Teoria Antropológica I – 3° Exercício de Avaliação Bruna de Oliveira – Mat.: 16/0003369 – Turma C Grupo 1 [3,0] 3. A partir das elaborações de Evans-Pritchard em Os Nuer, defina “tempo estrutural” e “distância estrutural”. Para definir os termos “tempo estrutural” e “distância estrutural” é necessário pensar a partir da lógica proposta por Evans-Pritchard, qual seja: “descrever a vida dos Nuer e expor alguns dos princípios de sua estrutura social”. Em outras palavras, os termos englobam não somente conceitos, mas também, e sobretudo, categorias dotadas de significado oriundos da estrutura social, que a influenciam e são influenciados pela mesma. Tem-se que “tempo estrutural” é utilizado, em um primeiro momento, de maneira a contrastar com a ideia de “tempo ecológico”. Por essa perspectiva inicial, o termo abrangeria as relações entre indivíduos e grupos inseridos em uma estrutura social. Porém, o autor amplia a abrangência do termo quando afirma que seria ilusório pensar no “tempo estrutural” como “inteiramente progressivo”, uma vez que atribuir a ideia de movimento à estrutura é paradoxal, pois esta última “permanece bastante constante e a percepção do tempo não é mais do que o movimento de pessoas”. Tal afirmação torna-se evidente ao se tomar como exemplo os conjuntos etários e o “fluir” dos indivíduos (ou grupo de indivíduos) dentre os mesmos: os conjuntos etários, per si, permanecem os mesmos, quantitativa e socialmente. Sendo os conjuntos etários os pontos estruturais fixos por entre os quais seus membros agrupados deslocam-se. Pode-se dizer que o “tempo estrutural” é progressivo somente individualmente; do ponto de vista da estrutura social, ele é fixo. É similar quando se trata do que Evans-Pritchard chama de “o tempo da linhagem”, que nesse caso adota o sistema de linhagens para delimitar o tempo. O antropólogo observa que o calendário nuer é uma manifestação dessa forma de raciocínio temporal. O calendário é uma amálgama das atividades e dos conceitos nuer, de maneira que nenhum dos dois pode existir isoladamente. Os nomes dos meses transmutam-se nas atividades prevalecentes do dito período, em mais uma afirmação de que o tempo na verdade é uma “relação entre várias atividades”. No dito “tempo ecológico”, existe o embasamento em fenômenos naturais, principalmente cunhados em corpos celestes, tais como as fases lunares ou o percurso solar, além das atividades pastoris e necessidades do gado. Mesmo essas demarcações temporais, contudo, somente se dão porque possuem um forte cunho social e por um forte mutualismo. O “tempo ecológico”, que teoricamente regeria essas atividades, toma uma posição de vertente do “tempo estrutural” justamente por sua significância para as atividades sociais. O tempo nuer também é compreendido como movimentos de um grupo e adota um caráter mais estrutural do que histórico (mas ainda assim, histórico), determinado pelas inter-relações estruturais, revestindo-se de significados grupal e peculiar para cada grupo que o adota. Os “tempos grupais” se relacionam e, na lógica nuer, o tempo “não é um contínuo, mas um relacionamento estrutural constante entre dois pontos”, o fundamento da estrutura política definindo as alianças e as articulações existentes entre os grupos sociais. As noções de tempo e espaço, portanto, são interdependentes e correlacionadas. As unidades temporais tendem a ser coordenadas com unidades do espaço estrutural, sendo ambas as noções nuer derivadas do entendimento que os próprios indivíduos têm da estrutura social e do sistema ecológico (que é de suma importância para a compreensão do complexo social dos Nuer). Aufere-se que “todo tempo é estrutural” levando-se em consideração que o tempo, para os Nuer, não é uma mera contagem ou uma representação numérica; é um agregado de atividades, acontecimentos e conceitos sociais cujos pontos de referência representam um retorno a relações intergrupais que se deram no passado e, com isso,pretendo-se ordenar relacionamentos. Daí se torna necessário compreender o tempo com relação à distância estrutural. O próprio entendimento de tempo estrutural somente pode acontecer tendo em mente a compreensão de distância estrutural, sendo o primeiro um reflexo da última. Evans-Pritchard define distância estrutural como “a distância entre grupos de pessoas dentro de um sistema social, expressa em termos de valores. A natureza da região determina a distribuição das aldeias e, por conseguinte, a distância entre elas, porém os valores limitam e definem a distribuição em termos estruturais e fornecem um conjunto diferente de distância”. Em outras palavras, a distância afasta-se do geográfico e do espacial e dota-se de valores baseados no espaço estrutural. É necessário levar em consideração diversos fatores socioespaciais para que se determine a proximidade relativa entre os grupos. A tribo, o sentimento tribal, o intercâmbio social, a identificação com comunidades locais e o isolamento são fatores determinantes para a relatividade estrutural característica da distância estrutural. O que é levado em consideração na distância estrutural é a forma como grupos de pessoas se relacionam, bem como as condições físicas e as características geológicas, que influenciam padrões de comportamento nas comunidades perante a carestia de alimentos, a tecnologia simplória e a distribuição populacional. Os indivíduos dotam de valores as distribuições locais, sendo que os pontos de referência nesse sentido são relativos e terão diferentes significados a depender da situação social – e é preciso que se tenha um conhecimento razoável do idioma nuer para compreender verdadeiramente essas nuances. “Os valores estão incorporados em palavras, através das quais influenciam seu comportamento. Quando um Nuer fala de seu cieng, seu dhor, seu gol, etc., ele está transformando em conceitos seus sentimentos de distância estrutural”. Em suma, as fronteiras entre as dimensões temporais e espaciais são fluidas e particularmente ínfimas quando se analisa estruturalmente a sociedade Nuer. A proximidade/distância entre grupos é relativa quando se percebe os significados e significantes que permeiam as relações entre os grupos de pessoas. Essa forma de compreender o tempo e o espaço (noções essas que, essencialmente, têm o mesmo significado e peso) define a estrutura política e social dos nuer. A hostil relação e a diferenciação cultural entre os nuer e os dinka são reflexos disso. Grupo 2 [2,7. Achei que a resposta anterior ficou até melhor. Deveria ter enfatizado mais as atividades e o ritmo que elas impõem à vida social nuer.] 4. Explique a seguinte formulação de Evans-Pritchard: “Num certo sentido, todo tempo é estrutural, já que é uma ideação de atividades colaterais, coordenadas ou cooperativas: os movimentos de um grupo”. O tempo estrutural é o ponto de rompimento em que os fatores ecológicos cessam de ser utilizados como conceitos e pontos de referência, e são substituídos pelas relações interestruturais. “Todo tempo é estrutural” levando-se em consideração que o tempo, para os Nuer, não é uma mera contagem ou uma representação numérica; é um agregado de atividades, acontecimentos e conceitos sociais cujos pontos de referência representam um retorno a relações intergrupais que se deram no passado e com isso pretende ordenar relacionamentos. Todos os conceitos de tempo pela perspectiva nuer representam, em síntese, a dinâmica da estrutura social, de forma que todos os indivíduos membros de determinado grupo têm a compreensão mútua de tal. Em essência e simploriamente, essa é a definição do tempo estrutural. Aqui todo o tempo é compreendido como a emanação dotada de plenitude dos valores e da relevância que são o encalço da estrutura social. A estrutura social seria o próprio tempo estrutural, já que se fundamenta nele para que a possa existir. Essa noção permeia toda a cadeia de indivíduos de um núcleo social e dinamiza as relações, agregando o tempo a conjuntos e atribuindo uma história comum e particular a cada um desses mesmos grupos. Entendendo-se a noção de tempo ecológico como absoluta, superficialmente fatores como estações do ano não estão dotadas de significância estrutural e/ou social. Porém, sob uma análise mais detalhada e precisa, vê-se que inclusive as estações do ano ou a dicotomia estiagem-chuva são permeadas de contextos estruturais que guiam atividades e comportamentos entre os membros de um grupo ou entre os próprios grupos. Neste sentido, o tempo torna-se estrutural idem e a ideia de tempo ecológico toma outra dimensão. Grupo 3 [2,4. Além de algumas inconsistências conceituais importantes. Deixou de fora as importantes formulações de Durkheim sobre o “homem dual” nas Formas Elementares da Vida Religiosa e a ideia de que a sociedade resulta de uma efervescência da vida coletiva, que gera uma força que atravessa o(s) indivíduo(s).] 5. Como a Escola Sociológica Francesa (Durkheim, Mauss e outros) elabora a relação entre indivíduo e sociedade? Noções tais como a de fato social de Durkheim e a noção posterior de fato social total de Mauss (sendo esta última, de certa maneira, um desdobramento da primeira) podem ser consideradas a síntese da relação indivíduo-sociedade na Escola Sociológica Francesa. Por indivíduo entende-se uma parcela ínfima do todo, cuja formação social, cognitiva e filosófica baseia-se no aglomerado maior, a sociedade; o que não significa dizer que o indivíduo é um ser absolutamente passivo quando inserido na complexa lógica social, seja qual for ela. A compreensão seria a de que a coletividade/totalidade só é possível porque parte do individual, uma vez que ao adotar uma tríplice dimensão (sociológica, histórica e fisiopsicológica), o fato social total só pode acontecer em indivíduos. Há, portanto, um evidente elo entre os contextos individual e o social/coletivo bem como o físico e o psíquico. São complementares e dependentes no sentido de que o total e o global se manifestam e interferem no plano individual. LéviStrauss sintetiza essa complementaridade ao afirmar que “[...] é realmente verdade que, num certo sentido, todo fenômeno psicológico é um fenômeno sociológico, que o mental identifica-se com o social [...] num outro sentido, tudo se inverte: a prova do social, esta, só pode ser mental; dito de outro modo, jamais podemos estar certos de ter atingido o sentido e a função de uma instituição, se não somos capazes de reviver sua incidência numa consciência individual”. (“Introdução à obra de Marcel Mauss”, in Sociologia e Antropologia). Daí ser tão caro o diálogo da sociologia com a psicologia, a linguística e outras ciências humanas no contexto da Escola Sociológica Francesa; desse casamento multidisciplinar, muitos termos cruciais em outras disciplinas foram adotados para o contexto da sociologia e da antropologia, o inconsciente estando nesse rol. O inconsciente surge aqui como o fator aonde a universalidade e a especificidade de determinado fato social se aloja, sendo nele aonde se estabelece a fronteira entre o “eu e o outro”. Para Durkheim, o pensamento é a origem do real social. Para que se compreenda verdadeiramente o fato social total é necessária sua total apreensão, levando-se em conta os significados e os significantes que o subjazem. Já o indivíduo enquanto manifestação subjetiva e ativa de tal simbolismo é peça fundamental nesse processo. Por essa lógica, a sociedade é uma categoria total caracterizada por suas subcategorias incorporadas em símbolos reconhecidos pelos homens em suas experiências individuais nas representações coletivas. Liberdade individual e obrigação moral coletiva se entrelaçam nos estudos sociológicos franceses, principalmente em Durkheim, que prezaram por um “desenvolvimento teórico dos temas da magia e da religião” buscando uma “relação entre crenças coletivas e a produção das práticas” (Paulo Henrique Martins e Juliana de Farias Pessoa Guerra, no artigo “Durkheim, Mauss e a atualidade da Escola Sociológica Francesa”).