parecer n.º 2153/2009

Propaganda
M INIST É RI O PÚ BL IC O F ED E R AL
PR O C UR AD O RI A R E G IO N AL D A R E PÚ BL I C A – 5ª R E G I ÃO
Exmos. Srs. Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal
Regional Federal da 5ª Região.
Ref.
Apelante
Apelante
Apelado
Relator
: PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
: HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA
: MAFALDA CORREIA PIRES
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: DES. FED. FRANCISCO BARROS DIAS – 2ª TURMA
PARECER N.º 2153/2009
EMENTA:
APELAÇÃO
CRIMINAL.
TRÁFICO
INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33,
CAPUT, C/C ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/06).
PRELIMINARES: INÉPCIA DA DENÚNCIA + RÉU
FIGURANDO COMO ASSISTENTE. NÃO CABIMENTO.
AUTORIA
E
MATERIALIDADE
COMPROVADAS.
ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO. ÔNUS
PROBATÓRIO DA DEFESA (ART. 156 DO CPP).
NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO.
DOSIMETRIA DA PENA. ART. 59 CP E 42 DA LEI
ANTIDROGAS (PERSONALIDADE + CONDUTA SOCIAL:
DESFAVORÁVEIS. GRANDE QUANTIDADE DA DROGA
+ ELEVADO GRAU DE PERICULOSIDADE DA
SUBSTÂNCIA: COCAÍNA). PENA-BASE ACIMA DO
MÍNIMO. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. DOSIMETRIA
DA PENA DE MULTA. SIMETRIA. INTELIGÊNCIA DO
ART. 59 DO CPB E DO ART. 43 DA LEI Nº 11.343/06.
I – Não merece prosperar a alegação de inépcia da
denúncia, pois a peça delatória expõe de forma clara os
fatos delituosos imputados aos réus, permitindo o
exercício pleno do seu direito de defesa. Além disso, a
denúncia, a despeito do que sustentaram os apelantes,
não se baseou apenas nos depoimentos do acusado
Sandro, reportando-se expressamente às investigações
procedidas pela Polícia Federal e aos depoimentos dos
três acusados;
PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 5ª REGIÃO
R u a F r e i Ma t i a s Té ve s , 6 5 – P a i s s a n d u , R e c i f e - P E , C E P 5 0 . 0 7 0 - 4 5 0
P A B X : 0 * * ( 8 1 ) 2 1 2 1 - 9 8 0 0 - F a x: 0 * * ( 8 1 ) 3 0 8 1 - 9 9 4 7
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
2
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
II – Além disso, Sandro, figurando no pólo passivo
da demanda, e não como assistente, voluntariamente
confessou sua participação no crime e delatou a trama
criminosa, obtendo, com essa conduta, o benefício da
delação premiada. Desta feita, não houve qualquer
ilicitude nos depoimentos de tal acusado;
III - Pratica crime previsto no artigo 33 c/c art. 40,
inciso I (tráfico internacional) da Lei n.º 11.343/06 aquele
que adquire, transporta e guarda substância entorpecente
ou que determine dependência física ou psíquica, sem
autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, sempre que o seu atuar é voltado para o
exterior;
IV – Autoria e materialidade devidamente
comprovadas pelas provas acostadas aos autos, daí por
que se impõe a condenação;
V – Percebe-se que as provas dos autos não
revelam ausência do dolo nem está presente o erro de
tipo. Cabia à defesa, portanto, o ônus probatório dos
aludidos erro de tipo ou ausência de dolo, o que não
ocorreu, in casu;
VI – Ao contrário do que sustentaram os apelantes,
a sentença expressamente analisou e justificou todas as
circunstâncias judiciais, não se configurando, pois, a
nulidade suscitada pelos recorrentes, em relação à
dosimetria da pena;
VII - Tendo o Juiz a quo, quando da dosimetria da
pena, atentado para o comando legal do art. 59, do Código
Penal e do art. 42, da Lei nº 11.343/06, a ponto de
considerar mais de uma circunstância judicial desfavorável
aos apelantes, é de se manter o quantum da pena-base
nos parâmetros fixados na sentença monocrática;
VIII – Não havendo previsão expressa no sentido de
isentar o réu do pagamento da pena de multa, em razão
de sua situação econômica, não poderá o juiz afastar a
condenação da pena pecuniária a ser aplicada
cumulativamente à pena privativa de liberdade, devendo
ambas as penalidades guardarem, entre si, uma simetria
no que se refere à sua dosimetria;
IX – Conseqüência: parecer pelo improvimento dos
recursos de apelação interpostos, mantendo-se, em todos
os seus termos, a decisão do magistrado de 1º grau.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
3
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Ilustre Relator,
Cuidam os autos de recursos de apelação criminal
interpostos pelos réus HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA e
MAFALDA CORREIA PIRES, em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto
da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará (fls. 313/325), que os
condenou pela prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes,
tipificado no art. 33 c/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, às penas
definitivas de 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão – para HUGO
MIGUEL –, e 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão – para MAFALDA ambas a serem cumpridas, inicialmente, em regime fechado, além de condenar
os réus à pena de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo vigente à época do fato criminoso.
Em suas razões recursais (fls. 332/357 e 358/384),
interpostas em separado, os réus HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E
SILVA e MAFALDA CORREIA PIRES apresentaram argumentos semelhantes,
alegando, preliminarmente, ser a denúncia inepta pelo fato de as provas da
suposta co-autoria dos apelantes estarem baseadas apenas nos depoimentos,
considerados confusos e contraditórios, do corréu Sandro, o que não seria
bastante, pelo fato de a Lei 11.343/2006 exigir mais do que os requisitos do art.
41, do CPP, para o recebimento da denúncia. Alegaram ainda que o outro
acusado, Sandro, não poderia figurar como assistente de acusação, por ser
corréu, devido à vedação prevista no art. 270, do CPP.
No mérito, os acusados requereram a absolvição,
alegando que o Ministério Público pugnou pela condenação dos apelantes com
base apenas no depoimento de Sandro, na fase inquisitorial. Sustentaram,
ainda, a ocorrência de erro de tipo sobre elemento essencial, referente à
conduta de “transportar” a droga, prevista no art. 33, da Lei 11.343/2006. Afora
isso, argumentaram que o outro denunciado, Sandro Miguel, poderia estar
mentindo em juízo para se beneficiar com a delação premiada, não sendo tal
depoimento idôneo para provar a autoria dos apelantes.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
4
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Por sua vez, HUGO MIGUEL alegou ser apenas
usuário de droga, o que poderia ser comprovado pelo fato de que, no momento
de sua prisão em flagrante, ele estava portando uma trouxinha de cocaína para
consumo próprio, e que o ex-padrasto de MAFALDA se aproveitava desse fato
para exigir favores em troca de droga para o consumo do acusado. Já
MAFALDA, negando a autoria delitiva, explicou que o seu ex-padrasto agredia
sua genitora e, pelo fato de ela defender a mãe, passou a ser odiada pelo
padrasto, que, por vingança, instruía suas “mulas” para dizer que eram
contratadas pela ré e seu companheiro. Além disso, segundo a acusada, a atual
companheira do seu ex-padrasto seria muito semelhante fisicamente com ela,
aproveitando-se disso para se apresentar aos outros como se fosse a acusada.
Quanto à dosimetria da pena, os apelantes pugnaram
pela nulidade da sentença, arguindo não ter existido fundamentação na análise
das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, bem como excesso na aplicação
da pena, fixada além do necessário. Além disso, a ré MAFALDA requereu a
aplicação da pena-base no mínimo legal, devido à atenuante presente no art.
65, I, do CP, porquanto, na data da prisão, contava com menos de 21 anos de
idade. Em relação à pena de multa, os réus alegaram que eram pobres e não
teriam recursos para pagá-la, razão pela qual insurgiram-se contra a aplicação
dessa penalidade.
Recebidos ambos os apelos, foram apresentadas as
contrarrazões pelo Parquet, que refutou os argumentos apresentados pelos
apelantes, no que tange à preliminar de inépcia da denúncia, sob a alegação de
que a denúncia não teria se baseado apenas nos depoimentos de Sandro
Miguel, reportando-se também aos depoimentos dos policiais e às investigações
realizadas pela Polícia Federal, que constatou, inclusive, o fato de que os
acusados já haviam praticado conduta semelhante para traficarem cocaína um
mês antes dos fatos apurados nos presentes autos. No que tange ao argumento
de que Sandro Miguel seria assistente do Ministério Público, o Parquet se
defendeu aduzindo que não há nos autos qualquer manifestação sua nesse
sentido, o que seria necessário, de acordo com os arts. 272 e 273, do CPP.
Ademais, salientou o fato de que a condenação não se baseou apenas em
provas colhidas na fase inquisitorial, o que poderia ser comprovado com os
depoimentos prestados em juízo.
Quanto à alegação por parte de HUGO MIGUEL de
que ele seria apenas dependente químico, o Ministério Público demonstrou que
tal alegação não merecia prosperar, posto que restava comprovada a
associação dele com sua companheira com o intuito de contratarem Sandro
Miguel para efetuar o transporte da droga, não sendo a primeira vez que
praticavam tal conduta criminosa. Em relação à MAFALDA, embora não tenha
confessado o crime, o depoimento dos corréus não deixaram dúvida acerca da
participação da acusada.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
5
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Enfim, em relação à dosimetria da pena, o Parquet
considerou-a justa e devidamente fundamentada, ao contrário do que
sustentaram os apelantes.
Sendo esse o cenário que se me apresenta, passo a
OPINAR.
Primeiramente,
tenho
como
presentes
os
pressupostos processuais objetivos (cabimento, adequação, tempestividade,
regularidade procedimental e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do
direito recursal) e subjetivos (interesse de agir e legitimidade para recorrer), de
forma a justificar o conhecimento da irresignação recursal.
No mérito, não assiste razão aos imputados, ora
apelantes.
Se não, veja-se.
Antes de adentrar no mérito da questão, se faz mister
proceder à análise das preliminares ventiladas pelos acusados, HUGO MIGUEL
DOS SANTOS ANDRADE E SILVA e MAFALDA CORREIA PIRES.
Quanto à preliminar de inépcia da denúncia, melhor
sorte não assiste aos apelantes. Para começar, é de se dizer que a denúncia,
antes de padecer de qualquer generalização atende, ao contrário, de forma
bastante criteriosa o art. 41 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
“Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do
fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a
qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se
possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando
necessário, o rol das testemunhas”.
Em relação à qualificação dos acusados, foram
suficientes os elementos apontados na denúncia para identificá-los, não
existindo resistência dos apelantes em relação a esse aspecto. De igual modo,
dúvidas não recaem sobre a classificação do crime, tendo o MINISTÉRIO
PÚBLICO, às fls. 104, explicitamente enquadrado a conduta dos acusados
como crime de tráfico internacional de drogas, acusando-os como incursos nas
penas do art. 33, caput, c/c o art. 40, I e art., 35, todos da Lei nº 11.343/2006.
Assim, reside a insurgência do apelante apenas em
relação à exposição do fato criminoso, afirmando que “a denúncia se baseia nos
depoimentos contraditórios do primeiro denunciado, depoimentos esses
confusos e desconexos”, para mais adiante reforçar que “a lei nova, lei atual,
11.343/2006, exige mais do que os requisitos do artigo 41 do Código de
Processo Penal (...)”.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
6
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Contudo, a peça delatória expõe de forma clara os
fatos delituosos imputados aos réus, permitindo o exercício pleno do seu direito
de defesa. Além disso, a denúncia, a despeito do que sustentaram os apelantes,
não se baseou apenas nos depoimentos do acusado Sandro, reportando-se
expressamente às investigações procedidas pela Polícia Federal e aos
depoimentos dos três acusados, como se pode inferir dos seguintes trechos:
“Os policiais federais perceberam que a arrumação dos pacotes de
cocaína na mala e a forma de acondicionamento eram semelhantes
ao entorpecente apreendido na prisão de Luiz Eduardo Amaral
Moreira, ocorrida no dia 08 de janeiro de 2009.
(...)
Em seu interrogatório (fls. 07/08), SANDRO disse que veio ao
Brasil porque precisava de dinheiro para custear a operação de
catarata de sua avó, aceitando o convite de uma pessoa chamada
MAFALDA, que conheceu pela internet em uma sala de bate-papo.
O pagamento pela viagem, no valor de 3.000 euros, seria efetuado
pela própria MAFALDA, a qual, inclusive, acompanhou SANDRO
MIGUEL para tirar os seus documentos de viagem ao Brasil, dando
ao mesmo, ainda, as passagens aéreas e a estadia no Hotel Oásis,
na Beira Mar, em Fortaleza.
Informou, também, que, ao chegar ao Brasil, foi contactado por
HUGO MIGUEL, que disse que se chamava 'Cantiflas'. Referida
pessoa, no momento do embarque de volta para Portugal,
entregou-lhe a mala com a droga, no próprio aeroporto
Internacional Pinto Martins, a fim de que a transportasse para o
exterior.
O denunciado HUGO MIGUEL, em seu interrogatório (fls. 09/10),
não quis identificar a pessoa de quem adquiriu a droga em
Fortaleza, mas afirmou que o quilo do entorpecente, comprado por
R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), seria vendido por 25.000 euros
em Portugal e que Mafalda tinha a função de acompanhar o
transportador até a pessoa que receberia a droga, no exterior.
A denunciada MAFALDA, em seu interrogatório (fls. 66/67),
permaneceu silente, reservando-se o direito de se pronunciar em
juízo.
(...)
Observa-se que a materialidade dos delitos estão comprovadas
pelo laudo definitivo de exame de substância, sendo induvidosa a
autoria, em face da prisão em flagrante e interrogatório dos dois
primeiros denunciados”.
Da transposição desses excertos para a hipótese dos
autos, pode-se concluir que a peça acusatória descreve, com detalhes, a
conduta que é imputada a cada denunciado, mencionando provas suficientes
para tal.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
7
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Assim também entendeu o julgador de 1ª instância às
fls. 316 da sentença: “Na espécie, os fatos atribuídos tanto a Mafalda Correia
quanto a Hugo Miguel foram suficientemente explicados na denúncia, de forma
que foi possível precisar no que consistiu a conduta de cada acusado, não se
podendo afirmar ter havido omissão quanto às suas circunstâncias ou
elementares. A forma como se deu o relato da atividade delituosa foi suficiente
para a compreensão do cerne da questão, inclusive, possibilitando a defesa
plena quanto aos fatos imputados. A denúncia trouxe todo o iter criminis
percorrido, descrevendo, de forma suficiente, os passos dados pelos agentes.
Foi possível, inclusive, perceber, já na inicial, qual foi o papel exercido por cada
um dos interlocutores do fato criminoso, tendo havido, de fato, um trabalho
conjunto entre eles, à medida que cada um contribuiu para o resultado final.”
Por todas as razões acima expostas, não merece
prosperar a preliminar de inépcia da denúncia suscitada pelos apelantes,
devendo ser reconhecida a perfeita adequação entre a peça delatória e os
ditames do Código de Processo Penal.
Em relação ao argumento apresentado pela defesa
de que o corréu Sandro estaria atuando como assistente do Ministério Público,
também esse não merece acolhida. Ora, de acordo com o que se extrai dos
arts. 272 e 273, do Código de Processo Penal, o Ministério Público deve ser
ouvido previamente sobre a admissão do assistente. Depois disso, o juiz deve
proferir despacho, admitindo ou não o assistente. Todavia, consultando-se os
autos, verifica-se que não há qualquer manifestação do réu Sandro no sentido
de se habilitar como assistente de acusação, tampouco alguma manifestação do
parquet ou despacho do juiz. Dito isso, percebe-se que Sandro, figurando no
pólo passivo da demanda, e não como assistente, voluntariamente confessou
sua participação no crime e delatou a trama criminosa, obtendo, com essa
conduta, do benefício da delação premiada. Desta feita, não houve qualquer
ilicitude nos depoimentos de tal acusado, os quais, notadamente, contribuíram
como prova da autoria dos demais réus.
Percebe-se claramente, in casu, que, ao contrário do
afirmado pelos apelantes, o benefício da delação premiada a um dos corréus –
em decisão à parte (v. fls. 242/248) - se mostra plenamente justificável, uma vez
que está em harmonia com o conjunto probatório dos autos.
Por isso mesmo, não vem ao caso a alegação de que
esse corréu teria atuado como assistente de acusação.
Ora, é de todos sabido que, em termos probatórios, a
delação de corréu avulta, em propriedade, como digna de justificar uma
condenação.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
8
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Sobre o tema, observe-se a lição de Fernando de
Almeida Pedroso, em sua obra “Processo Penal – O Direito de Defesa:
Repercussão, Amplitude e Limites”, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed., verbis:
“A chamada de co-réu, quando não se trate da
mera transferência de responsabilidade, assume-se como
valioso elemento probatório.
Isso porque, consoante ressalta Sérgio de Oliveira
Médici, louvando-se em Ada Pellegrini Grinover, “é
inegável que a palavra de um acusado, com relação aos
demais, é testemunho”. (p. 204/205)
Em
colaciona algumas decisões
perfeitamente ao presente caso:
seguida,
que se
o
autor
amoldam
“A delação de co-réu, quando feita sem o escopo
liberatório do delator, reconhecendo sua dose de
culpabilidade na ação delituosa, é elemento probatório de
inequívoca validade na formação da convicção do
julgador, em relação à conduta do delatado”
(RJDTACCrimSP 18/77).
Ora, “é princípio de lógica judiciária que a
imputação do co-réu vale como prova, quando o
imputante, confessando a sua participação no delito,
aponta a de seu comparsa” (RT 425/338)”. (p. 205)
Efetivamente, o depoimento de um corréu, ao
incriminar outrem sem sequer fugir à sua responsabilidade, assume inegável
valor probante.
Isso nos faz lembrar Júlio Fabbrini Mirabete:
“Na confissão (arts. 197 e ss) pode ocorrer a
delação, ou seja, o acusado, além de confessar a autoria,
igualmente atribui a um terceiro participação no crime. É
uma prova anômala, admissível, sem previsão ou
regulamentação legal. Segundo se entendeu nas ‘Mesas
de Processo Penal’ da Faculdade de Direito da USP,
coordenadas pela Profª Ada Pellegrini Grinover, ‘o
interrogatório de co-réu, incriminando outro, tem, com
relação a este, natureza de depoimento testemunhal,
devendo, por isso, se admitirem perguntas’. (Súmula 675).
Não há dúvida, porém, de que a delação é de grande valor
probatório.” (in “Código de Processo Penal Interpretado”,
3ª edição. Ed. Atlas, São Paulo, 1995, pág. 243/244).
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
9
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Não é por outro motivo que Adalberto José Q. T. de
Camargo Aranha (“Da Prova no Processo Penal”, 4ª ed., Ed. Saraiva, 1996, p.
11/112), ao tratar do tema, lembra, a certa altura, que a despeito da divergência
que reina na matéria, autores do quilate de “Enrico Altavilla admite a chamada
(delação) do co-réu, dando força incriminadora, desde que ela esteja “vestida”,
isto é, seja inteiramente concordante com o núcleo central acusatório”, só
bastando “que a narrativa feita demonstre uma concordância a ponto de admitir
a veracidade da acusação”.
No mesmo oriente, a jurisprudência aqui sintetizada
pelos seguintes precedentes:
“EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE
ENTORPECENTES.
FALTA
DE
ANÁLISE
DAS
QUESTÕES SUSCITADAS PELA DEFESA. NULIDADE
REPELIDA. PROVA BASEADA EM DECLARAÇÕES
GRAVADAS DE CO-RÉUS. LICITUDE. INQUÉRITO
POLICIAL. SUFICIÊNCIA PARA CONDENAÇÃO. CRIME
DE ASSOCIAÇÃO. DELITO AUTÔNOMO. REPAROS NA
DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO PARCIALMENTE
PROVIDO COM RELAÇÃO AOS RÉUS PRIMÁRIOS E
SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS.
I. Inexistência na sentença recorrida de qualquer vício de
relatório ou fundamentação defeituosa capaz de gerar
nulidade.
II. Comprovadas a autenticidade e efetividade da prova
gravada não há que se falar em ilicitude, mormente
quando as partes tinham ciência da gravação.
III. O depoimento de co-réu é elemento hábil para
embasar a sentença condenatória, constituindo inegável
valor probatório, principalmente quando não procura
isentar-se da responsabilidade pela infração cometida.
IV. A prova colhida no inquérito policial pode e deve ser
convocada para fundamentar a decisão condenatória, não
se podendo afirmar que possui valor meramente
informativo.
V. O crime do artigo da Lei 6.368/76 é autônomo, punível
em concurso material com os delitos previstos nos artigos
12 e 13 da referida lei, desde que a associação seja
preexistente, como no caso em tela.
VI. Reprimenda diminuída com relação aos réus primários
e sem antecedentes criminais”. (Tribunal Regional Federal
da 3ª Região, Apel. Crim. N° 3045130/SP, Rel. Juiz
SINVAL ANTUNES, DJU 09.08.94, p. 42316) (destaquei).
“As palavras de co-réus que se mostram desprovidas de
qualquer interesse ou paixão podem servir de suporte à
condenação, principalmente quando são harmoniosas,
coerentes e encontram apoio na veemente prova
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
10
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
circunstancial colhida nos autos (RT 660/330). É princípio
de lógica judiciária que a imputação do co-réu vale como
prova, desde que, confessando a sua participação no
delito, aponta o seu comparsa.” (TJMS, RT 536/309).
Adentrando no mérito da questão, de fato, as provas
conspiram todas em desfavor dos apelantes. O réu Sandro Miguel foi preso em
flagrante, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, quando pretendia embarcar
para Lisboa/Portugal, no vôo TAP-168, levando em sua bagagem sete pacotes
de substância entorpecente (cocaína). Tal denunciado confessou aos policiais
ter sido contratado por MAFALDA, em Portugal, para viajar ao Brasil e buscar a
droga, que seria entregue pelo acusado HUGO MIGUEL. Além disso, Sandro,
colaborando com a Polícia, acompanhou os policiais ao endereço de HUGO
MIGUEL, o qual acabou preso em flagrante, tendo sido encontrada, uma
trouxinha de cocaína com este acusado e uma foto de sua namorada, que
Sandro reconheceu como sendo MAFALDA.
Pelos fatos acima descritos, foram, então, ambos
acusados denunciados como incursos nas sanções dos arts. 33, caput, c/c 40, I,
e 35, todos da Lei nº 11.343/06.
A autoria e a materialidade delitivas, a despeito da
negativa de autoria por parte dos apelantes, estão sobejamente comprovadas,
pelas provas acostadas aos autos: auto de prisão em flagrante (fls. 02/03 do
inquérito policial em apenso), auto de apresentação e apreensão (fls. 15/18 do
inquérito policial em apenso), laudo preliminar de constatação (fls. 13/14 do
inquérito policial em apenso); interrogatório dos réus Sandro e HUGO (fls. 07/10,
em sede policial e fls. 224/231, em sede judicial) e depoimentos testemunhais
(fls. 46/51, do inquérito policial em apenso e fls. 232/241, em sede judicial).
No que tange à alegação por parte dos apelantes de
que em nenhum momento restou caracterizada a tipificação em relação à causa
de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, é de se manter a
aplicação do referido artigo da lei, haja vista terem sido os apelantes que
articularam a operação de transporte – do Brasil para Portugal - da droga por
Sandro, o que resultou, inclusive, na prisão deste e de HUGO e, posteriormente,
na decretação da prisão preventiva de MAFALDA.
Assim sendo, não há que se cogitar, in casu, como
intentaram os apelantes, o fato de não haver provas suficientes para embasar a
condenação de ambos, porquanto, conforme já foi demonstrado, há nos autos
variados elementos de prova capazes não só de demonstrar a prática delituosa
por parte deles como também de justificar a condenação que lhes foi imposta.
Apenas a título de ilustração, verifica-se relevante transcrever alguns trechos
dos depoimentos das testemunhas de acusação:
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
11
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
“QUE participou da prisão de Sandro Miguel; que a droga
estava sendo acondicionada no forro lateral de sua mala.
QUE a disposição da droga era semelhante à de outro
flagranteado (Luís Eduardo); QUE Sandro entregou Hugo
e Mafalda, afirmando que Mafalda era quem tinha o
contratado em Portugal; (...) QUE o depoente perguntou
se Sandro sabia localizar Hugo; QUE Sandro disse que
saberia localizar Hugo e acompanhou a equipe policial até
o endereço de Sandro e, depois, até um condomínio no
Dragão do Mar; QUE nesse condomínio o depoente falou
com o porteiro, o qual interfonou para Hugo afirmando que
havia um taxista lhe esperando; QUE Hugo desceu e foi
preso, quando afirmou que dos três quilos transportados
por Sandro, um pertencia a ele (Hugo); (...) que Hugo
disse que comprara o quilo da droga, que lhe pertencia,
por quinze mil reais e venderia na Europa por vinte e cinco
mil euros (...).
Francisco Rodrigues do Nascimento – policial federal. (fls.
234)
(...)QUE a investigação se deu a partir da prisão de Luiz
Eduardo no aeroporto de Fortaleza; QUE Luiz Eduardo iria
transportar drogas para Portugal, tendo sido aliciado por
um português, em uma sala de bate-papo; (...) QUE foi
apresentada uma foto de Hugo Miguel a Luiz Eduardo,
que acabou reconhecendo-o como sendo o português que
havia lhe contratado; QUE através do Hugo chegou ao
nome de Mafalda; (...) QUE requereu a prisão de Hugo e
Mafalda; QUE nesse meio tempo da investigação o APF
Rodrigues efetuou a prisão de Sandro; QUE Rodrigues
achou que a forma de acondicionamento da droga era
muito semelhante à usada por Luiz Eduardo; (...)
José Glayston Araújo dos Santos – Delegado da Polícia
Federal. (fls. 232).”
Por conseguinte, não merece reparos a sentença de
1º grau, que condenou os apelantes à prática dos crimes tipificados no art. 33,
caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006. A propósito, frise-se que as condutas
dos apelantes também ensejariam a incidência das penas do art. 35 da referida
lei, pois restou demasiadamente comprovado o animus associativo dos dois
réus, ora recorrentes - nas investigações, tanto é assim que a polícia federal
pôde concluir que os acusados já haviam praticado as mesmas condutas pouco
tempo antes, o que resultou, inclusive, na prisão em flagrante de outro
“transportador” da droga e no pedido de prisão de HUGO e MAFALDA.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
12
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
No entanto, no que diz respeito à acusação pela
prática do crime de associação previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06, apesar
de não existir dúvida sobre o enquadramento da conduta praticada pelos
acusados nas penas desse artigo, o juiz de 1º grau entendeu por bem
reconhecer a litispendência, extinguindo a punibilidade em relação à de tal
delito, porquanto os acusados já tinham sido condenados pela prática de tal
crime de associação para o tráfico em outra ação penal (nº 2009.81.00.0002238, tramitando na 11ª Vara Federal do Ceará) - o que caracterizaria a ocorrência
de um crime único - nos seguintes termos, verbis:
“Sobre a configuração de crime único, o TRF da 4ª
Região esclareceu que 'se o acusado já foi processado e
condenado por associação para o tráfico, com a mesma
estrutura criminosa e pela prática de atos próximos no
tempo, há crime único, devendo ser reconhecida,
conforme o caso, a litispendência ou a coisa julgada'
(TRF4, AC 20037104009835-1/RS, Amir Sarti, 8ª T., u., DJ
16.1.2002).
Assim sendo, ante a identidade de partes (réus
Mafalda
e
Hugo
Miguel)
e
de
objeto
(crime de associação para o tráfico), além da proximidade
temporal dos fatos, haja vista que Luiz Eduardo Amaral
Moreira foi preso em flagrante delito em 8.1.2009 e Sandro
Miguel no dia 9.2.2009; considerando que a
contextualização fática em que se perfizeram as conditas
acionadas no processo em epígrafe e no de nº
2009.81.00.000223-8 é idêntica, (...) reconheço que há
litispendência nesta ação penal quanto ao crime do art. 35
da Lei nº 11.343/2006”. (fls. 322)
Ainda, com base no conjunto probatório dos autos, é
de se concluir que, no tocante à alegação de erro de tipo e ausência de dolo
quanto ao núcleo “transportar”, do art. 33, caput, da Lei nº 11. 343/06, mais uma
vez não merece prosperar os argumentos dos apelantes.
Nesse sentido, no que se relaciona à incumbência
probatória que assiste às partes, na relação processual penal, vem a propósito a
lição de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (ob. cit., p. 11), in verbis:
“Ao acusador cabe o ônus de provar os fatos
constitutivos.
No campo penal os fatos constitutivos dizem
respeito à tipificidade e à autoria. Vale dizer, ao órgão
acusador cabe provar a existência de um fato previsto em
lei como ilícito penal e o seu realizador, isto é, demonstrar
a existência concreta do tipo e de sua realização pelo
acusado.
Portanto, à acusação cabe o ônus probatório
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
13
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
relativo a:
a)existência de um fato considerado ilícito penal por
força de lei; e
b) realização do fato por ação atribuível ao
denunciado”.
...................................................................................
“Admite-se o dolo como presumido porque
incluído
entre
as
chamadas
“circunstâncias
concomitantes” referidas por Liebman, portanto,
existentes desde que provado o fato específico. Vale
dizer, uma vez provados pela acusação o fato e a
autoria, emerge o dolo como uma conseqüência
decorrente. O Pretório Excelso (RTJ, 46:273) e o Egrégio
Tribunal de Alçada Criminal (JATACrim, 23:255) já
afirmaram que, como decorrência da demonstração por
parte da acusação do fato e da autoria, presume-se o
dolo, cabendo ao incriminado demonstrar a sua ausência”.
(destaquei)
E o que não dizer da lição de Fernando de Almeida
Pedroso, em sua obra “Direito Penal”, Ed. Leud, 2ª ed., 1997, p. 417, nos
seguintes termos:
“Elemento de natureza interna e subjetiva, o
animus (intenção) que conduz o agente ao crime, por
obter nascedouro nos recônditos de sua alma e na sua
indevassável mente e inexplorável pensamento, assumese como dado de difícil perquirição e dificultosa
constatação.
Não obstante árdua e escabrosa que ressurte a
“exploratio mentis”, certo é que o dolo que anima a ação
do sujeito ativo encontra elucidação e esclarecimento, via
de regra, por circunstâncias e elementos fáticos de índole
objetiva.
Dessa maneira, e de rigor, o elemento subjetivo do
crime é denotado pelas circunstâncias objetivas que
circundaram o evolver do episódio”.
No mesmo oriente, Paulo Heber de Morais e João
Batista Lopes, em sua obra “Da Prova Penal”, Ed. Copola, 2ª ed., 1994, p. 36,
ao nos dar conta dos seguintes critérios:
“...b) o ônus da prova das excludentes de
criminalidade (legítima defesa, estado de necessidade,
exercício regular de direito, estrito cumprimento de dever
legal) e das causas de isenção de pena incumbe ao
acusado; (...)”
“(...) d) provadas a materialidade e a autoria pela
acusação, ao réu incumbirá, em regra, demonstrar não
ter agido com dolo”.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
14
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Por certo, não é por outro motivo que o Superior
Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 704.188, sob relatoria da Min. Laurita Vaz,
assim assentou: “In casu, o ônus da prova caberia à defesa para demonstrar a
ocorrência do elemento subjetivo alegado em seu favor. Ausência de violação
ao art. 156 do Código de Processo Penal.” (DJU 08.05.2006, p. 273).
Assim sendo, percebe-se que as provas dos autos
não revelam ausência do dolo nem está presente o erro de tipo. Cabia à defesa,
portanto, o ônus probatório dos aludidos erro de tipo ou ausência de dolo, o que
não ocorreu, in casu.
É de se concluir que, ao contrário da acusação, que
se pautou em provas materiais e testemunhais por demais consistentes, o
mesmo não se pode dizer da defesa, que se limitou apenas a fantasiar os fatos,
sem, contudo, apresentar provas robustas e suficientes.
Em suma, no caso dos autos, sobretudo quando
concluída a fase das investigações policiais, findou comprovada a atuação dos
acusados no crime de tráfico internacional de entorpecentes.
No que tange aos critérios de aplicação da pena, in
casu, conclui-se que a decisão a quo igualmente imerece reparos.
Os recorrentes requereram a nulidade da sentença,
alegando que não existiu fundamentação na análise das circunstâncias do art.
59, do CP, além do fato de que teria havido excesso por parte do magistrado de
1º grau na aplicação do quantum da pena.
Todavia, o magistrado a quo, quando da aplicação da
pena-base, clara e expressamente analisou e justificou as circunstâncias
judiciais, sendo consideradas desfavoráveis a culpabilidade, a conduta social, o
motivo, a natureza e a quantidade da droga, conforme se constata pela
transcrição de trechos da sentença:
“HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA
Analisando as diretrizes do art. 59, CP c/c art. 42, da Lei nº
11.343/06, denoto que a culpabilidade do réu, entendida
como a reprovabilidade da sua conduta, é desfavorável
por tratar-se de pessoa de classe média, proveniente de
país desenvolvido (Portugal) e que possuía a exata
dimensão de quão prejudicial é o efeito do uso de drogas
no organismo humano, tendo consciência do poder
viciante da cocaína.
Inexistência de maus antecedentes. Sua conduta social é
insatisfatória, uma vez que o caso em baila não foi um fato
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
15
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
isolado na vida do réu, o qual se envolveu na prática do
crime apurado no processo nº 2099.81.00.000223-8.
Personalidade do agente sem meios de aferição.
Motivos desfavoráveis representados pela busca do lucro.
Natureza lesiva da droga (cocaína). Quantidade
considerável de cocaína apreendida na mala de Sandro
Miguel, que foi preparada por Hugo (3.480g – três mil
quatrocentos e oitenta gramas).
Pelas circunstâncias preponderantemente desfavoráveis,
sobretudo a natureza e quantidade da droga, fixo a penabase em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
(...) (fls. 323) (grifos originais).
MAFALDA CORREIA PIRES VIANA
Analisando as diretrizes do art. 59, CP c/c art. 42, da Lei nº
11.343/06, denoto que a culpabilidade da ré, entendida
como a reprovabilidade da sua conduta, é desfavorável
por tratar-se de pessoa de classe média, proveniente de
país desenvolvido (Portugal) e que possuía a exata
dimensão de quão prejudicial é o efeito do uso de drogas
no organismo humano, tendo consciência do poder
viciante da cocaína.
Inexistência de maus antecedentes. Sua conduta social é
insatisfatória, uma vez que o caso em baila não foi um fato
isolado na vida da ré, o qual se envolveu na prática do
crime apurado no processo nº 2099.81.00.000223-8.
Personalidade do agente sem meios de aferição.
Motivos desfavoráveis representados pela busca do lucro.
Natureza lesiva da droga (cocaína). Quantidade
considerável de cocaína apreendida na mala de Sandro
Miguel, que foi preparada por Hugo (3.480g – três mil
quatrocentos e oitenta gramas).
Pelas circunstâncias preponderantemente desfavoráveis,
sobretudo a natureza e quantidade da droga, fixo a penabase em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão.
(...)” (fls.323/324) (grifos originais).
No que tange às demais fases de aplicação da pena,
in casu, conclui-se que a decisão a quo também não merece reparos.
Como se sabe, o Código Penal Brasileiro prevê, em
seu art. 68, o sistema trifásico de aplicação da pena, in verbis:
“Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério
do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas
as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as
causas de diminuição e de aumento.”
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
16
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Assim sendo, na primeira fase é fixada a pena-base,
em cuja oportunidade são atendidas as circunstâncias judiciais, no quantum
necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime; em seguida,
são consideradas as circunstâncias legais que atenuam ou agravam a pena,
inscritas nos arts. 65 e 61 do Código Penal; e por último, incidem as causas de
diminuição e de aumento (minorantes e majorantes), fixadas em níveis
percentuais.
Quanto à fixação da pena-base, esta deve atender
aos critérios discriminados no art. 59, caput, do Código Penal c/c o art. 42 da Lei
nº 11.343/06, por se tratar de tráfico internacional de entorpecentes, consoante
se depreende:
“Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos
antecedentes, à conduta social, à personalidade do
agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências
do crime, bem como ao comportamento da vítima,
estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime...”
“Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com
preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código
Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do
produto, a personalidade e a conduta social do agente”.
Observe-se que os critérios de conduta social dos
apelantes depõem em seu desfavor, conforme destacou o juiz, na sentença de
primeiro grau. No tocante à quantidade de substância entorpecente que seria
transportada à Europa, esta pode ser, sem dúvida, considerada de grande
monta.
Em síntese, da análise dos critérios inserto no art. 42
da Lei Antidrogas, incidem sobre os apelantes circunstâncias desfavoráveis,
quais sejam: além da conduta social dos agentes, consideradas reprováveis, a
natureza da substância que seria traficada e o seu grau de periculosidade, haja
vista que estudos científicos comprovam: “cocaína vicia com apenas três a
quatro doses”. Acrescente-se a isso os efeitos físicos e psíquicos causados pela
droga apreendida em poder do apelante, segundo especialistas: “O uso
continuado da droga modifica a estrutura dos neurônios, causando lesões
irreversíveis. Por ser um potente vaso constritor, a cocaína provoca o
estreitamento dos vasos sangüíneos do cérebro e do coração, prejudicando as
atividades cerebrais e aumentando o risco de derrame cerebral e de ataque
cardíaco. (...) Pode causar comportamentos violentos e paranóicos, mais
freqüentes quando a droga é consumida em excesso.” (Disponível em:
http://www.klickeducacao.com.br/2006. Acesso em: 03/07/08).
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
17
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Ademais, como bem lembra Damásio de Jesus: “A
imposição da pena está condicionada à culpabilidade do sujeito. Na fixação da
sanção penal, sua qualidade e quantidade estão presas ao grau de
censurabilidade da conduta (culpabilidade)” (In “Direito Penal”, vol.1, 23ª edição,
pág. 584).
Assim, verifica-se da leitura da decisão recorrida, que
o Juiz a quo, quando da dosimetria da pena, atentou para todos os comandos
legais já mencionados, levando em consideração, por exemplo, os motivos
(busca de lucro) e as circunstâncias (a forma de acondicionamento da cocaína)
do crime, e a como a quantidade da substância entorpecente apreendida, fatos
que se prestariam a justificar plenamente a fixação da pena acima do mínimo
legal.
Dessa forma, diante da existência de circunstâncias
judiciais desfavoráveis previstas no artigo 42 da Lei 11.343/06, a pena-base
aplicada ao caso sub examen haveria mesmo de ser acima do mínimo legal,
como nos ensina Paganella Boschi (In: Das Penas e seus Critérios de
Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 187/188 e
221/223):
“Pena-base, enfim, é aquela que atua como ponto de
partida, ou seja, como parâmetro para as operações que
se seguirão. A pena-base corresponde, então, à pena
inicial fixada em concreto, dentro dos limites estabelecidos
a priori na lei penal, para que, sobre ela, incidam, por
cascata, as diminuições e os aumentos decorrentes de
agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes”.
E mais adiante - ao tratar das regras jurisprudenciais
para a fixação da pena-base - assim arremata:
“2ª) Quando algumas circunstâncias judiciais forem
valoradas negativamente (ou desfavoravelmente ao réu), a
pena-base deverá ser quantificada um pouco acima do
limite mínimo cominado.
.....................................................................................
Então, mesmo sem examinarmos, aqui, a regra nº 3,
mas tendo presente a função que ela exerce de conter o
jus puniendi no limite superior possível – denominado de
termo médio -, outra conclusão não seria possível senão
esta: a valoração negativa de algumas circunstâncias
judiciais listadas no art. 59 ensejará pena-base no
quantum que corresponde ao ponto intermediário ou
médio entre o mínimo cominado em abstrato e o termo
médio do fato-crime em julgamento, ao qual alude a regra
seguinte.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
18
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
3ª) Se o conjunto das circunstâncias judiciais for
desfavorável, a pena-base, refletindo grau máximo de
censura, aproximar-se-á do “termo médio”.
.....................................................................................
Essa expressão (“termo médio”) não está mais
prevista em lei. Sua sede era o inciso I do art. 47, cuja
redação original sinalizava fixação da pena-base no termo
médio ao reincidente.
Inobstante isso, ela vem sendo mencionada em
muitos precedentes com aquele sentido proposto pelo
citado dispositivo legal: o resultado da divisão por dois do
produto da soma do mínimo com o máximo de pena
cominados em abstrato ao crime.
.....................................................................................
Em que pese a imprevisão legislativa e a alegação
de resultante impossibilidade de uso do critério termo
médio, nossa opinião é de que ele desempenha ótima
função na contenção de excessos e que pode e deve
continuar sendo adotado.”
Por conseguinte, se levarmos em consideração as
regras acima transcritas e que, no caso em tela, mais de uma circunstância
judicial restou desfavorável ao acusado, agiu acertadamente o Juízo a quo ao
fixar o quantum da pena-base um pouco acima do mínimo legal cominado, qual
seja: 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses para HUGO MIGUEL e 5 (cinco) anos e 6
(seis) meses para MAFALDA.
Por fim, no que tange ao pedido de reformulação da
sentença para o fim de isentar os apelantes do pagamento da pena de multa
que lhes foi imposta, dada a situação econômica de ambos, melhor sorte não
assiste à defesa.
Ora, é certo que, existindo expressa previsão legal
quanto à cumulação da pena privativa de liberdade e de multa, tal como ocorre
no crime de tráfico descrito no art. 33 da Lei nº 11.343/06, não poderá o juiz, à
ausência de qualquer amparo legal, isentar o réu do pagamento da pena de
multa a ser cominada cumulativamente com a pena privativa de liberdade.
Como se sabe, as hipóteses de isenção da pena
devem estar expressas, pelo que somente seria admitida a eventual exclusão
desse tipo de penalidade em razão da condição econômica do acusado caso
houvesse expressa previsão legal nesse sentido, a exemplo do que ocorre com
a causa de isenção de pena prevista no art. 45 da Lei nº 11.343/06.
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
19
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
Como se vê, a decisão monocrática, levando em
consideração as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal,
condenou os réus ao pagamento de multa cumulada correspondente a 500
(quinhentos) dias-multa, fixando cada dia-multa na fração de 1/30 (um trigésimo)
do salário mínimo vigente à época dos fatos, portanto, a multa cominada foi
aplicada no limite mínimo legal previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06, qual seja
o de 500 (quinhentos) dias-multa.
No que diz respeito aos critérios para a fixação da
pena, a nova Lei Antidrogas assim disciplinou a matéria:
Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com
preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código
Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do
produto, a personalidade e a conduta social do agente.
Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a
39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42
desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo
a cada um, segundo as condições econômicas dos
acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior
a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Ora, no caso dos autos, não há como negar que,
quando da aplicação da pena de multa, foram devidamente observados todos os
critérios atinentes à espécie, inclusive no que diz respeito ao valor fixado no
mínimo legal para cada dia-multa, levando em consideração, como bem apontou
o Juiz de 1o grau, “a inexistência de dados concretos sobre a situação
econômica dos réus”.
Sobre essa simetria que deve existir entre a pena de
multa e a privativa de liberdade, confiram-se os ensinamentos de José Antonio
Paganella Boschi (in “Das Penas e seus Critérios de Aplicação”, Livraria do
Advogado Editora, 2004, p.352/353), verbis:
“Então, como é a culpabilidade que fundamenta e
limita a pena, isto significa dizer que o juiz graduará a
multa do mesmo modo como graduou (ou graduaria, na
hipótese de aplicação da multa isolada) a pena privativa
de liberdade: culpabilidade em grau mínimo, número de
dias no mínimo ou próximo dele; culpabilidade em grau
médio, um pouco acima e culpabilidade extrema, número
de dias na direção do limite máximo.
....................................................................................
Se, pelo reverso, ao exame da culpabilidade, em
conjunto com as circunstâncias judiciais, se evidenciar a
necessidade de pena privativa distanciada do mínimo
M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l
Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o
20
PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE
cominado, afigurar-se-á contraditório – e assimétrico –
procedimento individualizador da multa em quantidade de
dias-multa minimamente distanciado do piso de 10 dias!”
Desta forma, a pena de multa aplicada in casu deverá
ser mantida, inclusive no tocante à sua dosimetria, que não deixou de levar em
consideração a simetria que se deve guardar com o grau de culpabilidade
auferido pelo Juiz sentenciante, quando da fixação da pena privativa de
liberdade.
Pelo exposto, nada mais resta a fazer, senão opinar
pelo improvimento dos recursos de apelação ora interpostos, o que significa
manter, em todos os seus termos, a decisão do Magistrado de 1º grau.
É o parecer, sem prejuízo de entendimento outro,
como é próprio da seara jurídica.
Recife, 10 de agosto de 2009.
FRANCISCO CHAVES DOS ANJOS NETO
Procurador Regional da República
FCAN/APS
2153.2009 (Acr.Tráfico Internacional.Tóxico.Associação.Pena).doc
Download