O ENSINO DE ARTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: orientações metodológicas Adriana. Valéria Pessoa Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Cláudia Regina dos Anjos Prefeitura Municipal de Belo Horizonte Este ensaio se constitui de reflexões que foram sendo elaboradas ao longo da prática pedagógica das autoras no ensino da Arte e, particularmente quando da construção das proposições curriculares para o ensino de Arte na Educação de Jovens e Adultos – EJA, no ano de 2008. O que se configurou num desafio, especialmente para nós, educadoras da rede municipal de Belo Horizonte. E desafio este que remonta às várias lutas e movimentos pelo ensino da Arte no país e pela Educação de Jovens e Adultos. Esta proposta aqui se configura como uma indicação de material didático para o campo do ensino da Arte na EJA. Esta proposta foi realizada junto aos educadores da EJA a partir da reflexão do trabalho já realizado em Arte, nas diversas turmas, que funcionam em diferentes espaços da cidade. Tendo como referência a Abordagem Triangular, vários momentos de reflexão e estudos foram desenvolvidos com os educadores, envolvendo inclusive o fazer artístico. Essa metodologia de trabalho teve como centralidade, o processo do educando, uma vez que os sujeitos jovens e adultos trazem consigo conhecimentos próprios acumulados ao longo de suas vidas como trabalhadores, pais, mães, avós, avôs, enfim, como sujeitos sócio-culturais e políticos que são. A partir dos primeiros depoimentos dos educadores para a construção das proposições curriculares para o ensino da Arte na EJA percebemos que a formação dos educandos ainda está pautada na lógica da educação seriada, o conteúdo é ainda a centralidade do processo educativo do educando. Por um lado, é compreensível pelo fato da demanda dos estudantes se apresentarem ainda como “recuperação do tempo perdido”. Por outro lado, ainda há uma dificuldade de trabalhar uma organização escolar sem a lógica das séries, graus, grades, avaliações acumulativas e reprovações. A partir da experiência dos educadores da EJA e dos princípios colocados, foi feita a proposta do eixo: Expressões Artísticas e Identidades. Entendemos que o trabalho deveria partir da busca da consciência de si próprios e da valorização de suas “identidades”. Pois são os educandos seres humanos, ou seja, dotados de suas culturas, seres sociais e políticos, sobretudo, cidadãos; pessoas que trazem consigo uma série de características e capacidades, como a etnia, idade, histórias de vida, talentos, a percepção estética, a ética, suas limitações etc. Um estudo que considere todo esse manancial atrelado, sobremaneira ao estudo da Arte, que iremos explicitar mais adiante. No decorrer do processo, algumas questões foram colocadas: Como a Arte e as expressões artísticas estão sendo compreendidas e desenvolvidas no contexto de ensino? Como as expressões dos jovens e adultos estão sendo potencializadas? Que trabalhos estão sendo e podem ser realizados? No desenrolar dos trabalhos, a Arte como conhecimento e expressão possibilitou a busca da ampliação da percepção estética, com as implicações das identidades, também já colocadas. De maneira dialógica, junto aos educadores da EJA, tendo na Abordagem Triangular seus referenciais teóricos e metodológicos. Dentre as etapas, foram realizadas: o fazer arte (experiências em oficinas), reflexões a partir de textos, e em diversos momentos, explicitando conceitos básicos da arte e a contextualização no tempo e espaço (estudo de determinados períodos da história da Arte tecendo paralelos com o contemporâneo). Os estudos da Arte na EJA, nesse viés, constituem conhecimentos e saberes que perpassarão pelos “sujeitos”, com suas histórias de vidas, seus cotidianos etc. criando uma teia, textura ou tessitura de possibilidades que terão nas expressões artísticas um novo tônus ou nuances para o ensino de forma significativa. A proposta buscou, assim, aprofundar os modos de como os educadores da EJA compreendem a arte como área de conhecimento, bem como a sua inserção na organização do trabalho e nas práticas cotidianas, a partir das identidades dos sujeitos estudantes. Este artigo configura-se em um ensaio a partir da construção das proposições curriculares das Expressões Artísticas e Identidades para a educação de Jovens e Adultos da Rede Municipal de Belo Horizonte/MG. A coordenação da EJA da Secretaria Municipal de Educação organizou equipes, que seriam compostas de assessores internos e externos, e contariam com pessoas que já tinham um trabalho relevante em sua área de formação e atuação. É importante ressaltar que a Arte contou apenas com pessoas da própria rede. Depois de vários encontros foram definidos os tópicos para cada área do conhecimento, e posteriormente, designados eixos. Estes foram apresentados aos educadores, que, por sua vez, deveriam escolher uma área de maior interesse e dessa forma, participar da oficina e da construção das Proposições Curriculares para a EJA da RMBH. Um grupo de 60 pessoas optou pela área de Arte, no eixo Expressões Artísticas e Identidades. Essa construção, realizada de agosto a dezembro de 2008, permitiu a compreensão da realidade de como está se dando o ensino de Arte na EJA/RMBH, no seu tempo e espaço e no seu contexto, na qual foram usados procedimentos e técnicas tais como a apresentação e justificativa da escolha do tema; debates; fazer artístico; coleta de depoimentos orais; pesquisa documental junto à produção sobre Arte/Educação e ensino da Arte; reflexão do fazer e das produções artísticas dos educadores; contextualização e debates a partir de algumas obras de grandes artistas, gerando paralelos e questionamentos diversos, quando dialogadas com os próprios trabalhos; relatos de experiência e construção da proposta. Neste ensaio privilegiamos a metodologia porque consideramos importante a reflexão como uma indicação de material didático para o campo de ensino da Arte na EJA. Em que pese o texto completo da Proposta Curricular abranger uma fundamentação teórica tanto da Arte como da Proposição Curricular para EJA, que será publicado até o final de 2010. 1- Metodologia Na contemporaneidade, a Arte/Educação tem buscado novos paradigmas, implicando a arte como cognição: reflexão, crítica e compreensão histórica, social e cultural da Arte nas sociedades. Essa proposta vem afirmando a abrangência cultural se refere a um posicionamento teórico-metodológico sistematizados por Ana Mae Barbosa, conhecido entre nós por Abordagem Triangular, que implica na Arte/Educação pós-moderna que favorece abordagens contextualistas, instrumentalistas, de fronteira de culturas e interdisciplinar para o estudo da arte, no seu bojo traz questões internas e externas para a discussão e a forma não é o seu único propósito (MASON, 2001). Em outras palavras, a Proposta Triangular, como Ana Mae tem, também, mencionado , quer dizer reflexão crítica e compreensão histórica, social e cultural da Arte nas sociedades e a elaboração artística. Nesse sentido, três elementos são indispensáveis no ensino da arte, sintetizando essa proposta: o fazer artístico, a reflexão desse fazer e a contextualização da obra de arte no tempo e espaço. Esses elementos desenvolvidos conjuntamente e a partir/com as culturas dos sujeitos, em conexão com suas respectivas vidas fazem da Arte/Educação sua principal razão de existir e se efetiva no processo de formação humana. Foi proposto, dessa forma, o desenvolvimento desses elementos conjuntamente e a partir das culturas, conseqüentemente, dos sujeitos em conexão com seus cotidianos fazendo com que a Arte/Educação em sua principal razão de existir, se efetive no processo de formação humana de maneira holística. 2- Desenvolvimento O ponto de partida foi a investigação do sujeito em relação a si próprio. Para isso houve a sensibilização, que ocorreu a partir da exposição de objetos significativos, fotografias e da música. Dessa forma, criou-se um ambiente de aconchego e respeito em que fragmentos de memórias se traduziram em pequenas histórias pessoais de vida e sendo foram narradas. Um processo que, como tal, ocorreu gradativamente, a partir do conhecimento do grupo e do grau de confiança estabelecido. Dos relatos passou-se à produção de textos e de desenhos, pois imbuídos da emoção trazida pelas memórias, esta forma de expressão foi muito significativa. Os desenhos posteriormente foram expostos na roda para apreciação e discussão. Houve acompanhamento de cada educador/aluno nessa etapa, ação considerada de fundamental importância, no desenvolvimento e realização dos trabalhos, pois as reações eram as mais diversas possíveis: para alguns significou tranqüilidade e alegria, para outros, motivo de tensões e dificuldades, por isso, a observação e o respeito estiveram sempre presentes. Na continuidade, o foco se deu “no outro”. Aqui também foi desenvolvida a investigação por meio de pesquisas em que foram criados diversos instrumentos: elaboração de fichas para cadastro de artistas ou de grupos, elaboração e realização de entrevistas com artistas locais etc. Foi realizado também, o registro por meio de imagens. E a partir daí, várias indicações foram feitas, como a de produção de audiovisuais, que de acordo com a sua relevância e qualidade, deveria ser apresentado à turma e/ou comunidade. Como uma forma de valorização e agradecimento às contribuições dadas. Neste caso, os trabalhos digitalizados foram apresentados para o grupo de educadores que o produziu. De acordo com as discussões e relatos dos educadores, a produção artística do educando da EJA nesse processo ocorre de maneira integrada, nos diversos momentos do trabalho. Então a partir dos estudos sobre a teoria contemporânea para o ensino de arte e de acordo com os interesses pessoais, foram elencados temas e/ou conteúdos: estudos de objetos trazidos pelos educandos, observação e realização de desenhos e pinturas de paisagens naturais e/ou construídas, produções diversas a partir: da história da formação do povo brasileiro, das etnias que constituem o nosso povo, da integração com os esportes, dos sentimentos, da mídia, dos sons, dos movimentos, das cores, do cinema, das comédias, dos romances, da vida e de estudos das obras de artistas já consagrados e de artistas populares, bem como estudos sobre alguns períodos da história da Arte, de acordo com o trabalho a ser desenvolvido etc. Vale ressaltar que, nessa proposta é preciso priorizar, fazer escolhas e para tanto, o processo precisa ser dialógico, tendo em vista, a consciência do papel do professor, a sua orientação, o incentivo e o olhar sensível, para saber qual o momento para cada ação. Na seqüência, passou-se à escolha de técnicas e tecnologias, ou seja, os modos de realizar os trabalhos expressivos. Nessa tarefa, cabe ao educador, a partir de sua formação, definir e oferecer um maior número de possibilidades, para que o educando possa se identificar mais com esta ou aquela forma, e assim descobrir o prazer de ser produtor de arte. No entanto, esse processo deve ser dosado, de forma gradativa de complexidade, para que cada um sinta-se capaz. De acordo com nossa interpretação, essa proposta faz analogia a um círculo em movimento, que acaba na espiral; é um ir e vir constante: o educador, o educando, o trabalho, a história, a cidade, as tecnologias, as produções dos educandos etc. criando condições para que cada um atue como atores na construção de seu conhecimento e desenvolvimento da autonomia. No contemporâneo, a Arte/Educação busca reflexões sobre o “fazer artístico”, não é mais a “arte pela arte”. Por isso as produções devem ser apreciadas, trazidas para fruição, comentadas. E para se criar um diálogo maior, de mão dupla, em que se amplie a percepção estética é necessário recorrer aos livros, especialmente à história da Arte, aos conceitos, às imagens, vídeos, às visitações: a arte das galerias, dos museus, dos muros, das ruas etc. Pode-se, inclusive trazer artistas para sala de aula, com algumas obras e/ou apresentações. Dessa forma é possível tecer paralelos, fazer comparações e desenvolver efetivamente o gosto pela arte, a elevação da auto-estima e a ampliação do conhecimento de um modo geral. De acordo com Barbosa: [...] Não é possível o desenvolvimento de uma cultura sem o desenvolvimento das suas formas artísticas. Não é possível uma educação intelectual, formal ou informal, de elite ou popular, sem arte, porque é impossível o desenvolvimento integral da inteligência sem o desenvolvimento do pensamente divergente, do pensamento visual e do conhecimento presentacional que caracterizam a arte (Trechos extraídos de entrevista com Ana Mae Barbosa concedidas a Agência Repórter Social, jornalista Flávio Amaral, e Museu de Arte Contemporânea da USP). A escola, dessa forma, deve procurar não só compreender, mas, especialmente, reconhecer esses sujeitos a partir da sua origem social, idade, sexo e experiências vivenciadas. Portanto, constituir-se como uma instituição heterogênia, não mais uma simples transmissora de conhecimentos, centrada na competição dos resultados da aprendizagem, na lógica da educação bancária criticada veemente por Paulo Freire (FREIRE, 2003). Dessa forma, é necessário que a escola assuma seu papel e implique e considere que os educandos da EJA são sujeitos de direito, com experiências, formas de sociabilidade, de atuação e de percepções próprias. Portadores de novas identidades coletivas manifestam o desejo de construir novas identidades individuais; são sujeitos que possuem o gosto pela vida (Parecer da EJA, 2003). Dayrell (1996), localiza a urgência de se pensar em uma nova escola, uma nova organização, uma nova concepção de educação em que os sujeitos sejam a centralidade de processo escolar. Para dialogarmos com esse conceito de educação e de escola, na contemporaneidade, lançamos mão do conceito de cultura do antropólogo Cliford Geertz (1989), a cultura como sistemas simbólicos. Mais especificamente, “como sistemas entrelaçados de signos interpenetráveis” (GEERTZ, 1989, p. 10). Pensando nessa dimensão, a cultura é um campo de significados, valores e sentidos e não [...] um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 1989, p. 10). Portanto, para compreender a cultura de um povo, segundo Geertz, fazse necessário que a conheçamos e que seja tornada pública sem, no entanto, reduzir a sua complexidade. Nesse sentido, o autor nos alerta que, para a compreensão da cultura, não é necessário trabalhar para a “descoberta do continente dos significados e o mapeamento da sua paisagem incorpórea” (GEERTZ,1989, p.14). Assim, para ele, a análise cultural seria “(ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas (GEERTZ, 1989, p. 14). Nesse aspecto, as questões apresentadas pelos educadores apontam para os significados, valores e sentidos do ensino da Arte na Educação de Jovens e Adultos: • • • • Possibilidade de ampliar a possibilidade e o campo imagético dos estudantes a partir dos objetos cotidianos. Objetos utilitários e cotidianos como detonador do ensino da arte. Liberdade, caminho e trabalho possível em sala de aula. Diversidade de materiais propicia olhares diferenciados e um encontro com a histórica identitária. • • Vinculação da arte e da cultura. Relação com o trabalho, à cultura e a identidade. Partindo desses apontamentos, a educação, sobretudo, a educação de jovens e adultos, não comporta mais a organização por meio de grades curriculares estanques, conteúdos programados para cada ano série e, principalmente, a expectativa de que todos os estudantes tenham que aprender no mesmo tempo/espaço e da mesma forma. Dessa forma, afirmamos que a arte é um elemento fundamental na formação humana. E a educação escolar, com a função de sistematizar e construir o conhecimento, de contribuir para a formação e socialização do indivíduo, torna-se privilegiada para propiciar momentos e movimentos do ensino da arte. Pensamos que esse é um ponto instigante para discutir, pois, que ações foram e estão sendo desenvolvidas para que a população, de modo geral, tenha acesso a esse legado da humanidade? Segundo Ostrower (1998), a origem da arte se confunde com a existência humana. Nestor Garcia Canclini (1984) afirma que [...] diferentes caminhos da arte contemporânea permitem apreciar seus vasos comunicantes e sua riqueza polifônica. [...] A importância adquirida, na formação do gosto, pelos novos meios de comunicação – os cartazes, a televisão -, a irrupção de produtos da cultura popular, junto com as classes que lhes dão origem, obrigam a ampliar o campo da arte, não só os objetos e mensagens, mas todas as atividades nas quais se realizam a produção, a circulação e o consumo do gosto, da fruição sensível e de sua elaboração imaginária. O estudo da arte abrange, hoje, a análise das obras tanto quanto a das transformações de seu sentido, realizadas pelos canais de distribuição e pela variável receptividade dos consumidores. Abrange as artes tradicionalmente conhecidas como tais e, também, as atividades não consagradas pelo sistema de belas-artes, ou como as expressões visuais e musicais nas manifestações políticas, ou aspectos da vida cotidiana. A arte, então, deixa de ser concebida apenas como um campo diferenciado da atividade social e passa ser, também, um modo de praticar a cultura. (CANCLINI, 1984, p. 207208, citado por ANJOS, 2008). Nessa perspectiva, a abrangência da arte ganha novos contornos. Elementos da vida cotidiana e dos meios de comunicação, entre outros, colocam em xeque a imponência da arte européia em detrimento de outras, como a arte africana. A arte européia, durante séculos, foi legitimada como a única de valor estético e artístico. Para esse tipo de arte o acesso e apreensão ainda é limitado, principalmente para as classes populares. Porém, com o avanço das tecnologias isso tem se modificado. Até pouco tempo, para se conhecer uma obra de arte era necessário se deslocar até os museus e galerias; atualmente, é possível conhecê-las virtualmente. Ainda hoje o acesso ainda não é para todos. A visão de que esses lugares são somente para conhecedores de arte e para especialistas também foi se constituindo no imaginário das pessoas. Outra questão apontada por Canclini é a possibilidade de ver, fruir e produzir arte, na contemporaneidade, não se restringir aos artistas e as obras consagradas e reconhecidas como tal. Está também, e principalmente, nas expressões e manifestações das comunidades e na vida cotidiana. A exclusividade das obras – poucas em relação ao total da produção cultural –, que reivindicavam seu estatuto como obra de arte, contribuiu muito para a arte vir a ser considerada como a cultura hegemônica. Mas, na visão contemporânea, a arte está mais conectada com a vida das pessoas, bem como seus conhecimentos, expressões e manifestações (ANJOS, 2008). E os “códigos hegemônicos são cada vez mais questionados no seu universalismo”. (BARBOSA, 1998, p. 11). Pensar o ensino da Arte, hoje, pressupõe o reconhecimento de todas as formas de manifestações e expressões como processos de criação de um povo, portanto, arte. E se propomos de fato uma educação libertadora e centrada nos sujeitos a arte é imprescindível no processo de desenvolvimento humano, como nos afirma Ana Mae: ... uma educação não apenas intelectual, mas principalmente humanizadora, a necessidade da arte é ainda mais crucial para desenvolver a percepção e a imaginação, para captar a realidade circundante e desenvolver a capacidade criadora necessária à modificação desta realidade (Trechos extraídos de entrevista pessoal com Ana Mae Barbosa e entrevistas concedidas a Agência Repórter Social, jornalista Flávio Amaral, e Museu de Arte Contemporânea da USP). A partir daí, no que diz respeito ao planejamento e construção de materiais para o ensino de arte na escola, fica explícita a necessidade de organizar, planejar e sistematizar o currículo contemplando a área de conhecimento em Arte. Para isso, conforme nos diz Pimentel: é necessário que o educador tenha uma base teórica que lhe possibilite a amplidão de pensamento, tanto para conhecer os caminhos trilhados por seus/suas estudantes quanto para propiciar momentos significativos que possibilitem encontrar novos processos individuais e coletivos. Entretanto, grande parte dos educadores da EJA formados em outras áreas do conhecimento, deixa muito a desejar em diversos aspectos em relação ao ensino da arte, em sua prática como docente diante das mudanças e demandas contemporâneas da educação; a dicotomia se estabelece, dentre outras, entre o trabalhar com o currículo pronto e rígido e o currículo aberto e mais flexível (ANJOS, 2008). Essa dicotomia se reflete nas práticas pedagógicas de forma contundente quando afirmam que não é trabalhada a parte artística com os estudantes e a dificuldade de desenvolver o trabalho de arte com os jovens e adultos, em função das questões de gênero. Outro ponto de vista nos aponta que é preciso conhecer as diversas concepções de ensino, e mais especificamente, ligadas ao ensino da arte para não cair na armadilha das atividades isoladas sem conexão com a cultura do estudante e o conhecimento historicamente construído pela humanidade ao longo da vida. Em outras palavras, há de se ter o cuidado para não retomar a concepção do ensino de arte como “mera atividade artística”, difundida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei nº 5692/71. Concepção esta considerada por vários estudiosos como esvaziada de conteúdos (FERRAZ e FUSARI, 1993 citado por ANJOS, 2008) e que levou o ensino da arte nas escolas brasileiras, por várias décadas a ficar relegada em último plano, em relação às demais áreas do saber institucionalmente reconhecidas. Por outro lado, as educadoras buscaram nesse trabalho uma ampliação do conhecimento para o ensino da arte, assim como a predisposição para a aprendizagem e construção. Outro aspecto é o que se pensa ser e o que é trabalhado como conteúdo de Arte. Partindo do pressuposto de que a Arte é uma área com conteúdos próprios a serem ensinados para a construção do conhecimento, é necessário que se tenham objetivos, metodologias e intencionalidades bem definidas, para que o estudante consiga compreender a seqüência e a lógica daquilo que se está construindo. Nessa perspectiva, é preciso salientar que a arte é própria do ser humano, e em cada cultura, algo a ser apreendido e desenvolvido processualmente, e não um dom de alguns poucos privilegiados. Entretanto, somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBEN), nº 9394, promulgada em dezembro de 1996, a Arte passa a ser considerada área de conhecimento: “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis de educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (art. 26, § 2º). Enquanto área de conhecimento é necessário que se considerem aspectos formativos como conhecer, apresentar, interpretar, simbolizar e metaforizar, em um contexto de apreciação e valorização, possibilitando ao estudante a construção de conhecimentos que interajam com sua emoção, através do pensar, do apreciar e do fazer arte (Proposta Curricular/MG, 2005). Essa passagem de “atividade artística” LDBEN 5692/71 para ”área do conhecimento” LDBEN 9394/96 é sem dúvida, um avanço e um reconhecimento da importância da arte como dimensão formadora do sujeito. Entretanto, o que parece ocorrer é que os pressupostos da LDBEN 5692/71 ainda estão muito presentes e orientam as práticas docentes, apesar de não mais vigorar (ANJOS, 2008). O que se pretende com a arte no ensino, hoje, é compreendê-la em seus diversos aspectos: contexto social, político e cultural, bem como trazê-la para o debate, a reflexão através de confrontos e/ou analogia com a história construída e acumulada pela humanidade. E tornar os sujeitos envolvidos no processo, cônscios de seu tempo histórico, da importância de suas identidades, do seu papel e envolvimentos neste processo. Assim, é preciso afirmar que a arte é um elemento fundamental na formação humana. E compete à educação escolar, neste caso, a modalidade de educação de Jovens e Adultos, a função de sistematizar e construir o conhecimento, de contribuir para a formação e socialização do indivíduo, tornando-se privilegiada por propiciar momentos e movimentos do ensino da arte. 3- Considerações finais Iniciamos estas considerações reafirmando o prazer que tivemos em participar da construção das Proposições Curriculares para EJA – Expressões Artísticas e Identidades, pois por mais difícil que possa ter sido em alguns momentos, avaliamos que foi um avanço. Acreditamos que construir indicações para o ensino da arte, em conjunto com a formação de professores, não é um empreendimento fácil e isento de tensões, paradoxos e contradições que cercam nossas escolhas. Para isso, fez-se necessário, então, termos sensibilidade para escutar e compreender o que esses educadores estão trazendo. Percebemos, também, para um trabalho significativo para os educandos da EJA é necessário que proponha nova organização dos tempos e espaços de aprendizagem, sobretudo, que se pense e assuma uma nova lógica de pensar o seu papel educativo dessa modalidade de ensino, considerando o processo e trajetórias de cada sujeito, inclusive de educandos. Porque ter o sujeito na sua centralidade, implica em reconhecer os valores, as crenças, as vivências, enfim, as culturas que os sujeitos têm e trazem consigo. Em relação à concepção da arte como área do conhecimento, pudemos observar que para algumas de nossos colegas, é uma concepção que está ainda em construção e para outras, nem sequer tinham a dimensão dessa premissa. No que se refere às práticas pedagógicas, pudemos constatar, através do relato e discussão com os educadores, que embora os conteúdos trabalhados tenham o objetivo de atender o desejo dos educandos e relacioná-los com o contexto e identidades dos sujeitos, o trabalho de arte com os educandos jovens e adultos ainda é um desafio. Outra questão percebida é que o acesso à arte, para a maioria dos educadores, foi na escola, embora tenham freqüentado esporadicamente locais como museus, centros culturais, meios de comunicação, especialmente, a internet, entre outros, configurem-se atualmente como canais mais democráticos de acesso à arte. Declararam que não utiliza a internet como tempo de aprendizagem em arte. No que se refere às práticas pedagógicas, podemos considerar que os conteúdos são trabalhados ainda segundo as técnicas de desenho e pintura, de forma convencional e linear. Não percebemos discussão sobre as obras de arte que os educandos estavam trabalhando, nem mesmo a contextualização, no tempo e espaço, das mesmas. 4- Referencias Bibliográficas ANJOS, Cláudia R. Imagens visíveis, imagens invisíveis: um estudo de caso sobre o ensino da Arte numa escola da rede Municipal de Belo Horizonte. 2008. 135 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte. APARICI, Roberto. Ensino, multimídia e Globalização. Em Arte-Educação, Internet no ensino, Tecnologia e sociabilidade. São Paulo: Editora Moderna, USP, 1999. Coleção Comunicação & Educação. ARROYO, Miguel G. Imagens Quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. 2. ed. 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