UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

Propaganda
O olhar do sujeito internado em uma unidade psiquiátrica: região
central do Rio Grande do Sul
Danusa Menegatª
Rita de Cássia Barcellos Bittencourtb
a
Mestranda em Terapia Ocupacional pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar.
b
Doutora pelo Programa de Doutorado em Educação UDELMAR-Chile e Mestre em Ciência
da Motricidade Humana. Professora Assistente no Curso de Terapia Ocupacional da
Universidade Federal de Santa Maria. – UFSM, RS, Brasil.
Autor para correspondência: Danusa Menegat, Universidade Federal de São Carlos , email: [email protected]
Resumo: O objetivo deste artigo é compreender a percepção do “estar internado” em unidade
psiquiátrica, no que consiste essa condição e as suas interpretações. O estudo se baseia numa
interpelação de natureza descritiva enfocado numa abordagem qualitativa. O cenário da
pesquisa foi uma Unidade Psiquiátrica localizada na região central do Rio Grande do Sul. A
coleta de dados foi por meio de observação do cenário e de entrevista semiestruturada com os
sujeitos da Unidade Psiquiátrica. Para a coleta dos dados foram realizadas entrevistas com 10
sujeitos internados na referida unidade, em distintos tempos de internação, sendo que cinco
vivenciaram essa realidade pela primeira vez. Os resultados mostraram que a internação é
uma situação que causa muito sofrimento, mas ao mesmo tempo é percebida pelos
entrevistados como um tratamento necessário para a recuperação da saúde. As relações
intrafamiliares foram percebidas, também, como fundamentais para o processo do tratamento
e para superação durante os dias de internação.
Palavras-chave: Percepção, Doença mental. Internação Psiquiátrica. Terapia Ocupacional.
PERCEPTIONS OF "TO BE HOSPITAL" IN PSYCHIATRIC UNIT IN
BIAS ETHNOMETHODOLOGY.
Abstract: The objective of this article is to understand the perception of "to be hospitalized "
in the psychiatric unit , which consists in this condition and their interpretations. The study is
based on a formal nature focused on a qualitative descriptive approach. The research scenario
was one Psychiatric Unit located in the central region of Rio Grande do Sul. Data collection
was by observing the scenery and semistructured interviews with patients of the Psychiatric
Unit. For data collection interviews with 10 patients admitted to the unit, at different times of
hospitalization, and five experienced this reality for the first time. The results showed that
hospitalization is a situation that causes much suffering, but at the same time is perceived by
respondents as necessary for the recovery of health treatment. The intra-family relationships
were also seen as critical to the treatment process and to overcome during the days of
hospitalization.
Key-words: Perception, Mental Illness. Psychiatric hospitalization. Occupational Therapy.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa captar a percepção do “estar internado” em uma unidade
psiquiátrica, por intermédio da etnometodologia. Como consequência da internação, é muito
comum a sensação de angústia, medo e isolamento diante da doença mental e da ausência dos
familiares. Pereira (2003) refere que a doença mental é considerada uma doença difícil e
penosa para quem a vivencia.
A doença mental pode trazer consequências significativas na vida dos sujeitos que a
manifesta, comprometendo o seu cotidiano e de sua família. Ao necessitar de tratamento, do
tipo internação psiquiátrica, o sujeito experimenta rupturas com mudanças tão repentinas,
onde novas rotinas são estabelecidas, novas relações são vivenciadas, simultaneamente ao
distanciamento dos familiares e demais redes de pertencimento sócio-afetivo dos
sujeitos. A experiência da internação é uma vivência que pode causar sofrimento, e muitas
vezes isolamento e solidão, sendo ainda mais difícil enfrentar a situação em que se encontra.
Amarante (1996) ressalta que enquanto o sujeito é visto como manifestante da doença
mental, a loucura passa a ser compreendida como alienação mental, como um estado que
contradiz a razão, dessa forma o sujeito é percebido como aquele privado de liberdade e o
próprio doente sente que perdeu a autonomia em seu cotidiano.
Na Antiguidade, acreditava-se que o comportamento diferente daquele imposto pela
cultura da sociedade de cada local era causado por intervenções sobrenaturais que
influenciavam na conduta da pessoa. Outra concepção importante nessa época é presenciada
no contexto trágico dos textos gregos que retratam a loucura como “desequilíbrio,
destempero, exacerbação” (PESSOTTI, 1994, p. 23).
Num salto histórico, no período da época da Renascença, surgiu a Nau dos Loucos,
que eram embarcações onde os insanos permaneciam sem destino. Esses barcos eram
utilizados como transporte para deslocar a “carga insana” do doente mental de uma cidade
para a outra. Os insanos eram deixados pelas embarcações e permaneciam isolados, com o
objetivo de se afastarem das cidades, eles ficavam em grupos de mercadores, peregrinos e
marinheiros (NOGUEIRA, 2005).
A cidade de Nuremberg foi caracterizada como um ambiente acolhedor, já que
abrigava muitos “loucos” sem destino, mas não havia tratamento adequado para eles. Os
doentes mentais eram abandonados nessa cidade que era considerada uma prisão.
No período do classicismo, a loucura foi considerada como a ausência da razão.
Segundo Birman (1989, p. 135), “a loucura não foi apenas expulsa do registro de verdade e
definida como modalidade de erro da razão, mas também foi excluída do espaço social”.
Somente no século XVI as pessoas reconhecem que os sujeitos que apresentavam
comportamentos diferenciados daqueles estabelecidos pela sociedade precisavam de ajuda, e
assim eram vistos como doentes e não como sujeitos possuídos. Assim, surgem os asilos para
acolhê-los, mas eram considerados como prisões e não como hospitais (HOLMES, 2001).
No século XVII, surge a internação, onde havia o relato de que os hospitais
psiquiátricos se multiplicavam e abrigavam juntamente com os doentes mentais, os
marginalizados de um modo geral. O tratamento que essas pessoas recebiam nas instituições
de confinamento era desumano sendo mais decadente daqueles recebidos nas prisões.
Revisitando ainda esse século foi fundado Hospitais Gerais. Segundo Amarante (2007,
p. 23) os hospitais gerais são considerados “um novo lugar para o louco e para a loucura na
sociedade ocidental”. A internação, então, foi criada no século XVII, e nessa época a loucura
passou a ser reconhecida no contexto social da pobreza, da inaptidão para o trabalho, na
dificuldade de integração.
Esses conceitos determinam a nova percepção da loucura. O doente mental sofre com
a estigmatização, havendo um significativo desconhecimento sobre esse contexto, envolvendo
o diagnóstico e o tratamento ao longo dos anos (Organização Mundial de Saúde, 2002).
No século XVIII, o transtorno mental veio a ser considerado doença, conforme
Philippe Pinel que propõe o tratamento moral dessas pessoas. Os doentes mentais começaram
a ser tratados com carinho, mas continuavam em asilos e manicômios, pois o convívio social
e o contato com a família eram percebidos como relação negativa. O sujeito era considerado
desequilibrado e por isso existiam ambientes propícios para que eles buscassem o equilíbrio e
a sua reordenação (ALEXANDER, SELESNICK, 1966).
A assistência ao portador de doença mental, no Brasil, no período anterior ao século
XX, era pautada no modelo hospitalocêntrico, o qual ocorria como instituição asilar com
tratamento controlador e repressivo (RODRIGUES, SCHNEIDER, 1999). Até o início do
século passado não havia tratamento eficaz aos sujeitos portadores de transtorno mental, onde
os cuidadores usavam correntes de contenção, praticavam o isolamento e banhos
quentes/frios; além disso a morfina era utilizada e mantinha os sujeitos sonolentos sem
possibilidades de melhora. Os doentes mentais considerados perigosos para a sociedade eram
internados em hospitais regidos pelo Estado onde eram cuidados por superintendentes
autoritários (FINK, 1923).
A Reforma Psiquiátrica brasileira foi um longo percurso para trazer de volta o direito
dos sujeitos com sofrimento mental, ao ser instituída a Lei 10.216 em 06 de abril de 2001,esta
dispôs sobre essa proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais,
modificando o modelo assistencial em saúde mental.
Esse novo modelo privilegiou a não internação e propôs a substituição progressiva do
modelo manicomial visando a manutenção do sujeito no território e, garantindo a reinserção
social daqueles que eram egressos do hospitais psiquiátricos. Dessa forma, ampliou-se a
regulação da internação psiquiátrica, vedando-se a internação em instituições de caráter asilar
e aos poucos os leitos em hospitais psiquiátricos são substituídos por serviços de caráter
aberto proibindo a criação de novos leitos em hospitais psiquiátricos (AMARANTE, 2000).
A reabilitação psicossocial no contexto da Reforma Psiquiátrica traduz-se pela ideia
de desinstitucionalização, também como meio para desconstrução do paradigma asilar,
procurando não agir somente no objeto fictício “doença”, mas na “existência sofrimento” do
sujeito e de suas relações com a sociedade (OLIVEIRA & FORTUNATO, 2007).
Seguindo
esse
raciocínio
teórico,
Kinoshita
(1987,
p.
79)
considera
a
desinstitucionalização como “transformação dos modos pelos quais são tratadas as pessoas
para transformar o seu sofrimento; a terapia não é a perseguição eterna atrás de uma soluçãocura, mas um conjunto complexo, também cotidiano e elementar.”
A internação é um processo terapêutico indicado para acolher sujeitos com algum
transtorno mental que prejudica o psiquismo afetando o controle de seus impulsos e podendo
causar danos a si ou a outrem (CASTRO et.al., 2010).
Segundo Silva (2005, p. 311):
A internação responde à doença, enquanto a tomada
responsabilidade pelo cuidado em saúde mental responde
diferentes formas e momentos da existência do usuário [...]
“tomada de responsabilidade” configura uma nova modalidade
relação institucional, que se baseia propriamente na assunção
responsabilidade.
de
às
A
de
da
Assim, percebe-se, a importância do tratamento na vida dos sujeitos em sofrimento
psíquico, sendo a internação um meio de tratamento que integra intervenções
medicamentosas, sociais e psicológicas que auxiliam na melhor qualidade de vida desses
clientes. Os trabalhadores de saúde mental devem “curar” menos e “cuidar” mais, pois o
objetivo da sua atuação é transformar os modos de viver e de perceber o sentido do
sofrimento do sujeito (ROTELLI, NICÁCIO, 1990).
2. METODOLOGIA
O estudo foi desenvolvido numa Unidade Psiquiátrica localizada na região central do
Rio Grande do Sul. A Unidade foi fundada em 1968 e chamava-se Centro Comunitário de
Saúde Mental, onde surgiu da união de interesses do curso de medicina da Universidade
Federal de Santa Maria e da Secretaria de Saúde local de Santa Maria. No mesmo ano o
Centro foi transferido para a Universidade iniciando as atividades em 1969. A partir de 1972
iniciou o sistema de Hospital Dia e, em 1974, estruturou a unidade de internação.
A Unidade Psiquiátrica recebe pessoas em situações agudas de sofrimento psíquico,
sua área física é constituída por quatro enfermarias compondo seis leitos cada, sendo duas
para homens, duas para mulheres e duas com quartos individuais, totalizando 25 leitos de
internação. É composta por 04 enfermeiros, 01 técnico de enfermagem, 09 auxiliares de
enfermagem, 02 recreacionistas e 03 bolsistas estudantes do curso de graduação em
Enfermagem.
Os sujeitos foram informados a respeito da pesquisa, seus desconfortos e benefícios e
a respeito da construção de um posterior artigo referente aos dados coletados, sendo
assegurado a fidedignidade dos dados. Os sujeitos que aceitaram participar da pesquisa
assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), ficando com uma via dele
como comprovação do aceite e para a sua segurança.
A entrevista não teve tempo pré-definido, nesse sentido, a pesquisa possibilitou
compreender a subjetividade e o sentimento de cada um, respeitando a maneira pessoal de
vivenciar a internação psiquiátrica. Para isso, a análise dos dados foi realizada por meio da
abordagem qualitativa. De acordo com Richardson (1999, p. 80):
Os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever a
complexidade de determinado problema, analisar a interação de certas variáveis,
compreender e classificar processos dinâmicos vividos por grupos sociais,
contribuir no processo de mudança de determinado grupo e possibilitar, em maior
nível de profundidade, o entendimento das particularidades dos comportamentos
dos indivíduos.
Foram realizadas 10 entrevistas com 08 mulheres e 02 homens. Com o propósito de
garantir a privacidade do participante, a entrevista foi realizada em salas disponibilizadas pelo
enfermeiro responsável segundo a escala da Unidade, garantindo a tranquilidade do
entrevistado. A identificação dos sujeitos foi mantida em sigilo e estão representados pela
letra E (=entrevistado), seguida de um número (1 a 10) correspondente à pessoa entrevistada.
No decorrer da pesquisa, houve limitações para a realização das entrevistas. Muitos
dos sujeitos no primeiro momento aceitaram participar do estudo, mas ao saber que seria
necessária a rubrica para prosseguir houve um número significativo de negação e resistência
para a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Essa situação
impediu que em alguns momentos fossem realizadas as entrevistas.
Houve desconforto em relação à coleta de dados de sujeitos do sexo masculino. A
maioria sentiu receio em realizar a entrevista, pois referiram não sentirem-se a vontade para
expressar seus sentimentos, mesmo sendo explicado que eles poderiam interrompê-la quando
sentissem algum desconforto. Ao final das pesquisas, um dos homens entrevistados, por
iniciativa própria, se ofereceu para participar do estudo. Percebe-se que esse sujeito sentiu-se
a vontade, pois a pesquisadora estava presente à unidade psiquiátrica duas vezes na semana e
essa rotina colaborou para a construção de vínculo e na confiança em relação à coleta de
dados em questão. Figueiredo (2005) relata que os homens sentem dificuldade em verbalizar
as necessidades pessoais envolvendo a sua saúde, pois isso pode representar uma
demonstração de fraqueza diante dos outros.
A temática foi dividida conforme os relatos, na iniciativa dos sujeitos em procurar a
internação psiquiátrica (internação voluntária) e aqueles que chegaram porque algum familiar
ou vizinho contatou com o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), a
internação ocorreu sem consentimento (internação involuntária). Conforme o parágrafo único
do artigo 6º da Lei nº 10.216 de 06 de abril de 2011, são considerados os seguintes tipos de
internação psiquiátrica: I- internação voluntária: aquela que se dá com consentimento do
usuário; II- internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a
pedido de terceiro; e III- internação compulsória: aquela determinada pela justiça.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Conforme os dados da pesquisa, dos dez participantes oito são do gênero feminino e
dois do gênero masculino na faixa etária de 16 a 47 anos. Desses apenas um tem ensino
superior completo. Dos dez sujeitos entrevistados, cinco foram internados na Unidade
Psiquiátrica pela primeira vez e os demais têm histórico de outras internações.
No decorrer da pesquisa percebeu-se a diferença na comunicação dos sujeitos. Os
sujeitos internados que tinham o apoio da família como suporte para enfrentar a doença
mental estavam melhores orientados do que aqueles que não lhes foi oferecido esse apoio.
Além disso, os sujeitos internados pela primeira vez percebem a internação psiquiátrica como
algo horrível, uma prisão. Os sujeitos com histórico de outras internações compreendem o
motivo da internação e a percebem como tratamento necessário para sua recuperação.
Conforme afirma Cathébras (1997), a doença é ao mesmo tempo uma categoria
natural e uma construção social. Assim, buscou-se averiguar a compreensão do diagnóstico
dos sujeitos entrevistados. Não há ninguém melhor para compreender a sua experiência do
que a própria pessoa vivente, partindo da sua vivência por meio de uma relação intersubjetiva
(HOLANDA, 2002). O conhecimento acerca da doença mental é percebido por meio dos
excertos (E1, E3 e E4) que demonstram a compreensão do diagnóstico para a posterior
decisão em procurar tratamento.
[...] Eu que vim sozinha, me senti muito mal eu tava com vontade de me matar e
tava muito nervosa e eu procurei ajuda sozinha. (E1)
Eu vim porque eu quis. Me internei em 2010, depois 2012, 2013 agora, todas as
vezes fui eu que vim, tenho depressão. (E3)
Uma pessoa fazia muito mal pra minha família, daí eu peguei e me internei, lá em
Rosário daí depois vim aqui em Santa Maria. É muito difícil sabe, a depressão,
porque pra ti curar tu tem que ter força, é difícil, tu não tem ajuda, graças a Deus a
minha mãe dá muita força sabe, minha irmã, tá sempre perguntando por mim, a
mãe também, quando pode ela vem. (E4)
A busca pela internação, devido ao diagnóstico, é observada nos discursos. Conforme
Foucault (1995), a internação não é vivenciada como a relação entre a loucura e a doença,
mas nas relações da sociedade consigo própria, com o que é reconhecida por ela nas ações
realizadas por cada sujeito. Assim, a internação é vista como um tratamento que dispõe
atenção especial às pessoas com doença mental e ao perceber a necessidade desse tipo de
atendimento, o sujeito procura recuperar-se.
Nos próximos discursos dos usuários far-se-á uma analogia nos discursos dos usuários
que consentiram sua internação e os que revelaram a internação psiquiátrica sem
consentimento. A ideia é confrontar diferentes vivencias desses sujeitos doentes mentais.
O SAMU me trouxe aqui, os vizinhos ligaram pra lá e eu não tava fazendo nada, eu
cheguei e tive um surto psicótico. (E2)
Eu vim com a ambulância, a ambulância de Restinga me trouxe, eu sou de Santa
Maria. Eu fui lá visitar uma tia, eu tinha tentado suicídio duas vezes, daí a mae
pediu pra ir pra lá porque lá é uma fazenda, eu iria pro pátio, ver bichos, daí ia
acabar melhorando, daí minha tia contou pra ela que eu queria morrer e elas me
trouxeram aqui. (E5)
[...] eu disse pra ela (mãe): ou tu chama o pai ou, que eu sabia que ele tava na
cidade, ou , não lembro qual foi a outra alternativa que eu dei, daí meia hora
depois ele chegou e perguntou: o que aconteceu? E eu disse assim: não durmo mais
no mesmo teto que ela em hipótese alguma tá? E daí eu fui pro médico, tinha
consulta com o psiquiatra [...] à noite o SAMU foi me buscar. (E7)
Já me trato aqui no HUSM com a minha psiquiátrica, acho que me mandaram pra
cá por isso né. Eu tenho síndrome do pânico, só que minha médica falou que sou
suicida, porque eu fiquei cortando meus braços e aconteceu várias vezes e essas
coisas também, ela falou que sou suicida né, mas eu não faço isso com a intenção
de me matar no caso né, só para aliviar, sei lá, não sei. Eu não me orgulho nada
disso de ficar me cortando, acho ridículo.(E10)
Os depoimentos demonstraram que a internação ocorreu sem o expresso
consentimento do sujeito. Segundo Botega (2002), a doença mental é impactante e imobiliza a
própria existência, sendo um momento difícil em ligar-se à vida passada e refletir sobre o
futuro. Assim, é um sofrimento ainda maior para o sujeito internado, ao enfrentar a doença e
ter que se adaptar rapidamente a um novo mundo.
Alguns sujeitos da pesquisa manifestaram ideação suicida. Bandim et.al. (1987)
revelam que a ideação suicida caracteriza-se por muitos pensamentos, como pensamentos
inespecíficos de morte e ideias suicidas como desejo concreto de realização. Essa
manifestação foi relatada por sujeitos que pela primeira vez vivenciam a internação
psiquiátrica, onde eles têm consciência de que esse desejo é um dos motivos do tratamento
em questão.
A internação foi ótima pra mim, acho que faz quatro anos que eu sou doente e
nunca fui na internação e eu acho que foi muito boa, tá sendo muito boa ainda,
porque eu tenho ainda esse pensamento de me matar, mas eu sei que aqui eu tô
sendo protegida [...] ontem eu peguei o lençol da cama e amarrei no ventilador pra
me enforcar, mas não deu certo.(E1)
Não quero isso pra mim, aqui não é meu lugar, meu filho ta bem, a família também,
daqui dois meses que eu morrer eu vou ser um quadro na parede, aquela lá era a
Simone, eu vou ser isso entendeu? Um quadro na parede, porque agora eu sou, eu
to aqui, um quadro na parede, eu não tenho carinho, amor, entendeu? Então eu sou
um quadro na parede. eu já tentei várias vezes, mas não consigo, eu quero morrer
(choro) não aguento mais, é a única solução pra mim nesse momento é morrer, não
tem outra, não existe outra. Não existe o bem e o mal, pra mim existe um só. Eu
tenho um amigo, tenho um amigo a mais de um ano, daí esse meu amigo fala
comigo e ele fala pra mim que eu tenho que ir pra lá com ele. Às vezes eu vejo ele,
ele falou comigo ali no banheiro, que tinha água pra eu tomar no banheiro, então
eu fui tomar, meu amigo mandou eu tomar água, o rapaz falou que não era água,
que era detergente, mas eu confio no meu amigo.(E5)
A partir dessas falas é possível evidenciar que os sujeitos compreendem seu
diagnóstico e consequentemente percebem o porquê de estar internado. Também, percebe-se,
que a unidade é vista por eles como um ambiente seguro, já que manifestam ideação suicida e
esse desejo prejudicaria a estrutura familiar, que não sentir-se-ia preparada para lidar com a
situação.
A questão das relações intrafamiliares foi percebida como um importante apoio no
contexto de internação psiquiátrica. Foi possível identificar que alguns sujeitos mostravam-se
mais confiantes em relação ao tratamento quando, por meio de suas falas, a família o visita na
unidade e oferece apoio na sua recuperação. Segundo Certeau (1998), as relações mais
significativas na vida das pessoas são aquelas mantidas no cotidiano, diariamente, sendo que
quanto mais significativa forem essas relações, mais importantes serão para preservar a saúde
familiar.
A família é considerada o centro para que o portador de transtorno mental possa
estabelecer relações sociais, ao ser visto como sujeito que busca reconstruir sua reprodução
social criando novos sentidos e fortalecendo os laços de sociabilidade (ROSA, 2003). Laing
(1986, p.90) afirma que “a primeira identidade social da pessoa lhe é conferida pelos demais.
Aprendemos a ser quem nos dizem que somos.” Os relatos (E1, E4, E9 e E10) a seguir
destacam a importância do apoio familiar:
Eu tenho uma filha de 12 anos, minha mãe e o meu pai. Eu tenho mais família, mas
eu não gosto de ficar incomodando os outros com a minha doença. Então liguei pra
minha filha, eu tive que entregar o celular, falei com ela e disse que eu tava no
hospital e ela ligou pra minha mãe e eu acho que hoje elas vão vir pra me ver. (E1)
A minha mãe não tenho o que falar, mas eu preciso trabalhar, faz tempo que não
vejo ela. Eu gosto muito deles. (E5)
Meus pais são liberais, converso tudo. Ficaram bem que eu resolvi me tratar. (E9)
Bom... a relação com a minha família é boa, eu só tenho um irmão que usa drogas,
que ele é, eu tenho uma avó que é doente, ela tem mal de Alzheimer é, e ...mas a
relação com todo mundo é boa, às vezes eu não gosto do que o meu irmão faz, mas
isso não vem a ser o problema com a relação eu e ele. (E10)
Segundo as falas, percebe-se que a doença mental é uma condição em que o sujeito
encontra-se frágil e precisa de atenção, cuidado e compreensão principalmente da família. A
internação dificulta a relação familiar pela rotina imposta e pelo horário regrado das visitas.
No decorrer da pesquisa foi possível vivenciar situações em que os sujeitos, que recebem
apoio da família, sentem-se mais dispostos a enfrentar o tratamento e ajudam os outros a
superar a ausência dos familiares.
A entrevista evidenciou que a maioria dos sujeitos tem uma estrutura familiar
deficiente. Segundo Saraceno (1999), a doença não se manifesta isoladamente no sujeito, mas
ela já existe no território virtual estabelecido pela interação entre os familiares. Isso é
percebido nas seguintes falas:
Minha família não veio me visitar nenhum dia, minha família não veio aqui, perdi
meu marido né – separação – eu já tô tentando reconstruir de novo a minha vida né
e meus parentes não deram a mínima bola, ninguém quer saber lá de mim (Júlio de
Castilhos), minha mãe eu não me dou com minha mãe então é uma péssima. Não
conheço meu pai mas tenho uma vontade enorme de conhecê. Minha mãe não me
procurou na internação não ligou pra cá, não liguei pra ela, não tenho contato, só
do meu ex marido.(E2)
[..] eu fui pegar um prato pra mim comer e a mãe disse: desse tamanho e vai comer
isso aí... eu faço um bolo na minha casa, eu tenho dois filho, e fiz um bolo, de
chocolate, daí ela diz: tão gorda e vai comer isso sabe... só me pisam entende? Seu
cabelo...(E5)
É muita droga, muita droga. Tenho uma outra irmã que não da bola pra mim, mora
aqui em Santa Maria.(E6)
Mora 4 gerações lá em casa, avó 91 anos, a mãe ta com 66, eu com 47 e meu filho
com 16 anos, só que assim ó, ela é dona da casa, ela não se refere a casa, ela diz
que ela banca a estrutura tá, então eu não preciso, eu tenho o suficiente, eu disse
pra ela um dia irritada: tu pode dar (tenho mais duas irmãs mais novas), tu pode
dar essa casa de porteira fechada pra elas, eu não quero nada das tuas TVs , das
tuas joias, pode dar de porteira fechada, o que tenho é minha biblioteca e meu
currículo Lattes e com isso eu posso muito bem prover meus alimentos e ter um
lugar que eu possa dormir sem molhar em cima. A mãe manipula o pai. (E7)
[...] Eu não entrei mais em contato com a minha família. Lá em casa era muita
briga, principalmente com a mãe que tá cega (diabetes - catarata), pede muito pra
mim e o pai, às vezes a gente tá trabalhando e ela chama muito eu e o pai pra ir no
banheiro, que precisa tomar remédio, a gente tem que largar do trabalho pra
atender ela. (E8)
A partir dos relatos foi possível perceber que a internação psiquiátrica ocasiona
insegurança e medo em relação ao novo ambiente e que o vínculo familiar afetivo é visto
como um suporte para enfrentar essa mudança no cotidiano do sujeito internado.
Melman (2001) afirma que as pessoas preocupam-se em resolver os seus problemas e
deixam de cultivar os relacionamentos entre os membros da família, sendo que quando há
alguém em sofrimento psíquico essa ausência de afeto pode intensificar a crise e a
necessidade de ajuda.
A comunicação entre os familiares é considerada essencial para mudanças na
concepção e representação desses em relação à doença mental (MELMAN, 1998). Nesse
sentido, Waidman (2004, p.2) considera dois contextos referentes à relação família-sujeito:
O primeiro é relativo à desmistificação da doença e da pessoa com
transtorno mental pela família e comunidade; o segundo, ao contexto no qual
ele está envolvido - a família e o meio social que o cerca - garantindo-lhe
uma assistência adequada, como espaço para socialização, valorização e
recuperação de suas potencialidades e reabertura da comunicação na família,
o que pode trazer motivo para sua existência.
Enfim, os autores Minuchin (1982) e Asch (1952) ressaltam que as interações
humanas são um conjunto psicológico e de exigências funcionais que organizam as maneiras
pelas quais os membros da família interagem. Assim, cada família reage de modo específico à
doença mental, pois é influenciada pelo meio sociocultural em que vive. Deve-se
compreender a dinâmica da convivência entre os membros para que a comunicação
terapêutica possa acontecer (RICHTER, 1979).
Dessa forma, o ambiente familiar propicia convivência vicinal. Caso o convívio e a
interação entre os familiares sejam menosprezados, há trocas empobrecidas, onde o sujeito
sente falta do contato emocional e prazeroso entre os membros da família, prejudicando seus
aspectos psíquicos e sociais, interferindo nas relações interpessoais.
Vivenciar a internação psiquiátrica exige adaptar-se a um novo ambiente. A entrevista
revelou que três, dos cinco sujeitos internados pela primeira vez, não se sentem bem nesse
lugar, manifestam ansiedade e vontade de ir embora.
Aqui? Horrível, horrível, eu senti a mesma coisa que um preso sentiria entendeu? É
como se eu tivesse na cadeia, as portas trancadas, chaveadas, pessoas te cuidando
o tempo todo [...]em casa eu fui pegar um prato pra mim comer e a mãe disse:
desse tamanho e vai comer isso aí... eu faço um bolo na minha casa, eu tenho dois
filho, e fiz um bolo, de chocolate, daí ela diz: tão gorda e vai comer isso sabe... só
me pisam entende? Seu cabelo...(choro)(E5)
Olha... é uma relação muito boa, não tem o que falar deles, sabe? Das enfermeiras,
das pessoas que dão força [...] Mas eu quero sair daqui (choro).(E4)
Eu só queria ir embora hoje, eu volto amanhã cedo, falei pro pai vir me buscar
hoje.(E8)
Conforme o discurso desses participantes compreende-se que vivenciar a internação
psiquiátrica é difícil, tudo é modificado e o cuidado acentuado. Alguns manifestam ansiedade
e vontade de voltar para a casa, a rotina imposta pela internação os impossibilita de dialogar
com os familiares quando querem, perdendo seu livre arbítrio de escolher com quem
conversar e quem deseja ver, e a espera os angustia.
Sabendo dos desconfortos acerca da pesquisa, a pesquisadora pausou a gravação em
alguns momentos, devido às entrevistadas ficarem emotivas ao lembrar do cotidiano anterior
à internação, assim a atual realidade transpareceu difícil de vivenciar. Os sujeitos que
apresentam um histórico de outras internações entendem que estão na unidade porque
necessitam de tratamento, também a consideram uma fuga dos problemas encontrados em
casa. Como pode ser visto nos relatos abaixo:
Pra mim o significado é como se fosse uma igreja porque eu sei que vou encontrar
a cura aqui, acho que vou melhorar, eu acho que aqui é uma igreja as enfermeiras
são como se fossem umas... umas freiras que são boas pra mim e a doutora eu não
conheci ainda, mas a equipe da enfermagem é bem boa.(E1)
Aqui eu fico limpinha, me sinto cuidada, não queria mais voltar pra casa.(E6)
Eu to aprendendo um monte de coisa aqui, eu pinto, faço amizade, jogo carta. É um
lugar bom, de lazer, faz amizade, pode se distrair, desenhar, tudo o material aí sem
precisar comprar. Tenho material de pintura em casa, mas tem que comprar
daí.(E8)
A unidade significa recuperação, bem tratado, bem atendido.(E9)
Aqui eu achei bem bom, a comida é ótima e... eu esperava menos né, mas aqui as
enfermeiras são nota 10, cuidadosos bem atenciosos né, me trataram bem, não tive
nenhuma preocupação aqui dentro em relação a unidade né e assim, foi tudo bem,
tudo bem bom, gostei.(E10)
Segundo Boff (1999), o cuidado é ontológico, ou seja, constitui o ser humano, sendo
que sem o cuidado deixamos de ser humanos.
Cuidado consiste em uma forma de viver, de ser, de se expressar. É uma
postura ética e estética frente ao mundo. É contribuir com o bem-estar geral,
na preservação da natureza, na promoção das potencialidades e da dignidade
humana e da nossa espiritualidade (WALDOW, 2004, p. 176).
Como resultado, essa temática representou a diferença em vivenciar a internação
psiquiátrica pela primeira vez e vivencia-la mais de uma vez. Pelos discursos e pelo vínculo
estabelecido, as pessoas com histórico de internação não apresentam uma fala deprimida, mas
respondem rapidamente e de maneira objetiva que anseiam melhorar. Aqueles internados pela
primeira vez manifestam fragilidade e as falas são acompanhadas por constantes pausas,
sendo que em alguns casos o choro não é controlado.
De um modo geral, a importância da amizade no contexto de internação psiquiátrica
foi registrada nas falas dos sujeitos e esse resultado mostrou influenciar significativamente na
percepção do “estar internado”. Segundo os relatos, a maioria dos sujeitos se identificam e
apoiam uns aos outros nas dificuldades que abrangem momentos de isolamento, solidão e
saudade da família.
Todo mundo aqui quando a gente chega tenta passar amizade, companheirismo pra
gente e se a gente chora eles vem ajudar a gente, eu gostei daqui. (E1)
Tem muito significado aqui, eu fiz maiores amizades, o significado maior pra mim
foi que o tratamento é não abandonar o tratamento jamais. (E2)
Aqui eu encontrei minhas amigas, todos aqui me dão xampu pro meu cabelo. As que
dormem comigo são boas. (E6)
Aqui é bem bom, vou dar alta, faz 12 dias que eu to aqui já e eu fiz bastante
amizade. (E10)
Goldberg (1998, p. 304) afirma que “os sujeitos costumam exigir muito pouco de uma
amizade: basicamente que não os recusem, que os aceitem como são, que apenas os ouçam.”
Assim, se percebe que os sujeitos conseguem interagir rapidamente pelo fato de sentirem-se
aceitos e poderem dividir vivências semelhantes. Até mesmo os entrevistados que estavam
internados a menos de uma semana referiram ter encontrado novos amigos e feito grandes
amizades, que os ajudam quando precisam.
Possivelmente antes da internação psiquiátrica os sujeitos passaram pela
estigmatização da sociedade e sentiram-se anormais, já que muitas vezes até a família faz com
que o sujeito sinta-se doente. Na facilidade de fazer novas amizades, Goffman (1975, p. 45)
relata que:
As pessoas com as quais ele passou a se relacionar depois do estigma podem
vê-lo simplesmente como uma pessoa que tem um defeito; as amizades
anteriores, à medida que estão ligadas a uma concepção do que ele foi,
podem não conseguir tratá-lo, nem com um tato formal nem com uma
aceitação familiar total.
Percebe-se que a percepção do “estar internado” é influenciada pelo contato e pela
troca de experiências e vivências estabelecidas pelas pessoas no mesmo contexto.
A maioria dos sujeitos da pesquisa falaram dos desejos pós alta. Olivieri (1985) afirma
que a doença ataca a vida dos seres humanos afetados por ela, dessa forma o futuro torna-se
incerto.
O momento em que o sujeito é liberado da instituição para reviver o convívio social é
um desejo dos internos, mas em muitos casos há medo por não saberem como será a realidade
externa, já que todo o cotidiano muda, há também o receio do estigma social por ser visto
como aquele que um dia precisou de internação (GOFFMAN, 2003).
Mas os relatos identificam que por mais incerto que seja o momento da alta, há anseio
em inserir-se ao mercado de trabalho como meio de sentirem-se mais felizes.
Eu espero da vida formar minha filha, pagar todos os estudos dela, e um dia eu
poder fazer radiologia, pra mim ajudar as pessoas que precisam. (E1)
Espero mais oportunidades, quero ser técnica de enfermagem. (E3)
Olha... eu.. por causa dessa internação eu nunca mais, assim, vou trabalhar sabe.
Eu trabalhava no shopping lá, eu tava afastada por licença médica. Se precisar eu
volto, porque sou eu que pagava a luz, a água. (E4)
Tenho que trabalhar, quero trabalhar em casas, com limpeza. (E6)
Quando sair daqui quero tá trabalhando e jogar futebol, é o que eu mais gosto.
(E7)
Não espero muita coisa da vida, quero ser feliz, trabalhar. (E9)
Esses relatos manifestam que o primeiro desejo pós alta é trabalhar. Com o trabalho,
o homem afirma-se como agente ativo, “não só como sujeito pensante, mas como sujeito que
age consciente e racionalmente, visto que o trabalho é atividade prático-concreta e não só
espiritual” (MARX, 1985, p. 80).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões que circundam a doença mental transcendem o marco da patologia
individual e avança para a estrutura social (BITTENCOURT, 2012). A internação psiquiátrica
é uma realidade difícil e sua vivência acarreta em muitas rupturas cotidianas que abrangem
desde a convivência familiar até as relações sociais.
Considera-se que, a presente pesquisa atingiu os objetivos propostos, contribuindo
para a compreensão das questões subjetivas acerca da percepção do “estar internado” em
Unidade Psiquiátrica.
Após a observação do cenário da pesquisa, a dificuldade em realizar as entrevistas
percorreu por algumas semanas, já que os sujeitos mostravam-se desconfortáveis para
expressar o que seria abordado na pesquisa, essa condição foi percebida de maneira mais
intensificada nos sujeitos do sexo masculino, em que apenas dois concederam a entrevista na
última semana em que a pesquisa foi realizada. Dessa forma, a pesquisa contribuiu para a
construção de canais de expressão dos sujeitos, aproveitando, sobretudo nos momentos em
que o pesquisador e os sujeitos de pesquisa dirigiam-se ao pátio, espaço destinado aos
momentos de lazer. Essas pessoas puderam expressar suas percepções acerca da internação,
em seus depoimentos puderam abordar assuntos a respeito da doença mental, das relações
familiares, das amizades construídas no ambiente hospitalar e do anseio em trabalhar assim
que recebessem alta. No relato, também estava presente, o percurso realizado para chegar a
internação, como chegaram à Unidade, onde
alguns participantes falaram sobre as
experiências de outras internações, já que os outros cinco sujeitos vivenciavam essa realidade
pela primeira vez.
Por meio do estudo realizado, pode-se concluir que a estrutura familiar influencia
significativamente no surgimento da doença mental e no agravamento da mesma quando o
sujeito vivencia a internação psiquiátrica. Segundo alguns relatos, as relações familiares
apresentavam-se fragilizadas e no contexto de internação hospitalar essa situação prevalecia,
sendo que, em muitos casos, o contato era rompido e o sujeito internado não recebia visita no
horário reservado para a mesma.
A pesquisadora evidenciou que a maioria dos sujeitos não sabe o dia, o dia da semana
e o mês do ano. Isso foi percebido no momento em que assinavam o TCLE (Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido), pois nele tinha um espaço para esses dados. Uma das
entrevistadas começou a chorar ao saber que tinha passado o aniversário da irmã e que não
pôde comemorar com ela. Assim, seria importante que os profissionais trabalhassem com a
orientação temporal.
Como um indício de recomendação fica a sugestão de que os profissionais possam
proporcionar espaços de convivência com os familiares, utilizando os recursos
multidisciplinares possíveis, podendo agregar valor ao esforço de retomada do cotidiano
destes sujeitos.
Possivelmente uma amostra maior com sujeitos que vivenciam a internação
psiquiátrica pela primeira vez poderia contribuir para aprofundar a pesquisa a respeito da
percepção do “estar internado”. Ressalta-se também a necessidade de ampliar estudos acerca
da condição subjetiva de sujeitos em internação psiquiátrica intensificando os resultados
decorrentes dessa vivência, da reinserção social pós alta e do histórico familiar anterior à
internação.
REFERÊNCIAS
ALEXANDER, F.G, SELENICK, S.T. História da psiquiatria. São Paulo: Ibrasa; 1966.
AMARANTE, P. O Homem e a Serpente: Outras Histórias para a Loucura e a Psiquiatria.
Rio de Janeiro: Fiocruz, 1996.
AMARANTE, P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2000.
AMARANTE, P. Saúde Mental e Atenção Psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.
ASCH, S. Social Psychology. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1952.
BANDIM, J.M.; FONSECA,L.; LIMA, J.M.A. Prevalência da ideação suicida numa
população de escolares do Nordeste brasileiro. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v.46, p. 447 –
481, 1987.
BIRMAN, J. Freud e a Crítica da Razão Delirante. In: BIRMAN, J. Freud 50 anos depois.
Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1989.
BITTENCOURT, R.C.B. Historiografia de pessoas com transtorno mental severo na
perspectiva de suas vivencias escolares. Programa de Doutorado Stricto Sensu, Universidade
Del Mar.Viña Del Mar, Chile, 2012.
BOFF. Leonardo. Saber cuidar: ética do humano - compaixão pela terra. Rio de Janeiro:
Vozes, 1999.
BOTEGA, N.J. Prática Psiquiátrica no Hospital Geral: interconsulta e emergência. Porto
Alegre: Artmed, 2002.
BRASIL. Lei n.10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde
mental.
Brasília;
2001.
[citado
2008
nov.
22].
Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10216.htm>. Acesso em: 23 nov.
2013.
CASTRO, S.A.; FUREGATO, A.R.F.; SANTOS, J.L.F. Características sociodemográficas e
clínicas em reinternações psiquiátricas. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v.18, n.4,
pp. Tela 1 – Tela 9, 2010.
CATHÉBRAS, P. Qu’est-ce qu’une maladie?. Revue de Médecine Interne, n. 18, pp. 809813, 1997.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano 2 – Morar e cozinhar. 2. ed. Petrópolis: Vozes,
1998.
FIGUEIREDO, W. Assistência à saúde dos homens: um desafio para os serviços de atenção
primária. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v.10, n.1, p. 105 – 109, 2005.
FINK, M. Eletrochoque: restaurando a mente. [tradução: Andréa Favano] São Paulo: Roca,
1923.
FOUCAULT, M. A História da Loucura na Idade Clássica. São Paulo: Perspectiva, 1995.
GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis, Vozes, 1975.
GOFFMAM, E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2003.
GOLDBERG, J.I. Cotidiano e instituição: revendo o tratamento de pessoas com transtorno
mental em instituições públicas. 1998. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) –
Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, 1998.
HOLANDA, A. Pesquisa fenomenológica e psicologia eidética: elementos para um
entendimento metodológico. In Bruns, M.A.T. & Holanda, A.F. (Orgs). Psicologia e pesquisa
fenomenológica. Reflexões e perspectivas. São Paulo: Omega, 2002.
HOLMES, D. S. Psicologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Medicas, 2001.
KINOSHITA, R. T. Uma experiência pioneira. A reforma psiquiátrica italiana. Em R. G.
Marsiglia, D. A. Dallari, J. F. Costa, F. D. M. Moura Neto, R. T. Kinoshita, & A. Lancetti
(Orgs.). Doença mental e cidadania. São Paulo: Edições Mandacaru, 1987.
LAING, R. D. Identidade Complementar. In: O Eu e os Outros – O Relacionamento
Interpessoal. Petrópolis: Vozes, 1986.
MARX, K. O Capital Livro I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.
MELMAN, J. Família e Doença Mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e
familiares. São Paulo: Escrituras Editora, 2001.
MELMAN, J. Repensando o cuidado em relação aos familiares de pacientes com transtorno
mental. Tese (Mestrado em Medicina Preventiva) - Faculdade de Medicina, Universidade de
São Paulo, 1998.
MINUCHIN, S. Famílias: Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
NOGUEIRA, M. A. M. Saúde Mental e Arquitetura: Espaço e Ambiente no Processo
Terapêutico. Campinas: Livro Pleno: 2005.
OLIVEIRA, F. B. & FORTUNATO, M. L. Reabilitação Psicossocial na Perspectiva da
Reforma Psiquiátrica. Vivência, n. 32, p.155-161, 2007.
OLIVIERI, D. P. O "ser doente": dimensão humana na formação do profissional de saúde.
São Paulo: Editora Moraes, 1985.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - Relatório mundial da saúde: saúde mental:
nova compreensão, nova esperança. Lisboa : Ministério da Saúde, Direcção-Geral da Saúde,
2002.
PEREIRA, M. A. O. Representação da doença mental pela família do paciente. Interface –
Comunicação, Saúde, Educação, v.7, n.12, p. 71-82, 2003.
PESSOTTI, I. A Loucura e as Épocas. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.
RICHARDSON, Robert Jarry. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.
RICHTER, H. A família como sujeito . São Paulo: Marins Fontes, 1979.
RODRIGUES, R.M.; SCHNEIDER, J.F. A enfermagem na assistência ao indivíduo em
sofrimento psíquico. Revista Latino-americana de enfermagem, v.7, n.3, p. 33-40, 1999.
ROSA, L. C. S. Transtorno mental e o cuidado na família. São Paulo: Cortez, 2003.
ROTELLI, F., NICÁCIO, F. Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990.
SARACENO, B. Libertando identidades da reabilitação psicossocial à cidadania possível.
Belo Horizonte: Te Corá; 1999.
SILVA, M.B.B. Responsabilidade e reforma psiquiátrica brasileira: sobre a relação entre
saberes e políticas no campo da saúde mental In: Revista Latinoamericana de Psicopatologia
Fundamental, ano VIII, n.2, 2005.
WAIDMAN, M. A. P. O cuidado às famílias de portadoes de transtornos mentais no
paradigma da desinstitucionalização. Tese (Doutorado em Enfermagem). Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. 2004.
WALDOW, V. R. O cuidado na saúde. As relações entre o eu, o outro e o cosmos.
Petrópolis: Vozes. 2004.
Download