Meus tempos de ansiedade

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scott stossel
Meus tempos
de ansiedade
Medo, esperança, terror e a busca
da paz de espírito
Tradução
Donaldson M. Garschagen
Renata Guerra
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Copyright © 2014 by Scott Stossel
Todos os direitos reservados.
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Título original
My Age of Anxiety: Fear, Hope, Dread and the Search for Peace of Mind
Capa e ilustração
Wendy Birch
Preparação
Cacilda Guerra
Índice remissivo
Luciano Marchiori
Revisão
Huendel Viana
<completar>
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
Stossel, Scott
Meus tempos de ansiedade : Medo, esperança, terror e a busca
da paz de espírito / Scott Stossel ; tradução Donaldson M.
Garschagen, Renata Guerra. — 1a ed. — São Pau­lo : Com­pa­nhia
das Letras, 2014.
Título original: My age of anxiety ; fear, hope, dread, and the
search for peace of mind.
isbn 978-85-359-2503-6
1. Ansiedade 2. Ansiedade - Quimioterapia 3. Ansiedade Transtorno - Epidemiologia 4. Stossel, Scott - Saúde mental 5.
Tranquilizantes 4. Aspectos sociais i. Título.
14-09602
Cdd-616.8522
Índices para catálogo sistemático:
1. Transtorno de ansiedade : Medicina 616.8522
[2014]
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Sumário
parte i — o enigma da ansiedade. . . . . . . . . . . . . . . 9
1. A natureza da ansiedade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2. Do que estamos falando quando falamos
de ansiedade?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
parte ii — uma história de meu estômago nervoso
3. Um ronco na barriga. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
4. Ansiedade de desempenho. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133
parte iii — remédios
5. “Uma sacola de enzimas”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207
6. Uma breve história do pânico (ou Como
medicamentos criaram um novo transtorno). . . . . . . . 245
7. A medicação e o significado
da ansiedade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274
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parte iv — criação versus natureza
8. Ansiedade de separação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 313
9. Atormentados e guerreiros: a genética da ansiedade. . . . 356
10. Eras de ansiedade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 400
parte v — redenção e resiliência
11. Redenção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 425
12. Resiliência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 446
Agradecimentos. . . . . . . . . . . .
Notas. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Referências bibliográficas. . . . . .
Índice remissivo. . . . . . . . . . . .
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parte i
o enigma da ansiedade
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1. A natureza da ansiedade
E nenhum Grande Inquisidor tem à sua disposição torturas terríveis como tem a ansiedade, não existe um espião que, com
mais mestria, saiba atacar o homem de quem suspeita, escolhendo o momento em que está mais fragilizado, ou saiba como
melhor dispor armadilhas com que detê-lo e capturá-lo como
faz a ansiedade, não existe juiz sagaz que interrogue ou interpele o acusado como sabe fazer a ansiedade, que jamais o deixa
escapar, seja por desvio de atenção, seja por arrocho, quer por
trabalho, quer por recreação, já de dia, já de noite.
Søren Kierkegaard, Begrebet Angest
[O conceito de ansiedade] (1844)
É certo que o problema da angústia configura um ponto nodal
para o qual convergem questões as mais diversas e importantes,
um enigma cuja solução haverá de lançar luz abundante sobre
o conjunto de nossa vida psíquica.
Sigmund Freud, Conferências introdutórias
à psicanálise (1916-1917 ) (1917)
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Tenho uma lamentável tendência para vacilar em momentos
cruciais.
Por exemplo, no altar de uma igreja em Vermont, esperando
minha noiva percorrer a nave para se casar comigo, começo a
sentir um mal-estar horrível. Não apenas apreensão, mas muita
náusea e tremores — e, sobretudo, transpiração. Faz calor na igre‑
ja nesse dia, pois estamos no começo de julho, e muitas pessoas
suam, mesmo com ternos de verão e vestidos leves. Mas não como
eu. À medida que o cortejo avança, o suor começa a se acumular
em minha testa e sobre meu lábio superior. Nas fotos do casamen‑
to, apareço tenso no altar, com um meio sorriso sinistro, acom‑
panhando o percurso de minha noiva pela nave, de braço dado
com o pai. Nessas fotos, Susanna resplandece de alegria, enquan‑
to eu brilho de suor. Quando ela se junta a mim, filetes de suor
correm para meus olhos e pingam em meu colarinho. Viramo-nos
de frente para o pastor. Atrás dele estão nossos amigos, a quem
pedimos que leiam textos, e percebo que estão olhando para mim
com evidente preocupação. O que está havendo com ele? Imagino
que estarão pensando: Será que vai desmaiar? Só de pensar nessa
possibilidade, passo a transpirar ainda mais. Meu padrinho, três
passos atrás de mim, dá uma batidinha em meu ombro e me pas‑
sa um lenço de papel para eu enxugar a testa. Minha amiga Cathy,
que está num banco no meio da igreja, me contará depois que
pensou seriamente em me levar um copo d’água. E a impressão
que eu dava, dirá ela, era de ter acabado de correr uma maratona.
A expressão no rosto de meus amigos já não exprime preo‑
cupação, mas indisfarçado horror. Será que ele vai morrer? Eu
mesmo já passo a pensar nisso. Porque começo a me sacudir. Não
me refiro a um estremecimento, o tipo de tremor leve que só seria
percebido se eu estivesse segurando uma folha de papel. Eu me
sinto prestes a entrar em convulsão. Concentro-me em impedir
que as pernas bambeiem como as de um epiléptico e em confiar
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que a calça seja larga o bastante para não deixar o tremor se tornar
demasiado visível. Estou agora me apoiando em minha noiva, e
ela faz o que pode para me segurar.
O pastor fala, fala e fala. Não tenho ideia do que ele está di‑
zendo. (E, como se diz, não estou vivendo o momento.) Estou é
rezando para que ele acabe logo com isso, para que eu possa fugir
ao suplício. O pastor faz uma pausa e olha para minha noiva e
para mim. Ao me observar — o brilho do suor que escorre, o
pânico em meu olhar —, ele se alarma. “Você está bem?”, pergun‑
ta baixinho. Sem saber o que fazer, indico com a cabeça que sim.
(O que ele faria se eu dissesse que não? Interromperia a cerimô‑
nia? A vergonha seria insuportável.)
No momento em que o pastor retoma a prédica, estou lutan‑
do ativamente contra três coisas: o tremor das pernas e dos braços,
a ânsia de vômito e a perda de consciência. E só penso numa
coisa: Me tirem daqui. Por quê? Porque quase trezentas pessoas —
amigos, parentes e colegas — vieram a nosso casamento e estou
na iminência de um colapso. Perdi o controle do corpo. Este devia
ser um dos momentos mais felizes e importantes de minha vida,
e estou passando muito mal. Tenho medo de não sobreviver.
Enquanto suo, quase desfaleço e tremo, esforçando-me para
cumprir o ritual (dizer “sim”, pôr a aliança no dedo da noiva,
beijá-la), preocupo-me com o que as pessoas (os pais de minha
mulher, os amigos dela, meus colegas) estarão pensando ao olhar
para mim: Será que ele está mudando de ideia sobre o casamento?
Será que isso é uma prova de sua fraqueza inerente? De sua covardia? De sua inadequação como marido? Parece que tomei uma
ducha vestido. Minhas glândulas sudoríparas — minha debilida‑
de física, minha débil fibra moral — foram reveladas ao mundo.
A indignidade de minha própria existência foi desmascarada.
Felizmente, a cerimônia acaba. Ensopado de suor, saio pela
nave, agarrado, grato, à minha mulher, e ao sair da igreja os in‑
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tensos sintomas físicos somem. Não vou ter convulsões. Não vou
desmaiar. Mas na fila dos cumprimentos, e depois, quando bebo
e danço na festa, o que faço é uma pantomima de felicidade. Sor‑
rio para as câmeras, aperto mãos — e desejo morrer. Por que não?
Falhei num dos mais básicos deveres masculinos: casar-se. Como
foi que consegui ferrar com isso também? Durante as 72 horas
seguintes, suporto um desespero brutal e autodestruidor.
A ansiedade mata relativamente pouca gente, porém um número
bem maior de pessoas aceitaria de bom grado a morte como alternativa à paralisia e ao sofrimento decorrente da ansiedade em suas
formas mais graves.
David H. Barlow, Anxiety and Its Disorders
[A ansiedade e seus transtornos] (2004)
Meu casamento não foi a primeira ocasião em que sucumbi,
nem a última. Durante o nascimento de nosso primeiro filho, as
enfermeiras, por algum tempo, tiveram de parar de cuidar de mi‑
nha mulher, em trabalho de parto, para cuidar de mim, que em‑
palideci e desmaiei. Já fiquei paralisado, de forma mortificante,
em palestras e apresentações públicas, e em várias ocasiões fui
obrigado a desistir delas. Já renunciei a encontros com moças,
fugi de exames e tive colapsos nervosos durante entrevistas de
emprego, ou em aviões, trens e automóveis, ou simplesmente an‑
dando na rua. Em milhares de ocasiões, fazendo coisas normais —
lendo um livro, deitado na cama, falando ao telefone, sentado
numa reunião ou jogando tênis —, fui dominado por uma sensa‑
ção difusa de temor existencial e tomado de náuseas, vertigens,
tremores e diversos outros sintomas físicos. Nesses casos, às vezes
me convenci de que a morte (ou outra coisa de algum modo pior)
era iminente.
Mesmo quando não acometido por esses episódios agudos,
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sou invadido por preocupações com minha saúde ou a de pessoas
de minha família, finanças, trabalho, um ruído no carro ou um
gotejamento no porão, a chegada da velhice e a inevitabilidade da
morte — preocupações com tudo e nada. Às vezes essa apreensão
se transforma num desconforto físico — dor de estômago, dor de
cabeça, tontura, dores nos braços e nas pernas — ou num mal‑
-estar generalizado, como se eu tivesse mononucleose ou gripe.
Muitas vezes enfrentei dificuldades, induzidas pela ansiedade,
para respirar, engolir e até andar. Essas dificuldades tornam-se
então obsessões, ocupando todo o meu pensamento.
Sofro também de vários medos específicos ou fobias. Cito
algumas: de espaços fechados (claustrofobia), de altura (acrofo‑
bia), de perder os sentidos (astenofobia), de ficar preso longe de
casa (uma variedade de agorafobia), de germes (bacilofobia), de
queijo (tirofobia), de falar em público (uma subcategoria de fobia
social), de voar (aerodromofobia), de vomitar (emetofobia) e, cla‑
ro, de vomitar em aviões (aeronausifobia).
Quando eu era criança e minha mãe fazia o curso de direito
à noite, ficava em casa com uma babá, sentindo um medo terrível
de que meus pais tivessem morrido num acidente de carro ou me
abandonado (o termo clínico para isso é “ansiedade de separa‑
ção”). Aos sete anos eu tinha criado sulcos no tapete do meu quar‑
to, de tanto andar de um lado para o outro, tentando fazer com
que, pela força do meu desejo, meus pais voltassem para casa. No
primeiro ano do curso primário, passei quase todas as tardes, du‑
rante meses, na enfermaria da escola, com dores de cabeça psicos‑
somáticas, suplicando que me deixassem voltar para casa. No
terceiro ano, as dores de cabeça tinham sido substituídas por do‑
res de estômago, mas minhas visitas diárias à enfermaria conti‑
nuavam. No ensino médio, eu faltava de propósito às partidas de
tênis e squash para fugir à agonia de ansiedade que as situações
competitivas me causavam. Na única vez em que saí com uma
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garota no colégio, fui dominado pela ansiedade e tive de me afas‑
tar, com medo de vomitar, quando ela se aproximou para um
beijo num momento romântico (estávamos ao ar livre, contem‑
plando constelações pelo telescópio dela). Minha vergonha foi
tanta que deixei de atender os telefonemas dela.
Em suma, desde mais ou menos dois anos de idade, tenho
sido um depósito inquieto de fobias, medos e neuroses. E desde
os dez, quando pela primeira vez fui levado a um hospital de
doenças mentais para avaliação e passei a ser tratado por um psi‑
quiatra, tentei de várias formas vencer minha ansiedade.
Uma lista do que tentei: psicoterapia individual (durante três
décadas), terapia familiar, terapia de grupo, terapia cognitivo‑
-comportamental (tcc), terapia racional-emotiva (tre), terapia
de aceitação de compromisso (tac), hipnose, meditação, repre‑
sentação de papéis [role-playing], terapia de exposição interocep‑
tiva, terapia de exposição in vivo, terapia suportivo-expressiva,
dessensibilização e reprocessamento por meio dos movimentos
oculares [eye movement desensitization and reprocessing] (emdr),
livros de exercícios de autoajuda, massoterapia, oração, acupun‑
tura, ioga, filosofia estoica e fitas de áudio que comprei num in‑
fomercial na tv.
E medicamentos. Muitos medicamentos. Amplictil. Imipra‑
mina. Pertofran. Clorfeniramina. Fenelzina. Buspar. Prozac. Zo‑
loft. Paxil. Wellbutrin. Efexor. Citalopram. Lexapro. Cymbalta.
Luvox. Trazodona. Levoxyl. Propranolol. Oxazepam. Prazepam.
Erva-de-são-joão. Zolpidem. Valium. Librium. Lorax. Frontal.
Rivotril.
Também: cerveja, vinho, gim, bourbon, vodca e uísque.
O que funcionou: nada.
Na realidade, isso não é inteiramente verdadeiro. Alguns re‑
médios ajudaram um pouco, durante períodos limitados. Em
combinação, o Amplictil (um antipsicótico, que era classificado
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como sedativo) e a substância imipramina (um antidepressivo
tricíclico) ajudaram a me manter fora do hospital psiquiátrico no
começo da década de 1980, quando eu estava no fim do curso
fundamental e devastado pela ansiedade. A desipramina, outra
substância da classe dos tricíclicos, me segurou quando tinha vin‑
te e poucos anos. O Paxil, um inibidor seletivo da recaptação de
serotonina (isrs), proporcionou-me cerca de seis meses de redu‑
ção substancial da ansiedade quando eu estava perto dos trinta,
antes que o medo voltasse a toda. Grandes quantidades de Frontal,
propranolol e vodca me permitiram chegar ao fim (mal e mal) da
turnê de lançamento do meu primeiro livro, com várias palestras
públicas e entrevistas na tv, quando tinha trinta e poucos anos.
Um uísque duplo, ajudado por um comprimido de Frontal e ou‑
tro de Dramamine, antes da decolagem, às vezes consegue tornar
tolerável uma viagem de avião — e dois uísques duplos, em rápi‑
da sucessão, conseguem obscurecer o pavor existencial, fazendo
com que ele pareça mais vago e mais distante.
No entanto, nenhum desses tratamentos reduziu de forma
fundamental a ansiedade subjacente que parece entretecida em
minha alma e conectada fisicamente a meu corpo, tornando mi‑
nha vida um tormento. Com o passar dos anos, a esperança de ver
minha ansiedade curada se transformou num desejo resignado de
chegar a um acordo com ela, de encontrar alguma qualidade re‑
dentora ou um benefício atenuante no fato de eu ser, com muita
frequência, uma ruína trêmula e neurótica.
A ansiedade é o traço mental preponderante da civilização ocidental.
R. R. Willoughby, Magic and Cognate Phenomena
[Magia e fenômenos cognatos] (1935)
A ansiedade e os transtornos a ela associados constituem ho‑
je em dia a forma mais comum de doença mental classificada
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oficialmente nos Estados Unidos, mais comum até que a depres‑
são e outros transtornos do humor. Segundo o Instituto Nacional
de Saúde Mental dos Estados Unidos, cerca de 40 milhões de ame‑
ricanos, quase um em sete, sofrem algum tipo de transtorno de
ansiedade em qualquer momento, o que consome 31% dos gastos
com assistência de saúde mental no país.1 De acordo com dados
epidemiológicos recentes, a incidência do transtorno de ansieda‑
de entre os americanos é superior a 25%, o que, se o dado for
verdadeiro, significa que um em quatro americanos pode esperar
ser atingido por uma crise de ansiedade incapacitante em algum
momento da vida. E a ansiedade incapacita mesmo: estudos aca‑
dêmicos recentes afirmam que a debilitação psíquica e física as‑
sociada a uma vida marcada pelo transtorno de ansiedade equi‑
vale a viver com o diabetes — em geral controlável, às vezes fatal,
mas sempre doloroso.2 Um estudo publicado em The American
Journal of Psychiatry em 2006 constatou que os americanos per‑
dem, em conjunto, 321 milhões de dias de trabalho em função de
ansiedade e depressão a cada ano, o que custa à economia 50 bi‑
lhões de dólares anuais;3 e um trabalho publicado em 2001 pelo
Departamento de Estatísticas do Trabalho dos Estados Unidos
estimou em 25 o número médio de dias de trabalho perdidos a
cada ano por trabalhadores americanos que sofrem de transtornos
de ansiedade ou depressão.4 Em 2005 — três anos antes do início
da recente crise econômica —, os médicos americanos passaram
53 milhões de receitas de dois medicamentos contra ansiedade:
Lorax e Frontal, sem contar os demais.5 (Durante as semanas que
se seguiram ao Onze de Setembro, as prescrições de Frontal cres‑
ceram 9% nos Estados Unidos — e 22% na cidade de Nova York.)6
Em setembro de 2008, a crise econômica fez com que o número
de receitas disparasse: enquanto os bancos desabavam e a bolsa
entrava em queda livre, as prescrições de antidepressivos e ansio‑
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líticos aumentaram 9% em relação ao ano anterior, enquanto as
receitas de soníferos cresceram 11%.7
Embora haja quem diga que a ansiedade é uma doença típica
dos Estados Unidos, ela não acomete apenas os americanos. Se‑
gundo um relatório divulgado em 2009 pela Fundação de Saúde
Mental da Inglaterra, 15% da população do Reino Unido sofre de
transtorno de ansiedade hoje em dia, e os índices vêm aumentan‑
do: 37% dos britânicos declaram que se sentem mais assustados
do que antes.8 Um artigo recente de The Journal of the American
Medical Association afirma que a ansiedade patológica é o trans‑
torno emocional mais comum em muitos países.9 Uma ampla
revisão global publicada em 2006 em The Canadian Journal of
Psychiatry concluiu que nada menos que uma em cada seis pes‑
soas em todo o mundo sofrerá um transtorno de ansiedade du‑
rante pelo menos um ano em algum momento da vida;10 outras
pesquisas chegaram a resultados semelhantes.11
É claro que esses números se referem apenas a pessoas que,
como eu, segundo os critérios de diagnóstico um tanto arbitrários
definidos pela Associação Americana de Psiquiatria (apa), são
classificadas, em termos técnicos, como patologicamente ansiosas.
Entretanto, a ansiedade acomete muito mais pessoas além das que
oficialmente apresentam doença mental. De acordo com médicos
de atenção primária, a ansiedade é uma das queixas que com mais
frequência levam pacientes a seus consultórios — com mais fre‑
quência, segundo certos relatos, que o resfriado comum.12 Uma
pesquisa em grande escala, divulgada em 1985, constatou que a
ansiedade era responsável por mais de 11% de todas as consultas
a médicos de família;13 um estudo do ano seguinte determinou
que um terço dos pacientes queixavam-se de “ansiedade grave” a
seus médicos de família.14 (Outros estudos informam que 20% dos
pacientes de atendimento primário nos Estados Unidos tomam
um benzodiazepínico, como Valium ou Frontal.)15 E quase toda
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a população do planeta experimentou em algum momento os su‑
plícios da ansiedade — ou do medo, do estresse ou da preocupa‑
ção, que são fenômenos diferentes mas relacionados. (As pessoas
incapazes de experimentar ansiedade apresentam, de modo geral,
uma patologia mais profunda — e são mais perigosas para a so‑
ciedade — do que aquelas que a sofrem de forma aguda ou irra‑
cional: são sociopatas.)
Poucas pessoas hoje em dia poriam em dúvida a afirmativa
de que o estresse crônico é uma marca de nosso tempo, ou que a
ansiedade tornou-se um tipo de doença cultural da modernidade.
Vivemos, como tem sido dito desde a alvorada da era atômica,
numa era de ansiedade — e isso, por mais lugar-comum que seja,
só parece ter se tornado mais verdadeiro nos últimos anos, quan‑
do os Estados Unidos foram agredidos, num breve espaço de tem‑
po, por terrorismo, calamidade e perturbação econômica e por
uma profunda transformação social.
No entanto, há apenas trinta anos, a ansiedade em si não
existia como categoria patológica. Em 1950, quando o psicanalis‑
ta Rollo May publicou O significado da ansiedade, observou que
até então só dois outros autores, Søren Kierkegaard e Sigmund
Freud, haviam produzido obras extensas sobre o tema. Em 1927,
de acordo com a listagem em Psychological Abstracts, publicaram‑
-se somente três trabalhos acadêmicos sobre a ansiedade; em 1941
foram apenas catorze e, ainda em 1950, não mais que 37. A pri‑
meira conferência acadêmica dedicada unicamente à questão da
ansiedade só teve lugar em junho de 1949. Foi apenas em 1980 —
depois de criados e lançados no mercado novos remédios para
tratar a ansiedade — que esses transtornos foram, enfim, inseridos
na terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais [Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders] (DSM ), da Associação Americana de Psiquiatria, em lugar
das neuroses freudianas. Num sentido importante, o tratamento
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antecedeu o diagnóstico — isto é, a descoberta de medicamentos
ansiolíticos determinou a elevação da ansiedade a uma categoria
diagnóstica.
Hoje, publicam-se a cada ano milhares de trabalhos sobre a
ansiedade, e há várias revistas acadêmicas dedicadas apenas a ela.
A pesquisa sobre a ansiedade vive levando a novas descobertas,
não só sobre suas causas e tratamentos como também, de modo
mais geral, sobre a maneira como a mente funciona — sobre as
relações entre a mente e o corpo, entre os genes e o comportamen‑
to, e entre as moléculas e a emoção. Graças à tecnologia de ima‑
gens por ressonância magnética funcional[functional magnetic
resonance imaging] (fmri), podemos hoje mapear várias emoções
experimentadas subjetivamente em partes específicas do cérebro
e até distinguir vários tipos de ansiedade com base em seu efeito
visível sobre a função cerebral. Por exemplo, a preocupação gene‑
ralizada com fatos futuros (digamos, meu temor de que a indús‑
tria editorial não sobreviva tempo suficiente para que este livro
seja publicado, ou de que eu não tenha como custear os estudos
universitários de meus filhos) tende a aparecer como hiperativi‑
dade nos lobos frontais do córtex cerebral. A intensa ansiedade
que certas pessoas sentem ao falar em público (como o terror,
abrandado por remédios e álcool, que experimentei ao fazer uma
palestra dias atrás) ou que algumas pessoas extremamente tímidas
sentem em situações sociais tendem a aparecer como intensa ati‑
vidade no giro cingulado anterior. Já a ansiedade obsessivo-com‑
pulsiva pode manifestar-se, numa tomografia cerebral, como uma
perturbação no circuito que liga os lobos frontais aos centros ce‑
rebrais inferiores nos gânglios basais. Sabemos hoje, graças à pes‑
quisa pioneira do neurocientista Joseph LeDoux, na década de
1980, que as emoções e os comportamentos mais terríveis são, de
uma forma ou de outra, produzidos, ou pelo menos processados,
pelas amígdalas, órgãos minúsculos, em forma de amêndoa, si‑
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tuados na base do cérebro. Nos últimos quinze anos, as amígdalas
tornaram-se alvo de grande parte das pesquisas neurológicas so‑
bre a ansiedade.
Sabemos também, muito mais do que Freud ou Kierkegaard
sabiam, sobre a forma como diferentes neurotransmissores —
como a serotonina, a dopamina, o ácido gama-aminobutírico,
a norepinefrina e o neuropeptídio Y — reduzem ou aumentam
a ansiedade. Sabemos também que a ansiedade tem um forte
componente genético e já começamos até a descobrir, com cer‑
tos detalhes, em que consiste esse componente. Em 2002, para
citar só um exemplo entre muitas centenas, pesquisadores na
Universidade Harvard identificaram um gene que a imprensa
logo chamou de “gene Woody Allen”, porque ele ativa um gru‑
po específico de neurônios nas amígdalas e em outros locais nas
partes cruciais do circuito neural que governa o comportamen‑
to de medo.16 Hoje, vários pesquisadores concentram a atenção
em inúmeros “genes candidatos” dessa espécie, medindo a asso­
ciação estatística entre certas variações genéticas e certos trans‑
tornos de ansiedade, ao mesmo tempo que exploram os meca‑
nismos químicos e neuroanatômicos que “medeiam” essa
associação, tentando descobrir o que é, precisamente, que con‑
verte uma predisposição genética numa emoção ou distúrbio de
ansiedade real.
“O grande interesse nesse caso, tanto no estudo da ansiedade
como no da emoção e no que se enquadra na categoria dos trans‑
tornos”, diz o dr. Thomas Insel, diretor do Instituto Nacional de
Saúde Mental dos Estados Unidos, “é que se trata de um dos pon‑
tos onde podemos começar a fazer a transição entre o entendi‑
mento das moléculas, das células e do sistema até a emoção e o
comportamento.17 Enfim, somos capazes de traçar as linhas entre
os genes, as células e o cérebro e os sistemas cerebrais.”
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