Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol; Rui Fontes Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol 1- O tecido adiposo contém cerca de 95% dos lipídeos do organismo e constitui a mais abundante reserva energética do organismo. A quantidade total de triacilgliceróis é variável de indivíduo para indivíduo mas, se considerarmos um indivíduo normal de 70 kg, valores de 10-15 kg são normais. Considerando, por exemplo, um indivíduo com uma despesa energética de 2400 kcal/dia, 15 kg de gordura seriam suficientes para suprir essa despesa durante 2 meses (15000 g x 9,3 kcal/g = 139500 kcal; 139500 kcal / 2400 kcal/dia = 58,1 dias). A mobilização e a oxidação desta gordura ocorrem sobretudo quando a insulina baixa durante o jejum ou quando há exercício físico. A sua formação predomina quando, após as refeições, a insulina e a proteína estimuladora da acilação promovem a esterificação no tecido adiposo. Embora haja uma grande variabilidade uma concentração de triacilgliceróis plasmáticos de cerca de 1 mM (0,9 g/L) é um valor normal em jejum. Se considerarmos que num indivíduo normal (com 70 kg) há cerca de 3 L de plasma sanguíneo, a quantidade total de triacilgliceróis plasmáticos em jejum (quase só VLDL) seria de cerca de 2,7 g (0,9g/L x 3L). Uma refeição típica ocidental pode ter cerca 30 g de triacilgliceróis: se todos esses triacilgliceróis ingeridos entrassem no plasma instantaneamente haveria uma subida de concentração superior a 10 vezes o valor basal. Mas não é isso que acontece: 3 a 5 horas após uma refeição contendo lipídeos atinge-se um pico de concentração que pode ser de 1,5 a 2 mM (no máximo, o dobro do valor basal [1]). A subida de concentração é menos acentuado do que os cálculos anteriores permitiriam supor porque o processo absortivo dos lipídeos é lento, a síntese hepática de VLDL diminui após as refeições1 e os processos de hidrólise dos triacilgliceróis plasmáticos (lípase de lipoproteínas actuando nos quilomicra) e de esterificação e armazenamento no tecido adiposo estão estimulados neste período. 2- Após a ingestão, a digestão e a absorção de lipídeos da dieta formam-se os quilomicra que, via linfáticos, são vertidos no sangue. Este processo absortivo é muito lento e por isso a concentração máxima de quilomicra só se atinge cerca de 4 hora após a refeição [2]. A lípase de lipoproteínas é uma ectoenzima presente na membrana citoplasmática das células endoteliais dos capilares de tecidos extra-hepáticos (como o tecido adiposo, os músculos e a glândula mamária activa) e catalisa a hidrólise dos triacilgliceróis dos quilomicra promovendo a sua conversão em quilomicra remanescentes. A actividade da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo aumenta após a ingestão de alimentos mas acontece o contrário nos casos dos músculos esquelético e cardíaco; esta activação da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo parece ser mediada pela acção da insulina que estimula a sua síntese nos adipócitos e a sua migração para o endotélio [3]. Os triacilgliceróis dos quilomicra são maioritariamente hidrolisados no tecido adiposo e os ácidos gordos daí resultantes são captados e esterificados nos adipócitos. Neste processo, os ácidos gordos são activados e, de seguida, esterificados: estas transformações criam um gradiente que favorece a sua captação para dentro dos adipócitos. Actualmente, pensa-se o transporte trans-membranar dos ácidos gordos é parcialmente mediado por transportadores proteicos e parcialmente não mediado. 3- No período que se segue a uma refeição que contenha lipídeos, os processos de captação e esterificação dos ácidos gordos estão estimulados e são mais rápidos que o processo de hidrólise (que está inibido) ocorrendo acumulação de gordura nos adipócitos2. Nos adipócitos não existe cínase de glicerol; por isto, todo o glicerol formado pela acção das lípases de lipoproteínas e hormono-sensível perde-se para o plasma sanguíneo sendo depois metabolizado no fígado e rim (os órgãos onde existe a cínase do glicerol). O glicerol-3-P necessário para a síntese de triacilgliceróis no tecido adiposo tem 1 A síntese e libertação de VLDL diminui após as refeições mas a sua concentração aumenta no plasma porque os quilomicra competem com as VLDL pela sua ligação à lípase de lipoproteínas. A diferença entre a concentração dos triacilgliceróis plasmáticos neste período (1,5-2 mM) e a concentração basal (1 mM) não se deve apenas a triacilgliceróis dos quilomicra que podem representar menos de metade dessa diferença [Griffiths et al. (1994) Am J Clin Nutr. 59: 53-9]. 2 Nos roedores, existe no citoplasma dos adipócitos (em todos os estados metabólicos) um “ciclo fútil” de hidrólise (catalisada pela lípase hormono-sensível) e re-síntese (esterificação) de triacilgliceróis. No entanto, no caso do homem, a percentagem de ácidos gordos libertados pela lípase hormono-sensível que não passam para o plasma e são de imediato re-esterificados parece ser, pelo menos na ausência de doença e de acções de medicamentos, irrelevante [Coppack et al. (1999) Am J Physiol 276: E233; Frayn NK (2003) Metabolic Regulation. A Human Perspective. 2nd Ed. Blackwell pag. 164]. Página 1 de 5 Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol; Rui Fontes origem na dihidroxiacetona-fosfato que é reduzida a glicerol-3-P por acção catalítica da desidrogénase do glicerol-3-P (dihidroxiacetona-fosfato + NADH → glicerol-3-P + NAD+). No período que se segue às refeições a dihidroxiacetona-fosfato origina-se a partir da glicose via glicólise. O transporte transmembranar de glicose é mediado pelo GLUT 1 e GLUT 4 e quer a insulina quer a proteína estimuladora da acilação promovem a entrada de glicose para os adipócitos mobilizando GLUT 4 para a membrana citoplasmática. A proteína estimuladora da acilação é uma citocina dos adipócitos que tem uma acção parácrina e cuja síntese e libertação é estimulada pelos quilomicra [4]. No período pós-prandial, para além de promoverem a entrada de glicose para os adipócitos, a insulina e a proteína estimuladora da acilação promovem a acumulação de triacilgliceróis nos adipócitos porque inibem a lipólise citoplasmática (ou seja, inibem a lípase hormono sensível) e, simultaneamente, estimulam a esterificação. O processo de síntese de triacilgliceróis a partir de acisCoA (ácidos gordos activados) e glicerol-3-P envolve a acção catalítica de transférases de acilo e da fosfátase do ácido fosfatídico que são enzimas do retículo endoplasmático. Enquanto a insulina estimula a síntese da acil-transférase do glicerol-3-P (glicerol-3-P + acil-CoA → 1-monoacilglicerol-3fosfato + CoA), a proteína estimuladora da acilação estimula a acil-transférase do diacilglicerol (1,2diacilgicerol + acil-CoA → triacilglicerol + CoA), ou seja, o último passo na síntese de triacilgliceróis. 4- A lípase hormono-sensível é uma hidrólase citoplasmática que nos adipócitos catalisa a libertação de 3 moléculas de ácidos gordos e uma de glicerol a partir de uma de triacilglicerol. A lípase hormono sensível é regulação por fosforilação/desfosforilação induzida por hormonas sendo activada por fosforilação e inactivada por desfosforilação. Ao contrário do que acontece noutras espécies, no homem, as hormonas que têm, em situações não patológicas, real influência na lipólise no tecido adiposo são as catecolaminas (efeito estimulador) e a insulina (efeito inibidor) [5]. As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) promovem a lipólise via ligação aos receptores adrenérgicos β que promovem o aumento da actividade da adenilcíclase; a adenilcíclase leva à formação de AMP cíclico que estimula a PKA; a PKA promove a fosforilação e consequente activação da lípase hormonosensível. A PKA também promove a fosforilação de uma outra proteína (perilipina) que se situa à periferia das gotículas de gordura. Quando a perilipina está no estado desfosforilado impede o acesso da lípase hormono-sensível ao seu substrato mas, quando é fosforilada pela PKA, deixa de ser um entrave à acção da lípase; assim, a fosforilação da perilipina estimula a acção da lípase. A acção estimuladora das catecolaminas é importante na mobilização de ácidos gordos do tecido adiposo para o músculo durante o exercício físico [6]. À acção das catecolaminas opõe-se a insulina que promove a desfosforilação e consequente inactivação da lípase hormono-sensível; durante o jejum a insulina está baixa estando favorecida a lipólise. Um dos mecanismos pelos quais a insulina inibe a lipólise é, no tecido adiposo, a sua acção activadora na fosfodiestérase, uma enzima que hidrolisa o AMP cíclico: sem AMP cíclico a PKA fica inactiva e não há fosforilação nem da lípase hormono-sensível nem da perilipina [5]. A insulina, para além de inibir a lipólise, também favorece o processo de esterificação; contudo, durante o jejum a insulina está baixa e, consequentemente, o processo de esterificação está desfavorecido. Os ácidos gordos libertados no processo lipolítico passam para o plasma sanguíneo; aqui, estes ácidos gordos não estão esterificados (por isso chamam-se ácidos gordos livres) e viajam no plasma ligados à albumina. 5- Durante o jejum porque a lipólise é mais rápida que a esterificação, o saldo dos dois processos resulta na libertação líquida de ácidos gordos livres dos adipócitos para o plasma. No jejum não há quilomicra, a insulina plasmática está baixa e os adipócitos têm maior sensibilidade à acção lipolítica das catecolaminas [5]. No jejum, a concentração plasmática dos ácidos gordos livres está aumentada e (exceptuando o cérebro, os eritrócitos e a medula renal) são usados como combustíveis pelos tecidos (nomeadamente os músculos esqueléticos e cardíaco e o fígado). Contudo, uma parte dos ácidos gordos captados pelo fígado, em vez de sofrer oxidação, é esterificada e os triacilgliceróis formados são incorporados nas VLDL (que são libertadas para o plasma). Durante o jejum a secreção de VLDL pelo fígado está estimulada porque a insulina, que tem efeito inibidor neste processo, está baixa. Os triacilgliceróis das VLDL são hidrolisados pela lípase de lipoproteínas dos capilares dos tecidos extra-hepáticos e, na ausência de quilomicra (jejum), a acção da lípase nas VLDL não sofre a acção inibidora competitiva dos triacilgliceróis dos quilomicra, estando, por isso, a velocidade de hidrólise dos triacilgliceróis das VLDL aumentada. O balanço dos dois processos (estimulação simultânea da secreção de VLDL no fígado e hidrólise dos seus triacilgliceróis nos tecidos periféricos) favorece mais o processo de hidrólise permitindo compreender que os triacilgliceróis das VLDL Página 2 de 5 Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol; Rui Fontes baixem durante o jejum [7]. A síntese e hidrólise dos triacilgliceróis das VLDL constituem um “ciclo fútil” de hidrólise-esterificação que envolve o fígado (esterificação) e a lípase de lipoproteínas do tecido adiposo (hidrólise). Este ciclo inclui a (1) a captação de ácidos gordos pelo fígado e (2) a sua subsequente esterificação, (3) a libertação para o sangue dos triacilgliceróis formados incorporados nas VLDL, (4) a hidrólise dos triacilgliceróis das VLDL pela lípase de lipoproteínas do tecido adiposo (5) cujos ácidos gordos podem viajar no plasma ligados à albumina e serem captados pelo fígado. Ao contrário do que acontece com a lípase de lipoproteínas do tecido adiposo, a actividade da lípase de lipoproteínas dos músculos está mais activa durante o jejum que no estado pós-prandial. No estado de jejum a maior parte dos ácidos gordos libertados durante a acção da lípase de lipoproteínas poderá, no caso do tecido muscular, entrar para as células e sofrer oxidação mas, no tecido adiposo, aparecem no sangue como ácidos gordos livres: o destino dos ácidos gordos formados pela acção hidrolítica da lípase de lipoproteínas depende do metabolismo dos ácidos gordos no tecido onde a hidrólise está a acontecer [6]. Durante o jejum, os músculos oxidam ácidos gordos mas os ácidos gordos libertados pela acção da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo não são captados pelos adipócitos e podem ser usados por outros tecidos (incluindo o fígado na síntese dos triacilgliceróis das VLDL). 6- No fígado, parte do glicerol-3-P necessário para a esterificação pode resultar da fosforilação (via cínase do glicerol) do glicerol que se liberta do tecido adiposo durante a lipólise (lípase hormono sensível e lípase de lipoproteínas). Uma outra parte do glicerol-3-P deriva da redução da dihidroxiacetona-fosfato que, durante o jejum, estando a glicólise inibida, resulta da transformação de aminoácidos, do lactato ou do piruvato. O processo de síntese de glicerol-3-P a partir destes precursores designa-se por gliceroneogénese; a gliceroneogénese é “uma gliconeogénese mais curta” não envolvendo as fosfátases da frutose-1,6-bisfosfato e da glicose-6-fosfato. A conversão do piruvato em glicerol-3-P implica a acção de muitas enzimas de que destacaríamos a carboxílase do piruvato, a carboxicínase do fosfoenolpiruvato e a desidrogénase do glicerol-3-P (as outras são comuns à glicólise e catalisam reacções fisiologicamente reversíveis). No tecido adiposo, não existe a cínase do glicerol mas existe a carboxílase de piruvato, a carboxicínase do fosfoenolpiruvato e a desidrogénase do glicerol-3-P; no tecido adiposo, durante o jejum, a captação de glicose e a glicólise estão inibidas e o glicerol-3-P usado na síntese de triacilgliceróis (ver nota 2) tem origem na gliceroneogénese [8]. 7- No período que se segue a uma refeição que contenha lipídeos, uma parte dos triacilgliceróis plasmáticos está nos quilomicra mas, independentemente do estado metabólico do organismo, a maioria dos triacilgliceróis plasmáticos está nas VLDL. Os triacilgliceróis incorporados nas VLDL resultam da esterificação de ácidos gordos no retículo endoplasmático do fígado enquanto os constituintes proteicos das VLDL nascentes são sintetizados nos ribossomas. Os ácidos gordos incorporados nas VLDL resultam directamente da hidrólise de triacilgliceróis armazenados no fígado [9]. Os ácidos gordos usados na síntese dos triacilgliceróis hepáticos podem ser de diferentes origens: ácidos gordos livres plasmáticos, hidrólise lisossómica dos triacilgliceróis dos quilomicra remanescentes e IDL e, eventualmente, lipogénese de novo. Durante o período pós-prandial, porque a maior parte dos triacilgliceróis dos quilomicra são hidrolisados pela lípase de lipoproteínas do tecido adiposo e os ácidos gordos que resultam dessa hidrólise são aí captados e esterificados, os ácidos gordos incorporados nas VLDL não têm origem na acção da lípase de lipoproteínas do tecido adiposo. Durante o jejum, a velocidade de síntese de VLDL aumenta e, neste estado metabólico, os ácidos gordos que, no fígado, contribuem para a formação de VLDL provêm, em última análise, do tecido adiposo; maioritariamente da acção da lípase hormono-sensível nos triacilgliceróis intracelulares mas também da acção da lípase de lipoproteínas nos triacilgliceróis das VLDL circulantes. No homem, com uma dieta mista sem excesso de glicídeos o contributo da lipogénese de novo para os ácidos gordos das VLDL é pequeno. 8- Se considerarmos um determinado intervalo de tempo (um mês ou um ano, por exemplo) e admitirmos que as reservas de glicogénio e a quantidade total de proteínas não variaram durante esse tempo, a variação da massa de triacilgliceróis do organismo (quase toda no tecido adiposo) é equivalente à diferença entre a energia metabolizável da dieta e a despesa energética. Assim, ignorando as eventuais variações na massa de glicogénio3 e na massa de proteínas do organismo, a variação na massa de 3 Serão mínimas se admitirmos que a comparação entre o tempo inicial e final do intervalo considerado foi feita considerando o mesmo estado nutricional (por exemplo, sempre de manhã antes do pequeno almoço). Página 3 de 5 Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol; Rui Fontes triacilgliceróis do organismo reflecte o balanço energético (nulo, positivo ou negativo) no intervalo de tempo considerado. Se, mantendo estes pressupostos, a massa de triacilgliceróis do organismo se manteve constante deve concluir-se que a massa de triacilgliceróis que sofreu lipólise no intervalo de tempo considerado foi, no mesmo intervalo de tempo, substituída por triacilgliceróis que foram sintetizados e armazenados. Isto não significa que a velocidade de síntese foi sempre igual à de hidrólise: a seguir às refeições predominou a esterificação e, pelo menos, nas horas que precederam a primeira refeição da manhã predominou a lipólise. Quando há balanço energético negativo uma parte das reservas que sofreu lipólise não é substituída. A situação inversa ocorre quando há balanço energético positivo. Dado que, na dieta típica ocidental, a lipogénese de novo é muito pouco expressiva e que as variações nas reservas de glicogénio podem, em certas condições (ver nota 3), ser ignoradas, também podemos concluir que quando há balanço energético positivo, uma parte das gorduras que comemos não foi oxidada mas sim armazenada no tecido adiposo. 9- Na origem da diabetes tipo II (a forma mais comum de diabetes) está uma incapacidade das células em responder à insulina. Nas fases mais precoces da doença, a insulina plasmática pode mesmo estar aumentada relativamente ao normal. São mais conhecidos os efeitos desta resistência à insulina no metabolismo glicídico mas os efeitos no metabolismo lipídico e, em particular, no metabolismo das lipoproteínas também é relevante. No tecido adiposo, esta resistência à acção da insulina, provoca aumento da lipólise intracelular (desinibição da lípase hormona sensível) e diminuição da actividade da lípase de lipoproteínas do endotélio dos capilares. O aumento da lipólise dos triacilgliceróis armazenados nos adipócitos provoca, tal como no jejum, aumento dos ácidos gordos livres no sangue4. Uma das consequências do aumento da concentração plasmática de ácidos gordos livres é o aumento da sua captação pelo fígado que os utiliza para sintetizar VLDL [9]. Quer o aumento da síntese de VLDL hepática quer a diminuição da hidrólise dos triacilgliceróis das VLDL (diminuição da actividade da lípase de lipoproteínas) explicam que, na diabetes tipo II, haja aumento das VLDL no plasma. De facto a insensibilidade à insulina também ajuda a explicar o aumento da síntese de VLDL já que a insulina tem o efeito oposto: diminui a secreção de VLDL pelo fígado [9]. Por outro lado, este aumento das VLDL vai provocar um aumento da velocidade de troca entre os triacilgliceróis das VLDL e os ésteres de colesterol das HDL (aumento na actividade da proteína de transferência de ésteres de colesterol – CETP) diminuindo o colesterol associado às HDL. Crê-se que na origem da aterosclerose precoce do diabético tipo II pode estar, pelo menos em parte, a diminuição do colesterol associado às HDL [3]. A diminuição do colesterol associado às HDL é um factor de risco de aterosclerose. 10- A metabolização do etanol inicia-se com a sua oxidação sequencial em acetaldeído (=etanal) e acetato. Embora também possa ocorrer nas células do estômago, é no fígado que a maior parte do etanol ingerido se converte em acetato. No fígado existem, pelo menos, dois sistemas enzímicos envolvidos na oxidação do etanol a acetaldeído, um citosólico e outro do retículo endoplasmático. No citoplasma a enzima chama-se desidrogénase do etanol e o oxidante é o NAD+ (etanol + NAD+ → acetaldeído + NADH). De notar que o NADH formado pela acção da desidrogénase do etanol só pode ser oxidado pelo O2 após a acção das lançadeiras do malato ou do glicerol-3-P. No retículo endoplasmático o sistema enzímico que converte o etanol em acetaldeído não envolve o NAD+ mas o NADPH; o sistema denomina-se Sistema Microssómico de Oxidação do Etanol (MEOS), o oxidante é o O2 e envolve a actividade do citocromo P450 (etanol + NADPH + O2 → acetaldeído + NADP+ + 2 H2O). Ao contrário do que acontece com a desidrogénase do etanol, a actividade do MEOS aumenta quando o indivíduo está acostumado a ingerir etanol. O acetaldeído formado entra para as mitocôndrias do hepatócito e aqui, por acção catalítica da desidrogénase de aldeídos, ocorre a oxidação do acetaldeído a acetato sendo o NAD+ o agente oxidante (acetaldeído + NAD+ → acetato + NADH). Uma pequena parte do acetato é, após activação a acetil-CoA (sintétase de acetil-CoA: acetato + CoA + ATP → acetil-CoA + AMP + PPi), usado pelo fígado como combustível ou como 4 O aumento da lipólise e a diminuição da esterificação não significa necessariamente que o diabético tipo II esteja continuamente a perder massa gorda e a emagrecer. Como em todos os outros humanos (e mamíferos) é o balanço energético que determina as variações na massa global de triacilgliceróis do organismo. No diabético tipo II as alterações nas actividades das duas lípases e da acil-transférase do glicerol-3-P e na síntese de VLDL fazem com que, independentemente do saldo global (nulo, negativo ou positivo) nos processos de esterificação e lipólise, haja um aumento na concentração dos lipídeos “circulantes” (ácidos gordos livres e triacilgliceróis das VLDL). Página 4 de 5 Metabolismo dos triacilgliceróis e do etanol; Rui Fontes substrato da lipogénese mas a maior parte é transportado para o plasma sanguíneo para poder ser usado como combustível por tecidos extra-hepáticos. 11- O etanol é um nutriente: o seu valor calórico (7 kcal/g) é superior ao dos glicídeos e proteínas (4 kcal/g) e inferior ao dos lipídeos da dieta (9 kcal/g). No fígado o etanol é oxidado a acetaldeído que, por sua vez, é oxidado a acetato. Parte do acetato formado é, no fígado, activado a acetil-CoA (acção da sintétase de acetil-CoA) mas, a maior parte passa para o plasma sanguíneo [10, 11]. No fígado, uma pequena parte do acetil-CoA é convertido em palmitato (lipogénese de novo) mas a maior parte é oxidada a CO2 no ciclo de Krebs. O acetato que sai do fígado para o plasma é maioritariamente metabolizado pelo músculo; o processo implica a sua activação a acetil-CoA pela sintétase de acetilCoA e a subsequente oxidação no ciclo de Krebs. O etanol é um nutriente que, ao contrário, dos glicídeos e dos lipídeos não forma substâncias de reserva sendo rapidamente oxidado até desaparecer do organismo. Para um determinado nível de consumo de ATP existe uma velocidade de oxidação de nutrientes que permite manter a velocidade de formação de ATP igual à velocidade de hidrólise. Quando o organismo está a usar etanol como combustível poupa os outros nutrientes [11]. Quando administrado em jejum um dos efeitos do etanol é diminuir a lipólise nos adipócitos, a concentração plasmática dos ácidos gordos livres e a sua oxidação [10]. 1. Frayn, K. N. (1997) Integration of substrate flow in vivo: some insights into metabolic control, Clin Nutr. 16, 277-82. 2. Malkova, D., Evans, R. D., Frayn, K. N., Humphreys, S. M., Jones, P. R. & Hardman, A. E. (2000) Prior exercise and postprandial substrate extraction across the human leg, Am J Physiol Endocrinol Metab. 279, E1020-8. 3. Ginsberg, H. N., Zhang, Y. L. & Hernandez-Ono, A. 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