Carta ao editor O paciente está com febre? Diego Adão Fanti SilvaI, Orsine ValenteII Trabalho desenvolvido na Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) Em muitas das prescrições médicas espalhadas pelas diversas enfermarias clínicas e cirúrgicas, é relativamente comum encontrarmos a indicação de antipiréticos somente para os casos em que a temperatura axilar do paciente é ≥ 37,8 ºC. Por um lado, quando o valor verificado é superior ao limite referido (por exemplo, 38,0 ºC), há um consenso quanto ao estado febril e a necessidade de medicação conforme as particularidades de cada paciente. Por outro lado, quando nos deparamos com valores de temperatura também elevados, porém ainda aquém do corte supracitado (por exemplo, 37,5 ºC), há uma divergência de opiniões e, em geral, uma baixa valorização de possíveis complicações clínicas subjacentes. Nesse último caso, é frequente ouvirmos que “ainda não é febre, é estado ‘subfebril’, vamos apenas observar”. Diante do quadro, questiona-se: quais os valores de temperatura que devemos realmente valorizar? Como interpretar uma medição de 37,5 ºC em um paciente previamente afebril? Como e em quais condições se estabeleceu o valor limítrofe de 37,8 ºC para febre? Por definição, febre é o aumento da temperatura corpórea central secundário a uma supramodulação do termostato hipotalâmico decorrente da ação central de pirógenos endógenos (por exemplo, prostaglandinas) ou exógenos (por exemplo, lipopolissacarídios de bactérias Gram-negativas).1 Para diferenciar o estado febril das oscilações fisiológicas de temperatura, Mackowiak e colaboradores, no ano de 1992, publicaram um estudo que aferiu a temperatura oral de homens e mulheres saudáveis entre 18 e 40 anos de idade.2 Nesse trabalho, verificou-se que a temperatura média oral do grupo era de 36,8 ± 0,4 ºC, com os menores valores no período da manhã e os maiores no final da tarde. Desse modo, ficou estabelecido que febre no adulto é todo valor de temperatura oral ≥ a 37,3 °C no período da manhã (6h) e/ou ≥37,8 ºC no final da tarde (16 às 18h), cuja gênese seja decorrente de um desajuste no termostato hipotalâmico. Considerando-se os dados acima e sabendo-se que a temperatura axilar é, em média, 0,5 ºC inferior à oral, conclui-se que também apresenta febre todo paciente adulto cuja temperatura axilar seja ≥ 36,8 °C durante o período da manhã e/ou ≥ 37,3 °C no final da tarde. Pode-se até graduar a febre em “leve, moderada e alta” ou usar termos como “febrícula”, desde que se esteja consciente de que valores de temperatura além dos limites referidos não são normais e, portanto, caracterizam uma disfunção subjacente. Vale lembrar que, em alguns pacientes febris, é de fundamental importância reconhecer situações específicas cuja abordagem e condutas devem ser particularizadas. Merecem destaque: pacientes com síndrome da imunodeficiência adquirida, neutropênicos, neonatos, idosos, pacientes em unidade de terapia intensiva, gestantes e puérperas, além de síndromes clínicas específicas, tais como a febre de origem indeterminada e a febre do viajante. Assim, quando estivermos diante de um paciente adulto, cujos valores de temperatura axilar estão próximos de 37,5 °C, devemos proceder às condutas cabíveis a um indivíduo febril, sem a necessidade de uma aferição ≥ 37,8 °C para tal. REFERÊNCIAS 1. Atkins E. Pathogenesis of fever. Physiol Rev. 1960;40:580-646. 2. Mackowiak PA, Wasserman SS, Levine MM. A critical appraisal of 98.6 degrees F, the upper limit of the normal body temperature, and other legacies of Carl Reinhold August Wunderlich. JAMA. 1992;268(12):1578-80. INFORMAÇÕES Endereço para correspondência: Orsine Valente Av. Moema, 265 — cj. 33 Indianópolis — São Paulo (SP) — Brasil CEP 04077-020 Tel. (11) 5051-1904 Tel./Fax. (11) 5052-2670 E-mail: [email protected] Fontes de fomento: nenhuma declarada Conflito de interesse: nenhum declarado Data de entrada: 11 de janeiro de 2012 Data da última modificação: 12 de janeiro de 2012 Data de aceitação: 31 de janeiro de 2012 Acadêmico do curso de Medicina da Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp). Professor associado da Disciplina de Urgência da Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp) e professor adjunto da Disciplina de Endocrinologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). I II Diagn Tratamento. 2012;17(2):94.