Sistema Límbico

Propaganda
Sistema Límbico
Diogo Fraxino Almeida
Neurologista - Universidade Estadual de Maringá
www.neurologiamaringa.com.br
1. INTRODUÇÃO
O sistema límbico é o centro de nossas emoções. O primeiro neurologista
a ligar algumas estruturas do cérebro às emoções foi o francês Pierre Paul
Broca. Ele notou que as amígdalas, as formações hipocampais e os giros do
cíngulos estavam todos relacionados com as emoções. Broca foi o primeiro
cientista a chamar de grande lobo límbico a todas essas estruturas
mencionadas, localizadas em volta do diencéfalo, na região medial dos
hemisférios
cerebrais.
Mais
recentemente,
na
década
de
30,
o
neuroanatomista James Papez descreveu as complexas conexões entre as
estruturas do sistema límbico, descrição que foi aperfeiçoada nos dias de hoje.
Essas conexões formam o circuito anatômico das emoções, semelhantemente
aos circuitos motores e sensoriais já estudados por nós e ficou conhecido como
Circuito de Papez.
A partir dos estudos de Papez, a ciência moderna vem desvendando
vários mistérios desta fascinante, mas ainda em grande parte desconhecida
região de nosso sistema nervoso. O sistema límbico é o responsável pelo
comportamento humano, incluindo nossa personalidade, nossos pensamentos e
forma de ser, nossas reações aos estímulos externos e nossa memória. Apesar
de não haver um acordo entre todos os autores de quais são as estruturas do
encéfalo que formam o sistema límbico, descrevemos abaixo as principais:
- Formação hipocampal (hipocampo)
- Giro parahipocampal
- Giro do Cíngulo
- Amígdala
- Área Septal (área do prazer – sexual, sede e fome)
- Corpos mamilares do Hipotálamo
- Núcleos Anteriores do Tálamo
- Tratos que ligam estas estruturas (fórnix e trato mamilo-talâmico)
- Córtex pré-frontal (região não motora do lobo frontal)
2. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS E FUNCIONAIS
A complexidade anatômica e funcional do sistema límbico é um desafio
para os neurocientistas. As estruturas mais importantes do sistema límbico são
a formação hipocampal e a amígdala. Cada uma delas forma diferentes
conexões com o resto do sistema nervoso, principalmente com o hipotálamo e o
córtex pré-frontal.
A formação hipocampal é a sede do aprendizado e da memória de curto
prazo.
Já a amígdala está relacionada com as emoções e suas diversas
expressões como a raiva e a alegria, por exemplo.
Outro aspecto interessante, apesar de controverso, é a associação das
estruturas do sistema límbico com a olfação. Se lembrarmos da aula de olfação,
veremos que o bulbo olfatório se projeta para a amígdala (emoções dos odores)
e para o córtex piriforme ou periamigdalóide (reconhecimento dos odores),
ambos componentes do sistema límbico. Devido a esta estreita e inexplicada
associação entre o sistema olfatório e o sistema límbico, as estruturas do
sistema límbico foram conhecidas como rinencéfalo ou encéfalo olfatório.
Entretanto, esse termo é pouco utilizado nos dias de hoje. Em algumas
espécies animais como roedores e cães, essa relação é ainda mais estreita.
Nesses animais, alguns aspectos do comportamento emocional, como a reação
de medo ou o instinto sexual estão fortemente associados com certos odores,
conhecidos como feromônios.
O sistema límbico faz importantes conexões com o córtex pré-frontal,
que corresponde à região anterior do lobo frontal, que não tem função motora.
Observou-se que chimpanzés submetidos à ressecção do córtex pré-frontal
não apresentavam nenhuma reação emocional aos estímulos externos. Assim,
não demonstravam alegria nem tristeza, tranqüilidade nem raiva. Baseados
neste e outros estudos, realizava-se no passado um procedimento cirúrgico
chamado leucotomia ou lobotomia frontal para o tratamento de distúrbios
psiquiátricos graves, incluindo ansiedade e depressão. Esse procedimento
consistia na secção das conexões do córtex pré-frontal com o restante do
sistema límbico, particularmente com o tálamo. Entretanto, devido ao grande
número de efeitos indesejáveis da cirurgia, aliados ao surgimento de drogas
modernas para o tratamento das doenças psiquiátricas, este procedimento
felizmente entrou para a história da medicina, não sendo mais realizado.
Aqui cabem algumas considerações com relação às conexões entre o
sistema límbico e o hipotálamo. Se lembrarmos da aula passada, notaremos que
o hipotálamo é o centro de controle do sistema nervoso autônomo. Portanto, o
hipotálamo controla nossas funções vegetativas. Através das conexões límbicas
com o hipotálamo, podemos compreender como respostas emocionais intensas
alteram o funcionamento do nosso organismo. Lembrem-se da resposta
simpática associada com o surgimento da cobra na cantina do Unicenp.
3. A FORMAÇÃO HIPOCAMPAL E A MEMÓRIA
A formação hipocampal está localizada na porção medial e inferior do
lobo temporal, região também conhecida como lobo temporal mesial. Divide-se
em hipocampo, giro denteado e subiculum. Outro nome da formação hipocampal
é corno de Amon.
Formação hipocampal em corte de ressonância magnética
A formação hipocampal possui córtex com apenas 3 camadas, portanto é
um arquicórtex (lembre-se que a maior parte do córtex possui 6 camadas –
neocórtex).
Estudando pacientes que tiveram seus lobos temporais ressecados
cirurgicamente, para o tratamento da epilepsia refratária do lobo temporal, os
neurocientistas aprenderam muito sobre as funções da formação hipocampal.
Um paciente que teve ambos os lobos temporais ressecados perdeu a
capacidade de consolidação da memória de curto prazo para a de longo prazo.
Isto significa que ele perdeu a capacidade de armazenar informações
aprendidas após a cirurgia. Isso é conhecido como amnésia anterógrada.
Entretanto,
interessantemente,
os
fatos
aprendidos
anteriormente
à
ressecção foram preservados. Isto nos leva a acreditar que o hipocampo é uma
das estruturas-chave para o aprendizado e a memória de curto prazo, também
conhecida como memória recente. De fato, a doença de Alzheimer, uma forma
de
demência
cortical,
afeta
predominantemente
os
hipocampos.
Conseqüentemente, a perda da memória recente é o primeiro sinal dessa
temível doença.
A principal aferência do hipocampo é o giro parahipocampal, que capta
informações de outras partes do córtex associativo límbico. Portanto, o giro
parahipocampal recebe praticamente todos os tipos de informação sensorial. A
principal estrutura eferente do hipocampo é o fórnix. Ele vai ligar o hipocampo
com os corpos mamilares do hipotálamo. Através do trato mamilo-talâmico, os
corpos mamilares se projetam aos núcleos anteriores do tálamo, que por sua
vez, vão se projetar para o giro do cíngulo. Do giro do cíngulo, as informações
retornam ao giro parahipocampal. Desse partem amplas projeções para os lobos
frontais, parietais e temporais, além de projeções para o tronco cerebral e
medula espinhal. Portanto, as projeções aferentes e eferentes do hipocampo
formam uma alça anatômica que ficou conhecida como circuito de Papez.
Circuito de Papez
Giro
parahipocampal
Giro do
Cíngulo
Hipocampo
Fórnix
Núcleos
Anteriores
do Tálamo
Corpos Mamilares do
Hipotálamo
Trato mamilo-talâmico
Depois dos estudos de Papez muitos conceitos evoluíram e sabe-se hoje
que este circuito é muito mais complexo do que Papez pensava e possui uma
série de conexões bidirecionais.
O fórnix é um conjunto volumoso de fibras que liga o hipocampo aos
corpos mamilares do hipotálamo. Não se esqueçam que o hipotálamo relacionase com o sistema límbico.
Representação esquemática do Circuito de Papez
4. A AMÍGDALA OU COMPLEXO AMIGDALÓIDE E AS EMOÇÕES
A amígdala também está localizada no lobo temporal, anteriormente à
formação hipocampal. É a principal estrutura ligada às nossas reações
emocionais. É ela quem dita como reagimos aos estímulos agradáveis e
desagradáveis do meio em que vivemos. Ela recebe impulsos de várias regiões
do sistema nervoso, incluindo o olfato, a gustação, a audição, a visão,
sensibilidade somática e lobo frontal. É através da amígdala que o nosso
sistema nervoso autônomo reage em situações de medo ou estresse emocional
intenso. Lesões bilaterais da amígdala causam perda do comportamento
agressivo e podem gerar distúrbios alimentares como hiperfagia ou hipofagia.
5. CONEXÕES DO SISTEMA LÍMBICO COM AS VIAS EFETORAS
Como já sabemos, a maioria das conexões do sistema límbico ocorrem
com o hipotálamo, córtex pré-frontal e sistema olfatório, todos envolvidos com
nossas emoções. Entretanto, para que possamos reagir aos estímulos
emocionais, conexões com nossas vias efetoras, motoras e autonômicas são
fundamentais. Já vimos as relações entre as amígdalas e o sistema nervoso
autônomo, desencadeando os sintomas simpáticos frente à um estímulo
aterrorizante. Da mesma forma, as formações hipocampais e as amígdalas
podem influenciar nossos comportamentos motores para que possamos realizar
os movimentos associados com a defesa e o ataque em condições de perigo.
Isso ocorre através de conexões com a via motora.
6. OS NEUROTRANSMISSORES E O SISTEMA LÍMBICO
A maioria dos neurotransmissores do sistema nervoso central se
projetam para o sistema límbico e têm importante papel nos processos do
pensamento, humor e comportamento.
A dopamina, um neurotransmissor produzido na substância negra do
mesencéfalo, projeta-se para o estriado (núcleo caudado + putâmen) através da
via nigro-estriatal. Como já foi estudado anteriormente, a deficiência de
dopamina no estriado por degeneração da substância negra do mesencéfalo é a
causadora da Doença de Parkinson. Entretanto, as vias dopaminérgicas também
se projetam para o sistema límbico e o excesso de dopamina nas estruturas
límbicas pode causar a esquizofrenia. Tanto que as drogas utilizadas para o
tratamento dos sintomas psicóticos são bloqueadoras da dopamina (antidopaminérgicos).
A serotonina é produzida nos núcleos da rafe do tronco cerebral e
projeta-se para o sistema límbico. A deficiência deste neurotransmissor causa
depressão, ansiedade e outros distúrbios como compulsão e obscessão
(distúrbio obscessivo-compulsivo). As drogas que bloqueiam a recaptação da
serotonina no terminal sináptico são efetivas no tratamento destes distúrbios,
pois sobrará mais serotonina para a neurotransmissão.
A noradrenalina cerebral origina-se do lócus ceruleus, localizado no
tronco cerebral. Não se esqueça que um outro local que produz noradrenalina,
como neurotransmissor do sistema nervoso simpático, é a glândula supra-renal.
A noradrenalina produzida no cérebro têm importante projeção para o sistema
límbico e sua ausência provoca depressão, similarmente à serotonina. Tanto que
muitos medicamentos antidepressivos são inibidores da recaptação da
serotonina e da noradrenalina concomitantemente.
A acetilcolina é produzida no núcleo basal de Meynert, localizado
anteriormente ao diencéfalo, na base do lobo frontal. Suas projeções para o
sistema límbico são conhecidas. Sua ausência contribui para os sintomas da
doença de Alzheimer, conhecida pela deficiência de memória, entre outros
sintomas cognitivos.
Componentes do sistema límbico.
CURIOSIDADE: A maiorias das pessoas já ouviu falar de pessoas com personalidade
anti-social. Grande parte dessas pessoas são criminosos perigosos e frios. Até ¼ dos
prisioneiros perigosos podem ser classificados como sociopatas pelos psiquiatras.
Estas pessoas não apresentam sentimentos ou emoções. Outra característica deles é
um péssimo controle da impulsividade associada com ausência de sentimento de culpa
ou remorso após suas atitudes violentas. Eles são manipuladores e cínicos. Mesmo
quando punidos severamente por seus atos violentos, os sociopatas não aprendem.
Continuam com seu ódio sem limites. O mais famoso dos sociopatas foi o francês
Donatein de Sade, cujo comportamento sexual peculiar deu origem ao termo sadismo
(prazer sexual associado com violência física). Caracteristicamente, os sociopatas são
inteligentes e tranquilos no convívio social. Apresentam até um certo charme.
Personalidades famosas como Adolf Hitler, Sadam Hussein e Osama Bin Laden
poderiam
ser
enquadrados
neste
diagnóstico.
As
pessoas
que
convivem
com
sociopatas não sabem o perigo potencial que estão correndo. A maioria das vítimas dos
sociopatas somente percebem sua crueldade, minutos antes da morte. Para aumentar
sua preocupação, aproximadamente 1 a 4% das pessoas são sociopatas. Claro que nem
todos
são
criminosos.
A
maioria
consegue
controlar
os
instintos,
porém
têm
dificuldades variadas de relacionamento social. Uso de drogas e alcoolismo estão
intimamente relacionados com sociopatia. A pergunta que vem é se existe alguma
relação entre o comportamento anti-social e alterações estruturais do cérebro? Um
estudo mostrou que 64% dos criminosos tinham alguma anormalidade do lobo frontal,
particularmente do córtex pré-frontal, área relacionada com o sistema límbico. A
maioria deles tinha sido exposto à abusos físico e/ou sexual na infância. Estudos
experimentais em animais relacionou o lobo frontal direito com o reflexo de medo
condicionado. Os seres humanos normais seguem as normas da sociedade e as leis,
pois têm medo de serem punidos em caso de transgressões. Os sociopatas podem não
ter
esse
mecanismo
computadorizada
com
por
alterações
emissão
de
do
lobo
pósitrons
frontal.
são
Imagens
capazes
de
de
tomografia
demonstrar
uma
diminuição do metabolismo do córtex pré-frontal de muitos criminosos violentos.
Apesar do assunto ser muito controverso, existem evidências razoáveis que ligam o
comportamento violento e anti-social à disfunção do lobo frontal, mais particularmente,
do córtex pré-frontal, área relacionada com o sistema límbico.
Download