Vivendo com depressão: histórias de vida de

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PESQUISAS / RESEARCH / INVESTIGACIÓN
Vivendo com depressão: histórias de vida de usuários de um Centro
de Atenção Psicossocial
Living with depression: life histories of users of a Psychosocial Care Center
Viviendo con depresión: historias de vida de usuarios de un Centro de Atención Psicosocial
Mariza Márcia Rodrigues Gomes
RESUMO
Graduada em Enfermagem pela Faculdade NOVAFAPI
Aline Raquel de Sousa
Graduada em Enfermagem pela Faculdade NOVAFAPI
Fernanda Matos Fernandes Castelo
Branco
Docente da Graduação do curso de enfermagem e
dicente do Mestrado Profissional Saúde da Família da
Faculdade NOVAFAPI.
Claudete Ferreira de Souza Monteiro
Doutora em Enfermagem. Docente da Graduação
e do Mestrado Profissional Saúde da Família da
Faculdade NOVAFAPI e Professora da graduação e do
Mestrado Acadêmico em Enfermagem da UFPI
O transtorno depressivo vem se caracterizando como um importante problema de saúde pública,
sendo 2 a 3 vezes mais frequente em mulheres. Junto a isso, sabe-se que através das histórias de vida
pode-se compreender como os indivíduos convivem com esta patologia, enfrentam o tratamento
e lidam com a situação. Esse estudo teve como objetivos compreender e descrever histórias de
vida de usuários do Centro de Atenção Psicossocial II – Norte com depressão. A pesquisa possui
uma abordagem qualitativa e a investigação foi realizada com 07 indivíduos com depressão que
frequentam o Centro de Atenção Psicossocial II- Norte, Teresina–PI. Evidenciou-se que as informantes são conscientes de seu problema e que o indivíduo depressivo perde a vontade de realizar suas
atividades diárias, isola-se e torna-se dependente dos outros para a execução de tarefas simples do
cotidiano e até do autocuidado. A presença de uma situação estressora que culminou com o início
da depressão também foi observado no estudo. Após o acompanhamento no Centro de Atenção
Psicossocial, houve uma transformação nos aspectos da vida social das informantes, promovendo
independência e autonomia. Percebeu-se ainda que a história de vida dos indivíduos possui aspectos importantes para a obtenção de subsídios que direcionarão um planejamento da assistência
mais individualizada e singular.
Descritores: Depressão. Saúde mental. Enfermagem.
ABSTRACT
The depressive disturbance is being characterized as an important problem of publie health, being
twice more frequent in women. In addition, we know that through their life histories, we can understand how individuals live with this pathlogy, face the treatment and deal with the situation. This
study had as objective to understand and describe life histories of depressive users of the Psychological Attention Center II- North. This research has qualitative approach and the investigation was
made with seven users with depression. They attend the center for Psychological Attention Center
II- North, Teresina-PI. We observed that the informers are aware of their problems and that the depressive individual does not feel like to accomplish their daily activities: they isolate themselves and
become dependent of others to accomplish simple daily tasks and even carry out self-care. The
presence of a stressed situation at the beginning of the depression was also evident in this study.
After se accompaniment in the aspects of their social life, promoting independence and autonomy.
We also noticed that the life history of the individuals. Have important aspects for the acquirement of
subsidies which will direct a much more singular and individualized planning of assistance.
Descriptors: Depression. Mental health. Nursing.
RESUMEN
Submissão: 09/08/11
Aprovação: 12/09/11
El trastorno depresivo ven caracterizándose como un importante problema de salud pública, siendo
2 a 3 veces más frecuente en mujeres. Junto a eso se sabe que a través de las historias de vida se
puede comprender como los individuos conviven con esta patología, enfrentan el tratamiento y
lidian con la situación. En este aspecto, ese estudio tuvo como objetivo comprender y describir
Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.19-23, Out-Nov-Dez. 2011.
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Gomes, M. M. R.; et al.
historias de vida de usuarios del Centro de Atención Psicosocial II-Norte
con depresión. La pesquisa tiene abordaje cualitativo y la investigación fue
realizada con 7 usuarias con depresión que frecuentan el Centro de Atención Psicosocial II-Norte, Teresina-PI. Se evidenció que las informantes son
conscientes de su problema y que el individuo depresivo pierde la voluntad en realizar sus actividades diarias, aislase y tornase dependiente de los
otros para la ejecución de tareas simples del cotidiano y auto cuidado. El
inicio de la enfermedad ocasionado por una situación estresante también
fue evidenciado en el estudio. Después del acompañamiento en el Centro
de Atención Psicosocial II, hubo una transformación en los aspectos de la
vida social de las informantes, observándose independencia y autonomía.
En faz del expuesto, se percibió que la historia de vida de los individuos
posee aspectos importantes para la obtención de subsidios que direccionarán un planeamiento de la asistencia más individualizada y singular.
Descriptores: Depresión. Salud mental. Enfermería.
assistência singularizada e holística, tornando o indivíduo com sofrimento psíquico ativo no seu processo de saúde-doença (RIBAS; BORENSTEIN,
PADILHA, 2007).
Diante desse desafio, os Centros de Atenção Psicossociais (CAPS)
surgem como uma das estratégias de reorganização de serviços de atenção à saúde mental, com o objetivo de evitar o isolamento, a estigmatização e a discriminação, buscando emancipar o indivíduo, a família e a comunidade, com a inclusão do indivíduo na sociedade (MEDEIROS, 2005).
Dessa forma, estudos que busquem ouvir a pessoa que vivencia a
doença, conhecer sua experiência e o contexto em que está inserida são
de grande relevância para os profissionais de saúde, na busca de subsídios
para a elaboração de um plano terapêutico particular e que proporcione
melhoria na vida desses pacientes.
Face ao exposto, esse estudo teve como objetivos compreender
histórias de vida de usuários com depressão de um Centro de Atenção
Psicossocial.
1
2
INTRODUÇÃO
O transtorno depressivo vem se caracterizando como um importante problema de saúde pública, pois se trata de uma doença que apresenta um curso crônico e recorrente, acarretando sérios prejuízos na vida
dos indivíduos. Adicionalmente, por apresentar um quadro clínico marcado por estados sentimentais que diferem em grau e espécie de acordo
com cada indivíduo, a mensuração em estudos epidemiológicos ainda é
um problema frequente.
Dados epidemiológicos revelam a presença de depressão em 6 a
17% da população mundial, cujos tratamentos utilizados não apresentam
eficácia significativa pelo fato de que respostas parciais ou inadequadas
ao tratamento ainda são um evento comum. Comparada a outras condições médicas, a depressão acarreta maiores prejuízos no funcionamento
físico, social e na qualidade de vida dos acometidos em número bastante
expressivo, estimando cerca de vinte e três vezes mais do que aquele causado por outras doenças físicas (LIMA; FLECK, 2009).
Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde estima que nos
próximos vinte anos a depressão sairá do quarto lugar e ocupará o segundo lugar no ranking de doenças dispendiosas e fatais, ficando atrás
somente das doenças cardiovasculares (OMS, 2001).
O transtorno depressivo é uma doença que afeta milhões de pessoas no mundo, sendo mais comum em pessoas com idade entre 24 e 44
anos. Além disso, a depressão é 2 a 3 vezes mais frequente em mulheres
do que em homens. Embora as razões não estejam totalmente esclarecidas, questionam-se fatores ligados ao estresse, parto e efeitos hormonais
(ABREU; SALZANO; VASQUES, 2006).
Na lógica assistencial, faz-se necessário intervenções que possibilitem ao paciente com transtorno depressivo viver com melhor qualidade
de vida e autonomia, devendo ser ambientado em espaços que não mais
considerem esse indivíduo apenas como um ser acometido por uma doença mental, mas sim como um indivíduo singular que precisa de cuidados que visem atender às suas necessidades.
Nesse contexto, ressalta-se que o processo da Reforma Psiquiátrica ocorrida na Saúde Mental Brasileira foi o acontecimento responsável
pelas mudanças ocorridas nos modelos assistenciais de cuidado à pessoa com transtorno mental, passando de um caráter hospitolocêntrico e
estigmatizante para uma lógica social e reintegradora. Essa reforma vem
gradativamente transpondo os muros de manicômios para buscar uma
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METODOLOGIA
A pesquisa realizada caracteriza-se por uma abordagem qualitativa
baseada nas histórias de vida das pessoas, o que só é possível a partir da
relação e do conhecimento humano. Esse tipo de pesquisa propicia campo livre ao potencial das percepções e subjetividade dos seres humanos
(GIL, 2009).
A investigação foi realizada no Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS) II, que faz parte da Regional Centro - Norte de Teresina –PI, no período de abril a maio de 2011.
Foi escolhido como referencial metodológico a história oral de vida,
pois através da mesma pode-se captar o que acontece na intersecção do
individual com o social, assim como permite que elementos do presente
comuniquem-se com elementos do passado (JOSSO, 1999). Este mesmo
autor afirma ainda que a história oral tenta abranger a totalidade da vida
em seus diferentes registros e em sua duração. Não obstante, Dyniewicz
(2009) ressalta que não existe transcrição neutra, nela sempre estarão presentes as percepções do pesquisador.
Para a realização da pesquisa foram entrevistados sete usuários portadores de depressão que frequentam o CAPS II- Norte, considerando-se
o critério de esgotamento das falas. Os sujeitos deveriam estar em condições de diálogo para contribuir com a pesquisa, não devendo apresentar
comprometimento no pensamento a ponto de prejudicar a realização da
entrevista. Deviam querer participar voluntariamente, consentir e assinar
o termo de consentimento livre e esclarecido. Para garantir o anonimato
os entrevistados, foram adotados nomes de flores.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, no qual o entrevistador faz pequeno número de perguntas abertas, e
as questões a serem respondidas não precisam seguir a ordem prevista no
guia de perguntas, podendo ainda ser formuladas algumas perguntas no
decorrer da entrevista (RUIZ, 2002). A entrevista foi registrada com o auxílio do gravador de voz (MP4), previamente autorizado pelo entrevistado.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade NOVAFAPI, com parecer do Processo CAEE nº 0064.0.043.000-11, juntamente com autorização da Fundação Municipal de Saúde, órgão responsável
pelo local do estudo. Iniciaram-se assim as entrevistas, respeitando os aspectos éticos e legais da Resolução nº 196/96, do Conselho Nacional de
Saúde em pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996).
Revista Interdisciplinar NOVAFAPI, Teresina. v.4, n.4, p.19-23, Out-Nov-Dez. 2011.
Vivendo com depressão: histórias de vida de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
O grupo de sete informantes é formado por pessoas do sexo feminino, com idade entre 26 e 58 anos e com tempo de acompanhamento no CAPS
de 2 meses a 3 anos. A maioria é procedente de Teresina-PI, possui baixo nível de escolaridade e não tem vida conjugal, como se observa no quadro a
seguir.
Ressalta-se que a predominância do sexo feminino observada na pesquisa relaciona-se segundo Kaplan e Sadock (2007) com o fato de que a
depressão é 2 a 3 vezes mais frequente em mulheres, especulando-se, por isso, fatores ligados ao estresse, parto e efeitos hormonais.
Quadro 1- Caracterização sóciodemográfica dos sujeitos. CAPS II-Norte. Teresina-PI
SUJEITO
ORQUÍDEA
BROMÉLIA
CRAVO
ROSA
JASMIM
MARGARIDA
GIRASSOL
PROCEDENCIA
Teresina-PI
Teresina-PI
Batalha-PI
Teresina-PI
Teresina-PI
São João dos
Patos-PI
Teresina-PI
IDADE
31
29
45
28
26
58
30
ESCOLARIDADE
RELIGIÃO
Ensino Fundamental
Ensino Médio
Sem Escolaridade
Ensino Médio
Ensino Superior
Ensino Fundamental
ESTADO
CIVIL
Divorciada
Solteira
Casada
Solteira
Solteira
Casada
Evangélica
Evangélica
Evangélica
Protestante
Evangélica
Católica
TEMPO
NO CAPS
18 meses
5 meses
2 meses
1 ano
2 meses
1 ano
Ensino Fundamental
Solteira
Sem religião
3 anos
Os resultados obtidos pelas falas configuraram relatos de história
oral acerca da vivência de indivíduos com depressão acompanhados pelo
CAPS II-Norte. Esses relatos resgatam desde a infância até o momento em
que se dispuseram a contar suas histórias de vida.
Ao narrar sobre suas infâncias e adolescências, as informantes evidenciaram que foram períodos “normais”, cheio de alegrias, brincadeiras,
responsabilidades, desencontros e descobertas.
Quando eu era criança eu era normal, normal. Eu era uma menina inteligente
tinha muita facilidade de aprender as coisas. E de me comunicar com as pessoas.
(Orquídea)
Quando eu era criança eu era muito feliz, todo mundo gostava de mim. Minha
adolescência também fui feliz, ia pras festas, namorava [...]. (Rosa)
Quando eu era criança eu era uma pessoa como qualquer outra - normal [...]
Eu sempre fui uma pessoa alegre, estudiosa, comunicativa, gostava de sair, todo
lugar era bom. (Jasmin)
Eu sempre fui normal, estudava, trabalhava, saia de casa com os amigos [...] antes eu era normal assim como vocês [...]. (Girassol)
Outros relatos mostram aspectos indicadores de tristeza e solidão
já nessa fase da vida.
Quando eu era criança já era meio tristonha, sei lá, acho que era meio doidinha,
já [...]. (Margarida)
[...] minha adolescência foi só dentro de casa, eu era daquelas pessoas que nem
botava a cara na porta. (Bromélia)
Os discursos demonstraram que a maioria das informantes apresentou infância e adolescência saudáveis, sem fatores estressores marcantes. Porém, duas informantes relataram a presença de sentimentos de
tristeza e solidão nessa fase da vida.
Bahls (2002) afirma que na depressão em crianças e adolescentes,
os fatores de riscos mais importantes são a presença de depressão em
um dos pais, aumentando o risco em pelo menos três vezes, seguido por
estressores ambientais, como abuso físico e sexual, e perda de um dos
pais, irmão ou amigo íntimo, circunstâncias essas não encontradas nos
depoimentos.
Na análise dos discursos das informantes, observou-se que a expressão “normal” assume um significado mais pejorativo, e demonstra a
ruptura do modo de viver causado pela doença, pois o termo é utilizado
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em relatos de situações vividas antes do aparecimento da depressão, expressando a percepção da própria doença. A expressão denota também
o caráter estigmatizante dos transtornos psíquicos, incluindo a depressão,
ainda bastante vigente na sociedade atual.
Assim, pode-se evidenciar que as entrevistadas são conscientes de
seu problema e muitas vezes, até nas fases em que os sintomas da doença
tornam-se exacerbados, essa percepção de si continua presente, como se
observa nos seguintes depoimentos:
Quando eu tava em crise, já tinha vontade de retomar minha casa e cuidar dos
meus três filho e eu não conseguia de jeito nenhum, eu até tentava, mas não
conseguia. Essa depressão é que atrapalhava [...]. (Orquídea)
[...] porque eu passava o dia todim caminhando na rua e sabia o que tava fazendo e não conseguia parar. (Bromélia)
Com isso, o presente estudo corrobora com Gazalle et al. (2004)
que afirmaram que o indivíduo depressivo pode experimentar sentimentos de baixa autoestima e autoconfiança reduzida, ideias de culpa e sentimentos de irrealidade e ruptura com a personalidade. Contudo, assegura
que mesmo na presença desses sentimentos, e dependendo da gravidade
da doença, o indivíduo pode manter preservada a percepção de si.
Outro aspecto evidenciado foi à similaridade quanto ao início da
doença das participantes do estudo. Nos relatos, observou-se a presença
de uma situação deflagradora, um evento marcante que culminou com o
início da depressão ou acentuação do quadro depressivo.
Berlim (2005) enfatiza o impacto de uma separação traumática de
objetos ou indivíduos de apego significativo para o individuo, na qual a
quebra desses laços afetivos é que irá predispor o indivíduo à depressão
futuramente, ou seja, o estressor de vida é um dos fatores de maior risco
para o desenvolvimento do quadro depressivo.
No meu casamento era muita briga, aí ele me abandonou [...] eu fazia tudo em
casa e nunca agradava e ainda chegava brigando [...] Aí aquilo ficou [...] e depois
que eu entrei em depressão me perguntava ainda mais o porquê. (Orquídea)
[...] meu namorado terminou comigo, aí eu fiquei sem dormir, voltou tudo de
novo o que eu sentia e comecei a caminhar na rua com impaciência e ansiedade.
(Bromélia)
O começo mermo da depressão começou quando meu filho [...]se envolveu no
mundo das drogas [...]. (Cravo)
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Gomes, M. M. R.; et al.
Adoeci de depressão desde que fui demitida do meu emprego. Aí fiquei agitada e
agressiva com todo mundo. (Rosa)
Depois de alguns problemas com minhas irmãs que queriam a herança do pai e
da mãe antes deles morrerem, pois é [...] já se viu isso? Aí veio essa tristeza, esse
“aperrei” que não tinha como controlar. (Margarida)
Nos discursos das informantes, observou-se que as mesmas apresentaram um quadro depressivo intenso e marcante, em que tristeza, solidão e angústia foram à tríade clínica mais citada.
Eu lembro que me sentia triste, com uma dor de angústia no peito [...]. (Rosa)
[...] Aí começou essa tristeza, essa solidão, esse aperrei que não tinha como controlar. (Margarida)
É uma tristeza tão forte, tão intensa que não se sabe explicar de onde vem, e
muita solidão [...]. (Jasmim)
[...] fiquei “agoniada”, triste, com uma angústia muito ruim. (Girassol)
Hoje me sinto bem melhor [...] já voltei a trabalhar e com o tratamento aqui do
cap toda semana não me sinto mais triste como antigamente. É uma vitória até
tá conversando com você agora porque antes nem isso eu queria fazer [...]. (Rosa)
No exposto pelas entrevistadas, pode-se perceber que, para àquelas que conviviam com as crises, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS)
vem possibilitando a realização do tratamento em nível ambulatorial, capaz de oferecer um suporte mais estruturado aos indivíduos em sofrimento psíquico.
Dessa forma, o CAPS possibilita ao indivíduo enfrentar as crises
em seu ambiente familiar, evitando a internação e, consequentemente,
diminuindo a cronicidade. No entanto, é importante ressaltar que, como
todas as informantes eram parceiras ativas em seu tratamento, notou-se
uma melhora significativa do quadro depressivo da grande maioria delas,
corroborando com os estudos de Moll e Saeki (2009) ao afirmarem que a
atitude do paciente é de fundamental importância para o tratamento, pois
se ele acredita na possibilidade de melhora, há uma influência positiva na
resposta clínica.
Além disso, esses indivíduos perderam a vontade de realizar suas
atividades diárias, isolaram-se do convívio social e familiar, e, com grande frequência, tornaram-se dependentes dos outros para a execução de
tarefas simples do cotidiano e até do autocuidado, como relatado abaixo:
Não tinha vontade de fala [...] eu passei quase um ano sem falar com ninguém,
só ficava calada. Não tinha vontade de tomar banho [...] aí eu fiquei seis meses de
cama, sem caminhar, não comia, só tomava sopa e líquido, não tinha vontade de
sair, só com tristeza. (Orquídea)
Mas eu nunca desisti, sempre tentando superar [...]. (Orquídea)
[...]desse jeito, vou vencer a depressão [...]. (Bromélia)
É relevante citar que após o acompanhamento no CAPS, houve
uma transformação nos aspectos da vida social e familiar das entrevistadas. Algumas readquiriram independência e autonomia, tornando-se novamente responsáveis por suas atividades anteriores.
[...] Quando eu estou em crise não consigo fazer nada, que ninguém nem me
pergunte que eu mais pareça um saco, não falo com ninguém. (Margarida)
Meus filho já tão hoje comigo na minha casa e um com minha irmã. (Orquídea)
Quando eu estou com a depressão eu não posso tá no meio de muita gente, não
ando de ônibus mas porque tenho medo de me perder. E foi algo muito ruim pra
mim, porque eu era uma pessoa de luta, de muita garra, trabalhadeira, batalhadora, não importava estudo [...]. (Cravo)
Hoje me sinto bem melhor,.já voltei a trabalhar com o tratamento aqui [...]. (Rosa)
Contudo, para Abreu, Salzano e Vasques (2006), mesmo que o humor depressivo seja típico dos quadros depressivos, ele não é exclusivo
para o diagnóstico. Há a presença de outros sintomas psíquicos como desinteresse, redução de energia, diminuição da capacidade de pensar. Além
disso, o indivíduo experimenta insônia com piora do humor, ou pode ainda apresentar hipersonia. A depressão pode ainda vir associada à redução
ou ao aumento do apetite, redução do interesse sexual, acompanhados
de retraimento social, crises de choro, comportamento suicida e retardo
ou agitação psicomotora, reafirmando os achados da presente pesquisa.
Outras informantes ainda se encontram em processo de readaptação à “nova realidade” (desemprego, retomada da vida social e familiar,
dependência, volta a escola, dificuldade de enfrentamento).
[...] sentia aquela sensação ruim, só aquela angústia me matando, tremia tudo,
me esquecia das coisas, era ruim demais [...]. (Girassol)
[...] porque antes era só tristeza e uma agitação danada. (Rosa)
Diante da observância da depressão como uma doença debilitante e dispendiosa, o surgimento de um novo paradigma na saúde mental possibilitou um acompanhamento mais individualizado e singular, o
que torna os sujeitos com depressão mais ativos no seu próprio processo
saúde-doença.
Hoje estou bem, o tratamento aqui é bom. Estou forte e não mais tão triste como
antigamente [...] já estou bem recuperada e sei enfrentar as coisas agora [...]
quando acontece algo tento enfrentar com mais força que antes. (Margarida)
Atualmente estou bem, graças a Deus. Com o acompanhamento do caps tá muito bom. Aqui a gente faz oficinas, desenhos, coisas mesmo pra passar o tempo.
Quando cheguei aqui a crise ainda tava muito forte. Estou aqui há cinco meses e
já tive boa melhora, porque eu passava o dia todinho caminhando na rua e sabia
o que tava fazendo e não conseguia parar. (Bromélia)
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[...] já estou bem recuperada e sei enfrentar as coisas agora. Quando acontece
algo tento enfrentar com mais força que antes [...] nas crises [...] (Margarida)
Ah, minha vida é assim: não estudo e nem trabalho, tá com três anos que frequento o caps, estou aqui todo dia de manhã. Ainda tô muito dependente, não
consigo fazer as coisas direito sozinha, ainda me sinto triste. Mas acho que já
melhorei. (Girassol).
Hoje aqui no caps tá bom, o negócio é que quando eu saio daqui os problemas
sempre tão, né? [...] e até hoje qualquer coisa ruim que acontece já me tranco.
(Cravo)
Nesse aspecto, deve-se ressaltar que o CAPS tenta recriar as relações existentes entre a família, sociedade e pacientes com transtorno
mental. A aliança de tratamento com a família é priorizada, de modo a
permitir que os pacientes desenvolvam suas potencialidades, fortalecendo suas relações sociais e tentando reinseri-los em um ambiente de comunidade (RIBAS; BORENSTEIN, PADILHA, 2007).
Em face da realidade apresentada, considera-se que o CAPS contribuiu significativamente com o tratamento e reabilitação dos indivíduos
que sofrem com a depressão, pois possibilitou enriquecer a vida desses
usuários, além de mitigar as mudanças ocasionadas pela doença, interferindo nas diferentes esferas de suas vidas.
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização desse estudo, percebe-se que cada história de
vida das informantes tem suas particularidades. Pode-se compreender
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Vivendo com depressão: histórias de vida de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial
de forma mais ampla como estes indivíduos convivem com a depressão,
como enfrentam o tratamento e lidam com toda a situação, desde o cotidiano e vivência no ciclo familiar e social até situações de enfrentamento.
As participantes do estudo são cientes de seu estado mórbido.
Sabem e relembram fatos do passado que foi o estopim para o aparecimento da doença, de modo que, ao narrar suas histórias, elas foram
refazendo seu percurso na vida, revendo os fatos e dando significados
a eles.
Diante desta problemática, pode-se perceber a necessidade de
ampliação de um conhecimento pautado numa nova forma de ver o indi-
víduo com depressão, a fim de motivar pesquisas na área da saúde capazes de definir formas mais eficientes de obter subsídios que direcionarão
um planejamento da assistência mais singular que contemple o indivíduo
em suas principais necessidades.
Para a enfermagem, cuja principal meta é o cuidado integral e holístico ao indivíduo, o estudo revigora a necessidade de um olhar mais
direcionado aos indivíduos com transtornos metais e a busca por uma
assistência que promova autonomia e melhor qualidade de vida a esses
pacientes deve ser uma constante dentro do plano de cuidados desse
profissional.
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