Morte Encefálica

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CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO
DISTRITO FEDERAL
Departamento de Processos Éticos e Sindicâncias
CONSULTA Nº 71/2015
Assunto: Morte Encefálica
CONSULTA:
“O diagnóstico de Morte Encefálica é definido no Brasil pelo CFM através da
Resolução CFM 1.480/1997, através da realização de exames clínicos e
complementares. Porém não existe a previsão para atestar a morte encefálica em
pacientes que apresentem comprometimento que interfira na realização de um ou
mais elementos do exame neurológico. Como exemplo: agenesias, avulsão de globo
ocular, fratura de mastoide, lesão timpânica ou ocular.
Questionamento: como proceder nos casos de exceção, como os citados,
para se confirmar morte encefálica, atendendo o dispositivo legal para que a família
possa ter o direito à doação?”
PARECER:
O presente questionamento foi objeto do Processo-Consulta CFM N° 399/08
– Parecer CFM N° 10/10. À época (Jul/2007), o então Diretor do Serviço de
Captação de Órgãos da Santa Casa de Misericórdia do Estado de São Paulo, “relata
a dificuldade de atestar a morte encefálica em pacientes que apresentam
comprometimento que interfira na realização de um ou mais elementos do exame
neurológico, como situações de lesão timpânica ou ocular. Cita paciente com
agenesia do globo ocular bilateral, congênita, o que impede atestar a morte
encefálica com base nos exames neurofisiológicos. Descreve ainda paciente com
traumatismo craniano, com fratura de base de crânio, com fístula liquórica e lesão
timpânica, cuja presença impossibilita a pesquisa de reflexos óculo-cefálicos. Nesse
caso, decidiu-se, após avaliação clínica, pela cintilografia de perfusão cerebral que
concluiu por aspectos cintilográficos compatíveis com a hipótese de morte
encefálica”.
Em 20/01/2010, a Câmara Técnica de Morte Encefálica do CFM exarou
parecer, no qual conclui que:
“Nas situações como traumatismo grave de face, otorragias,
agenesia de globo ocular, em que há impedimento da realização
de parte do exame clínico (grifo nosso), porém o restante da
determinação (pré-requisitos, teste de apneia e exame
complementar) é compatível com morte encefálica, esta poderá ser
determinada em caráter de excepcionalidade. O documento
justificando tal decisão deverá ser encaminhado à Central de
Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos – CNDC – da sua
área de atuação, que deverá enviar toda a documentação à Câmara
Técnica de Morte Encefálica do CFM para registro.”
Setor de Indústrias Gráficas (SIG), Quadra 01, Centro Empresarial Parque Brasília, 2º Andar, Salas 201/202,
Zona Industrial, Brasília-DF, CEP: 70.610-410.
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Esse parecer motivou pedido de vista, alterando diametralmente a
perspectiva do mesmo, visto que o “Relator de Vista” finaliza esse relatório,
dispondo que:
“Importante destacar no contexto social e legal o
desgaste decorrente de um equívoco na confirmação da morte
encefálica, além da peculiaridade e obrigatoriedade de explicar a
um familiar que aquela doação ou interrupção do tratamento em
curso será feito em caráter excepcional (grifo nosso). Deve-se,
obrigatoriamente, fazer valer o que está escrito na Lei no 9.134/97 e
na Resolução no 1.480/07, nas quais não foi atribuído ao médico ou
a quem quer que seja o condão para definir a morte encefálica, fora
do texto legal.
Pelos fundamentos elencados é necessário a certeza
absoluta da arreatividade supraespinal, sem excepcionalidade, que
cumpra a resolução na íntegra (grifo nosso), sem chance de
provocar confusão, e dê a devida credibilidade ao diagnóstico, não
expondo o médico às sanções administrativas e penais da Lei no
9.434/97, nos artigos 14, 16, 17 e 18.
Se existirem novos dados científicos, esforços devem ser
desenvolvidos para a mudança do decreto, haja vista que no Brasil
optou-se não exclusivamente pelos critérios de Harvard e sim
acompanhados, sem exclusão, por protocolos seguros e absolutos,
associados a exames complementares.
Em suma, este Conselho não deve acatar, não olvidando
em hipótese alguma, nenhum critério que não esteja claramente
expresso nas normas legais e em suas resoluções (grifo nosso).
Por decisão da plenária do CFM, nesta ocasião, a Câmara
Técnica de Morte-Encefálica deverá apresentar proposta de
modificação da Resolução CFM nº 1.480/97.”
Revendo a Resolução CFM 1.480/97 (sem qualquer alteração até o
momento) - que define os critérios de Morte Encefálica (ME), atendendo ao artigo 3°
da Lei n° 9.434/97, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo
para fins de transplante e tratamento -, pontuamos que, em nosso país, optamos
pelos seguintes fundamentos:
- O diagnóstico de ME se estabelece na presença de coma
aperceptivo, irreversível, de causa conhecida, ausência de atividade
motora supraespinal e apneia (artigos 3° e 4°);
- Impõem-se a realização de 02 exames CLÍNICOS (por profissionais
diferentes não integrantes das equipes de remoção e transplante), e
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exame COMPLEMENTAR para firmar o diagnóstico de ME de forma
inequívoca, executados em intervalos de tempo variáveis, de acordo
com faixas etárias determinadas pela própria norma (artigo 1° e
anexo).
- No “Termo de Declaração de Morte Encefálica” (TDME), anexo à
Resolução, em seu item “B”, encontramos os critérios clíniconeurológicos para constatação de ausência de atividade de tronco
cerebral (“atividade motora supraespinal”), que inclui quatro reflexos
ponto-mesencefálicos (óculo-motor, córneo-palpebral, óculo-cefálico
e óculo-vestibular), e dois reflexos bulbares (tosse e
respiratório/”teste da apnéia”).
- Não prevê conduta para “excepcionalidades”.
De fato, em situações como o comprometimento anátomo-funcional dos
olhos em vítima de trauma grave, envolvendo face, inviabiliza a avaliação de quatro
dos seis reflexos tronculares. Ainda, além das demais situações pontuadas pela
Consulente, não raro o Teste de Apnéia é interrompido, restando inconclusivo ou
impreciso, devido, por exemplo, hipoxemia e instabilidade hemodinâmica
desencadeadas durante execução do mesmo. Desnecessário delongar o “peso” do
Teste de Apnéia, uma vez que, mesmo tratando-se de outro reflexo troncular, a
ausência do reflexo respiratório recebe tratamento de critério distinto no diagnóstico
de ME.
As revisões apontam falta de consenso mundial sobre ME, que vão desde
ausência de protoloco padronizado, exigência de único exame clínico, dois exames
clínicos com intervalo de tempo definido, ao extremo da obrigatoriedade de exame
complementar. Contudo, localizamos consenso quanto ao critério CLÍNICO para
diagnóstico de ME1.
A Academia Americana de Neurologia disponibilizou em 2010 sua última
atualização/revisão das Diretrizes de ME em Adultos2 (publicada inicialmente em
1995), e a Academia Americana de Pediatria o fez em 2011 3, revendo seu Guideline
de 1987, dos quais extraímos que:
- Permanece a ênfase nos três parâmetros clínicos para confirmação
da cessação irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo o
tronco cerebral: coma (de causa conhecida), arreflexia troncular e
apnéia.
- Em adultos, não há relato de recuperação da função
neurológica após diagnóstico clínico de ME baseado nos
parâmetros estabelecidos.
- É seguro o teste de apnéia com suplementação de oxigênio, porém
não há evidências suficientes para comparar a segurança das
diferentes técnicas.
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- Os testes complementares preferenciais são o ECG
(Eletroencefalograma), Angiografia dos 4 vasos cerebrais e estudos
Radionucleares (p.ex. PET Scan, SPECT e cintilografia cerebral
radioisotópica).
- NÃO RECOMENDAM EXAMES COMPLEMENTARES DE
ROTINA. Não devem ser vistos como substitutos do exame
neurológico. PODEM ser usados para auxiliar o clínico no
diagnóstico de ME quando: (1) componentes do exame
neurológico ou o teste de apnéia não podem ser completados
com segurança devido condições médicas subjacentes do
paciente; (2) se há incerteza sobre resultados do exame
neurológico; (3) se há presença de efeito medicamentoso; (4) para
reduzir o período de observação entre dois exames clínicos.
Visto o exposto, constatamos que a resolução vigente em nosso país sobre
ME, no tocante à relevância e ao papel do exame complementar, está em
dissonância com o entendimento acadêmico predominante da comunidade médica
internacional. Sem detrimento do justo respeito e consideração, possivelmente
reflete a inércia cultural e científica de nosso país, não por acaso, motivadora de
confusões e conflitos, mesmo entre os especialistas formadores de opinião e
profissionais envolvidos rotineiramente nessa temática. Aliás, dissenso bem ilustrado
no citado relatório exarado em 2010 pelos ilustres Conselheiros do CFM.
Nessa discussão, além da irrefutável exigência de absoluta acurácia no
diagnóstico de ME (o “erro é fatal e irremediável”), deve-se pesar o direito à doação,
essa estar condicionada à autorização dos representantes legais, e cada único
potencial doador desconsiderado representar várias vidas não beneficiadas. Ainda,
os estudos demonstram que a maioria absoluta dos pacientes em ME, com
protocolo-diagnóstico não concluso ou interrompido, vão a óbito em poucas horas ou
alguns dias, resultando em “desperdício” de recursos. O que, aliás, é contemplado
no preâmbulo da Res. CFM N°1.480/97: “CONSIDERANDO o ônus psicológico e
material causado pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários para o
suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da
atividade encefálica; CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para
interrupção do emprego desses recursos”.
Contraditoriamente, quanto ao questionamento em comento, face às
orientações da Academia Americana de Neurologia, constatamos que a exigência
do exame complementar torna nossa resolução bem adequada justamente
para as excepcionalidades apontadas. De fato, existe uma diferença abismal entre
a presença de um reflexo troncular e a impossibilidade de sua verificação clínica por
condições inerentes ou subjacentes ao paciente. Como já exposto, o entendimento
acadêmico é que tal deficiência pode perfeitamente ser suprida pelo exame
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complementar, permitindo a conclusão do protocolo de ME, obedecidos os prérequisitos térmico, metabólicos e hemodinâmicos.
Finalmente, em que pese nosso respeito ao Egrégio CFM, constatamos no
parágrafo único do artigo 2° da Res. CFM N°1.480/97, que a própria norma previu
ferramenta de ajuste de seus “vazios”, com validação junto aos Conselhos
Regionais:
”As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao
presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos
Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a
supressão de qualquer de seus itens” (grifo nosso).
Diante o exposto e em resposta ao Questionamento dos Consulentes:
Para o diagnóstico de Morte Encefálica em situações de excepcionalidade,
o(s) exame(s) complementar(es) (eleita técnica prevista na Res. CFM N°1.480/97)
compensa deficiências parciais do exame clínico em razão de impedimentos
inerentes ou subjacentes ao paciente (agenesia/avulsão dos globos oculares, lesão
do tímpano, traumas de face, teste de apnéia inconclusivo, etc.), desde que estejam
os demais critérios clínicos presentes e respeitados os pré-requisitos fisiológicos. O
registro e publicidade do resultado da avaliação devem contemplar descrição clara e
detalhada da particularidade, seguindo o disposto nos artigos 8° e 9° da referida
resolução.
Bibliografia:
1. Wijdicks, EF; et.al. Brain death worldwide: accepted fact but no global
consensus in diagnostic criteria. Neurology. 2002;58(1):20-5.
2. Wijdicks, EF; et.al. Evidence-based guideline update: Determining brain death
in adults. Report of the Quality Standards Subcommittee of the American
Academy of Neurology. Neurology. 2010;74:1911–1918.
3. Nakagawa, TA; Ashwal, S; et.al. Guidelines for the Determination of Brain
Death in Infants and Children: An Update of the 1987 Task Force
Recommendations. Pediatrics. 2011;128:e720-e740.
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