Pensamento do Dia Economistas analisam a Economia, o Brasil e o mundo na mídia diária 07/ 07/08 03 2009 Domingo, 08 de Março de 2009 |O Estado de S.paulo Versão Impressa Respostas à crise: usos do PAC Pedro S. Malan "Há coisas que nós sabemos que sabemos, há coisas que sabemos que não sabemos, há coisas que não sabemos que sabemos e há coisas que não sabemos que não sabemos." A tirada foi utilizada por um aprendiz de filósofo da era Bush, Donald Rumsfeld, que não conseguiu se manter como ministro da Defesa de seu país. Talvez porque houvesse coisas em demasia que ele não sabia que não sabia, combinadas com outras que ele sabia que sabia, mas não lhe era possível reconhecer de público. Na grave crise que ora vive a economia mundial - a mais globalmente sincronizada retração econômica desde os anos 30 do século passado - também é possível identificar esses quatro tipos de "coisas", e muitos "Rumsfeld-types" nos mundos das finanças, da economia e da política. Afinal, a dúvida é da natureza humana e o futuro, sempre incerto. E como escreveu Fernando Pessoa, "todas as frases do livro da vida, se lidas até o final, terminam numa interrogação". Em espanhol, dizem com orgulho alguns amigos "castellanos", também começam, com o sinal de interrogação invertido. Lembrança, talvez, de que perguntas devem ser feitas antes, e não depois da ocorrência de eventos desastrosos. Muitas perguntas sobre as quatro possibilidades "rumsfeldianas" no que diz respeito a riscos não foram feitas de forma clara por mercados financeiros, governos (e suas agências), enquanto o mundo vivia o auge (2003-2007) do mais intenso e amplo ciclo de expansão da história moderna. Agora, em plena crise, as perguntas mais relevantes são menos relacionadas às causas da crise, importantes como sejam, e mais ligadas à natureza e à qualidade das respostas - nacionais, regionais e globais, que governos (e mercados) podem e devem dar à crise com vista à sua superação e à retomada gradual do crescimento. O restante deste artigo se restringe a um tema especifico: os possíveis usos do PAC (o plural é deliberado) como um dos elementos do conjunto de respostas do Brasil não só para enfrentar a crise atual como para nos reposicionar mais favoravelmente na região e no mundo à medida que a crise global vá sendo enfrentada e eventualmente superada ao longo dos próximos trimestres ou anos. Escrevo no mês seguinte à apresentação dos "novos números" do PAC, originalmente apresentado dois anos atrás, no início de 2007, como um apanhado de tudo o que já vinha sendo realizado ou planejado não só no orçamento de investimentos do governo federal (vale lembrar, algo em torno de apenas 1% do PIB), nos planos das empresas estatais, bem como nos investimentos privados então planejados para 2007-2010. Este somatório incluía, conforme a apresentação de 2007, nada mais, nada menos que 1.646 "ações de governo a serem monitoradas" de forma centralizada na Casa Civil, das quais 912 seriam "obras" e 734 "estudos e projetos em andamento". Seu valor era estimado em R$ 504 bilhões, a esmagadora maioria investimentos que empresas estatais estavam, em fins de 2006, contando realizar no triênio 2007-2010. No início de 2008, a apresentação da avaliação do PAC havia aumentado para mais de 2 mil as ações do governo sendo monitoradas no âmbito do PAC (mais de mil obras e outros tantos estudos e projetos em andamento). Agora, início de 2009, o País toma conhecimento de que o governo decidiu adicionar R$ 132 bilhões para o triênio 2007-2010, levando o total de R$ 504 bilhões para R$ 646 bilhões, além de elevar a estimativa de gastos do programa após 2010 de R$ 189 bilhões para R$ 502 bilhões, apresentando o PAC como um programa de R$ 1,148 trilhão em seu conjunto, para 2007-2013. Para muitos, puro keynesianismo contracíclico. Mas é difícil evitar a percepção de que o PAC vai aumentando em número de obras, projetos e estudos em andamento e, especialmente, no seu valor total estimado para os sete anos que vão de 2007 a 2013 (!), porque, pelos critérios adotados pelo governo, são considerados novos investimentos todas as obras que, mesmo já previstas ou conhecidas ou planejadas e executadas por Estados, ainda não haviam sido incorporadas ao PAC. Como escrevi neste espaço há cerca de um ano, "o PAC é tudo, no PAC tudo cabe". Poderia adicionar: "É como um generoso, compreensivo e abrangente coração de mãe." Conforme bem ilustra texto recente da portaria de órgão da Presidência da República que define o PAC como "um instrumento de universalização dos benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do Brasil". Ora, é sabido que quando tudo é prioritário nada é prioritário. Desde pelo menos os anos 1950 (primórdios do BNDES e da Petrobrás, governo JK) se sabe da importância da seletividade e do critério na escolha dos projetos. E mais importante: capacidade de execução, eficiência no gerenciamento e cobrança de resultados. O papel do investimento público pode ser fundamental para romper certos pontos de estrangulamento em infraestrutura, para sinalizar novas oportunidades de investimento ao setor privado, para sugerir áreas em que ambos, público e privado, podem atuar conjunta ou complementarmente. Os programas Brasil em Ação/Avança Brasil, do governo FHC, definiram, após cuidadosos estudos, entre 40 e 50 projetos prioritários. O modelo de gerenciamento dos projetos, conduzidos pela equipe chefiada com competência e profissionalismo por José Paulo Silveira, com sua longa experiência na Petrobrás, é hoje utilizado com sucesso por vários Estados brasileiros que também definiram relativamente poucos projetos prioritários, compatíveis com a capacidade de execução do Estado e suas empresas. A contribuição do PAC para o Brasil depende, a meu ver, não de seu uso como instrumento de retórica política associada à campanha eleitoral que se avizinha, mas de maior seletividade, efetiva gestão e resultados operacionais concretos sobre os níveis e a eficácia do investimento público e privado - um dos maiores desafios de médio prazo a enfrentar na área econômica. Pedro S. Malan, economista, foi ministro da Fazenda no governo FHC E-mail: [email protected] Maílson da Nóbrega Economista, foi Ministro da Fazenda Gov. Sarney Veja 2103/11-03 2009 Crise: como chegamos a este ponto? "O detonador da crise nasceu de intervenção do estado: a norma pela qual se financiou a casa própria para milhões de americanos sem condições de pagar" Essa pergunta não cala. O desastre aconteceu nas barbas de multidões de analistas financeiros, economistas, comentaristas, banqueiros, reguladores. Pouquíssimos previram a crise. Sofisticados modelos de avaliação de riscos falharam. Como entender? Uma saída tola é culpar o neoliberalismo. A crise teria sido efeito da crença cega no mercado. Ocorre que não existe livre mercado no sistema financeiro. Na verdade, o detonador da crise nasceu de intervenção do Estado, qual seja a norma pela qual se financiou a casa própria para milhões de americanos sem condições de pagar. Analistas de esquerda adoram apontar a desregulação. A culpa seria da revogação do Glass-Steagall Act, no governo de Bill Clinton. Essa lei, dos anos 30, separava as atividades de banco comercial das de investimento, mas ficou gagá com a sofisticação e a globalização dos mercados. Penalizava os bancos americanos. Crises existem desde que o atual sistema financeiro nasceu, por volta do século XVII. Foram mais de 300, em média uma por década. O sistema opera alavancado: empresta mais do que seu capital. Atua descasado: o prazo dos empréstimos é maior que o dos recursos captados. Ao calcular riscos e selecionar clientes, contribui para o melhor uso dos recursos e, assim, para aumentar a produtividade. Tudo isso turbina a economia, mas sujeita o sistema a crises periódicas. Surgem bolhas financeiras. Como sempre, as lições costumam ser ignoradas. A regulação não consegue antecipar os riscos das inovações. Felizmente, entre as crises o mundo progride. Até porque elas são prova da inventividade, da curiosidade e do gosto pelo desafio que marcam a experiência humana. Depois das crises, a regulação se renova. Até a próxima crise. O mau diagnóstico pode resultar em má regulação e inibir as inovações. Assim, o correto é buscar explicações como a do longo período de alta liquidez e juros baixos (o mesmo de outras crises). A liquidez aumentou com o excesso de poupança da China, da Rússia, do Brasil e de outros países. Os juros baixos vieram da reação do Federal Reserve ao estouro da bolha das empresas de tecnologia e aos ataques terroristas em 2001. Tal qual em outras ocasiões, a prudência foi relaxada e surgiram incentivos perversos causadores de comportamentos irresponsáveis. Crises seriam coisa do passado. Os modelos de avaliação apontariam os riscos com precisão. Enquanto isso, o sistema de remuneração premiava o risco excessivo. Polpudos salários e bônus eram pagos, mesmo se as operações se tornassem ruinosas. Os bancos erraram. Os reguladores falharam. Foi o caso da resistência de Alan Greenspan a regular os derivativos. Mas houve outras falhas, especialmente porque os reguladores dificilmente chegam à frente dos problemas. São menos talentosos (e menos remunerados) que os que promovem inovações e aprendem a contornar as limitações das normas. Não foi apenas uma questão de ganância, como se diz. Valeu mais a defeituosa calibragem dos riscos. Os bancos foram influenciados por uma década de bons resultados (a Era de Ouro). O exagero na assunção de riscos, que quebrou muitos, originou-se de falhas nos testes realizados com base em premissas e modelos de avaliação insuficientes. Em estudo recente, Andrew Haldane, diretor do Banco da Inglaterra, deu interessantes razões para tais falhas. Uma delas é a miopia em face do desastre. Significa a propensão a subestimar a probabilidade de eventos adversos, especialmente dos tipos ocorridos em passado distante. Motoristas reduzem a velocidade quando presenciam um acidente, mas tendem a acelerar quando o desastre fica mais distante na sua memória. Haldane afirma que a excessiva confiança deu lugar à arrogância e à cegueira coletiva quanto aos riscos, que afetou reguladores, banqueiros e analistas. O estudo está disponível em www.bankofengland.co.uk/publications/speeches/2009/speech374.pdf. O papel desses estudos não é buscar culpados, mas mapear a dinâmica da gestação da crise, como ocorre em desastres aéreos, os quais não acontecem por uma única causa. Medidas para evitar a repetição dos erros não podem basear-se em visões moldadas por preguiça mental ou por ideologia. Maílson da Nóbrega é economista -x-x-x- LUIZ GONZAGA BELLUZZO Irrealismo da economia real As flutuações da economia são fenômenos compatíveis com o progresso tecnológico e o aumento do bem-estar INSTIGADO pelo quadro sombrio da crise financeira, o economista Willem Buiter, em seu blog no "Financial Times", desferiu petardos de grosso calibre contra as cidadelas, já em ruínas, do pensamento econômico dominante. O alvo principal são as teorias monetárias ditas novo-clássicas. Para Buiter, a revolução novo-clássica das expectativas racionais -associada aos nomes de Robert Lucas e Thomas Sargent, entre outros- "tornou-se autorreferencial (...) impulsionada por uma lógica interna e por quebra-cabeças estéticos, em vez de motivada pelo desejo de compreender como a economia funciona (...). Assim, os economistas profissionais estavam despreparados quando a crise eclodiu". Lucas e outros não circunscreveram suas aventuras científicas ao campo da teoria monetária. Invadiram a área da teoria dos ciclos econômicos com a elegante teoria dos ciclos reais. Essa inovação teórica dos estetas novo-clássicos é descendente da dicotomia entre economia real e economia monetária, que concede privilégios às forças reais em contraposição aos motivos monetários. Os ciclos econômicos são produzidos por choques desferidos no sistema por alterações nas preferências de agentes -empresários ou consumidores- que, na busca de maximizar a sua funçãoutilidade, suscitam alterações na matriz tecnológica e na estrutura do consumo. Os choques são absorvidos, mesmo diante de informações incompletas, pela percepção dos agentes racionais a respeito da trajetória provável da economia. Isso impede que os protagonistas cometam erros sistemáticos. Assim, a ação racional dos indivíduos reconduz a economia a uma nova situação de equilíbrio. As flutuações da economia são fenômenos compatíveis com o progresso tecnológico, o aumento do bem-estar e o equilíbrio a longo prazo. A condição para que isso aconteça é deixar aos mercados competitivos a incumbência de produzir os incentivos para a alocação mais eficiente da riqueza ao longo do tempo. Aos governos nada resta senão cruzar os braços para não turbar os sinais que o mercado emite e não produzir "ruído" nas informações. Posso estar exagerando, mas a prosopopeia da Nova Economia, espalhada como dogma na segunda metade dos anos 90 e início do terceiro milênio, era uma versão popularesca das teorias novo-clássicas do ciclo real, cujo patriarca é o economista Robert Lucas. As justificativas para a prosperidade americana nos anos 90 e no início do terceiro milênio apoiavam-se em grande medida nessas fantasias. Estava ocorrendo, diziam, um choque de produtividade na economia dos EUA, que, entre curtas flutuações, garantiria crescimento duradouro. Teria havido um deslocamento forte das condições da oferta. Não foi por acaso que Greesnpan, apesar de ter denunciado, em meados da década, a "exuberância irracional", revelou, por vezes, em seus pronunciamentos, simpatia pela tese dos formidáveis ganhos de produtividade, o que, no final das contas, justificaria o avanço fantástico dos preços das ações e dos imóveis. A realidade do ciclo financeiro e monetário deixou na pior a teoria do ciclo real. LUIZ GONZAGA BELLUZZO , 66, é professor titular de Economia da Unicamp. Foi chefe da Secretaria Especial de Assuntos Econômicos do Ministério da Fazenda (governo Sarney) e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo (governo Quércia).Folha de S.Paulo 08 03 2009 -x-x-x-x-x—x-x-x-x-x-x-x-x-x-x-x- Economista ARMÍNIO FRAGA Entrevista ao Jornal do Brasil 08 03 2009 “Podemos ter um juro mexicano” Ex-presidente do BC vislumbra espaço para queda do juro real até 4% nos próximos meses Ricardo Rego Monteiro O Banco Central deve reduzir a Selic novamente em 1 ponto percentual já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nas próximas terça e quarta-feira, em Brasília. Espaço, pelo menos, há. O diagnóstico é de alguém que conhece – e muito bem – não só os segredos do BC, mas também as engrenagens do mercado mundial de capitais: o ex-presidente da autoridade monetária, e atual sócio da Gávea Investimentos, Arminio Fraga Neto. Em entrevista exclusiva ao Jornal do Brasil, na sede da gestora de recursos, no Leblon, Fraga manifestou preocupação não só com a ameaça do protecionismo, como também com os limites de alcance do arsenal hoje disponível pelo governo na área fiscal. Sem medo da inflação, mas preocupado com os gastos correntes, vê possibilidades de sucesso em uma política que combine ousadia na área monetária e conservadorismo no campo fiscal. Nada de mexer, segundo ele, no que tem dado certo, com a revisão, por exemplo, da meta de superávit primário, hoje de 3,8%. Até porque – justifica –, em tempos de crise, um ligeiro estouro da meta não seria interpretado pelos agentes econômicos como insucesso do governo. O país, lembrou, tem um histórico de cumprimento do indicador. Hoje, afirma, há claras perspectivas de o Brasil alcançar, nos próximos meses, uma taxa real de juros de 2% a 4%, no nível de países emergentes como México e Chile. A seguir, a entrevista: Parece que o governo está percebendo que o arsenal disponível não é tão vasto quanto se pensava. O arsenal é realmente limitado? Olha, eu diria que o arsenal fiscal é limitado. O governo introduziu em bora hora o mecanismo de compensação, este fundo (soberano), que vai ser utilizado este ano. Além disso, aquela conta dos 0,5%, do PPI (Programa Piloto de Investimentos) não foi totalmente utilizada no ano passado e deve também ser utilizada. Esses dois mecanismos devem ser usados este ano, o que representa algum espaço muito bem-vindo, no momento. Os gastos públicos, hoje, são sustentáveis? Há uma preocupação com a composição do pacote de resposta à crise. A expectativa é que seja dada mais ênfase nos investimentos, que são gastos nãopermanentes. A médio prazo, temos um problema sério de crescimento do gasto público, que já beira os 40% do PIB. Isso, para um país de renda média, é um percentual extremante elevado. É um fator limitador. Então, de fato, na área fiscal existem limitações. Agora, do lado monetário, existe, sim, espaço para maior distensão. Há mais espaço para novas reduções dos juros, como a última, de 1 ponto percentual? O Banco Central iniciou um novo ciclo de reduções dos juros com um corte de 1 ponto e a expectativa do mercado é que continue neste ritmo. Eu acho que é por aí. Devido ao meu dia-a-dia como gestor de investimentos, procuro não ser muito específico neste tema. Aliás, é algo que eu fiz desde que saí do Banco Central. O senhor se sente desconfortável? Eu me sinto desconfortável como ex-presidente do BC e como gestor. Mas acredito que há espaço para redução dos juros por duas razões. Uma é conjuntural: a economia tem desacelerado em ritmo bastante forte. A outra é estrutural, pois acredito que o Brasil construiu as bases para que os juros convirjam, aqui, para padrões internacionais. Países parecidos como o Brasil têm um juro real que oscila entre 2% e 4%. Se você olhar o México, o Chile ou alguns países asiáticos, o juro é até mais baixo. E eu acredito que, se o Brasil preservar esta base macroeconômica que até há pouco tempo chamávamos de tripé, podemos chegar a um juro mexicano. Não é mais um tripé? O que era um tripé, que incluía metas de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal, hoje diria que é um quadripé, porque o Brasil também tem tido, ao longo dos anos, a preocupação com a estabilidade financeira. Nunca o país embarcou nessa canoa furada de hiper-liberalização. Ao contrário... E sempre recebeu críticas do mercado por isso... Certo, mas, em função do nosso histórico de crises, tomamos um certo cuidado ao longo dos anos. Eu fui um dos que passaram pelo Banco Central com esta preocupação – e acho que valeu a pena. Então, esse conjunto de fatores, tanto conjunturais quanto estruturais, indica que há bastante espaço para o BC trabalhar. Os dados que têm saído agora sobre a inflação apontam para queda, sim. Mas a diretoria do BC manifestou preocupação, na semana passada, com uma suposta lentidão na queda da inflação... E a preocupação é legítima, pois o câmbio se depreciou bastante nos últimos tempos. Isso certamente tem algum impacto na inflação mas, contrabalançando o efeito do câmbio, temos a queda nos preços das mercadorias, que têm caído pelo mundo afora. Temos redução no nível de atividade e um arrefecimento na expansão do crédito. Por isso, é bem possível que a inflação caia ao longo dos próximos meses. Se isso acontecer, não tenho dúvidas de que o BC vai utilizar a taxa de juros. Faz todo sentido. Vejo hoje a possibilidade concreta de uma redução responsável – e isso é bom sublinhar – das taxas de juros. E isso não deveria assustar, dado o momento que vivemos. Então nosso arsenal não está esgotado... Acho que não é correto dizer que o Brasil está de mãos atadas – o Brasil não está. Quer dizer, o juro brasileiro, no início desta crise, estava em patamar bastante elevado. Em um determinado momento cheguei a achar que até havia certo impasse entre a atitude das áreas fiscal e monetária. O tradicional dilema entre Ministério da Fazenda e o BC? Tradicional, na seguinte linha: o BC, observando a expansão dos gastos imaginava: "Bom, não vou poder ser muito agressivo na política monetária porque já está acontecendo uma expansão agressiva do lado fiscal". E o Ministério da Fazenda, talvez olhando para o BC, antes do início do que sinalizou ser um processo de redução, dizendo: "Bom, este BC é muito conservador. Vou ter que compensar do lado de cá com uma política fiscal mais expansionista". Quando o ideal seria um pouco mais de cautela do lado fiscal e o aproveitamento do espaço para redução dos juros. E penso que hoje caminhamos para esta combinação que é muito virtuosa, melhor do que o oposto. Mesmo com a diminuição da arrecadação de impostos? Acho que, na área fiscal, como a arrecadação tem caído com a redução do nível de atividade, o Tesouro vai ter que tomar um certo cuidado. E, no entanto, na área monetária, à medida que a economia se desacelere e a inflação caia – como há sinais de que vem caindo –, a taxa de juros vai poder ser utilizada pelo BC com mais tranquilidade. O destaque no ranking internacional dos juros tende a desaparecer. Domingo, 08 de Março de 2009 – Jornal do Brasil Os efeitos da globalização na maior economia Ernesto Lozardo ECONOMISTA A crise financeira dos Estados Unidos transformou-se numa crise econômica global. Há sérios riscos de que por conta das medidas e pacotes fiscais bilionários norteamericanos para salvar a nação de uma depressão, cresça a onda de protecionismo comercial entre nações. Há o risco de haver um agravamento do desemprego no mundo e da insolvência bancária nos países desenvolvidos. Há riscos de recessão em todos os setores das economias desenvolvidas e certamente afetará o crescimento e o emprego nas nações emergentes. Como pode a crise financeira de um país, seja qual for seu peso na economia internacional, como foi à crise dos países asiáticos (1997), da Rússia (1998) e a do Brasil (1999) e a dos Estados Unidos (2007), afetar a economia de outros países? Será que a globalização da produção, do capital e da informação pode ser responsabilizada pela crise econômica e financeira atual? A globalização é o processo de expansão do capitalismo. A globalização da produção, dos padrões de consumo, dos investimentos e da tecnologia representa uma grande oportunidade para a humanidade ter acesso a toda a oferta de bens, serviços e capital existentes no mercado internacional. Os desequilíbrios monetários entre a oferta dos países emergentes, com reservar crescentes, e países desenvolvidos, déficits na conta corrente, possibilitaram o financiamento da demanda desses últimos. O fim desse desajuste exigirá soluções específicas e corajosas por parte dos países desenvolvidos. A causa da crise financeira dos Estados Unidos não é a globalização, mas a globalização agravou a fragilidade dessa economia. Desde o governo Reagan, é crescente o déficit público, com um pequeno intervalo durante o governo Clinton. Esse déficit tem sido atendido por meio de emissão de títulos públicos e dólares absolvidos no mercado internacional. O presidente Obama alertou os norteamericanos: até quando os chineses continuarão financiando nosso déficit? Há décadas que o nível de endividamento das famílias, governos e bancos cresce sem que haja um aumento da poupança interna. O déficit público é crescente e será ainda maior daqui para frente. O sistema de saúde está falido e não será equacionado nas próximas duas décadas. Os Estados Unidos cresceram com a poupança e reservas dos países emergentes. Uma falsa acumulação de riqueza. A escassez de recursos desse país para atender aos investimentos públicos e privados tem sido contornada por meio de empréstimos internacionais. Isso se deve ao crescimento de mais de uma década do comércio internacional e de a China ter colocado mais de 400 milhões de chineses no mercado de trabalho, aumentando renda e poupança global. Esse fato fez com que houvesse uma elevada oferta de dinheiro no mercado internacional. Os juros caíram, as bolsas de valores multiplicaram seus volumes de negócios, o comércio, a produção e o consumo mundial seguiram o mesmo caminho. Dessa realidade pode-se concluir que, enquanto os países emergentes navegaram na onda do crescimento econômico mundial com suas economias mais adequadas à globalização, os países desenvolvidos, como os Estados Unidos e a União Européia, acumularam riqueza sem uma estrutura fiscal e financeira que possibilitasse o crescimento sustentável. O custo dessa fragilidade está na base da crise financeira atual. Os Estados Unidos são os causadores da crise global. A saída não será fácil e de elevado custo para todas as nações. O programa de estimulo do governo Obama, o qual traz uma combinação de estímulos fiscais, aumento do crédito e investimentos públicos não trará resultados imediatos no crescimento e na redução do desemprego. Como o estímulo ao crescimento será gradual, o crescimento da renda será lento. Com baixo crescimento da renda, o crédito ficará empoçado. O foco da urgência não está na expansão do crédito, mas na restauração da confiança no sistema financeiro por meio de regulamentações mais austeras na gestão dos ativos bancários. O pacote de resgate do sistema financeiro apresentado pelo secretário do Tesouro, Timothy Geithner, não é uma solução, mas, por enquanto, um remendo. Sejam quais forem os pacotes de estímulos e de resgate da credibilidade no sistema financeiro dos Estados Unidos uma coisa é certa: nações desenvolvidas e emergentes sofrerão as conseqüências de um país que não se ajustou aos desafios da globalização. Domingo, 08 de Março de 2009 – Jornal do Brasil OUTRAS NOTÍCIAS: ALBERT FISHLOW Pagando o preço Será que a população americana está preparada para pagar o preço de permitir expansão global sustentável? SEIS MESES atrás, quase todo mundo acreditava que a desaceleração nos EUA viesse a afetar só os países desenvolvidos, e ainda assim só de modo marginal. Os países conhecidos como Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) não só escapariam ilesos mas sua expansão continuada garantiria que qualquer recessão mundial viesse a ser curta. Uma vez mais, a opinião dominante estava errada. Os resultados que vêm se acumulando quanto ao desempenho econômico de todos os países no trimestre final de 2008 e no início de 2009 destruíram essa expectativa. O declínio que vivemos é quase universal, e há revisões para menos praticamente todas as semanas. Ainda na semana passada, a União Europeia se reuniu em sessão especial em resposta aos súbitos problemas dos países do leste da Europa, alguns dos quais já estão sendo auxiliados pelo FMI. Agora nós compreendemos. A crise é necessariamente internacional, devido às suas raízes financeiras. As finanças são a essência da globalização, quer se trate de bancos, fundos de pensão, seguradoras ou Bolsas. Os bancos são especiais, porque eles criam dinheiro. Com seus empréstimos subitamente valendo cada vez menos, eles estão perdendo seu capital e se veem forçados a reduzir o crédito por um fator múltiplo. Todos os novos arranjos dos últimos anos, como obrigações caucionadas de dívida, veículos estruturados de investimento, "credit default swaps" etc., com os quais os bancos "sofisticados" obtinham lucros e pagavam imensas bonificações, complicaram imensamente o problema. Eles representam exemplos cristalinos de obscurecimento, em lugar de transparência. Os custos cada vez mais altos do resgate precisam ser pagos, agora. As imensas intervenções dos BCs de muitos países ajudaram, mas não muito. As exportações e importações -o lado real da globalização- também caíram abruptamente. Um motivo para isso é a falta de financiamento suficiente, porque os sistemas bancários se contraíram. Os recursos públicos terão de cobrir essa disparidade, ou a queda continuará para além das atuais projeções. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, visitou os EUA em busca de apoio a um New Deal internacional, que ele espera venha a emergir na conferência do G20, em Londres, no mês que vem. Barack Obama, para surpresa de ninguém, tem o compromisso de reforçar a regulamentação do setor financeiro e de promover a coordenação internacional mais ampla que será necessária. Com sorte, isso funcionará em curto prazo e bastará para evitar que o declínio mundial continue. As reformas potenciais são substanciais. Entre elas, será necessário um FMI maior, capaz de conceder empréstimos imediatos e sem precondições; uma câmara de compensação centralizada para todos os "credit default swaps" e outros derivativos; e um mecanismo para evitar as potenciais consequências adversas da expansão fiscal e da expansão da dívida soberana simultâneas em muitos países desenvolvidos. Mas não existe solução mundial para promover um índice de poupança mais alto nos EUA, no futuro, o que representa um fator igualmente necessário para prevenir futuras recaídas. Essa necessidade surge ao mesmo tempo em que as projeções indicam a necessidade de aumento substancial na arrecadação tributária federal, a fim de cumprir obrigações de previdência e de serviços de saúde expandido em uma sociedade que está envelhecendo. Esses requisitos nacionais são parte igualmente importante de um New Deal internacional duradouro. Será que a população americana está preparada para pagar o preço? ALBERT FISHLOW , 73, é professor emérito da Universidade Columbia e da Universidade Berkeley. -x-x-x- Domingo, 08 de Março de 2009 | Versão Impressa O Estado de S.Paulo Risco de recessão pressiona BC a cortar taxa de juro Leandro Modé e Sérgio Gobetti Queda de 17,2% na produção industrial em janeiro faz analistas reverem projeções de crescimento para 2009 Os dados mais recentes sobre o desempenho da economia brasileira surpreenderam até o mais pessimista dos analistas. Agora, eles não só dizem que aumentou a possibilidade de que o Brasil enfrente uma recessão técnica este ano convenção econômica caracterizada por dois trimestres seguidos de recuo do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas de um país. Mas também já falam que 2009 pode ser um ano de estagnação ou até de retração na economia. Por tabela, o péssimo resultado da produção industrial divulgado na sexta-feira reforça as pressões para que o Banco Central (BC) seja mais agressivo nos cortes da taxa básica de juros (Selic), a começar pela reunião desta semana. Um juro menor estimula a atividade econômica, já que torna o crédito mais barato. No BC, a visão predominante é que há oportunidade para cortar os juros. Mas como a economia deve reagir no segundo semestre e pode pressionar os preços não seria prudente um corte muito agressivo. O risco de recessão cresceu porque uma queda do PIB no quarto trimestre de 2008 é dada como certa. A projeção mais frequente para o número, que será divulgado terça-feira pelo IBGE é de queda de 2% ante o terceiro trimestre. Para que a recessão se caracterize, portanto, basta novo recuo no 1º trimestre. Até sextafeira, era uma possibilidade prevista por poucos analistas. Agora, depois da divulgação do pífio resultado da produção industrial, muitos admitem a hipótese. "A chance (de recessão técnica) aumentou muitíssimo", diz o sócio da MCM Consultores e ex-diretor do BC, José Julio Senna. "Diria mais: a chance de um PIB negativo para 2009 é muito grande." A estimativa da MCM é de um crescimento do PIB anual entre 1% e 1,5%. Senna avisa, porém, que o número será revisado para baixo. Por causa desse cenário, a provável queda de 1 ponto porcentual da Selic (para 11,75% ao ano) na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) desta semana já é considerada por muitos especialistas modesta para o momento atual. "Os indicadores recentes de preços e atividade sugerem fortemente que o Copom não vai surpreender se votar, ainda que sem consenso, pela redução da Selic em 1,5 ponto porcentual", escreveu, em relatório, o economista do Banco Fator, José Francisco Gonçalves. O diagnóstico que o presidente Lula recebeu de conselheiros econômicos, como Delfim Netto e Luiz Gonzaga Belluzzo, é de que a crise exige redução mais veloz da taxa Selic. "A liberdade operacional do BC foi irrestritamente respeitada nos últimos seis anos de gestão Meirelles, mas o debate é democrático", diz o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que participou da reunião. No BC, a avaliação é de que as empresas ainda estão se livrando dos estoques acumulados no fim do ano. O processo de melhora, portanto, é lento e só deve começar a ficar mais claro a partir de março. A visão predominante no BC é que o País ainda pode fechar o ano com um crescimento, talvez em torno de 2%. Além disso, o BC ainda teme os efeitos da alta do dólar na inflação. A palavra de ordem, como tem sido desde o início da gestão de Henrique Meirelles, é cautela. -x-x-x- Folha de S. Paulo 08 03 2009 Americanos ficam US$ 16,5 tri mais pobres Montante corresponde a 13 PIBs do Brasil e foi perdido principalmente com a queda das Bolsas e do valor dos imóveis Com patrimônio reduzido, americanos compram cada vez menos e tentam poupar, alimentando círculo vicioso que derruba a economia FERNANDO CANZIAN DE NOVA YORK para a Folha de S.Paulo 08 03 2009 Os norte-americanos estão enfrentando um súbito processo de empobrecimento que já destruiu cerca de US$ 16,5 trilhões da riqueza disponível entre as famílias nos últimos 15 meses. O valor equivale a mais do que tudo o que os EUA produzem em um ano e a quase 13 PIBs do Brasil. Só de setembro para cá, as famílias ficaram US$ 9,5 trilhões mais pobres. Os números são do IIF (Instituto de Finanças Internacionais), que reúne 380 grandes bancos, e foram divulgados em antecipação a dados semelhantes a serem publicados pelo Fed (o banco central dos EUA) nos próximos dias. São duas, basicamente, as principais fontes de poupança dos norte-americanos: seus imóveis e as aplicações que detêm, geralmente na Bolsa de Valores. Mesmo o dinheiro para a educação dos filhos são normalmente investidos em fundos de ações, que concentram mais da metade da riqueza das famílias, estimada hoje em US$ 61,4 trilhões. Há ainda uma parcela menor de aplicações em contas correntes remuneradas e em outros tipos de investimentos. Embora os preços dos imóveis continuem a cair sem parar nos EUA há quase três anos, a velocidade da queda diminuiu nos últimos meses. O impacto maior e direto da "destruição da riqueza" das famílias está concentrado na Bolsa, onde fica a poupança líquida que pode ser sacada a qualquer hora. De setembro de 2008 para cá, houve uma perda líquida entre as famílias de US$ 7,8 trilhões nesses investimentos na Bolsa (de US$ 33,6 trilhões para 25,8 trilhões). Como comparação, a perda com imóveis é estimada em US$ 1,8 trilhão no período. Obviamente, a queda dos índices no mercado de ações é o termômetro dessa perda. No ano, o índice Dow Jones da Bolsa de Nova York despencou cerca de 25%. Isso não significa que não possa haver uma reação, e as famílias voltarem a ficar um pouco mais ricas. O problema, porém, é que ao terem sua poupança dizimada, as famílias estão comprando cada vez menos e tentando poupar (o nível de poupança em janeiro atingiu o maior patamar em 14 anos). Essa combinação de fatores só reforça mais o já vicioso círculo em que a economia norte-americana está metida: o crédito secou, os consumidores compram menos, as empresas demitem e cada vez mais as famílias evitam gastar. Na sexta-feira, o Departamento do Trabalho dos EUA divulgou que mais 651 mil empregos foram cortados em fevereiro nos EUA, o que só reforça o ciclo descrito acima. "Não há nenhum sinal de fim desse processo no horizonte. Em março ainda teremos o mesmo e não vejo nenhuma melhora para abril", afirma Tig Gilliam, executivo da Adecco, empresa de recrutamento de mão-de-obra para grandes companhias, como o Wal-Mart. O fenômeno de "destruição da riqueza" não é só americano (o índice FTSEurofirst 300, referência para as principais ações na Europa, está no seu nível mais baixo em 12 anos), mas em nenhum outro país há tanto dinheiro de pessoas físicas investido em ações. Além da perda nos valores das ações, os dividendos pagos pelos papéis aos investidores está hoje no nível mais baixo desde 1938, segundo cálculos da agência Standard & Poor's. Tamanha é a queda no mercado desde outubro de 2007 que cresceu dez vezes o número de ações negociadas abaixo de US$ 1, levando a Bolsa de Nova York a rever sua política de retirar de negociações papéis abaixo desse valor. Fantasma da Depressão O empobrecimento das famílias, seu endividamento recorde e a necessidade de poupança são tão grandes que redes de varejo gigantes nos EUA, como Kmart e Sears, já ressuscitam modalidades de vendas que ficaram populares na Grande Depressão dos anos 1930. A principal é conhecida como "layaway", uma espécie de consórcio que ajuda consumidores indisciplinados a poupar antes de adquirir o produto. O cliente paga aos poucos pelo artigo e só o leva para casa quando tiver pago 100% do valor. Já o Wal-Mart, maior rede de varejo do mundo, iniciou estratégia agressiva para distribuir cartões de débito entre os estimados 35 milhões de americanos sem contas bancárias. Os cartões podem ser "carregados" com dinheiro nas lojas, mas a empresa informa que muitos consumidores que costumavam gastar cerca de US$ 1.500 ao mês cortaram suas despesas para US$ 800, valor médio do seguro-desemprego nos EUA. Mesmo assim, o resultado do varejo em fevereiro nos EUA só não foi negativo porque a venda cresceu 5,1% no Wal-Mart. "Pouquíssimas redes têm boas estratégias de vendas voltadas exclusivamente para as classes mais pobres, mas quem as serve direito é rei em um momento como o atual", diz Bernard Sosnick, analista da Gilford Securities. -x-x-x-x- Há fim na crise sem fim? Gilson Caroni Filho SOCIÓLOGO Alguns, esquecidos da História, batem às portas da tumba de Keynes e clamam por um "novo New Deal" e um "novo Bretton Woods". Outros, sequiosos de História, pretendem decretar "o fim do capitalismo" por um ato voluntarista. Outros ainda, convictos de serem os senhores da História, procuram, apenas e como sempre, preservar seus próprios privilégios. Mas há uma questão fundamental que, embora inevitável, não vem sendo explicitada. A "crise atual" não começou em setembro último, ou em 2007, ou há uns poucos anos. Vem de muito mais longe, desde os anos 20, quando o dinamismo do capitalismo industrial deu sinais de esgotamento. Essa não é uma exegese teórica, e sim uma constatação factual, evidenciada pela Grande Depessão que se seguiu. E que só teve fim com a Segunda Guerra Mundial. Para sair de uma depressão, nada como uma economia de guerra, em que se obtém o pleno desenvolvimento das forças produtivas e o pleno emprego da capacidade produtiva. Com a vantagem adicional de que a maior parte do que é produzido é logo destruído, e tem que ser reposto. Da Segunda Guerra emergiram duas superpotências hegemônicas, ambas capitalistas: os Estados Unidos (capitalismo de mercado) e a União Soviética (capitalismo de Estado). Do lado das economias de mercado, orquestrou-se um conjunto de mecanismos e instituições destinadas a reconstruir e regular as trocas internacionais, imperfeito e que privilegiava a potência hegemônica: o sistema de Bretton Woods. Para limitar em parte a hegemonia estadunidense e permitir um mínimo de equilíbrio, estabeleceu-se a paridade entre o ouro e o dólar, que se tornou a moeda internacional de referência e de reserva de valor. Esse conjunto de fatores impulsionou as grandes expansão e prosperidade capitalistas do pós-guerra nos países centrais, coadjuvado pelo petróleo abundante e barato, crescentemente oriundo da periferia do sistema e que propiciou ainda a industrialização da agricultura – a chamada Revolução Verde dos anos 50. Durou 25 anos. Em 1971, com os Estados Unidos enfrentando desemprego, inflação e "duplo défcit" crescente, e já a caminho da recessão, o governo Nixon decretou o fim da paridade ouro-dólar (o que, na prática, os EUA já vinham fazendo, despejando dólares sem lastro em outros países para financiar seu déficit comercial e, com isso, exportando inflação) e, de uma penada, jogou Bretton Woods no lixo. O resultado foi a total desorganização dos preços internacionais, a começar pelo câmbio. Pois a partir daí os EUA podiam meter a mão na máquina e imprimir quantos dólares quisessem. De quebra, o dólar – que continuou a ser a moeda de referência – pôde se desvalorizar à vontade, tornando as exportações estadunidenses mais competitivas. (Emblematicamente, 1971 marcou também o surgimento dos microprocessadores, com o lançamento do chip Intel 4004, seguido do aumento exponencial e vertiginoso da capacidade de processamento, regido pela lei de Moore. Mais e mais, os ganhos de produtividade se deslocavam da economia real para a economia "virtual".) As consequências não tardaram. Primeiro, os "choques do petróleo" de 1973 e 1978, em que os países da Opep procuraram de um lado compensar o valor real decrescente de suas exportações e, de outro, aproveitar a enxurrada de petrodólares (as grandes corporações petrolíferas, claro, passaram a conta adiante). Depois, a "crise da dívida" dos países subdesenvolvidos. Pois os EUA também elevaram brutalmente suas taxas de juros. E empréstimos e financiamentos – muitos estimulados ou concedidos diretamente por organismos como o Banco Mundial – contraídos a juros correntes por taxas de 4% ou 5% ao ano, passaram a ser amortizados a 10%, 15% ou 20 %. E a "crise da Rússia", presa num torniquete econômico devido à não- conversibilidade de sua moeda. E a "crise da Ásia"... À medida que se esgotavam também os meios de externalizar a perda de dinamismo, a crise refluiu para o centro: os EUA. Veio a quebradeira das empresas de poupança e empréstimo, as savings & loans, socorridas com dinheiro público. Veio o estouro das "ponto com", que em seu curto apogeu foram saudadas como portento da "nova economia da informação". Vieram as seguidas falências fraudulentas, das quais a mais bombástica foi a da Enron, pelo porte e pela intangibilidade de seus supostos ativos. Essas crises setoriais, embora com repercussões internacionais, ficaram ainda restritas em alcance. O pior estava por vir. Desde o final da década de 70, notada, mas não somente, na era Reagan, políticas de desregulação, "liberalização", privatização e concentração de propriedade e renda fortaleceram mais ainda o setor financeiro em detrimento das atividades produtivas. Fusões e aquisições acirraram os processos de conglomeração e oligolipolização, com as áreas-fim das empresas engolidas passando a se subordinarem a direções que as viam apenas como ferramenta de especulação e fonte de aportes financeiros, gerentes e executivos vindos do "chão da fábrica" sendo deslocados pelos "rapazes de terno Armani". Não menos emblemática foi a aquisição hostil do já estranho conglomerado RJR Nabisco (o que as linhas de produção de cigarros e salgadinhos têm em comum?) por um grupo de especuladores financeiros sem qualquer ligação com a indústria quer de produtos de fumo, quer de alimentos. Riqueza e capacidade de gerar dinheiro se transferiram do concreto para o intangível. Dinheiro passou a gerar dinheiro como que por partenogênese, sem ter que transitar pela produção de bens e serviços. Livre de freios, desenraizado de ativos reais, circulando pelo mundo a um simples clique, o capital especulativo teceu e estendeu internacionalmente uma teia de "produtos", na verdade esquemas de pirâmide cujo único propósito era passar o mico adiante, empacotando-o e embalando-o – por um prêmio – com "criatividade" e "inventividade". Como toda pirâmide, esse magnífico edifício teria de desabar mais cedo ou mais tarde. Calhou de ser nas hipotecas subprime, que eram particularmente perversas porque, em tese, lastreadas em ativos reais, cujos valores na verdade eram uma fração daqueles pelos quais eram repassados em derivativos de segundo, terceiro, quinto, décimo, enésimo grau. E funcionais: era essa espiral especulativa que sustentatava a economia dos EUA, via consumo das famílias, responsável por dois terços do PIB estadunidense, e movido à dívida. As famílias se endividavam cada vez mais para continuarem consumindo cada vez mais – cada vez mais perdulariamente, e cada vez mais consumindo intangíveis. E a espiral especulativa sustentava, via dívida, a economia dos países "emergentes". A "crise" logo se espalhou, em ritmo acelerado, primeiro pelo "sistema financeiro globalizado", rapidamente pela economia supostamente "real". Significativamente, via crédito: o que é crédito senão a disposição de financiar e contrair dívidas, e a aposta em que essas dívidas são pagáveis? O que parecia terra era poeira, e o vento levou. Qualquer pseudo- solução que seja apenas "mais do mesmo", despejar dinheiro no sorvedouro especulativo, conseguirá no máximo produzir mais uma bolha, tão efêmera quanto as anteriores. Obama conseguiu que o Senado aprovasse, por margem mínima, um pacote de US$ 838 bi para serem gastos em 10 anos. Isso não basta. A pergunta de 64 quintilhões de dólares, volumosa demais para ser ignorada, é: de onde tirar um novo dinamismo para a economia capitalista? A resposta pode estar no terceiro parágrafo desse artigo. "Para sair de uma depressão, nada como uma economia de guerra, em que se obtém o pleno desenvolvimento das forças produtivas...". Afegãos já foram apresentados à ideia na primeira fatura apresentada por Obama. Mas o leque pode incluir Irã, Paquistão e muitos mais. É a "lógica" do velho capitalismo. Sua inelasticidade constitutiva. Domingo, 08 de Março de 2009 – Jornal do Brasil 08 de março Dia Internacional da Mulher – A vitória e o reconhecimento de uma economista A diva (economista) que encantou a indústria naval brasileira Gisela Mac Laren encarou desafio de comandar 3 mil homens Natalia Pacheco Casos de mulheres no comando de empresas brasileiras ainda são raros e a exceção é ainda maior no setor naval, segmento cuja cadeia industrial é historicamente dominada pelos homens. Mas Gisela Mac Laren resolveu encarar o desafio e comandar o estaleiro da família com pulsos fortes. A bela, que comanda no mínimo 3 mil homens quando há encomendas no estaleiro, deu uma guinada na Mac Laren Oil, que na década de 90 chegou a pedir concordata. Gisela assumiu a presidência do negócio em 2000, quando seu pai se aposentou. Mas não conseguiu o cargo de bandeja. Para comandar o estaleiro, fundando em 1938 pelo avô, Arthur Frederico Mac Laren, a diva do setor naval brasileiro teve que provar para seu pai que tinha competência para administrar todas as feras que estavam por vir. Gisela mostrou que não estava para brincadeira desde cedo. Aos 15 anos, começou a trabalhar no estaleiro como escriturária, contra a vontade do pai, que não queria ver a menina no meio de tantos homens. Bateu o pé e começou a escrever uma trajetória audaciosa. Gisela até tentou ser cantora, se matriculou em uma escola de música, mas largou e seguiu para os Estados Unidos. Foi estudar Economia na Nova University, na Flórida. A decisão já tinha como objetivo ajudar o pai na administração da empresa. Após superar o primeiro desafio de encarar o pai, ao voltar ao Brasil, Gisela encontrou muitos outros percalços, o mais comum foi a desconfiança. Ninguém do setor acreditava que ela poderia recuperar o estaleiro, que não andava bem das pernas havia anos, apesar de ter sido um dos maiores do Brasil na década de 70, quando a indústria naval brasileira viveu seu auge. – Eu nem era recebida na Petrobras – lembra. Entretanto, a relação atual da estatal com o estaleiro vai de vento em polpa. Tanto que o Mac Laren Oil está construindo um dos três primeiros diques secos do país, obra orçada em US$ 70 milhões. O dique, que vai abrigar a construção e a reforma de plataformas semi-submersíveis e embarcações offshore, será concluído até o fim de 2010. – Hoje, meu maior desafio é finalizar esse dique. Já superei as barreiras do preconceito e da desconfiança – revela Gisela. Nervos de aço Gisela afirma que se virar em três – empresária, mãe e mulher – não é fácil, mas é extremamente compensador. Mãe de dois filhos e divorciada, ela sua a camisa para dar conta de tantas responsabilidades e revela que o segredo é não deixar que uma tarefa interfira nas outras. – Tem que ter equilíbrio. Quando estamos no trabalho temos que nos dedicar inteiramente a ele e quando estamos com a família devemos curti-la – diz. Mas as coisas nem sempre foram assim tão fáceis. Para enfrentar as feras, inclusive os funcionários do estaleiro, a bela engrossava a voz e ficava firme. E funcionário arredio não tem vez com Gisela. – Eu só falo três vezes – conta. Às vezes, a empresária tem que controlar o seu jeito duro e pragmático com os filhos. – Eu fico tanto no sim e no não, que esqueço o jeito terno de mãe. Mas procuro ficar mais leve em casa, apesar de estar sempre com o telefone ligado para se algo acontecer no trabalho – admite. Gisela não tem hora para chegar no estaleiro, mas também entra madrugada trabalhando, fora as constantes idas à Brasília, em busca de mais iniciativas a favor do setor naval, que ganhou um programa de revitalização no primeiro governo Lula, por meio das encomendas da Transpetro. Mesmo com todas essas tarefas, a diva do estaleiro ainda arruma tempo para cuidar de si. Aliás, a beleza de Gisela arranca suspiros de muitos. Audácia Os objetivos de Gisela assustam o empresariado brasileiro, mas a empresária confirma que vai lutar pela construção de boa parte das 40 plataformas previstas para o pré-sal. Por isso, o estaleiro passa por modernizações, além da construção do dique seco. O Mac Laren Oil e a Petrobras já negociam a construção da plataforma P-61, avaliada em US$ 1,6 bilhão. Mas as empresas estudam novos valores para a unidade em função da crise financeira internacional. A plataforma será construída em 34 meses, após a assinatura definitiva do contrato. Fora isso, o estaleiro tem vários programas sociais voltados para a capacitação de mão-de-obra, como o Futuro certo, que visa a contratar jovens de abrigos e orfanatos, o Meu Potencial, que prevê a contratação de portadores de deficiência física e Síndrome de Down e o Mulher Naval que visa a maior inserção de mulheres no setor. Além desses projetos, o estaleiro e a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro firmaram convênio no ano passado para utilização de mão-de-obra de mulheres sentenciadas em regime aberto e semi-aberto. Aliás, um dos objetivos de Gisela é ampliar a capacitação de mulheres na indústria naval, ainda dominada pelos homens. – A mulher tem uma firmeza manual muito maior do que a do homem. Muitos bebem e, por isso, têm dificuldade de concentração no trabalho – conta. A história se repete Assim como seguiu os passos do pai e do avô, os filhos de Gisela Mac Laren já querem acompanhar a mãe no estaleiro, mas ela ainda segura um pouco a cria em casa. Como toda mãe, quer que os filhos ainda aproveitem a juventude e estudem mais. Entretanto, confessa que está cada vez mais difícil mantê-los fora do estaleiro. – Eles têm um interesse enorme, mas eu ainda estou segurando um pouco. Não quero que tenham a mesma história que eu, que comecei muito nova – explica. O estaleiro A meta de Gisela é fechar 2009 com faturamento de US$ 150 milhões. Em 2008, o estaleiro fez alguns reparos na P-17, em navios e módulos de apoio. Mas a construção do dique seco vai muito além das plataformas do pré-sal. O estaleiro pretende receber encomendas internacionais com a conclusão da obra. Para tirar o dique do papel, o Mac Laren Oil e o estaleiro Jurong, de Cingapura, firmaram uma parceria que envolve o aporte de tecnologias por parte do Jurong e a cessão das instalações do Mac Laren. O estaleiro brasileiro tem duas unidades, uma em Ponta da Areia e outra em Ilha da Conceição, ambas na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro. A primeira unidade tem uma área de 25 mil metros quadrados e a segunda, 60 mil metros quadrados, com capacidade para construir embarcações de até 90 metros de comprimento. O Mac Laren tem capacidade para processar 6 mil toneladas de aço por ano. Hoje, a história do estaleiro é bem diferente da de 15 anos atrás. Para não fechar as portas em meados dos anos 90, a empresa teve de aceitar um contrato de reforma de 25 mil orelhões para a Telemar. Apesar da dificuldade, Gisela não se abateu e prometeu virar o jogo. E conseguiu. Qual foi a receita para superar tantos desafios? Gisela, revela sem grandes mistérios: – Encarar o rojão sem medo. Competência não é questão de gênero, mas de determinação. Hoje, as mulheres estão tão profissionais quanto os homens – garante. Domingo, 08 de Março de 2009 – Jornal do Brasil