PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS CURSO DE FILOSOFIA FRANCISCO DE ASSIS COSTA DA SILVA A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA EM KANT Porto Alegre 2013 FRANCISCO DE ASSIS COSTA DA SILVA A DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA EM KANT Pesquisa apresentada à disciplina de seminário temático de ética da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas para complementação de nota do 2° semestre. Porto Alegre 2013 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 4 2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............................................................. ERROR! BOOKM 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 10 REFERÊNCIAS .................................................................................................. 11 4 1 INTRODUÇÃO Hoje se discute muito sobre a dignidade da pessoa humana e muito se cita Kant quando se trata desse assunto. A contribuição que Kant dá para a discussão sobre a dignidade da pessoa é de fundamental importância para os dias atuais. Na época atual parece que há uma inversão de valores, em vez de se usar as coisas e amar as pessoas estão amando as coisas e usando as pessoas. Mas, diante disso vem à indagação: O quê que fundamenta a dignidade do ser humano? Partindo desse problema, a pesquisa tem como objetivo mostrar que o que fundamenta a dignidade do ser humano na obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes1 é a sua capacidade de moralidade. O texto básico dessa pesquisa será a Fundamentação2, mais precisamente a segunda e a terceira formulação do imperativo categórico. Na segunda formulação será mostrado o princípio que diz que não se deve usar o ser humano como simples meio e sim sempre como fim em si mesmo. Além de ser feita uma distinção entre pessoas e coisas e porque o ser humano não deve ser usado com simples meio. Na terceira formulação será discutida a questão da liberdade e da autonomia, conceitos fundamentais na filosofia moral de Kant. Além da distinção entre autonomia e heteronomia. Será também abordado sobre a variante dessa formulação que é o reino dos fins. 1 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. trad. de Paulo de Quintela. Lisboa: edições 70, 1986. 2 A partir de agora usarei apenas Fundamentação quando fizer referência à obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes. 5 2 Dignidade da pessoa humana O pensamento de Kant sobre a dignidade da pessoa humana está ligado a sua busca por um princípio supremo da moralidade (imperativo categórico), pois, para que este seja possível tem que existir algo que tenha fim em si mesmo e somente à pessoa humana, aliás, todo o ser racional tem fim em si mesmo e não pode ser usado simplesmente como meio. O imperativo categórico é um só que é este “age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne em lei universal” 3. Esse é o princípio supremo da moralidade ou o critério da moralidade. Porém, Kant apresenta outras formulações deste princípio supremo. Para a nossa pesquisa nós iremos nos deter na segunda e na terceira formulação, na qual aparece a discussão sobre dignidade da pessoa humana. Para Kant a vontade é concebida como a faculdade de se determinar por si mesma a agir conforme a representação de certas leis. Essa faculdade (vontade) “só se pode encontrar em seres racionais”4. Dois conceitos devem ser considerados aqui: fim e meio. O fim é aquilo que serve de princípio objetivo à vontade para a sua autodeterminação. Por outro lado, meio é o que contêm o princípio da possibilidade da ação, cujo que se espera é um fim. Para que o imperativo categórico tenha uma base, é preciso que tenha alguma coisa cuja existência em si mesmo possa ter valor absoluto. Para Kant existe: é o homem, aliás, todo o ser racional. O ser racional existe não só como meio, mas, como fim em si mesmo. O homem em todas as suas ações, tanto naquelas dirigidas a si próprias, ou a outrem, deve sempre considerar a natureza racional como fim em si mesmo e nunca simplesmente como meio. Para a segunda formulação Kant partiu da premissa de que haja alguma coisa cuja existência em si mesma tenha algum valor absoluto e além do mais como fim em si mesmo, possa ser a base de leis determinadas e nessa coisa estará a base de um possível imperativo categórico. 3 KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. trad. de Paulo de Quintela. Lisboa: edições 70, 1986, p. 59. 4 Ibid., p. 67. 6 Essa formulação (segunda) ressalta a dignidade da pessoa humana e o fundamento deste princípio é: “A natureza racional existe como fim em si”5 e diz que: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca como meio 6. Thadeu Weber diz que duas palavras merecem ênfase: pessoa e humanidade. A humanidade significa racionalidade ou natureza racional7. E para Kant “a natureza racional existe como fim em si”8. A humanidade tem algumas capacidades, por exemplo, agir por meio de princípios incondicionais, exercer a liberdade, entender o mundo. Essa formulação do imperativo categórico nos diz que não devemos usar as pessoas como objetos. Para Tugendhat o imperativo categórico vai desembocar no mandamento “não instrumentalizes ninguém”9. Cabe ressaltar que as ações aqui não se referem apenas na questão de tratar os outros como fins em si mesmo, mas também a si próprio como fim em si mesmo. É por isso que segundo essa formulação, não é possível defender o suicídio. É oportuno trazer presente a distinção que Kant faz entre pessoas e coisas. As coisas têm valores relativos como meios, são objetos das nossas inclinações, são irracionais e dependem somente da natureza e não da nossa vontade. Por outro lado os seres racionais chamam-se pessoas, porque a sua natureza já os distingue como fins em si mesmos e tem valor absoluto, são racionais. Enquanto que as coisas podemos dispor de acordo com nossa vontade, podem ser adquiridas, trocadas, manipuladas, usadas, etc. As pessoas por outro lado não deve ser assim, pois estão acima qualquer preço, sendo que a pessoa como fim em si mesma deve ser considerada. Nós não podemos dispor dela como a queremos. Uma condição necessária para que possamos tratar os outros como fim em si mesmo e nós mesmos como tal é a autonomia. Tal conceito (autonomia) será tratado na próxima formulação. A terceira formulação (do imperativo categórico) ressalta a vontade da pessoa humana como legisladora universal. A terceira formulação diz que: “é na ideia da 5 KANT, 1986, p. 69. p. 69. 7 WEBER, Thadeu. Ética e filosofia politica: Hegel e o formalismo Kantiano. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.(coleção filosofia:87), p. 45. 8 KANT, op. cit., p. 69. 9 TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. trad. de grupo de doutorandos do curso de pós graduação em filosofia da PUCRS. Petrópolis, RJ: vozes, 1996, p. 155. 6Ibid., 7 vontade de todo o ser racional como vontade legisladora universal”10. O princípio no qual a vontade humana seria uma vontade universal por meio de todas as suas máximas, caberia perfeitamente segundo Kant ao imperativo categórico. Nessa formulação encontramos expressa a ideia de liberdade em Kant. A vontade livre não simplesmente se submete a qualquer lei, mas somente aquela em que é autora. A vontade autônoma é a vontade que se submete a si mesma. Segundo Paton “se existe um imperativo categórico, a vontade moral que lhe obedece não deve ser determinada por interesse, e por isso deve ela mesma produzir a lei universal, à qual está incondicionalmente obrigada a obedecer” 11 Dois conceitos devem ser considerados nessa formulação: Autonomia e heteronomia. Kant pensava que somente a sua doutrina apresenta a moralidade como autônoma (devemos deixar claro que ele está preocupado com a supremacia da razão). Uma vontade autônoma ela mesma se dá a lei no qual vai obedecer. Ela é autora de sua própria lei. Mas, para que isso seja possível temos que pensar uma vontade livre, pois sem liberdade a vontade não é autônoma e nem é possível ações morais. A heteronomia, por outro lado, está sempre condicionada. Uma vontade heterônoma segue leis que não foi ela mesma que se deu, por exemplo, a legalidade. A vontade heterônoma segue leis externas. A heteronomia da razão se dá quando um objeto é anterior à própria razão prática e esse objeto determina o conteúdo ou fim. Nem sempre as ações legais significam que são ações morais. Pois pode se praticar uma ação por medo de ser punido, ou seja, a lei no qual segui não fui eu mesmo que me dei, mas para não ser punido pratiquei tal ação. São leis que são dadas exteriormente ao sujeito, vem de fora. Para que a vontade seja autônoma é preciso que ela não esteja determinada por nenhum conteúdo empírico. Ela tem que ser pura. Para que ela seja legisladora universal não deve ser determinada por seus desejos, inclinações. Caso contrário ela poderia ser heterônoma. Somente através da autonomia da vontade que é possível que as máximas da vontade de todo o ser racional posso valer como leis universais. A autonomia da vontade serve também para um possível reino dos fins. A variante da terceira formulação, fala de um possível “reino dos fins”. Diznos que “agir como se fosse sempre, pelas suas máximas, um membro legislador no 10 11 TUGENDHAT, 1996, p. 74. PATON, 1986 apud THADEU WEBER, 2009, p. 48. 8 reino universal dos fins”12. O reino dos fins é “a ligação sistemática de vários seres racionais por meio de leis comuns”13. Esse conceito é introduzido por Kant levando em consideração que todas as pessoas razoáveis e racionais são autônomas e pertencem a um único mundo moral. Rawls diz que “é possível supor, muito embora isso não seja explicitado, que essas leis são públicas e mutuamente reconhecidas”14. Mas, é preciso também que todos tenham conhecimento comum da natureza razoável uns dos outros. Em um reino dos fins a pessoa reconhece que não somente ela, mas todas as outras não apenas honram sua obrigação de justiça como também legislam sobre a comunidade moral. Podemos nos perguntar, mas porque reino dos fins? É um reino porque justamente essas leis tem em vista a relação de uns com os outros como fins e meios, ou, como diria Thadeu Weber “um conjunto de fins numa ligação sistemática”15. Na verdade, segundo Kant o reino dos fins “é apenas um ideal”16. Ao mesmo tempo em que os seres racionais pertencem ao reino dos fins como legisladores eles também são membros. Deve pensar na lei em que ele próprio vai estar submetido. No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Uma coisa que tem preço dá para ser trocada, “pode-se pôr no lugar dela qualquer outra como equivalente”17. Porém, quando uma coisa tem dignidade, ela está acima de qualquer preço e não se aceita equivalentes. O que confere dignidade a pessoa humana é a sua capacidade de moralidade. Para Kant a moralidade é a única condição que pode fazer de um ser racional um fim em si mesmo. E além do mais só através da moralidade é que é possível ser membro legislador no reino dos fins. Segundo o autor da Fundamentação duas coisas tem dignidade e somente elas: a moralidade e a humanidade enquanto capaz de moralidade. Podemos concluir que a autonomia fundamenta a dignidade não só da natureza humana, mas de toda a natureza racional. 12 Kant, 1986, p. 82. Ibid., p. 75. 14 RAWLS, John. História da filosofia moral. Trad. Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins fontes, 2005, p. 239. 15 WEBER, 2009, p. 50. 16 KANT, op. cit., p. 76. 17 Ibid., p. 77. 13 9 Um conceito que deve ser considerado é a liberdade. Este é central em Kant, “é a pedra angular de sua filosofia crítica”18. Além do mais para pensarmos um ser autônomo, temos que pensar este como sendo livre. Autonomia e liberdade andam de mãos dadas. Ambos os conceitos fundamentam também a dignidade do ser humano. Pois, para afirmar que o ser humano tem dignidade é preciso mostrar que é autônomo o que necessariamente implica que ele tem que ser livre. O conceito de liberdade é a chave para explicar a autonomia da vontade. Segundo Kant uma vontade livre é uma vontade submetida à lei, mas não qualquer lei e sim somente aquela que o sujeito da a si mesmo através da razão. Disso podemos inferir que liberdade não significa agir sem leis, mas “vontade livre e vontade subordinada a leis morais são uma e a mesma coisa” 19. Para que possamos falar de moralidade é preciso pressupor a liberdade da vontade. O que torna possível o ser humano ser visto como fim em si mesmo é a autonomia da vontade, pois somente através dela é possível que o ser humano aja “apenas segundo uma máxima tal que possa querer ao mesmo tempo em que ela se torne em lei universal da natureza”20. A autonomia da vontade tem como princípio: “não escolher senão de modo que as máximas da escolha estejam incluídas simultaneamente, no querer mesmo, como lei universal”21. Kant coloca a autonomia da vontade como princípio supremo da moralidade. Pois vai se descobrir que o seu princípio tem de ser um imperativo categórico, até porque o imperativo categórico implica esta autonomia. 18AGOSTINI, Leonardo. Autonomia: fundamento da dignidade humana em Kant. 2009. 101 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009, p. 24. 19 KANT, 1986, p. 94. 20 Ibib., p. 59. 21 Ibid., p. 85. 10 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da busca por um princípio supremo da moralidade, Kant fala sobre a dignidade da pessoa humana, sendo esta digna, porque tem capacidade de moralidade. Para que a ação seja moral tem que vir de uma vontade autônoma, ou seja, uma vontade que de maneira livre da à lei a si mesma. De maneira tão expressa no imperativo categórico, que diz que só estamos justificados a agir se possamos querer que nossa máxima seja transformada em lei universal. A pessoa humana tem dignidade porque é fim em si mesma. Não pode ser usada como meio. O imperativo categórico só é possível se existe algo que possa ter valor em si mesmo. E esse algo é a pessoa humana. Podemos até não concordar com Kant em muitos aspectos de sua teoria, mas hoje o nosso mundo clama por mais respeito à pessoa humana. Não só a minha pessoa tem direito de ser respeitada como fim em si, mas também a do outro. 11 REFERÊNCIAS AGOSTINI, Leonardo. Autonomia: fundamento da dignidade humana em Kant. 2009. 101 f. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. trad. de Paulo de Quintela. Lisboa: edições 70, 1986. WEBER, Thadeu. Ética e filosofia política: Hegel e o formalismo Kantiano. 2. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009.(coleção filosofia:87). RAWLS, John. História da filosofia moral. Trad. Ana Aguiar Cotrim. São Paulo: Martins fontes, 2005. TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. trad. de grupo de doutorandos do curso de pós graduação em filosofia da PUCRS. Petrópolis, RJ: vozes, 1996.