PREVISÃO DA ÁREA MIOCÁRDICA SOB RISCO DE NECROSE ATRAVÉS DE MODELOS DE REGRESSÃO Laíse Oliveira Resende1, Edmilson Rodrigues Pinto2, Leandro Alves Pereira2, João Batista Destro Filho1 1 Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Engenharia Elétrica/ Laboratório de Engenharia Biomédica, Uberlândia – MG, E-mail: [email protected]; [email protected] 2 Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Matemática, Uberlândia – MG, E-mail: [email protected]; [email protected] Resumo - O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) constitui-se de necrose miocárdica, proveniente de isquemia. A estimativa precoce e correta do tamanho da área sob risco de necrose (ARN) no IAM tem grande importância clínica, pois possibilita um tratamento adequado e eficiente ao paciente infartado. A principal ferramenta para o diagnóstico do IAM é o eletrocardiograma (ECG). Entretanto, o ECG não é capaz de fornecer informações sobre a severidade e estágio da lesão cardíaca, nem tampouco de estimar a área miocárdica sob risco de necrose. O objetivo deste artigo é propor modelos para estimação da proporção da ARN em pacientes que sofreram IAM anterior ou inferior. Os modelos propostos necessitam apenas das informações contidas no ECG, da idade e do sexo do paciente. Os modelos obtidos a partir desses dados mostraram-se bastante eficientes na estimação da ARN tanto no IAM anterior, quanto no IAM inferior. Além disso, as previsões da área sob risco de necrose, obtida através dos modelos construídos, mostraram-se melhores que aquelas obtidas usando o escore de Aldrich. Palavras-Chave - escore, infarto, quase verossimilhanca, regressão beta. PREDICTION OF AREA AT RISK OF MYOCARDIAL NECROSIS BY REGRESSION MODELS Abstract - The Acute Myocardial Infarction (AMI) consists of myocardial necrosis, resulting from ischemia. The early and accurate estimation of the size of the area at risk of necrosis (ARN) in AMI has great clinical importance because it enables an appropriate and effective treatment for patients with myocardial infarction. The main tool for the diagnosis of AMI is the electrocardiogram (ECG). However, the ECG can not provide information about the severity and stage of cardiac disease, nor to estimate the myocardial area at risk of necrosis. The aim of this paper is to propose models to estimate the proportion of myocardial ARN in patients with anterior or inferior AMI. The proposed models require only the information in the ECG, age and gender of the patient. The models obtained from these data were very efficient in estimating the ARN in both the anterior and inferior AMI. Moreover, the prevision of ARN, obtained through the models, were better than those obtained using the Aldrich score. Keywords – beta regression, infarction, score, quasi likelihood. NOMENCLATURA ECG - Eletrocardiograma. IAM - Infarto Agudo do Miocárdio. SPECT - Tomografia computadorizada com emissão de fóton único. ARN - Área sob risco de necrose INTRODUÇÃO O Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) constitui-se de necrose miocárdica, proveniente de isquemia. O IAM é causado pela oclusão de uma artéria coronária através de depósitos de lipídeos, ficando uma área do miocárdio sem suprimento sanguíneo e, sem irrigação sanguínea, ocorre necrose [1]. A estimativa precoce e correta do tamanho da área sob risco de necrose no IAM tem grande importância clínica, pois possibilita a realização de tratamento adequado e eficiente ao paciente infartado. A principal ferramenta para o diagnóstico do IAM é o eletrocardiograma (ECG). O ECG é de fácil utilização, baixa invasividade, grande disponibilidade e baixo custo. Na maioria dos casos, o diagnóstico de infarto no ECG é possível apenas pela observação da elevação do segmento ST [2]. Para ser considerado no diagnóstico do IAM, o supradesnivelamento do segmento ST deve aparecer em duas ou mais derivações contíguas, apresentando amplitude maior que 2 mm de V1 a V3 ou maior que 1mm nas outras derivações [3]. Uma derivação eletrocardiográfica é identificada pela presença de ondas Q patológicas, ou seja, com duração ≥ 40 ms (1mm) ou um terço da altura do complexo QRS, além das alterações do segmento ST, através de seu supradesnivelamento. As derivações mostram alterações referentes ao processo isquêmico, tornando possível estabelecer critérios para a localização do infarto. As distinções mais importantes são entre os infartos anterior e inferior. O infarto anterior corresponde às alterações nas derivações V1, V2, V3, V4, V5 e V6. Já o infarto inferior abrange as alterações referentes às derivações D2, D3 e aVF [3]. Entretanto, o ECG não é capaz de fornecer informações sobre a severidade e estágio da lesão cardíaca, nem tampouco de estimar a área miocárdica sob risco de necrose. Tais informações são obtidas, por exemplo, através de tomografia computadorizada, a qual é cara e nem sempre está disponível no hospital ou dosagem de marcadores moleculares de lesão miocárdica. No entanto, esses exames somente podem ser realizados após algumas horas depois de ocorrido o IAM e o resultado pode ser demorado. Vários procedimentos foram propostos para estimação da área miocárdica necrosada. Um desses procedimentos consiste na construção de escores com base nas informações contidas no ECG. Dentre os escores desenvolvidos, o escore de Aldrich, o qual propõe uma equação para estimar a proporção da área miocárdica em risco de necrose. Embora o escore de Aldrich seja o mais utilizado, seus resultados são pouco confiáveis e os procedimentos para a obtenção deste escore não são claros. O Escore de Aldrich, foi desenvolvido em 1988 com o intuito de estimar a área miocárdica em risco de necrose, utilizando-se, para tal, dos ECGs realizados em até oito horas após o início do IAM. Para o seu cálculo são utilizadas as variáveis relacionadas ao supradesnivelamento do segmento ST, como o número de derivações apresentando esta alteração e a somatória da amplitude das elevações (considerando-se, para tal medida, o ponto J) em algumas derivações específicas. Esse escore possui duas equações utilizadas conforme a localização da área isquêmica (anterior ou inferior), sendo importante a magnitude da elevação do segmento ST nas derivações D2, D3 e aVF para IAM inferior e o número de derivações com elevação do segmento ST no IAM anterior [2]. Com relação aos trabalhos recentes sobre a estimação da área miocárdica sob risco de necrose, podem-se citar [4] e [5]. O primeiro propõe um método para estimar a área miocárdica sob risco de necrose baseado nas informações das derivações do segmento ST, com ajuda de um modelo biomatemático, chamado DECARTO. Os autores utilizam uma superfície esférica como superfície de referência para aproximar a parede ventricular e assim fazer a estimação da área sob risco de necrose. O segundo, usa um método de clusterização, baseado em um algoritmo fuzzy c-means para quantificar edema e necrose miocárdica durante o IAM. Entretanto, em nenhum desses métodos, por não serem estatísticos, é possível estabelecer um intervalo de confiança para a previsão da área miocárdica sob risco de necrose. É sabido que o valor de uma estimativa por si só contém pouca informação a respeito do parâmetro de interesse, pois não permite julgar qual a possível magnitude de erro que se está cometendo, sendo uma informação completa aquela que associa, além do valor da estimativa parâmetro, o respectivo intervalo de confiança. OBJETIVO O objetivo deste artigo é propor um modelo estatístico para previsão da proporção da área miocárdica sob risco de necrose em pacientes que sofreram IAM. Para tanto, serão usadas apenas informações contidas no ECG, além da idade e do sexo do paciente. A modelagem da proporção em um determinado conjunto de observações, por meio de um modelo de regressão linear, nem sempre é recomendada, uma vez que o modelo linear requer a suposição de que as proporções seguem a distribuição normal e que possuam variâncias iguais. Os modelos alternativos, propostos na literatura para contornar esse problema, são os modelos lineares generalizados, mais especificamente, os modelos de quase-verossimilhanca, propostos por [6] e os modelos de regressão beta, propostos por [7]. Neste artigo as duas abordagens são consideradas. MATERIAIS E MÉTODOS A amostra estudada foi composta por 64 pacientes dinamarqueses com diagnóstico diferencial de IAM, com supradesnivelamento significativo do segmento ST no ECG (maior que 1mm em pelo menos uma derivação). Os pacientes foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: ter representação suficiente de uma lesão uniarterial entre as três principais artérias coronárias, realização do ECG no paciente no máximo 8 horas após os primeiros sintomas do IAM (dor precordial). Pacientes com traçados eletrocardiográficos indicadores de bloqueio de ramo esquerdo, IAM prévio ou hipertrofia do ventrículo esquerdo não foram considerados para o estudo. Dos pacientes com artérias comprometidas, selecionados para o estudo, 28 apresentaram-se com a artéria descendente anterior esquerda, 24 com a artéria coronária direita e 12 com a artéria circunflexa. A aquisição das imagens foi realizada através de tomografia computadorizada com emissão de fóton único SPECT (em inglês: single photon emission computed tomography). O SPECT possibilita estimar o acúmulo relativo do radiofármaco no miocárdio do ventrículo esquerdo, permitindo a detecção de forma não invasiva de áreas de isquemia ou fibrose decorrentes de cardiopatia isquêmica. A aquisição das imagens foi feita com a injeção do radiofármaco sestamibi marcado com tecnécio-99m (99mTc) na corrente sanguínea do paciente [8]. Os dados, referentes às imagens das áreas miocárdicas sob risco de necrose, foram obtidos no Hospital Universitário Skejby, em Aarhus, na Dinamarca. Os procedimentos de aquisição dos dados foram realizados por pesquisadores dinamarqueses, em estrita observância às normas do comitê de ética local. Para cada paciente infartado, foram coletadas informações sobre a área miocárdica sob risco de necrose (através do SPECT), idade, sexo e o ECG, o qual, depois de analisado por uma equipe de especialistas, gerou informações sobre o segmento ST em suas diversas derivações, fornecendo os valores das covariáveis V1, V2, V3, V4, V5, V6, D2, D3 e aVF. Utilizou-se os modelos de regressão beta [9] e quaseverosimilhança [10]. As características dos pacientes utilizadas foram idade, gênero e alterações eletrocardiográficas nas derivações correspondentes ao tipo de infarto (anterior ou inferior). Não foram utilizadas informações relativas ao peso e altura dos pacientes, devido à dificuldade de obtenção destas informações no momento da admissão em um setor de emergência hospitalar, além da inclusão de erro ao modelo, pois tais dados seriam informados por terceiros, o que não teria confiabilidade. Já o gênero e idade do paciente não possuem este tipo de erro, sendo por este motivo, utilizados neste trabalho. Não foi utilizado grupo controle de pacientes. Foi realizada a construção de um modelo estatístico (utilizando regressão beta ou quase verossimilhança) para estimar (prever) a percentagem de área sob risco de necrose no conjunto de dados considerado. Neste caso, utilizou-se a própria medida do SPECT, como modo de comparação. Considerou-se o valor da resposta observada (SPECT) como valor verdadeiro para testar nossas previsões. Comparou-se assim, o valor calculado através do escore de Aldrich, o valor estimado (via regressão) e o intervalo de confiança, que somente pode ser obtido em um modelo estatístico, daí também a necessidade de se colocar nas tabelas o erro padrão, que permite que tais intervalos sejam calculados (Figura 1, Tabela IV). RESULTADOS Os modelos de quase verossimilhança e de regressão beta foram aplicados para os dois tipos de infarto e, para ambos modelos, foram considerados ligação logística e função de variância V (µ) = µ(1 − µ). Para a construção do modelo estatístico para estimar a área miocárdica sob risco de necrose, os pacientes foram divididos de acordo com o tipo de infarto sofrido: inferior ou anterior. As covariáveis, provenientes do ECG, para o modelo no infarto inferior foram D2 (x3), D3 (x4) e aVF (x5) e para o modelo no infarto anterior V1 (x6), V2 (x7), V3 (x8), V4 (x9), V5 (x10) e V6 (x11). Estas covariáveis representam as derivações associadas a cada um dos tipos de infartos considerados. Em ambos os modelos, também foram consideradas as covariáveis idade (x1) e sexo (x2) do paciente. A variável resposta Y corresponde à percentagem da área miocárdica sob risco de necrose. As estimativas de máxima verossimilhança e de quase verossimilhança dos parâmetros do modelo para os modelos de regressão beta e de quase verossimilhança, juntamente com seus respectivos desvios padrões, são apresentados nas Tabelas I e II. Dentre as variáveis consideradas inicialmente, a idade e as derivações D2 e D3 foram significativas para previsão da área sob risco de necrose no infarto inferior. Para o infarto anterior, as variáveis que se apresentaram como significativas foram a idade, sexo e as derivações V2 e V3. Uma medida global da variação explicada pelos modelos pode ser obtida calculando o pseudo R2 (Rp2), definido como o quadrado do coeficiente de correlação amostral entre η e g(y), onde η é o preditor linear e g(.) é a função de ligação para os modelos de regressão beta e de quase verossimilhança. 0 ≤ Rp2 ≤ 1 e quanto mais próximo de 1 ele estiver, maior será a concordância entre a média µ e y [7]. TABELA I Modelos de regressão beta e de quase verossimilhança ajustados para previsão da área sob risco de necrose em pacientes com infarto inferior Regressão beta Estimativa Erro Padrão Intercepto Quase verossimilhança Estimativa Erro Padrão -2,42907* 0,327472 -2,43187* * 0,005154 0,01068 0,005653 0,359105 Idade 0,010791 DII 0,633327* 0,11011 0,635248* 0,120984 DIII -0,318292* 0,084211 -0,31540* 0,092389 * significativo ao nível de 5% de significância Na Tabela I, a unidade da estimativa é a mesma da variável resposta, ou seja, percentagem da área sob risco de necrose. Em estatística o erro padrão é usado para dar uma idéia de variabilidade (dispersão) e pode ser usado, como neste caso, para construir intervalos de confiança para os parâmetros. TABELA II Modelos de regressão beta e de quase verossimilhança ajustados para previsão da área sob risco de necrose em pacientes com infarto anterior Regressão beta Erro Estimativa Padrão Quase verossimilhança Estimativa Erro Padrão Intercepto -0,704752* 0,179625 -0,70373* 0,199876 Idade 0,012446* 0,002759 0,012452* 0,003071 Gênero 0,411745* 0,094036 0,411253* 0,104637 0,028635 -0,23108 * 0,031878 0,19205 0,10069* 0,021377 * V2 -0,230824 V3 0,100704* * significativo ao nível de 5% de significância TABELA III Valores de Rp2 para os modelos obtidos usando a regressão beta e de quase verossimilhança Regressão beta IAM IAM inferior anterior Rp2 0,6866 0,8336 Quase verossimilhança IAM IAM inferior anterior 0,6871 0,8336 Os valores encontrados para o pseudo-R2, mostrados na Tabela III, indicam que os modelos obtidos possuem boa representatividade e, portanto, boa capacidade de previsão. Os modelos obtidos usando a regressão beta e a quase verossimilhança são praticamente idênticos nos dois tipos de infarto. Nota-se também que a variável idade, no modelo para o infarto inferior, usando a quase verossimilhança, não foi significativa, mas mesmo assim, pelo fato de que o pvalor não é tão superior do que o nível de 5% de significância e também pelo fato de que usando o modelo de regressão beta essa covariável tenha sido significativa, decidiu-se mantê-la no modelo. Desta forma, de acordo com a regressão beta e a quase verossimilhança, a proporção da área miocárdica sob risco de necrose para o infarto inferior é estimada por (1) e para o infarto anterior, a proporção da área sob risco de necrose é estimada por Espera-se que os resultados desse trabalho possam ser verificados com pacientes brasileiros e que, caso a sensibilidade dos modelos propostos seja comprovada, os mesmos possam ser implementados em algum software da área clínica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (2) Onde as estimativas dos parâmetros β para (1) são dadas na Tabela I e para (2) são dadas na Tabela II. CONCLUSÕES A obtenção dos modelos de regressão para previsão da área miocárdica sob risco de necrose em pacientes acometidos com infartos inferior e anterior, tem grande importância clínica, pois irá possibilitar tratamento adequado e eficiente na abordagem ao paciente infartado. Os modelos obtidos usando a regressão beta e quase verossimilhança foram praticamente idênticos e forneceram estimativas bastante acuradas. Além disso, como pode ser visto na Figura 1 e na Tabela IV, os modelos construídos ainda mostraram-se melhores que o escore de Aldrich para prever a área sob risco de necrose. Fig. 1. Relação entre os modelos estimados – beta ( ) e quase verossimilhança (o) – o escore de Aldrich (•) e o valor observado para a proporção da ARN. TABELA IV Correlação entre a percentagem da ARN observada (yobs) e estimada pelo escore de Aldrich (yAld), pelo modelo beta (ybet) e pela quase verossimilhança (yqv) nos infartos inferior e anterior. yobs Infarto anterior yAld ybet yAld 0,047 ybet 0,911 -0,014 yqv 0,911 -0,014 yobs Infarto inferior yAld ybet 0,638 1,00 0,823 0,754 0,823 0,763 1,0 [1] S.A. Achar, S. Kundu, W.A. Norcross, “Diagnosis of acute coronary syndrome”, American Family Physician, v. 72, n. 1, p. 119-126, 2005. [2] H.R. Aldrich, N.B. Wagner, J. Boswick, A.T. Corsa, M.G. Jones, P. Grande, et al, “Use of initial ST-segment deviation for prediction of final eletrocardiographic size of acute myocardial infarcts”, American Journal of Cardiology, v. 61, n. 10, p. 749-753, 1988. [3] S.A. Hahn, C. Chandler, “Diagnosis and managment of ST elevation myocardial infarction: a review of the recent literature and practice guidelines”, Mount Sinai Journal of Medicine, v. 73, n. 1, p. 469-481, 2006. [4] N. Baron, N. 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