusiforme
incidental da artéria pericalosa.
Trinta e oito dias após o icuts, a paciente foi submetida a craniotomia pterional esquerda, que incluiu aplainamento da fissura orbitária e da fossa anterior, a fim de dar mais espaço para
expor o segmento M1 da ACM. Durante a abertura da fissura
silviana, sempre realizada de medial para distal, houve ruptura
do aneurisma, sendo necessárias três clipagens temporárias de
M1. A duração total das clipagens foi 13 minutos, com dois
períodos de cinco minutos. O pós-operatório imediato foi sem
intercorrências. Angiografia cerebral pós-operatória mostrou
exclusão do aneurisma e preservação da anatomia vascular da
região (figura 3). Ela recebeu alta 28 dias após a cirurgia, permanecendo em uso de fenobarbital.
A primeira entrevista pós-operatório foi realizada 27 dias após
o tratamento cirúrgico. Ela apresentou melhora quanto ao déficit motor da mão direita, mas permanecia com dificuldade
articulatória e perturbação da fala, que é característica da disartria. Os escores brutos foram 31/66 (vocabulário), 6/38 (semelhanças), 7/22 (aritmética), 6/16 (dígitos direto), 4/14 (dígitos inverso), 7/21 (seqüenciamento de letras e símbolos), 9/25
(completar figuras), 0/133 (símbolos), 6/68 (cubos), 17/60
(procurar símbolos) (tabela 2). As pontuações foram V-IQ = 53,
E-IQ = 33, IQ = 89 e o valor do percentil foi de 19,0. (tabela 1)
A entrevista subseqüente foi realizada seis meses após o ictus.
A paciente não havia ainda retornado ao seu emprego, contudo
já estava realizando algumas atividades domésticas. Sua condição familiar era estável, era casada e vivia em harmonicamente com a família. A avaliação neuropsicológica foi a seguinte:
39/66 (vocabulário), 6/38 (semelhanças), 9/22 (aritmética),
6/16 (dígitos direto), 5/14 (dígitos inverso), 8/25 (completar
figuras), 0 /133 (símbolos), 7/68 (cubos), 10/60 (procurar símbolos). Os QIs foram V-IQ = 59, E-IQ = 39, IQ = T-93, com
percentil de 32. A última entrevista foi realizada 12 meses após
o sangramento. Permanecia com boa condição social, no entanto, ainda demonstrava dificuldades com a memória. Os escores brutos foram 32/66 (vocabulário), 11/38 (semelhanças),
9/22 (aritmética), 7/16 (dígitos diretos), 5/14 (dígitos inverso),
8/25 (figuras), 16/133 (símbolos), 12/68 (cubos), 11/60 (procurar símbolos). Continuava casada, todavia, não havia retornado ao trabalho como lavadeira, em virtude da hemiparesia que
apresentava sinais de melhora.
TABELA 1
Figura 3: 3A- Controle angiográfico com a exclusão do aneurisma e presença
dos clipes metálicos.
Resultados Quantitativos dos Testes
Subtestes do WAIS-III
A paciente foi entrevistada em quatro momentos por uma neuropsicóloga após assinar o termo de consentimento. No préoperatório, 37 dias após a HSA, ela relatou dificuldades na
memória e não foi capaz de fazer o subteste códigos, porque é
QI/índices Factoriais
QIV
QIE
QIT
P
ICV
IOP
IMO
IVP
Pré-op
34
23
57
6
9
14
25
9
Pos-op 1-m
44
26
70
19
18
16
26
10
Pos-op 6-m
49
31
80
32
20
16
29
15
Pos-op 1a
50
33
83
37
19
16
31
17
Inventário de Ansiedade e
Depressão de Beck
Avaliou-se o estado de humor utilizando o auto-inventário de
Beck como rastreio. Os resultados foram: BDI de 0 (pré-opertório), 10 (1º pós-operatório), 18 (2º pós-operatório), 14 (3º pósoperatório) e o BAI foi 34 (pré-operatório), 14 (1º pós-operatório), 16 (2º pós-operatório), 34 (3º pós-operatório) (tabela 2).
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TABELA 2
QI/índices Factoriais
BAV
BDI
Pré-op
34
0
Pos-op 1-m
14
10
Pos-op 6-m
16
18
Pos-op 1a
34
14
Discussão
O objetivo do relato deste caso está principalmente direcionado
no sentido de enfatizar a análise das funções cognitivas, comparando os achados pré-operatórios com aqueles obtidos após
a craniotomia para clipagem do aneurisma da artéria cerebral
média esquerda.
De acordo com parte da literatura específica, os distúrbios neuropsicológicos parecem ser causados preponderantemente pelo
ato cirúrgico e pelos eventos relacionados com o mesmo, resultando em danos fronto-temporais15,17. Em contrapartida, alguns
autores também acreditam que os prejuízos neuropsicológicos
fundamentalmente podem estar relacionados com as complicações da HSA14,17.
É importante ressaltar que alguns autores também apontam que
os déficits neuropsicológicos aparecem com mais freqüência em
pacientes com HSA aneurismática e não com a pós-traumática.
Hoje, apesar da abundante literatura disponível, é difícil definir o
causa exata dos déficits neurocomportamentais, essencialmente
devido à pouca concordância entre os estudos. Esta variabilidade relevante decorre de problemas metodológicos relacionados
com o vasto leque de investigações, mas também no reconhecimento da complexidade e avaliação entre os resultados17.
Há evidências recentes que os déficits cognitivos se manifestam
como resultado da HSA aneurismática, onde a disseminação do
sangue ocorre primordialmente nas cisternas basais anteriores,
alcançando posteriormente o compartimento intracerebral e ou
intraventricular11.
O período pré-operatório pode ser crucial para definir o perfil
neuropsicológico de cada paciente. Por outro lado, o estudo desses distúrbios trouxe novas interrogações para o contemporâneo
debate de se o tratamento endovascular se prenuncia como um
melhor método, induzindo menor comprometimento cognitivo
do que clipagem microcirúrgica2. É evidente que na atualidade
quando se discute os resultados operatórios, comparando cirurgia e embolização, já não se aceita com um bom resultado quando o paciente passa no teste “walk and talk”.
Por conseguinte, não importando o qual o tipo de tratamento,
deve-se verificar sempre os achados pré e pós-operatórios, não
só para analisar os efeitos da hemorragia, mas também e sobretudo para se compreender as conseqüências dos dois tipos de
tratamento.
Neste relato de caso, uma vez que a paciente não poderia ser
tratada precocemente após a HSA, os QIs pré-operatórios foram
utilizados como referência aos valores de QIs pós-operatórios.
Observou-se que, na avaliação pré-operatória, a paciente apresentava comprometimento principalmente no sistema de atenção
em curto prazo, memória operacional e raciocínio perceptivo.
As habilidades como categorização, captação e velocidade de
trabalho foram menos afetadas que as funções mencionadas acima. Todos esses fatores foram considerados independentes do
déficit motor direito. É importante enfatizar que a nomeação se
manteve preservada embora houvesse déficit da articulação da
fala. As alterações detectadas no exame pré-operatório indubitavelmente apresentaram melhoras progressivas nas três análises
pós-operatórias subseqüentes. Vinte e sete dias após a cirurgia,
a paciente melhorou as competências relativas à nomeação, perceptivo, correlação de detalhes, atenção e abstração.
No entanto, a memória de curta duração e a velocidade de processamento se mantiveram inalteradas. Noventa dias após a clipagem do aneurisma, verificou-se involução do déficit motor e
na capacidade de verbalização das palavras. Esse fato é relevante
para o desempenho em diversos testes utilizados e pode ter confundido os primeiros achados. Além disso, a melhora no desempenho pode ter sido associada a um melhor enfrentamento com
sua vida cotidiana. Doze meses depois, a paciente demonstrou
maior capacidade de categorizar os acontecimentos e progressos
na abstração.
A escolha do WAIS-III é deveras problemática, uma vez que
muitos dos seus subtestes são impróprios para re-administração,
mas tivemos de lançar mão de testes disponíveis no serviço. Pacientes que não têm graves problemas de memória são susceptíveis de se beneficiar de familiaridade como, por exemplo, os
subtestes como cubo e complemento. Ademais, dada a localização do aneurisma poderia ter sido feita uma maior utilização de
testes específicos para a disfunção linguagem e afasia. A BAI e
do BDI foram escolhidos com base na nossa experiência. Eles
são considerados como instrumentos de rastreio para depressão
e ansiedade 24. A literatura cita como melhor indicador de seus
transtornos do humor a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS), como medidas alternativas aos auto-relatos inventários (como o BAI e do BDI), em que a pontuação pode ser
exagerada ou minimizada pela pessoa a ser investigada. Outro
teste importante que poderia ter sido utilizada para tentar controlar o emocional é o Green Word Memory Test. (Green P)
O grande desafio observado no caso em lide é que, curiosamente,
esperava-se que a paciente após craniotomia no lado dominante
poderia apresentar piora progressiva no desempenho cognitivo
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e os testes neuropsicológicos não confirmaram essa presunção.
Os escores QI foram melhorando significativamente, quando
comparados com a análise pré-operatória. Sua pontuação no
período pré-operatório foi considerada como média baixa (QI
= 77), tendo aumentado posteriormente para 95. Linguagem e
funções executivas sinalizaram para uma recuperação e parece
que a recuperação se mantem na investigação realizada um ano
após o sangramento. Obtendo-se a avaliação cognitiva em duas
fases diferentes ajuda a levantar novas perspectivas para o papel desempenhado pelo inquérito neuropsicológico. Poderia ser
possível descobrir a etiologia dos prejuízos cognitivos subjacentes e elaborar a principal causa dessas disfunções, seja a HSA ou
o tratamento. Há relatos em que se descreve que pacientes com
HSA aneurismática são afetados quando investigados, porém
como quase todos eles são tratados precocemente, nos primeiros
três dias após o sangramento, não tem sido então possível então
identificar o principal agente determinante.
Conclusão
Devido à introdução da microcirurgia e mais refinados cuidados intensivos o prognóstico dos pacientes com aneurismas intracranianos rotos tem melhorado substancialmente.
Os estudos neuropsicológicos, no entanto, mostram acentuada discrepância com os achados da investigação cognitiva em pacientes
que obtiveram pontuação 4 e 5 Escala de Resultados de Glasgow.
No caso apresentado, foram reconhecidas diversas limitações,
parte importante do nosso projeto de investigação acerca das
seqüelas neuropsicológicas ou prejuízos cognitivos após HSA
aneurismática. Testes neuropsicológicos que possam abranger as funções de atenção e memória de curto prazo parecem
ser particularmente sensíveis para a avaliação do estado após
HSA. Por essa razão, tais testes devem ser incluídos em todas
as baterias, por meio das quais pacientes após HAS deverão
ser investigados. Na nossa paciente faltaram testes mais relacionado com a linguagem, todavia essa linha de pesquisa vem
sendo processada por outro profissional. A comparação entre o
pré e o pós-operatório dessa investigação sugerem fortemente
que a HSA deve ser o principal fator que responsável pela lesão funcional cerebral. Ansiedade e depressão após HSA são
condições importantes e quase certamente podem ter um impacto no status funcional e QV. Novos estudos, com relação às
alterações neurocomportamentais, deverão ser realizados em
diferentes estágios do tratamento, a fim de ajudar a explicar os
distúrbios cognitivos associados à HSA aneurismática.
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Corresponding Author
Patricia Bozzetto Ambrosi
Rua Ramiro Barcelos,245 ap 1004
Bento Gonçalves RS
95700-000
+ 55 54 3452 9365
[email protected], [email protected]
LISTA DE ABREVIATURAS
Hemorragia Subaracnóide (HSA)
Liquido Céfalo-Raquidiano (LCR)
Tomografia computadorizada de crânio (TC)
Escala de Coma de Glasgow (ECG)
International Subarachnoid Aneurysm Trial (ISAT)
International Study of Unruptured
Intracranial Aneurysms (ISUA)
Sindrome Inapropriada de Hormônio Anti-Diurético (SIADH)
Escala de Inteligência de Wechsler para adultos III (WAIS-III)
Beck Depression Inventory (BDI)
Beck Ansiety Inventory (BAI)
Qualidade de vida (QV)
WFNS (World Federation of Neurological Surgeons)
Pre-operatório (preop)
Pós-operatório 1 mês (pós-op 1-m),
Pós-operatório 6 meses (pós-op 6-m)
Pós-operatório 1 ano (pós-op 1-a)
QI (quociente de inteligência)
QI verbal (V-IQ)
QI execução (E-IQ)
Indice de Compreensão Verbal (ICV)
Indice Perceptual de Raciocínio (IOP)
Memória de Trabalho (IMO)
Indice de velocidade de processamento (IVP)
Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS)
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