M INIST É RI O PÚ BL IC O F ED E R AL PR O C UR AD O RI A R E G IO N AL D A R E PÚ BL I C A – 5ª R E G I ÃO Exmos. Srs. Desembargadores da Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ref. Apelante Apelante Apelado Relator : PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE : HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA : MAFALDA CORREIA PIRES : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : DES. FED. FRANCISCO BARROS DIAS – 2ª TURMA PARECER N.º 2153/2009 EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, DA LEI Nº 11.343/06). PRELIMINARES: INÉPCIA DA DENÚNCIA + RÉU FIGURANDO COMO ASSISTENTE. NÃO CABIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO. ÔNUS PROBATÓRIO DA DEFESA (ART. 156 DO CPP). NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. ART. 59 CP E 42 DA LEI ANTIDROGAS (PERSONALIDADE + CONDUTA SOCIAL: DESFAVORÁVEIS. GRANDE QUANTIDADE DA DROGA + ELEVADO GRAU DE PERICULOSIDADE DA SUBSTÂNCIA: COCAÍNA). PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO. ISENÇÃO DA PENA DE MULTA. DOSIMETRIA DA PENA DE MULTA. SIMETRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 59 DO CPB E DO ART. 43 DA LEI Nº 11.343/06. I – Não merece prosperar a alegação de inépcia da denúncia, pois a peça delatória expõe de forma clara os fatos delituosos imputados aos réus, permitindo o exercício pleno do seu direito de defesa. Além disso, a denúncia, a despeito do que sustentaram os apelantes, não se baseou apenas nos depoimentos do acusado Sandro, reportando-se expressamente às investigações procedidas pela Polícia Federal e aos depoimentos dos três acusados; PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA – 5ª REGIÃO R u a F r e i Ma t i a s Té ve s , 6 5 – P a i s s a n d u , R e c i f e - P E , C E P 5 0 . 0 7 0 - 4 5 0 P A B X : 0 * * ( 8 1 ) 2 1 2 1 - 9 8 0 0 - F a x: 0 * * ( 8 1 ) 3 0 8 1 - 9 9 4 7 M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 2 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE II – Além disso, Sandro, figurando no pólo passivo da demanda, e não como assistente, voluntariamente confessou sua participação no crime e delatou a trama criminosa, obtendo, com essa conduta, o benefício da delação premiada. Desta feita, não houve qualquer ilicitude nos depoimentos de tal acusado; III - Pratica crime previsto no artigo 33 c/c art. 40, inciso I (tráfico internacional) da Lei n.º 11.343/06 aquele que adquire, transporta e guarda substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, sempre que o seu atuar é voltado para o exterior; IV – Autoria e materialidade devidamente comprovadas pelas provas acostadas aos autos, daí por que se impõe a condenação; V – Percebe-se que as provas dos autos não revelam ausência do dolo nem está presente o erro de tipo. Cabia à defesa, portanto, o ônus probatório dos aludidos erro de tipo ou ausência de dolo, o que não ocorreu, in casu; VI – Ao contrário do que sustentaram os apelantes, a sentença expressamente analisou e justificou todas as circunstâncias judiciais, não se configurando, pois, a nulidade suscitada pelos recorrentes, em relação à dosimetria da pena; VII - Tendo o Juiz a quo, quando da dosimetria da pena, atentado para o comando legal do art. 59, do Código Penal e do art. 42, da Lei nº 11.343/06, a ponto de considerar mais de uma circunstância judicial desfavorável aos apelantes, é de se manter o quantum da pena-base nos parâmetros fixados na sentença monocrática; VIII – Não havendo previsão expressa no sentido de isentar o réu do pagamento da pena de multa, em razão de sua situação econômica, não poderá o juiz afastar a condenação da pena pecuniária a ser aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade, devendo ambas as penalidades guardarem, entre si, uma simetria no que se refere à sua dosimetria; IX – Conseqüência: parecer pelo improvimento dos recursos de apelação interpostos, mantendo-se, em todos os seus termos, a decisão do magistrado de 1º grau. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 3 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Ilustre Relator, Cuidam os autos de recursos de apelação criminal interpostos pelos réus HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA e MAFALDA CORREIA PIRES, em face da sentença proferida pelo Juiz Substituto da 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará (fls. 313/325), que os condenou pela prática do crime de tráfico internacional de entorpecentes, tipificado no art. 33 c/c art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, às penas definitivas de 06 (seis) anos e 05 (cinco) meses de reclusão – para HUGO MIGUEL –, e 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão – para MAFALDA ambas a serem cumpridas, inicialmente, em regime fechado, além de condenar os réus à pena de 500 (quinhentos) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato criminoso. Em suas razões recursais (fls. 332/357 e 358/384), interpostas em separado, os réus HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA e MAFALDA CORREIA PIRES apresentaram argumentos semelhantes, alegando, preliminarmente, ser a denúncia inepta pelo fato de as provas da suposta co-autoria dos apelantes estarem baseadas apenas nos depoimentos, considerados confusos e contraditórios, do corréu Sandro, o que não seria bastante, pelo fato de a Lei 11.343/2006 exigir mais do que os requisitos do art. 41, do CPP, para o recebimento da denúncia. Alegaram ainda que o outro acusado, Sandro, não poderia figurar como assistente de acusação, por ser corréu, devido à vedação prevista no art. 270, do CPP. No mérito, os acusados requereram a absolvição, alegando que o Ministério Público pugnou pela condenação dos apelantes com base apenas no depoimento de Sandro, na fase inquisitorial. Sustentaram, ainda, a ocorrência de erro de tipo sobre elemento essencial, referente à conduta de “transportar” a droga, prevista no art. 33, da Lei 11.343/2006. Afora isso, argumentaram que o outro denunciado, Sandro Miguel, poderia estar mentindo em juízo para se beneficiar com a delação premiada, não sendo tal depoimento idôneo para provar a autoria dos apelantes. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 4 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Por sua vez, HUGO MIGUEL alegou ser apenas usuário de droga, o que poderia ser comprovado pelo fato de que, no momento de sua prisão em flagrante, ele estava portando uma trouxinha de cocaína para consumo próprio, e que o ex-padrasto de MAFALDA se aproveitava desse fato para exigir favores em troca de droga para o consumo do acusado. Já MAFALDA, negando a autoria delitiva, explicou que o seu ex-padrasto agredia sua genitora e, pelo fato de ela defender a mãe, passou a ser odiada pelo padrasto, que, por vingança, instruía suas “mulas” para dizer que eram contratadas pela ré e seu companheiro. Além disso, segundo a acusada, a atual companheira do seu ex-padrasto seria muito semelhante fisicamente com ela, aproveitando-se disso para se apresentar aos outros como se fosse a acusada. Quanto à dosimetria da pena, os apelantes pugnaram pela nulidade da sentença, arguindo não ter existido fundamentação na análise das circunstâncias judiciais do art. 59, do CP, bem como excesso na aplicação da pena, fixada além do necessário. Além disso, a ré MAFALDA requereu a aplicação da pena-base no mínimo legal, devido à atenuante presente no art. 65, I, do CP, porquanto, na data da prisão, contava com menos de 21 anos de idade. Em relação à pena de multa, os réus alegaram que eram pobres e não teriam recursos para pagá-la, razão pela qual insurgiram-se contra a aplicação dessa penalidade. Recebidos ambos os apelos, foram apresentadas as contrarrazões pelo Parquet, que refutou os argumentos apresentados pelos apelantes, no que tange à preliminar de inépcia da denúncia, sob a alegação de que a denúncia não teria se baseado apenas nos depoimentos de Sandro Miguel, reportando-se também aos depoimentos dos policiais e às investigações realizadas pela Polícia Federal, que constatou, inclusive, o fato de que os acusados já haviam praticado conduta semelhante para traficarem cocaína um mês antes dos fatos apurados nos presentes autos. No que tange ao argumento de que Sandro Miguel seria assistente do Ministério Público, o Parquet se defendeu aduzindo que não há nos autos qualquer manifestação sua nesse sentido, o que seria necessário, de acordo com os arts. 272 e 273, do CPP. Ademais, salientou o fato de que a condenação não se baseou apenas em provas colhidas na fase inquisitorial, o que poderia ser comprovado com os depoimentos prestados em juízo. Quanto à alegação por parte de HUGO MIGUEL de que ele seria apenas dependente químico, o Ministério Público demonstrou que tal alegação não merecia prosperar, posto que restava comprovada a associação dele com sua companheira com o intuito de contratarem Sandro Miguel para efetuar o transporte da droga, não sendo a primeira vez que praticavam tal conduta criminosa. Em relação à MAFALDA, embora não tenha confessado o crime, o depoimento dos corréus não deixaram dúvida acerca da participação da acusada. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 5 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Enfim, em relação à dosimetria da pena, o Parquet considerou-a justa e devidamente fundamentada, ao contrário do que sustentaram os apelantes. Sendo esse o cenário que se me apresenta, passo a OPINAR. Primeiramente, tenho como presentes os pressupostos processuais objetivos (cabimento, adequação, tempestividade, regularidade procedimental e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito recursal) e subjetivos (interesse de agir e legitimidade para recorrer), de forma a justificar o conhecimento da irresignação recursal. No mérito, não assiste razão aos imputados, ora apelantes. Se não, veja-se. Antes de adentrar no mérito da questão, se faz mister proceder à análise das preliminares ventiladas pelos acusados, HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA e MAFALDA CORREIA PIRES. Quanto à preliminar de inépcia da denúncia, melhor sorte não assiste aos apelantes. Para começar, é de se dizer que a denúncia, antes de padecer de qualquer generalização atende, ao contrário, de forma bastante criteriosa o art. 41 do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Em relação à qualificação dos acusados, foram suficientes os elementos apontados na denúncia para identificá-los, não existindo resistência dos apelantes em relação a esse aspecto. De igual modo, dúvidas não recaem sobre a classificação do crime, tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO, às fls. 104, explicitamente enquadrado a conduta dos acusados como crime de tráfico internacional de drogas, acusando-os como incursos nas penas do art. 33, caput, c/c o art. 40, I e art., 35, todos da Lei nº 11.343/2006. Assim, reside a insurgência do apelante apenas em relação à exposição do fato criminoso, afirmando que “a denúncia se baseia nos depoimentos contraditórios do primeiro denunciado, depoimentos esses confusos e desconexos”, para mais adiante reforçar que “a lei nova, lei atual, 11.343/2006, exige mais do que os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (...)”. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 6 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Contudo, a peça delatória expõe de forma clara os fatos delituosos imputados aos réus, permitindo o exercício pleno do seu direito de defesa. Além disso, a denúncia, a despeito do que sustentaram os apelantes, não se baseou apenas nos depoimentos do acusado Sandro, reportando-se expressamente às investigações procedidas pela Polícia Federal e aos depoimentos dos três acusados, como se pode inferir dos seguintes trechos: “Os policiais federais perceberam que a arrumação dos pacotes de cocaína na mala e a forma de acondicionamento eram semelhantes ao entorpecente apreendido na prisão de Luiz Eduardo Amaral Moreira, ocorrida no dia 08 de janeiro de 2009. (...) Em seu interrogatório (fls. 07/08), SANDRO disse que veio ao Brasil porque precisava de dinheiro para custear a operação de catarata de sua avó, aceitando o convite de uma pessoa chamada MAFALDA, que conheceu pela internet em uma sala de bate-papo. O pagamento pela viagem, no valor de 3.000 euros, seria efetuado pela própria MAFALDA, a qual, inclusive, acompanhou SANDRO MIGUEL para tirar os seus documentos de viagem ao Brasil, dando ao mesmo, ainda, as passagens aéreas e a estadia no Hotel Oásis, na Beira Mar, em Fortaleza. Informou, também, que, ao chegar ao Brasil, foi contactado por HUGO MIGUEL, que disse que se chamava 'Cantiflas'. Referida pessoa, no momento do embarque de volta para Portugal, entregou-lhe a mala com a droga, no próprio aeroporto Internacional Pinto Martins, a fim de que a transportasse para o exterior. O denunciado HUGO MIGUEL, em seu interrogatório (fls. 09/10), não quis identificar a pessoa de quem adquiriu a droga em Fortaleza, mas afirmou que o quilo do entorpecente, comprado por R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), seria vendido por 25.000 euros em Portugal e que Mafalda tinha a função de acompanhar o transportador até a pessoa que receberia a droga, no exterior. A denunciada MAFALDA, em seu interrogatório (fls. 66/67), permaneceu silente, reservando-se o direito de se pronunciar em juízo. (...) Observa-se que a materialidade dos delitos estão comprovadas pelo laudo definitivo de exame de substância, sendo induvidosa a autoria, em face da prisão em flagrante e interrogatório dos dois primeiros denunciados”. Da transposição desses excertos para a hipótese dos autos, pode-se concluir que a peça acusatória descreve, com detalhes, a conduta que é imputada a cada denunciado, mencionando provas suficientes para tal. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 7 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Assim também entendeu o julgador de 1ª instância às fls. 316 da sentença: “Na espécie, os fatos atribuídos tanto a Mafalda Correia quanto a Hugo Miguel foram suficientemente explicados na denúncia, de forma que foi possível precisar no que consistiu a conduta de cada acusado, não se podendo afirmar ter havido omissão quanto às suas circunstâncias ou elementares. A forma como se deu o relato da atividade delituosa foi suficiente para a compreensão do cerne da questão, inclusive, possibilitando a defesa plena quanto aos fatos imputados. A denúncia trouxe todo o iter criminis percorrido, descrevendo, de forma suficiente, os passos dados pelos agentes. Foi possível, inclusive, perceber, já na inicial, qual foi o papel exercido por cada um dos interlocutores do fato criminoso, tendo havido, de fato, um trabalho conjunto entre eles, à medida que cada um contribuiu para o resultado final.” Por todas as razões acima expostas, não merece prosperar a preliminar de inépcia da denúncia suscitada pelos apelantes, devendo ser reconhecida a perfeita adequação entre a peça delatória e os ditames do Código de Processo Penal. Em relação ao argumento apresentado pela defesa de que o corréu Sandro estaria atuando como assistente do Ministério Público, também esse não merece acolhida. Ora, de acordo com o que se extrai dos arts. 272 e 273, do Código de Processo Penal, o Ministério Público deve ser ouvido previamente sobre a admissão do assistente. Depois disso, o juiz deve proferir despacho, admitindo ou não o assistente. Todavia, consultando-se os autos, verifica-se que não há qualquer manifestação do réu Sandro no sentido de se habilitar como assistente de acusação, tampouco alguma manifestação do parquet ou despacho do juiz. Dito isso, percebe-se que Sandro, figurando no pólo passivo da demanda, e não como assistente, voluntariamente confessou sua participação no crime e delatou a trama criminosa, obtendo, com essa conduta, do benefício da delação premiada. Desta feita, não houve qualquer ilicitude nos depoimentos de tal acusado, os quais, notadamente, contribuíram como prova da autoria dos demais réus. Percebe-se claramente, in casu, que, ao contrário do afirmado pelos apelantes, o benefício da delação premiada a um dos corréus – em decisão à parte (v. fls. 242/248) - se mostra plenamente justificável, uma vez que está em harmonia com o conjunto probatório dos autos. Por isso mesmo, não vem ao caso a alegação de que esse corréu teria atuado como assistente de acusação. Ora, é de todos sabido que, em termos probatórios, a delação de corréu avulta, em propriedade, como digna de justificar uma condenação. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 8 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Sobre o tema, observe-se a lição de Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra “Processo Penal – O Direito de Defesa: Repercussão, Amplitude e Limites”, Editora Revista dos Tribunais, 3ª ed., verbis: “A chamada de co-réu, quando não se trate da mera transferência de responsabilidade, assume-se como valioso elemento probatório. Isso porque, consoante ressalta Sérgio de Oliveira Médici, louvando-se em Ada Pellegrini Grinover, “é inegável que a palavra de um acusado, com relação aos demais, é testemunho”. (p. 204/205) Em colaciona algumas decisões perfeitamente ao presente caso: seguida, que se o autor amoldam “A delação de co-réu, quando feita sem o escopo liberatório do delator, reconhecendo sua dose de culpabilidade na ação delituosa, é elemento probatório de inequívoca validade na formação da convicção do julgador, em relação à conduta do delatado” (RJDTACCrimSP 18/77). Ora, “é princípio de lógica judiciária que a imputação do co-réu vale como prova, quando o imputante, confessando a sua participação no delito, aponta a de seu comparsa” (RT 425/338)”. (p. 205) Efetivamente, o depoimento de um corréu, ao incriminar outrem sem sequer fugir à sua responsabilidade, assume inegável valor probante. Isso nos faz lembrar Júlio Fabbrini Mirabete: “Na confissão (arts. 197 e ss) pode ocorrer a delação, ou seja, o acusado, além de confessar a autoria, igualmente atribui a um terceiro participação no crime. É uma prova anômala, admissível, sem previsão ou regulamentação legal. Segundo se entendeu nas ‘Mesas de Processo Penal’ da Faculdade de Direito da USP, coordenadas pela Profª Ada Pellegrini Grinover, ‘o interrogatório de co-réu, incriminando outro, tem, com relação a este, natureza de depoimento testemunhal, devendo, por isso, se admitirem perguntas’. (Súmula 675). Não há dúvida, porém, de que a delação é de grande valor probatório.” (in “Código de Processo Penal Interpretado”, 3ª edição. Ed. Atlas, São Paulo, 1995, pág. 243/244). M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 9 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Não é por outro motivo que Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (“Da Prova no Processo Penal”, 4ª ed., Ed. Saraiva, 1996, p. 11/112), ao tratar do tema, lembra, a certa altura, que a despeito da divergência que reina na matéria, autores do quilate de “Enrico Altavilla admite a chamada (delação) do co-réu, dando força incriminadora, desde que ela esteja “vestida”, isto é, seja inteiramente concordante com o núcleo central acusatório”, só bastando “que a narrativa feita demonstre uma concordância a ponto de admitir a veracidade da acusação”. No mesmo oriente, a jurisprudência aqui sintetizada pelos seguintes precedentes: “EMENTA: PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. FALTA DE ANÁLISE DAS QUESTÕES SUSCITADAS PELA DEFESA. NULIDADE REPELIDA. PROVA BASEADA EM DECLARAÇÕES GRAVADAS DE CO-RÉUS. LICITUDE. INQUÉRITO POLICIAL. SUFICIÊNCIA PARA CONDENAÇÃO. CRIME DE ASSOCIAÇÃO. DELITO AUTÔNOMO. REPAROS NA DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO COM RELAÇÃO AOS RÉUS PRIMÁRIOS E SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS. I. Inexistência na sentença recorrida de qualquer vício de relatório ou fundamentação defeituosa capaz de gerar nulidade. II. Comprovadas a autenticidade e efetividade da prova gravada não há que se falar em ilicitude, mormente quando as partes tinham ciência da gravação. III. O depoimento de co-réu é elemento hábil para embasar a sentença condenatória, constituindo inegável valor probatório, principalmente quando não procura isentar-se da responsabilidade pela infração cometida. IV. A prova colhida no inquérito policial pode e deve ser convocada para fundamentar a decisão condenatória, não se podendo afirmar que possui valor meramente informativo. V. O crime do artigo da Lei 6.368/76 é autônomo, punível em concurso material com os delitos previstos nos artigos 12 e 13 da referida lei, desde que a associação seja preexistente, como no caso em tela. VI. Reprimenda diminuída com relação aos réus primários e sem antecedentes criminais”. (Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Apel. Crim. N° 3045130/SP, Rel. Juiz SINVAL ANTUNES, DJU 09.08.94, p. 42316) (destaquei). “As palavras de co-réus que se mostram desprovidas de qualquer interesse ou paixão podem servir de suporte à condenação, principalmente quando são harmoniosas, coerentes e encontram apoio na veemente prova M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 10 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE circunstancial colhida nos autos (RT 660/330). É princípio de lógica judiciária que a imputação do co-réu vale como prova, desde que, confessando a sua participação no delito, aponta o seu comparsa.” (TJMS, RT 536/309). Adentrando no mérito da questão, de fato, as provas conspiram todas em desfavor dos apelantes. O réu Sandro Miguel foi preso em flagrante, no Aeroporto Internacional Pinto Martins, quando pretendia embarcar para Lisboa/Portugal, no vôo TAP-168, levando em sua bagagem sete pacotes de substância entorpecente (cocaína). Tal denunciado confessou aos policiais ter sido contratado por MAFALDA, em Portugal, para viajar ao Brasil e buscar a droga, que seria entregue pelo acusado HUGO MIGUEL. Além disso, Sandro, colaborando com a Polícia, acompanhou os policiais ao endereço de HUGO MIGUEL, o qual acabou preso em flagrante, tendo sido encontrada, uma trouxinha de cocaína com este acusado e uma foto de sua namorada, que Sandro reconheceu como sendo MAFALDA. Pelos fatos acima descritos, foram, então, ambos acusados denunciados como incursos nas sanções dos arts. 33, caput, c/c 40, I, e 35, todos da Lei nº 11.343/06. A autoria e a materialidade delitivas, a despeito da negativa de autoria por parte dos apelantes, estão sobejamente comprovadas, pelas provas acostadas aos autos: auto de prisão em flagrante (fls. 02/03 do inquérito policial em apenso), auto de apresentação e apreensão (fls. 15/18 do inquérito policial em apenso), laudo preliminar de constatação (fls. 13/14 do inquérito policial em apenso); interrogatório dos réus Sandro e HUGO (fls. 07/10, em sede policial e fls. 224/231, em sede judicial) e depoimentos testemunhais (fls. 46/51, do inquérito policial em apenso e fls. 232/241, em sede judicial). No que tange à alegação por parte dos apelantes de que em nenhum momento restou caracterizada a tipificação em relação à causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06, é de se manter a aplicação do referido artigo da lei, haja vista terem sido os apelantes que articularam a operação de transporte – do Brasil para Portugal - da droga por Sandro, o que resultou, inclusive, na prisão deste e de HUGO e, posteriormente, na decretação da prisão preventiva de MAFALDA. Assim sendo, não há que se cogitar, in casu, como intentaram os apelantes, o fato de não haver provas suficientes para embasar a condenação de ambos, porquanto, conforme já foi demonstrado, há nos autos variados elementos de prova capazes não só de demonstrar a prática delituosa por parte deles como também de justificar a condenação que lhes foi imposta. Apenas a título de ilustração, verifica-se relevante transcrever alguns trechos dos depoimentos das testemunhas de acusação: M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 11 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE “QUE participou da prisão de Sandro Miguel; que a droga estava sendo acondicionada no forro lateral de sua mala. QUE a disposição da droga era semelhante à de outro flagranteado (Luís Eduardo); QUE Sandro entregou Hugo e Mafalda, afirmando que Mafalda era quem tinha o contratado em Portugal; (...) QUE o depoente perguntou se Sandro sabia localizar Hugo; QUE Sandro disse que saberia localizar Hugo e acompanhou a equipe policial até o endereço de Sandro e, depois, até um condomínio no Dragão do Mar; QUE nesse condomínio o depoente falou com o porteiro, o qual interfonou para Hugo afirmando que havia um taxista lhe esperando; QUE Hugo desceu e foi preso, quando afirmou que dos três quilos transportados por Sandro, um pertencia a ele (Hugo); (...) que Hugo disse que comprara o quilo da droga, que lhe pertencia, por quinze mil reais e venderia na Europa por vinte e cinco mil euros (...). Francisco Rodrigues do Nascimento – policial federal. (fls. 234) (...)QUE a investigação se deu a partir da prisão de Luiz Eduardo no aeroporto de Fortaleza; QUE Luiz Eduardo iria transportar drogas para Portugal, tendo sido aliciado por um português, em uma sala de bate-papo; (...) QUE foi apresentada uma foto de Hugo Miguel a Luiz Eduardo, que acabou reconhecendo-o como sendo o português que havia lhe contratado; QUE através do Hugo chegou ao nome de Mafalda; (...) QUE requereu a prisão de Hugo e Mafalda; QUE nesse meio tempo da investigação o APF Rodrigues efetuou a prisão de Sandro; QUE Rodrigues achou que a forma de acondicionamento da droga era muito semelhante à usada por Luiz Eduardo; (...) José Glayston Araújo dos Santos – Delegado da Polícia Federal. (fls. 232).” Por conseguinte, não merece reparos a sentença de 1º grau, que condenou os apelantes à prática dos crimes tipificados no art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006. A propósito, frise-se que as condutas dos apelantes também ensejariam a incidência das penas do art. 35 da referida lei, pois restou demasiadamente comprovado o animus associativo dos dois réus, ora recorrentes - nas investigações, tanto é assim que a polícia federal pôde concluir que os acusados já haviam praticado as mesmas condutas pouco tempo antes, o que resultou, inclusive, na prisão em flagrante de outro “transportador” da droga e no pedido de prisão de HUGO e MAFALDA. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 12 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE No entanto, no que diz respeito à acusação pela prática do crime de associação previsto no art. 35 da Lei nº 11.343/06, apesar de não existir dúvida sobre o enquadramento da conduta praticada pelos acusados nas penas desse artigo, o juiz de 1º grau entendeu por bem reconhecer a litispendência, extinguindo a punibilidade em relação à de tal delito, porquanto os acusados já tinham sido condenados pela prática de tal crime de associação para o tráfico em outra ação penal (nº 2009.81.00.0002238, tramitando na 11ª Vara Federal do Ceará) - o que caracterizaria a ocorrência de um crime único - nos seguintes termos, verbis: “Sobre a configuração de crime único, o TRF da 4ª Região esclareceu que 'se o acusado já foi processado e condenado por associação para o tráfico, com a mesma estrutura criminosa e pela prática de atos próximos no tempo, há crime único, devendo ser reconhecida, conforme o caso, a litispendência ou a coisa julgada' (TRF4, AC 20037104009835-1/RS, Amir Sarti, 8ª T., u., DJ 16.1.2002). Assim sendo, ante a identidade de partes (réus Mafalda e Hugo Miguel) e de objeto (crime de associação para o tráfico), além da proximidade temporal dos fatos, haja vista que Luiz Eduardo Amaral Moreira foi preso em flagrante delito em 8.1.2009 e Sandro Miguel no dia 9.2.2009; considerando que a contextualização fática em que se perfizeram as conditas acionadas no processo em epígrafe e no de nº 2009.81.00.000223-8 é idêntica, (...) reconheço que há litispendência nesta ação penal quanto ao crime do art. 35 da Lei nº 11.343/2006”. (fls. 322) Ainda, com base no conjunto probatório dos autos, é de se concluir que, no tocante à alegação de erro de tipo e ausência de dolo quanto ao núcleo “transportar”, do art. 33, caput, da Lei nº 11. 343/06, mais uma vez não merece prosperar os argumentos dos apelantes. Nesse sentido, no que se relaciona à incumbência probatória que assiste às partes, na relação processual penal, vem a propósito a lição de Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha (ob. cit., p. 11), in verbis: “Ao acusador cabe o ônus de provar os fatos constitutivos. No campo penal os fatos constitutivos dizem respeito à tipificidade e à autoria. Vale dizer, ao órgão acusador cabe provar a existência de um fato previsto em lei como ilícito penal e o seu realizador, isto é, demonstrar a existência concreta do tipo e de sua realização pelo acusado. Portanto, à acusação cabe o ônus probatório M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 13 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE relativo a: a)existência de um fato considerado ilícito penal por força de lei; e b) realização do fato por ação atribuível ao denunciado”. ................................................................................... “Admite-se o dolo como presumido porque incluído entre as chamadas “circunstâncias concomitantes” referidas por Liebman, portanto, existentes desde que provado o fato específico. Vale dizer, uma vez provados pela acusação o fato e a autoria, emerge o dolo como uma conseqüência decorrente. O Pretório Excelso (RTJ, 46:273) e o Egrégio Tribunal de Alçada Criminal (JATACrim, 23:255) já afirmaram que, como decorrência da demonstração por parte da acusação do fato e da autoria, presume-se o dolo, cabendo ao incriminado demonstrar a sua ausência”. (destaquei) E o que não dizer da lição de Fernando de Almeida Pedroso, em sua obra “Direito Penal”, Ed. Leud, 2ª ed., 1997, p. 417, nos seguintes termos: “Elemento de natureza interna e subjetiva, o animus (intenção) que conduz o agente ao crime, por obter nascedouro nos recônditos de sua alma e na sua indevassável mente e inexplorável pensamento, assumese como dado de difícil perquirição e dificultosa constatação. Não obstante árdua e escabrosa que ressurte a “exploratio mentis”, certo é que o dolo que anima a ação do sujeito ativo encontra elucidação e esclarecimento, via de regra, por circunstâncias e elementos fáticos de índole objetiva. Dessa maneira, e de rigor, o elemento subjetivo do crime é denotado pelas circunstâncias objetivas que circundaram o evolver do episódio”. No mesmo oriente, Paulo Heber de Morais e João Batista Lopes, em sua obra “Da Prova Penal”, Ed. Copola, 2ª ed., 1994, p. 36, ao nos dar conta dos seguintes critérios: “...b) o ônus da prova das excludentes de criminalidade (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito cumprimento de dever legal) e das causas de isenção de pena incumbe ao acusado; (...)” “(...) d) provadas a materialidade e a autoria pela acusação, ao réu incumbirá, em regra, demonstrar não ter agido com dolo”. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 14 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Por certo, não é por outro motivo que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 704.188, sob relatoria da Min. Laurita Vaz, assim assentou: “In casu, o ônus da prova caberia à defesa para demonstrar a ocorrência do elemento subjetivo alegado em seu favor. Ausência de violação ao art. 156 do Código de Processo Penal.” (DJU 08.05.2006, p. 273). Assim sendo, percebe-se que as provas dos autos não revelam ausência do dolo nem está presente o erro de tipo. Cabia à defesa, portanto, o ônus probatório dos aludidos erro de tipo ou ausência de dolo, o que não ocorreu, in casu. É de se concluir que, ao contrário da acusação, que se pautou em provas materiais e testemunhais por demais consistentes, o mesmo não se pode dizer da defesa, que se limitou apenas a fantasiar os fatos, sem, contudo, apresentar provas robustas e suficientes. Em suma, no caso dos autos, sobretudo quando concluída a fase das investigações policiais, findou comprovada a atuação dos acusados no crime de tráfico internacional de entorpecentes. No que tange aos critérios de aplicação da pena, in casu, conclui-se que a decisão a quo igualmente imerece reparos. Os recorrentes requereram a nulidade da sentença, alegando que não existiu fundamentação na análise das circunstâncias do art. 59, do CP, além do fato de que teria havido excesso por parte do magistrado de 1º grau na aplicação do quantum da pena. Todavia, o magistrado a quo, quando da aplicação da pena-base, clara e expressamente analisou e justificou as circunstâncias judiciais, sendo consideradas desfavoráveis a culpabilidade, a conduta social, o motivo, a natureza e a quantidade da droga, conforme se constata pela transcrição de trechos da sentença: “HUGO MIGUEL DOS SANTOS ANDRADE E SILVA Analisando as diretrizes do art. 59, CP c/c art. 42, da Lei nº 11.343/06, denoto que a culpabilidade do réu, entendida como a reprovabilidade da sua conduta, é desfavorável por tratar-se de pessoa de classe média, proveniente de país desenvolvido (Portugal) e que possuía a exata dimensão de quão prejudicial é o efeito do uso de drogas no organismo humano, tendo consciência do poder viciante da cocaína. Inexistência de maus antecedentes. Sua conduta social é insatisfatória, uma vez que o caso em baila não foi um fato M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 15 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE isolado na vida do réu, o qual se envolveu na prática do crime apurado no processo nº 2099.81.00.000223-8. Personalidade do agente sem meios de aferição. Motivos desfavoráveis representados pela busca do lucro. Natureza lesiva da droga (cocaína). Quantidade considerável de cocaína apreendida na mala de Sandro Miguel, que foi preparada por Hugo (3.480g – três mil quatrocentos e oitenta gramas). Pelas circunstâncias preponderantemente desfavoráveis, sobretudo a natureza e quantidade da droga, fixo a penabase em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. (...) (fls. 323) (grifos originais). MAFALDA CORREIA PIRES VIANA Analisando as diretrizes do art. 59, CP c/c art. 42, da Lei nº 11.343/06, denoto que a culpabilidade da ré, entendida como a reprovabilidade da sua conduta, é desfavorável por tratar-se de pessoa de classe média, proveniente de país desenvolvido (Portugal) e que possuía a exata dimensão de quão prejudicial é o efeito do uso de drogas no organismo humano, tendo consciência do poder viciante da cocaína. Inexistência de maus antecedentes. Sua conduta social é insatisfatória, uma vez que o caso em baila não foi um fato isolado na vida da ré, o qual se envolveu na prática do crime apurado no processo nº 2099.81.00.000223-8. Personalidade do agente sem meios de aferição. Motivos desfavoráveis representados pela busca do lucro. Natureza lesiva da droga (cocaína). Quantidade considerável de cocaína apreendida na mala de Sandro Miguel, que foi preparada por Hugo (3.480g – três mil quatrocentos e oitenta gramas). Pelas circunstâncias preponderantemente desfavoráveis, sobretudo a natureza e quantidade da droga, fixo a penabase em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de reclusão. (...)” (fls.323/324) (grifos originais). No que tange às demais fases de aplicação da pena, in casu, conclui-se que a decisão a quo também não merece reparos. Como se sabe, o Código Penal Brasileiro prevê, em seu art. 68, o sistema trifásico de aplicação da pena, in verbis: “Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.” M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 16 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Assim sendo, na primeira fase é fixada a pena-base, em cuja oportunidade são atendidas as circunstâncias judiciais, no quantum necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime; em seguida, são consideradas as circunstâncias legais que atenuam ou agravam a pena, inscritas nos arts. 65 e 61 do Código Penal; e por último, incidem as causas de diminuição e de aumento (minorantes e majorantes), fixadas em níveis percentuais. Quanto à fixação da pena-base, esta deve atender aos critérios discriminados no art. 59, caput, do Código Penal c/c o art. 42 da Lei nº 11.343/06, por se tratar de tráfico internacional de entorpecentes, consoante se depreende: “Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime...” “Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”. Observe-se que os critérios de conduta social dos apelantes depõem em seu desfavor, conforme destacou o juiz, na sentença de primeiro grau. No tocante à quantidade de substância entorpecente que seria transportada à Europa, esta pode ser, sem dúvida, considerada de grande monta. Em síntese, da análise dos critérios inserto no art. 42 da Lei Antidrogas, incidem sobre os apelantes circunstâncias desfavoráveis, quais sejam: além da conduta social dos agentes, consideradas reprováveis, a natureza da substância que seria traficada e o seu grau de periculosidade, haja vista que estudos científicos comprovam: “cocaína vicia com apenas três a quatro doses”. Acrescente-se a isso os efeitos físicos e psíquicos causados pela droga apreendida em poder do apelante, segundo especialistas: “O uso continuado da droga modifica a estrutura dos neurônios, causando lesões irreversíveis. Por ser um potente vaso constritor, a cocaína provoca o estreitamento dos vasos sangüíneos do cérebro e do coração, prejudicando as atividades cerebrais e aumentando o risco de derrame cerebral e de ataque cardíaco. (...) Pode causar comportamentos violentos e paranóicos, mais freqüentes quando a droga é consumida em excesso.” (Disponível em: http://www.klickeducacao.com.br/2006. Acesso em: 03/07/08). M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 17 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Ademais, como bem lembra Damásio de Jesus: “A imposição da pena está condicionada à culpabilidade do sujeito. Na fixação da sanção penal, sua qualidade e quantidade estão presas ao grau de censurabilidade da conduta (culpabilidade)” (In “Direito Penal”, vol.1, 23ª edição, pág. 584). Assim, verifica-se da leitura da decisão recorrida, que o Juiz a quo, quando da dosimetria da pena, atentou para todos os comandos legais já mencionados, levando em consideração, por exemplo, os motivos (busca de lucro) e as circunstâncias (a forma de acondicionamento da cocaína) do crime, e a como a quantidade da substância entorpecente apreendida, fatos que se prestariam a justificar plenamente a fixação da pena acima do mínimo legal. Dessa forma, diante da existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis previstas no artigo 42 da Lei 11.343/06, a pena-base aplicada ao caso sub examen haveria mesmo de ser acima do mínimo legal, como nos ensina Paganella Boschi (In: Das Penas e seus Critérios de Aplicação. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 187/188 e 221/223): “Pena-base, enfim, é aquela que atua como ponto de partida, ou seja, como parâmetro para as operações que se seguirão. A pena-base corresponde, então, à pena inicial fixada em concreto, dentro dos limites estabelecidos a priori na lei penal, para que, sobre ela, incidam, por cascata, as diminuições e os aumentos decorrentes de agravantes, atenuantes, majorantes ou minorantes”. E mais adiante - ao tratar das regras jurisprudenciais para a fixação da pena-base - assim arremata: “2ª) Quando algumas circunstâncias judiciais forem valoradas negativamente (ou desfavoravelmente ao réu), a pena-base deverá ser quantificada um pouco acima do limite mínimo cominado. ..................................................................................... Então, mesmo sem examinarmos, aqui, a regra nº 3, mas tendo presente a função que ela exerce de conter o jus puniendi no limite superior possível – denominado de termo médio -, outra conclusão não seria possível senão esta: a valoração negativa de algumas circunstâncias judiciais listadas no art. 59 ensejará pena-base no quantum que corresponde ao ponto intermediário ou médio entre o mínimo cominado em abstrato e o termo médio do fato-crime em julgamento, ao qual alude a regra seguinte. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 18 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE 3ª) Se o conjunto das circunstâncias judiciais for desfavorável, a pena-base, refletindo grau máximo de censura, aproximar-se-á do “termo médio”. ..................................................................................... Essa expressão (“termo médio”) não está mais prevista em lei. Sua sede era o inciso I do art. 47, cuja redação original sinalizava fixação da pena-base no termo médio ao reincidente. Inobstante isso, ela vem sendo mencionada em muitos precedentes com aquele sentido proposto pelo citado dispositivo legal: o resultado da divisão por dois do produto da soma do mínimo com o máximo de pena cominados em abstrato ao crime. ..................................................................................... Em que pese a imprevisão legislativa e a alegação de resultante impossibilidade de uso do critério termo médio, nossa opinião é de que ele desempenha ótima função na contenção de excessos e que pode e deve continuar sendo adotado.” Por conseguinte, se levarmos em consideração as regras acima transcritas e que, no caso em tela, mais de uma circunstância judicial restou desfavorável ao acusado, agiu acertadamente o Juízo a quo ao fixar o quantum da pena-base um pouco acima do mínimo legal cominado, qual seja: 6 (seis) anos e 5 (cinco) meses para HUGO MIGUEL e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses para MAFALDA. Por fim, no que tange ao pedido de reformulação da sentença para o fim de isentar os apelantes do pagamento da pena de multa que lhes foi imposta, dada a situação econômica de ambos, melhor sorte não assiste à defesa. Ora, é certo que, existindo expressa previsão legal quanto à cumulação da pena privativa de liberdade e de multa, tal como ocorre no crime de tráfico descrito no art. 33 da Lei nº 11.343/06, não poderá o juiz, à ausência de qualquer amparo legal, isentar o réu do pagamento da pena de multa a ser cominada cumulativamente com a pena privativa de liberdade. Como se sabe, as hipóteses de isenção da pena devem estar expressas, pelo que somente seria admitida a eventual exclusão desse tipo de penalidade em razão da condição econômica do acusado caso houvesse expressa previsão legal nesse sentido, a exemplo do que ocorre com a causa de isenção de pena prevista no art. 45 da Lei nº 11.343/06. M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 19 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE Como se vê, a decisão monocrática, levando em consideração as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, condenou os réus ao pagamento de multa cumulada correspondente a 500 (quinhentos) dias-multa, fixando cada dia-multa na fração de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, portanto, a multa cominada foi aplicada no limite mínimo legal previsto no art. 33 da Lei nº 11.343/06, qual seja o de 500 (quinhentos) dias-multa. No que diz respeito aos critérios para a fixação da pena, a nova Lei Antidrogas assim disciplinou a matéria: Art. 42. O juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Art. 43. Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo. Ora, no caso dos autos, não há como negar que, quando da aplicação da pena de multa, foram devidamente observados todos os critérios atinentes à espécie, inclusive no que diz respeito ao valor fixado no mínimo legal para cada dia-multa, levando em consideração, como bem apontou o Juiz de 1o grau, “a inexistência de dados concretos sobre a situação econômica dos réus”. Sobre essa simetria que deve existir entre a pena de multa e a privativa de liberdade, confiram-se os ensinamentos de José Antonio Paganella Boschi (in “Das Penas e seus Critérios de Aplicação”, Livraria do Advogado Editora, 2004, p.352/353), verbis: “Então, como é a culpabilidade que fundamenta e limita a pena, isto significa dizer que o juiz graduará a multa do mesmo modo como graduou (ou graduaria, na hipótese de aplicação da multa isolada) a pena privativa de liberdade: culpabilidade em grau mínimo, número de dias no mínimo ou próximo dele; culpabilidade em grau médio, um pouco acima e culpabilidade extrema, número de dias na direção do limite máximo. .................................................................................... Se, pelo reverso, ao exame da culpabilidade, em conjunto com as circunstâncias judiciais, se evidenciar a necessidade de pena privativa distanciada do mínimo M in is tér i o P ú b lic o F ed er a l Pr oc ur a d or i a R e gi o na l d a R ep ú bl ic a – 5 ª Re g iã o 20 PROCESSO nº 2009.81.00.000264-0 ACR 6851 - CE cominado, afigurar-se-á contraditório – e assimétrico – procedimento individualizador da multa em quantidade de dias-multa minimamente distanciado do piso de 10 dias!” Desta forma, a pena de multa aplicada in casu deverá ser mantida, inclusive no tocante à sua dosimetria, que não deixou de levar em consideração a simetria que se deve guardar com o grau de culpabilidade auferido pelo Juiz sentenciante, quando da fixação da pena privativa de liberdade. Pelo exposto, nada mais resta a fazer, senão opinar pelo improvimento dos recursos de apelação ora interpostos, o que significa manter, em todos os seus termos, a decisão do Magistrado de 1º grau. É o parecer, sem prejuízo de entendimento outro, como é próprio da seara jurídica. Recife, 10 de agosto de 2009. FRANCISCO CHAVES DOS ANJOS NETO Procurador Regional da República FCAN/APS 2153.2009 (Acr.Tráfico Internacional.Tóxico.Associação.Pena).doc