Colonização e Biossegurança 04

Propaganda
Colonização e
Biossegurança
04
A possibilidade de um escape gênico resultar em um novo
biótipo e este invadir e se estabelecer em um ecossistema é
uma das maiores preocupações dos ecólogos. Essas
possibilidades são, quando determinadas, específicas para
cada situação, envolvendo os seguintes fatores: espécie,
modificação genética, fatores biótipos e abióticos do habitat
onde o escape ocorreu, modo de reprodução e densidade
relativa do escape.
Para estimação da probabilidade de estabelecimento de um
organismo geneticamente modificado em um ecossistema,
os seguintes parâmetros devem ser considerados: i) menor
tamanho de uma população viável e os atributos
necessários para o estabelecimento e a dispersão dos
invasores e ii) por quanto tempo pode a população persistir
no habitat sem a interferência humana.
38
A. Borém
Fatores Que Afetam a Colonização
Modo de Reprodução
Se o modo de reprodução é por alogamia, poucos indivíduos
podem ser portadores de dezenas de alelos e representar o
genoma de toda a população, trazendo, portanto, grande
variabilidade genética. Essa maior variabilidade genética
pode ser determinante da chance de estabelecimento e
colonização do ecossistema. No entanto, se o modo de
reprodução do invasor for via autofecundação, a
variabilidade presente em um limitado número de
indivíduo pode ser pequena a ponto de comprometer a
colonização, por falta de indivíduos com constituição
genética adaptada às condições desse habitat.
Se o modo de reprodução é por propagação assexuada, a
variabilidade existente será aquela representada pelo
genoma dos clones introduzidos. Nesses casos, se a
reprodução sexual não ocorrer alternativamente com os
benefícios da recombinação e formação de novos biótipos, a
colonização dependerá da adaptabilidade fenotípica apenas
dos invasores.
Tamanho da População
Não existem ainda maneiras precisas de se estimar o
tamanho mínimo de uma população viável (Simberloff,
1988). Em geral, as conclusões com relação ao tamanho
efetivo das populações são extraídas de estudos empíricos.
A maioria dos estudos considera que o tamanho mínimo de
uma população viável é aquele que assegura mínimo risco
de extinção decorrente de casualidades genéticas ou
ambientais (Mooney e Drake, 1986).
Ewens et al. (1987) propuseram que o tamanho mínimo da
população é aquele que permite sobrevivência por
Colonização e Biossegurança
39
determinado período. Essa definição representa bem a falta
de parâmetros para o cálculo do tamanho mínimo da
população. A literatura registra valores que vão de 20 a 500
indivíduos como o tamanho mínimo de uma população
(Richter–Dyn e Goel, 1972; Franklin 1980; Ewen, 1990).
Baker (1965) descreveu as características de um forte
invasor: apresentar adaptabilidade fenotípica e genotípica;
ser perene; germinar em amplo espectro de condições
físicas, crescimento rápido e florescimento precoce; não
apresentar incompatibilidades genéticas; apresentar
alternativamente propagação vegetativa e forte habilidade
de competição por luz, água, nutrientes e espaço físico;
produzir grande número de sementes com grande
capacidade de dispersão e com diferentes graus de
dormência. Obviamente, nenhum invasor apresenta todas
essas características simultaneamente.
Alguns ecossistemas são mais vulneráveis à invasão do que
outros. A complexidade do habitat com seus componentes
bióticos e abióticos e a interferência humana determinam
sua vulnerabilidade. A existência de possíveis pragas ou
predadores no habitat pode levar à extinção dos invasores
antes mesmo que eles completem o primeiro ciclo de vida.
O sucesso da colonização diminui com o aumento do
número de espécies residentes no habitat. Dados empíricos
também têm evidenciado que ecossistemas em desequilíbrio
tendem a ser mais vulneráveis que os estáveis.
É geralmente aceito que os OGM apresentam desvantagem
seletiva, uma vez que as modificações gênicas normalmente
não objetivam maior adaptabilidade e, dessa forma,
significariam carga metabólica adicional para esses
organismos. Tal consideração está em consonância com a
teoria do dreno metabólico, que preconiza a vantagem
competitiva do transgênico somente na presença do agente
40
A. Borém
de seleção para o qual ele foi desenvolvido. Os
conhecimentos gerados com mutação suportam esse
raciocínio. As mutações induzidas possuem, em sua
maioria, baixa capacidade de competição e são rapidamente
eliminadas das populações.
Biossegurança Ecológica
Após mais de 15 anos de discussão, os ecólogos estão
construindo novos padrões para avaliação dos riscos dos
transgênicos ao meio ambiente (Mooney e Bernardi, 1990;
Rissler e Mellon, 1993; Willianmson, 1993). Segundo a nova
ótica, os estudos empíricos são muito simplistas e não
consideram uma série de aspectos relevantes no equilíbrio
ecológico. Uma das possíveis justificativas para isso é que
os OGM foram e estão sendo desenvolvidos com grande
velocidade,
enquanto
os
experimentos
ecológicos
normalmente requerem longo período de avaliação. Os
transgênicos que realmente ofereceriam maiores riscos têm
sido descontinuados pelas empresas após sua avaliação
interna, e aqueles que foram preparados para serem
lançados no mercado, mesmo oferecendo substanciais
riscos, não obtiveram ainda permissão dos órgãos
governamentais para uso em pesquisa (Parker e Kareiva,
1995).
Crawley et al. (2001), trabalhando no Imperial College,
Inglaterra, estudaram durante 10 anos a capacidade de
invasão de quatro espécies: milho, batata, beterraba e
canola, geneticamente modificadas. Foram incluídos todos
os tipos de modificação genética disponíveis à época do
início desse trabalho, em 1990: tolerância a herbicidas e
resistência a pragas. Anualmente, durante 10 anos,
indivíduos transgênicos e não-transgênicos foram
monitorados para verificar sua capacidade de colonização e
persistência em 12 diferentes ambientes. Aqueles autores
Colonização e Biossegurança
41
concluíram que o tamanho das populações, tanto das
variedades transgênicas quanto das não-transgênicas,
declinou após o primeiro ano e que em nenhum caso as
variedades
transgênicas
persistiram
por
tempo
significativamente maior que o de suas congêneres
convencionais.
Características Relevantes das
Variedades Transgênicas
Na avaliação dos riscos dos transgênicos, um aspecto que
deve ser considerado são os possíveis efeitos da
característica introduzida no OGM sobre outros
organismos. Essa deve ser uma das avaliações
especialmente em variedades que foram modificadas para
produzir novas substâncias, como a proteína Bt. Embora
esta proteína seja natural e já venha sendo usada como
inseticida há muitos anos, com o plantio do milho Bt a
quantidade adicional desta proteína colocada no meio
ambiente tornou-se maior. Estudos de impacto de
variedades Bt nos insetos não-alvos da proteína têm sido
conduzidos, indicando a segurança dessas variedades
(Monsanto, 1994).
Outro aspecto que deve ser avaliado é a possibilidade de o
OGM criar condições de invasão e colonização em
microambientes. Teoricamente, as variedades transgênicas
poderiam criar esse risco se são portadoras de
características que conferem maior habilidade de
competição ou maior agressividade quando em competição
com outros biotipos. Os ecólogos acreditam que as
variedades modificadas para apresentarem adaptação a
diferente região, modo de reprodução e resistência a pragas
ou doenças devem ser avaliadas com cautela adicional.
Embora essas alterações fenotípicas possam resultar em
maior capacidade de competição e facilitar eventual
42
A. Borém
colonização do habitat, os resultados experimentais
evidenciam que esse risco potencial é muito pequeno ou,
mesmo, inesistente na maioria dos cenários.
Existem várias maneiras de se avaliar a capacidade
invasora das espécies. Rissler e Mellon (1993) sugeriram os
estudos de substituição, nos quais diferentes proporções de
sementes da variedade transgênica e da não-transgênica
são plantadas em mistura, sendo a proporção da variedade
transgênica monitorada em sucessivas gerações. Se o
transgene conferir maior agressividade, sua proporção na
população aumentará, exponencialmente, com as gerações.
Uma segunda maneira de quantificar a capacidade de
invasão é medi-la diretamente usando a taxa de
multiplicação, que para uma espécie anual é dada pelo
número de sementes obtidas na colheita em razão do
número de sementes plantadas (Crawley et al., 1993).
Obviamente, essas duas estratégias podem ser alvo de
críticas, uma vez que a invasão e a colonização na natureza
dependem, conforme mencionado em outros capítulos, não
só do invasor, mas também do ambiente invadido, sendo
este composto tanto de seus fatores abióticos, como
condições edafoclimáticas, quanto de seus fatores bióticos.
Ecólogos acreditam que, no planejamento de experimentos
com o objetivo de estudar a capacidade invasora de um
biotipo em amplo espectro de ambientes, devem ser
considerados aqueles nos quais o transgênico poderia
manifestar alguma superioridade, bem como aqueles em
que este não apresentaria superioridade. Por exemplo, para
uma variedade transgênica resistente a insetos, um dos
ambientes deve apresentar a praga em níveis que causam
danos econômicos. Para variedades transgênicas tolerantes
a herbicidas, um dos ambientes deveria apresentar
competição com espécies daninhas e ser pulverizado com o
Colonização e Biossegurança
43
herbicida para o qual a variedade foi desenvolvida.
Entretanto, muitos desses cenários são irreais ou pouco
prováveis de ocorrer, como a pulverização generalizada de
ambientes silvestres com herbicidas. Tais produtos são, em
geral, aplicados em lavouras e áreas de circulação, dentre
outros locais.
Um segundo aspecto que deve ser considerado neste tipo de
estudo é a presença de parentes silvestres no habitat, bem
como a sua compatibilidade sexual com o invasor. Para
avaliação desses riscos, os estudos, em sua maioria, têm
sido conduzidos visando avaliar a distância que o pólen
transgênico pode percorrer e fecundar outras variedades
não-transgênicas dispostas em crescentes distâncias do
OGM fonte do pólen (Manasse, 1992; Morris et al., 1994).
Os resultados desses estudos provavelmente superestimam
os riscos de escape gênico para espécies que poderiam
causar impacto ambiental. No caso de escape gênico para
espécies silvestres, outras barreiras (pré-zigóticas e pószigóticas) por certo reduzem, substancialmente, a taxa de
fecundação cruzada.
Acesso aos riscos de biossegurança em condições de campo
deve ser preferencialmente conduzido, a menos que o
experimento ofereça riscos substanciais não-controláveis
para o meio ambiente ou nos casos em que a interação
genótipo x ambiente seja inexistente ou inexpressível, isto
é, quando o ambiente não se altera com a resposta dos
genótipos. Nesses casos, os ensaios em casa de vegetação
devem ser preferidos.
Literatura Consultada
Alyokhin, A.V.; Ferro, D.N. 1999. Modifications in dispersal
and oviposition of Bt-resistant and Bt-susceptible
Colorado potato beetles as a result of exposure to
44
A. Borém
Bacillus thuringiensis subsp. tenebrionis Cry9A toxin.
Entomologia Experimentalis et Applicata 90: 93-101.
Alyokhin, A.V.; Ferro, D.N. 1999. Reproduction and
dispersal of summer-generation Colorado potato beetle
(Coleoptera: Chrysomelidae). Environmental Entomology
28: 425-430.
Baker, H. G. 1965. Characteristics and modes of origin of
weeds. In: Baker, H.G. and Stebbins, G. L. (eds.). The
Genetics of Colonizing Species. New York: Academic
Press. pp. 147–172.
Borém, A. 2000. Escape gênico: os riscos do escape gênico
da
soja
no
Brasil.
Biotecnologia
Ciência
e
Desenvolvimento 10: 101-107.
Crawley, M.J.; Brown, S.L.; Hails, R.S.; Kohn, D.D. e Rees,
M. 2001. Biotechnology: transgenic crops in natural
habitats. Nature 409: 682-683.
Crawley, M. J.; Hails, R.S.; Rees, M.; Kohn, D. e Buston, J.
1993. Ecology of transgenic oilseed rape in natural
habitats. Nature 363:620-623.
Daniell, H. 1999. The next generation of genetically
engineered crops for herbicide and insect resistance:
containment of gene pollution and resistance.
AgBiotechNet.
1:
ABN
024,
8
pp:
http://www.agbiotechnet.com.
Darmency, H.; Lefol, E.; Fleury, A. 1998. Spontaneous
hybridizations between oilseed rape and wild radish.
Molecular Ecology 7: 1467-1473.
Ewens, W. J. 1990. The minimal viable population size as a
genetic and demographic concept. In: Adams, J.;
Hermalin, A.; Lam, D. e Smouse, P. (eds.) Convergent
Issues in Genetics and Demography. Oxford: Oxford
University Press pp. 307-316
Ewens, W.J.; Brockwell, P.J.; Gani, J. M. e resmick, S.I.
1987. Minimal population size in the presence of
catastrophes. In: Soule, M.E. (ed.): Viable Populations
for conservation. Cambridge: Cambridge University
Press. pp. 59-68.
Colonização e Biossegurança
45
Franklin, I. R. 1980. Evolutionary change in small
populations. In: Soule, M. E. e Wilcox, B. A. (eds.).
Conservation Biology: An Evolutionary–Ecological
Perspective. Sunderland: Simaver Press pp. 133–150.
Manasse, R. 1992. Ecological risks of transgenic plants:
effects of spatial dispersion on gene flow. Ecol. Appl.
2:431-438.
Monsanto.
1994.
Petition
for
Determination
of
Nonregulated Status for Potatoes Producing the
Colorado Potato Beetle Control Protein of Bacillus
thuringienses subsp. tenebrionis. United States
Department of Agricultura - APHS. 85p.
Mooney, H. A e Bernardi, G. 1990. Introduction of
Genetically Modified Organisms into the Environment.
New York: John Wiley and Sons Press. 204p.
Mooney, H. A e Drake, J. A. 1986. Ecology of Biological
Invasion of North America and Hawaii–Ecological
Studies 58. New York: Springer Verlag.
Morris,W.; Kareiva, P. e Raymer, P. 1994. Do barren zones
and pollen traps reduce gene escape from trangenic
crops? Ecol. Appl. 4:157-165.
Raybould, A.F.; Clarke, R.T.; 1999. Defining and measuring
gene flow. In: Gene flow and agriculture: relevance for
transgenic crops. Proceedings of a symposium held at
Keele, 41-48 pp. BCPC Symposium Proceedings No.72;
British Crop Protection Council.
Richter–Dyn, N. e Goel, N.S. 1972. On the extinction of a
colonizing species. Theor Pop. Biol. 3: 406–433.
Rissler, J. e Mellon, M. 1993. Perils Amidst the Promise:
Ecological Risk of Transgenic Crops in a Global Market.
Cambridge: Union of Concerned Scientists Press. 141p.
Salisbury, P.A. 2000. The myths of gene transfer - a canola
case study. Plant Protection Quarterly 15: 71-76.
Squire, G.R.; Crawford, J.W.; Ramsay, G.; Thompson, C.;
Bown, J. 1999. Gene flow at the landscape level. In: Gene
flow and agriculture: relevance for transgenic crops.
Proceedings of a symposium held at Keele, 57-64pp.
46
A. Borém
BCPC Symposium Proceedings No.72; British Crop
Protection Council.
Trewavas, A. 1999. Much food, many problems: a new
agriculture, combining genetic modification technology
with sustainable farming, is our best hope for the future.
Nature London 402: 231-232.
Download