21. Origem das CBEs no Brasil e no Acre

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ORIGEM DAS CEBs NO BRASIL E NO ACRE
“Difícil situar com precisão o momento da aparição das CEBs no Brasil
como é difícil desenhar os contornos do que vem a ser uma Comunidade
Eclesial de Base”.1
As CEBs no Brasil foram o resultado de um amplo processo, difuso,
enfeixando elementos que se originavam e se articulavam no contexto interno da
Igreja Católica e elementos provenientes da sociedade brasileira.
A relação dialética que se estabeleceu entre a Igreja e a sociedade,
notadamente a partir da década de 60, confluíram no sentido de fazer emergir no
interior da Igreja Católica novas práticas pastorais e novas relações sociais.
Em vários estudos dedicados às CEBs, chamava-se a atenção para esse
aspecto, demonstrando que uma correta compreensão das CEBs no Brasil devia
levar em conta aquilo que se chamava de fatores objetivos e fatores subjetivos.
Os fatores objetivos eram aqueles que se produziam fora da Igreja e
independente de seu controle institucional, como o movimento pelas “reformas
de base” na década de 60 e o golpe militar de 64. Esses fatores externos, de certo
modo, obrigaram a Igreja e os movimentos
leigos a ela vinculados, a repensar a sua fé e
as suas práticas sociais.
Os fatores subjetivos expressavam um
conjunto de práticas que se originaram na
dinâmica interna da Igreja Católica e que
exerceram um peso substantivo no processo
de transformação da instituição, como o
Concílio Vaticano II, experiências pioneiras
Frei Heitor com família no rio Iaco.
de renovação paroquial, maior presença na
sociedade de movimentos leigos como a ação Católica, a II Conferência do
Episcopado Latino Americano realizado em Medellín, a modernização da
CNBB, etc.
As CEBs no Brasil foram a resultante necessária de um processo que
estabeleceu um cruzamento entre práticas oriundas da dinâmica interna da Igreja
e da sociedade: “No Brasil, pois, as CEBs vão tomar corpo e adquirir sua
identidade no entroncamento de uma realidade nacional com uma realidade
eclesial, ao terem passado, ambas, por uma convulsão institucional de fundas
raízes ideológicas: a chamada revolução de 64 e o Concílio Vaticano II”.2
O Plano de Pastoral de Conjunto, aprovado pela CNBB, aproveitou as
experiências anteriores de renovação e “pela primeira vez se falou
explicitamente em CEBs. O conceito base quis significar não apenas a última
1
2
Procópio e Alli Camargo. Comunidades Eclesiais de Base, Vozes. Pág. 62.
Marcelo Azevedo. Comunidade Eclesial de base e inculturação da fé. Pág. 54.
expressão comunitária completa da Igreja, mas também a expressão eclesial
com os elementos essenciais na menor dimensão possível”.3
A II Conferência Episcopal Latino Americana de Medellín, em 1968,
consagrou às pequenas Comunidades de fé uma atenção especial e lhes conferiu
estatuto de verdadeira experiência eclesial, chamando-as de “Comunidades
Cristãs de Base”. Os Bispos em Medellin consideraram esta experiência que
estava pipocando por toda a América Latina como “um novo jeito de ser Igreja”,
caracterizada pela ligação entre Fé e Vida, uma Igreja aberta e participativa,
comprometida com a causa dos pobres e que era capaz de escutar: “Um clamor
surdo que brota de milhões de homens, pedindo a seus pastores uma libertação
que não lhes chega de nenhuma parte”. (Medellin, 2)
Se, de um lado, em nível de América Latina, pelo menos em tese, as
CEBs já estavam legitimadas, faltava a chancela de Roma. Paulo VI, em 1975,
na sua Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi” tratava as pequenas
Comunidades de fé como lugares privilegiados da evangelização, sementes
evangelizadoras e esperança para a Igreja universal.
Nesse mesmo ano de 1975, em Vitória-Espírito Santo, aconteceu o
primeiro Encontro Inter-eclesial, onde um pequeno número de delegados de só
11 dioceses do Brasil se reuniram compartilhando esta nova experiência eclesial
e refletiram sobre o seguinte tema: “Uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito
de Deus”.
Na III Conferência do Episcopado
Latino Americano realizada em Puebla, em
1979, a experiência das Comunidades
Cristãs de Base foi confirmada e passaram
a se chamar de Comunidades Eclesiais de
Base
(CEBs).
Entraram,
assim,
definitivamente na composição do tecido
eclesial como experiências pastorais
positivas e passaram a ser incorporadas
Comunidade do interior de
como
elementos
constitutivos
da
Sena Madureira.
Instituição Católica. “As CEBs são
expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo simples: nelas se expressa,
valoriza e purifica sua religiosidade e se lhe oferece possibilidade concreta de
participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o mundo”.
(Puebla, 643)
“Os cristãos, unidos em CEBs,
procuram uma vida mais evangélica no seio do povo, questionam as raízes
egoístas e de consumismo da sociedade e explicitam a vocação para a
comunhão com Deus e com os irmãos, oferecendo um valioso ponto de partida
para a construção duma nova sociedade, a civilização do amor”. (Puebla, 642)
3
José Marins. Curso de treinamento intensivo. Pág. 52.
Embora no documento de Puebla o acento das CEBs não recaiu
explicitamente na sua “dimensão libertadora” e nas inevitáveis consequências
políticas e sociais delas decorrentes, o documento reconhecia a sua validade,
incentivava a multiplicação dessas experiências, ao mesmo tempo em que
chamava a atenção para os possíveis desvios, tais como a manipulação política,
o sectarismo e o fechamento em torno de si mesmas, como negação de sua
comunhão com a Igreja Universal.
“As CEBs expressam e exprimem uma mudança substantiva no conjunto
das práticas sociais e religiosas da Igreja Católica do Brasil. Essa
substantividade reside no fato de que, as CEBs representam uma articulação
institucional da Igreja Católica nas classes populares”.4
Nascia um novo modo de ser Igreja, com um novo modelo de viver o
cristianismo, dando lugar ao surgimento de uma nova Igreja, uma eclesiogênese.
Com a expressão “eclesiogênese” se pretendia afirmar que estávamos
diante do nascimento ou do renascimento de uma nova Igreja. Esta “nova
Igreja”, conforme se expressava nas CEBs, arrancava e se enraizava na fé do
povo pobre e, em solidariedade com ele, resgatava a força libertadora que
continha a mensagem cristã.
“A impressão primeira que se tem é que alguma coisa do Espírito está em
ação neste fenômeno, no qual o povo crente e pobre se organiza para viver
comunitariamente a sua fé. Não se repete um passado, nem se organiza uma
estrutura presente; abre-se um futuro novo,
ainda não ensaiado nos últimos séculos de
predomínio clerical. Trata-se de uma verdadeira
eclesiogênese, vale dizer, da gênese de uma
Igreja que nasce da fé do povo”. 5
As CEBs se constituíam, assim, em um
grande movimento social, de caráter popular,
com um fundo religioso.
Uma de tantas definições das CEBs, que Procissão do Bom Jesus do Abunã.
surgiram nesse tempo, poderia ser esta: “Um
grupo de pessoas que livremente se reúnem para aprofundar seus
conhecimentos do Evangelho, que é o próprio Cristo, que refletem e discutem
sobre suas necessidades e as necessidades dos outros, procurando soluções
adequadas, que celebram na Eucaristia suas vitórias e suas derrotas, e por fim,
procuram irradiar e difundir a mensagem que para eles é a vida”.
As CEBs da Igreja de Rio Branco começaram a caminhar junto com as
CEBs de todo o Brasil, através dos Inter-eclesiais que continuaram acontecendo
a cada dois ou três anos. A participação, no início, foi tímida, mas em seguida, já
em 1981, em Itaici, o padre Asfury e o Bacurau as tornaram bem conhecidas
4
Nilson Mourão, A prática educativa das Comunidades Eclesiais de Base no Estado do Acre. Pág. 29.
Leonardo Boff. As Eclesiogêneses subjacentes às Comunidades Eclesiais de Base, em Igreja Carisma e poder.
Pág. 204
5
com a música: “Igreja é Povo que se organiza para a libertação”.
Em 1983, em Canindé, participaram 5 delegados da Prelazia, que
debateram com mais outros 500 delegados sobre o tema: “Igreja, Povo unido,
semente de uma Nova Sociedade”. Os delegados de Rio Branco foram os únicos
de toda a Amazônia ocidental e que, por sinal, tiveram a missão de visitar em
seguida as dioceses de Manaus e Porto Velho para despertá-las sobre o valor dos
Inter-eclesiais, pois os debates se tornavam bem atualizados para a caminhada
da Igreja de toda a Região Norte, com referência à luta dos negros, mulheres,
índios e ecumenismo.
Era a época do crescimento da Teologia da Libertação e dos
questionamentos sobre a participação política partidária das CEBs. Isso ficou
evidente pelos temas dos Inter-eclesiais, pelo menos até o ano de 1989, em
Duque de Caxias, quando entre 2.500 delegados foi debatido o tema: “Povo de
Deus, na América Latina, a caminho da Libertação”.
Mas já se estava notando que, em nível mundial e continental, algo novo
estava surgindo e alertando que, para o “trem das Comunidades Eclesiais de
Base”, poderia acontecer uma freada nos trilhos da política e um avanço nos
trilhos das culturas, da esperança, das memórias, dos sonhos e da
espiritualidade.
“Respirava-se uma verdadeira primavera espiritual. Leiamos agora
algumas palavras de uma carta do Pe. Carlos escrita alguns meses atrás. São
palavras maravilhosas que nos devem fazer refletir e, principalmente, nos levam
a enfrentar a vida com disposição e alegria. O Cristo Ressuscitado está
conosco, e, com ele nada é perdido, nada é estéril, nem mesmo a morte.
„Irmãos, para acompanhar a primavera da Igreja que o Espírito está criando,
precisamos de imaginação e coragem. Precisamos de gestos corajosos, para
tornar-nos sinais de contradição. Alimentando-nos na fonte do Cristo
Ressuscitado, somos chamados a uma criação permanente. É exatamente o
contrário de uma vida de facilidade: não há criação na facilidade. Precisamos
irmãos, ter a coragem da aventura interior, utilizando meios pobres, para
mostrar aos homens a festa do Cristo Ressuscitado‟”.6
A caminhada no Acre, como no Brasil, continuou centralizada na opção
pelos pobres, que era testemunhada pela inserção das paróquias nas periferias, e
pelas casas das Congregações religiosas nas áreas e nos ambientes mais pobres.
Tudo isso favoreceu no Acre o avanço dos Movimentos Populares, de
Associações e Sindicatos de seringueiros e colonos, na organização de
Associações de moradores dos bairros, nas lutas dos agricultores, professores,
lavadeiras, estivadores, estudantes e até na gestação de um Partido que se
identificasse melhor com os profundos anseios de justiça e de liberdade de toda
uma população, que fazia muitos anos sonhava com uma sociedade diferente.
6
Dom Moacyr Grechi, em Boletim “Nós Irmãos”. Diocese de Rio Branco. Setembro 1972. Pág. 1.
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