Biossegurança 01 Nas últimas três décadas, as questões ambientais passaram a integrar, de forma proeminente, fóruns científicos internacionais, decorrentes, dentre outras razões, do aumento da poluição atmosférica e hídrica em devido, principalmente, de gases e resíduos derivados da indústria e dos transportes. Mais recentemente, outras questões de caráter social passaram a preocupar cada vez mais a comunidade internacional. Estimativas do Banco Mundial evidenciam que cerca de 20% da população do mundo não tem acesso a água limpa. Preservação ecológica nunca esteve em tanta evidência como agora. Noventa por cento da produção mundial de cereais ocorre na América do Norte, Europa e Ásia. Atualmente, a América Latina tem contribuição comparativamente modesta no contexto mundial. Certamente haverá dificuldades para atender à demanda de alimentos dos países em desenvolvimento no futuro. Portanto, o papel da 20 A. Borém América Latina é muito importante nesse contexto, bem como o do Brasil em particular. Nesse cenário surgiu a engenharia genética no início da década de 70, na Califórnia, com a transferência e expressão do gene da insulina para Escherichia coli. Essa primeira experiência, em 1973, provocou forte reação da comunidade mundial de ciência, que culminou com a Conferência de Asilomar, em 1974, em que a comunidade científica praticamente propôs uma moratória no uso das técnicas de engenharia genética até que mecanismos fossem adequados para garantir que essas técnicas poderiam ser utilizadas sem riscos para o homem e o ambiente. Em um prazo relativamente curto, desenvolveram-se regras de biossegurança para uso dessas tecnologias em laboratório, e não se tem notícia de nenhum efeito adverso do uso da engenharia genética para a saúde humana e animal ou para o meio ambiente nesses mais de 25 anos de estudo de biotecnologia. Biossegurança é uma ciência surgida no século passado, voltada para o controle e a minimização de riscos advindos da prática de diferentes tecnologias, seja em laboratório, seja quando aplicadas ao meio ambiente. A biossegurança estuda os impactos decorrentes da biotecnologia na saúde humana e animal e no meio ambiente, sendo regulada, em vários países, por um conjunto de leis, procedimentos ou diretivas específicas. No Brasil, a legislação de biossegurança engloba apenas a tecnologia de engenharia genética — que é a tecnologia do DNA ou RNA recombinante —, estabelecendo os requisitos para o manejo de organismos geneticamente modificados (OGMs). O fundamento básico da biossegurança é assegurar o avanço dos processos tecnológicos, bem como proteger a saúde humana e animal e o meio ambiente (CTNBio, 2001). Biossegurança 21 Vários produtos derivados da tecnologia do DNA recombinante são atualmente comercializados no mundo. Na América do Sul, os seguintes produtos já se encontram no mercado: insulina humana, somatropina, variedades transgênicas de milho, soja, algodão etc. Embora a insulina transgênica já vinha sendo comercializada no Brasil por algum tempo, o lançamento das variedades transgênicas no mercado mundial despertou uma nova ótica na avaliação dos riscos dos organismos geneticamente modificados para a saúde e o meio ambiente. Testes de campo com variedades transgênicas têm sido conduzidos na Argentina, na Bolívia e no Chile desde 1991. Esses testes só foram iniciados no Brasil em 1997. A Biotecnologia na Agricultura Em 1979, o Brasil produzia cerca de 39 milhões de toneladas de grãos. Em 2000, a produção aumentou para 84 milhões de toneladas. O país mais do que dobrou a sua produção agrícola em pouco menos de 20 anos. Esse aumento ocorreu graças à elevação da produtividade e à expansão da fronteira agrícola. Que papel teria a biotecnologia e por que ela é importante para o Brasil? Ela permite aumentar a produtividade, melhorar a qualidade nutricional e reduzir os custos de produção. Um dos primeiros setores que está sendo fortemente afetado pela biotecnologia é o de produtos químicos, que hoje, em direta relação com a agricultura, manipula algo em torno de US$20 bilhões, anualmente. Desse valor, cerca de US$8 bilhões/ano correspondem aos chamados defensivos agrícolas usados para controle de doenças, pragas e espécies daninhas. Em alguns casos, o 22 A. Borém custo dos agrotóxicos em relação ao custo total da produção atinge cerca de 40%, como no caso do algodão. A engenharia genética já desenvolveu variedades resistentes a insetos, fungos, bactérias e vírus, permitindo, assim, diminuir o custo da produção agrícola, além de reduzir os resíduos dos produtos fitossanitários que causam danos ao meio ambiente e à saúde humana. No início dos anos 90, muitos se mostraram céticos com relação às previsões de que as variedades transgênicas se tornariam realidade e teriam impacto na agricultura. A experiência dos últimos anos, quando a área acumulada com o plantio de variedades transgênicas superou 125 milhões de hectares, demonstrou que as previsões iniciais não estavam erradas. O contínuo crescimento da área plantada com as variedades transgênicas, registrado até o último censo de 2000 e o levantamento da intensão de plantio para 2001, atesta a confiança dos produtores com relação a essas variedades (James, 2000, USDA 2001b). A estimativa de área plantada com variedades transgênicas nos EUA, no ano agrícola de 2001, indica um contínuo crescimento de sua participação na área total cultivada. A expectativa é de que a área plantada com soja e algodão transgênicos corresponda, respectivamente, a 63 e 64% da área total em 2001. No caso do milho, a previsão é de que a área plantada com transgênicos corresponda a 24% da área total, indicando uma estabilização em relação ao ano anterior (USDA, 2001b). Acredita-se que a estabilização da área plantada com milho transgênico se deva a redução na população de insetos e, conseqüente menor vantagem comparativa das variedades geneticamente modificadas em uma situação de baixa incidência de pragas. As Plantas Transgênicas As primeiras plantas transgênicas, ou seja, obtidas por engenharia genética, começaram a ser testadas em campo Biossegurança 23 no início da década de 80. Atualmente, já foram realizados mais de 5.000 testes de campo no mundo, metade dos quais nos Estados Unidos e no Canadá. Na América Latina, o maior número de liberações ocorreu na Argentina. A comercialização de variedades transgênicas começou na década de 90, com o tomate geneticamente modificado, pela Calgene. Atualmente, variedades transgênicas de soja, milho, algodão, canola e mamão, dentre outras, já têm participação relevante na agricultura dos Estados Unidos, do Canadá e da Argentina. Além dessas, variedades transgênicas de muitas outras espécies, como fumo, tomate, batata etc., tendem a se popularizar. As espécies citadas têm como características transgênicas a resistência a insetos e doenças, tolerância a herbicidas e a melhor qualidade nutricional, como no caso da canola, cuja composição lipídica foi alterada para diminuir o conteúdo de ácidos graxos indesejáveis, especialmente importantes para a dieta de pacientes cardíacos. A Lei de Biossegurança e a CTNBio Vários países, incluindo na América Latina Brasil, Argentina, Chile, México e Venezuela, dentre outros, estabeleceram, através de legislações específicas, normas de biossegurança para regular o uso da engenharia genética e a liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados. No Brasil, essas normas estão reguladas pela Lei no 8.974, sancionada em 5 de janeiro de 1995. Pela Medida Provisória no 1.015, de 29 de maio de 1995, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio foi implementada e passou a integrar a estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia. A CTNBio é composta por representantes do executivo, do setor empresarial que atua em biotecnologia, de representantes dos interesses dos consumidores e de órgãos legalmente constituídos para proteção da saúde. 24 A. Borém A CTNBio recomendou a autorização da importação, exclusivamente para consumo humano e animal, de soja proveniente dos Estados Unidos, que, em razão de plantios comerciais de cultivar transgênico tolerante ao herbicida glifosato, poderia conter cerca de 10% de cultivares transgênicos. Posteriormente, a CTNBio recomendou a liberação da variedade de soja Roundup Ready para plantio e comercialização no Brasil. Entretanto, uma liminar judicial suspendeu o direito de plantio dessa variedade em todo o território nacional até que estudos adicionais fossem concluídos. A conclusão da CTNBio foi de que a soja transgênica em questão é equivalente à soja nãotransgênica do ponto de vista de sua composição química e propriedades nutricionais. A decisão foi baseada em análises realizadas pelo USDA/FDA e por órgãos congêneres de outros países, como Canadá, Holanda, Inglaterra, Dinamarca e Japão, que compararam, através da análise da composição química e de testes nutricionais, grãos transgênicos e não-transgênicos. Além dos países citados, países da América Latina como Argentina e México também liberaram, para consumo humano e animal, a soja em questão. As Principais Questões de Biossegurança no Mundo O rápido avanço da engenharia genética trouxe questões de relevâncias ética e jurídica que têm obrigado a maioria dos países a criar ou rever suas legislações. Uma dessas questões mais sensíveis resulta da clonagem de mamíferos a partir de células somáticas, experiência realizada com sucesso pela primeira vez com a ovelha Dolly, pelo Dr. Ian Wilmut, do Instituto Rosslin, na Escócia. Atualmente, há relatos de bovinos, suínos e macacos clonados. 25 Biossegurança Existe também forte questionamento de ecólogos sobre os riscos de as variedades transgênicas causarem poluição genética no meio ambiente, em decorrência da possibilidade de os transgenes escaparem dessas variedades para aquelas não-transgênicas da mesma espécie ou para outras espécies, especialmente as silvestres. Os capítulos subseqüentes abordam aspectos científicos pertinentes aos riscos do escape gênico, a partir de organismos geneticamente modificados, para outros organismos. Literatura Consultada Borém, A. 2001. Avaliação dos riscos de escape gênico. Biotecnologia Ciencia e Desenvolvimento 18: (no prelo). Borém, A. e Giudice, M.P. 2000. Variedades transgenicas: solucao ou ameaca. Informe Agropecuario 21: 14-19. Brasileiro, A.C.M. e, G.M.A. 2000. Plantas transgênicas. Informe Agropecuário. 21:28-35 Cancado, G.M.A. 2000. Plantas transgênicas e biossegurança. Informe Agropecuário. 21:89-96. Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. 2001. http://www.ctnbio.gov.br/ctnbio/default.htm Food and Drug Administration. 2001. http://Vm.cfsan.fda.gov/~\rd/biotechm.html. Instituo Brasileiro de Estatísticas–IBGE. 2001. http://www.ibge.gov.br/ibge/estatistica/indicadores/agrop ecuaria/lspa/default.shtm. International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications. 2001. http://www.isaaa.org James, C. 2000. Review of commercialized transgenic crops. Briefs N. 21. Ithaca: ISAAA Press. http://www.isaaa.org/briefs/Brief21.htm Josling, T. 1998. EU-US trade conflicts over food safety legislation: an economist's viewpoint ou legal stress points that will concern the industry. In: US-EU LegalEconomic Affairs, House of Estates - Helsinki. pp. 75-92. 26 A. Borém United States Department of Agriculture. 2001a. http://www.usda.gov/agencies/biotech/index.htm United States Department of Agriculture. 2001b. USDA planting intentions survey. http://usda.mannlib.cornell.edu/reports/nassr/field/pcpbbp/pspl0301.pdf United States Enviromental Protection Agency. 2001 http://www.epa.gov.